Representações sociais do cuidado prestado aos pacientes soropositivos ao HIV
INTRODUÇÃO
Este trabalho consiste em um recorte da dissertação "As representações sociais
do cuidado de enfermagem prestado à pessoa que vive com HIV/AIDS na perspectiva
da equipe de enfermagem", desenvolvida no Programa de Pós-graduação em
Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O interesse do presente estudo é lançado sobre as relações estabelecidas entre
as práticas de cuidado de enfermagem e a constituição de novos sujeitos de
cuidado em decorrência do surgimento da epidemia do HIV/AIDS.
Enquanto objeto social novo, o vírus e a doença, então desconhecidos,
constituíram os elementos essenciais para a formação de representações, de
forma a tornar o desconhecido (vírus e doença) em algo conhecido (HIV/AIDS),
possível de ser pensado e sobre o qual se poderia agir. No decorrer de três
décadas da epidemia do HIV/AIDS, emergiram diversas representações da doença e
de seus portadores. Estas representações sofreram alterações no decorrer dos
anos, influenciadas, muitas vezes, pelas mudanças epidemiológicas, pela
organização social e pelo desenvolvimento científico no campo(1).
Acompanhando todas as fases da epidemia de HIV/AIDS, encontra-se a profissão de
enfermagem, pois presta cuidados a todos os indivíduos, desde o estado de saúde
em equilíbrio até aquele no qual a doença encontra-se instalada(2) e, dentre
estes indivíduos, os pacientes soropositivos ao HIV. Sendo a enfermagem uma das
profissões que mais efetivam atividades de promoção, manutenção e recuperação
da saúde, o cuidado é considerado fundamental para a sua prática,
caracterizando-se como uma interação interpessoal que deve agregar elementos
primordiais como o respeito, a consideração, a compaixão e o afeto(3).
No entanto, não se pode esquecer as peculiaridades que o tema HIV/AIDS carrega
por abranger, dentre outras coisas, os preconceitos e a discriminação que fazem
parte das representações sobre a doença e da sua construção social. E, além
disso, que a equipe de enfermagem é composta por sujeitos que fazem parte da
sociedade e, como tal, também trazem consigo muitas destas representações.
Desta forma, é preciso lembrar as particularidades da problemática que cerca
aos sujeitos que compõem a equipe de enfermagem, seja como pessoas privadas ou
como profissionais. Estas particularidades vão do maior risco de contágio, em
função da predisposição a acidentes com materiais pérfuro-cortantes, ao
convívio com as conseqüências da doença, dentre elas a degeneração física, o
isolamento social e a morte, resultando em um tipo de representação ainda hoje
presente, na qual a aids encontra-se fortemente associada à morte, ao
preconceito e à exclusão(4).
Esses sujeitos, provavelmente, construíram suas representações a partir de
referenciais híbridos - senso comum e universo científico - com implicações
importantes para as práticas profissionais, ou seja, os posicionamentos
positivos ou negativos presentes na vida privada podem influenciar as práticas
profissionais. Isto porque as representações sociais guiam os comportamentos e
as práticas e, desta forma, justificam as tomadas de posição e os
comportamentos(5).
Desta forma, considera-se que as representações construídas pelos profissionais
de enfermagem influenciam as práticas de cuidado, podendo expressar-se nas
relações com os pacientes soropositivos ao HIV sob a forma de distanciamento
físico e relacional, imerso em desprezo, preconceitos e julgamentos morais. No
entanto, considerando que o processo de trabalho de enfermagem implica em ações
de cuidado tanto físicas, quanto relacionais, a prática de enfermagem pode
limitar-se à simples realização de procedimentos técnicos, buscando o máximo
distanciamento do ser cuidado e, desta forma, ser considerado como descuidar(6-
7). Por outro lado, ao lidar com o paciente soropositivo ao HIV, o profissional
de enfermagem pode encontrar-se envolto por empatia, compreendendo o sentimento
alheio e colocando-se no lugar do outro. No entanto, pode sentir um mal-estar
pessoal e buscar o afastamento, ou seja, pode compreender a situação do
paciente soropositivo ao HIV, porém sentir uma grande dificuldade para encarar
a situação e buscar o distanciamento na relação interpessoal(8).
Assim, entende-se que o cuidado de enfermagem envolve, dentre outras coisas, o
ambiente, os valores e a formação de determinado espaço de simbolização. E,
ainda, que é através da representação social que se torna possível captar a
realidade simbólica existente, que, diversas vezes, nos passa despercebida, e,
porém, possui forte poder de mobilizar e explicar a realidade, guiando os
comportamentos e as atitudes(9).
Desta forma, este estudo tem por objetivos identificar e comparar as
representações sociais do cuidado de enfermagem à pessoa que vive com HIV/AIDS
em duas categorias da equipe de enfermagem que atuam em instituição hospitalar.
Neste sentido, vislumbra-se que essas representações permitam compreender a
função da representação na motivação dos profissionais ao realizar o cuidado.
E, conseqüentemente, possibilite compreender a prática efetivada e seus
determinantes para que se possa melhorá-la a fim de prestar um atendimento
digno à pessoa que vive com o HIV/AIDS, resguardando o seu espaço de autonomia.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa orientada pela Teoria das Representações
Sociais. O cenário do estudo foi um hospital público universitário localizado
na cidade do Rio de Janeiro, sendo selecionados quatro setores (Doenças
Infecto-Parasitárias, Clínica Médica, Pneumologia e CTI Geral), nos quais os
profissionais de enfermagem possuíam maior proximidade com os clientes
soropositivos ao HIV devido ao maior quantitativo desta clientela. Isto por
compreender que a proximidade com o objeto aumenta a possibilidade de
existência da representação social devido aos mecanismos de focalização e
pressão à inferência, essenciais para a formação e transformação das
representações.
Desta forma, os sujeitos da pesquisa foram 20 auxiliares de enfermagem e 20
enfermeiros, que cuidam ou já cuidaram de pacientes que vivem com o HIV/AIDS.
Foram consideradas como atividades de cuidado aquelas que envolvem contato
físico direto durante a execução do cuidado de enfermagem ao paciente
soropositivo ao HIV. A hipótese subjacente à escolha dos sujeitos, e
particularmente a inclusão dos auxiliares de enfermagem no estudo, é a da
existência de diferentes perfis de cuidar e, portanto, de diferentes
representações associadas a esse cuidar.
Cabe ressaltar que no decorrer da pesquisa foram respeitadas todas as normas e
diretrizes para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos contidas na
Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde. Dentre estas, encontram-se a
aprovação pelo Comitê de Ética da instituição na qual o estudo foi desenvolvido
(Parecer nº 1575), bem como a obtenção, anteriormente ao início da entrevista,
do consentimento livre e esclarecido dos sujeitos participantes.
Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos: um questionário de
caracterização dos sujeitos contendo dados sócio-econômico-profissionais - como
idade, sexo, renda pessoal mensal, tempo de atuação em enfermagem, etc - e um
roteiro semi-estruturado de entrevista contendo os temas a serem abordados -
por exemplo, influências do HIV/AIDS no desenvolvimento de técnicas de
enfermagem e no relacionamento com a clientela e profissionais.
E, para a análise, foi utilizado o software ALCESTE 4.7, o qual realiza a
análise lexical de conteúdo por meio de técnicas quantitativas de tratamento de
dados textuais(10). A fim de identificar os perfis discursivos dos dois grupos
de profissionais, utilizou-se o recurso da análise cruzada, ou tri-croisé, com
a variável categoria profissional. Desta forma, surgiu uma classe contendo as
Unidades de Contexto Elementar (U.C.E.) correspondentes aos enfermeiros, e
outra correspondente aos auxiliares de enfermagem. Posteriormente, realizou-se
a análise a fim de, a partir dos conteúdos, identificar a especificidade da
temática abordada em cada classe.
RESULTADOS
Cotidiano do cuidado de enfermagem prestado ao paciente com HIV/AIDS pelo
auxiliar de enfermagem
A presente classe possui associação estatística (comprovada através do teste do
qui-quadrado) com auxiliares de enfermagem que possuem renda pessoal mensal
inferior a R$3.000,00, com faixa etária de 35 a 44 anos, que atuam na área de
enfermagem por período entre 10 e 20 anos ou igual ou inferior a 10 anos e com
pacientes soropositivos ao HIV há período igual ou superior a 15 anos. Esta
classe abrange 991 das 1.887 U.C.E. utilizadas na análise tri-croisé, o que
representa 52,52% do corpus de análise. No que concerne às U.C.E. que compõem
esta classe, cada uma apresenta, em média, 17,67 palavras analisadas.
As formas reduzidas que possuem maiores valores de coeficiente de associação
através do teste de qui-quadrado (x²) e, conseqüentemente, maior associação
estatística com a referida classe, são: profissional_de_enf; luva+; estava;
trabalhar; falei; mulher; convers+; comigo; sangue. Destas, somente luva+ e
convers+ não se encerram em si e possuem contextos semânticos, quais sejam,
respectivamente: luva e luvas; conversa, conversas e conversasse.
Com vistas nestas formas reduzidas e contextos semânticos, é possível observar
que o conteúdo geral desta classe engloba o cotidiano do cuidado de enfermagem
prestado ao paciente soropositivo ao HIV. Desta forma, são encontrados
conteúdos relativos ao convívio e ao relacionamento interpessoal entre o
paciente com HIV/AIDS e os membros da equipe de enfermagem.
Através do dendrograma da Classificação Ascendente Hierárquica (C.A.H.) desta
classe, foi possível compreender que ela é composta por duas categorias:
"Convívio entre paciente soropositivo ao HIV e equipe de enfermagem durante a
hospitalização" e "Relacionamento interpessoal entre paciente soropositivo ao
HIV e equipe de enfermagem". A primeira categoria agrega duas sub-categorias:
"Violência sofrida pelo profissional de enfermagem" e "Cautela durante a
realização de procedimentos". Enquanto isso, a segunda agrega as sub-
categorias: "Diálogo entre paciente soropositivo ao HIV e profissional de
enfermagem" e "Sentimentos do paciente com HIV/AIDS".
Convívio entre paciente soropositivo ao HIV e equipe de enfermagem durante a
hospitalização
Violência sofrida pelo profissional de enfermagem
Os auxiliares de enfermagem entrevistados pontuam que durante a assistência
prestada aos pacientes com HIV/AIDS vêem-se diante de situações de violência
cometidas pelos sujeitos alvo de seus cuidados. Neste sentido, enfatizam que
tal violência varia da verbal à física e, muitas das vezes, se dá em função da
revolta sentida por estes pacientes devido ao diagnóstico da soropositividade
ao HIV.
Tiveram casos de paciente soropositivo ao HIV agredir o profissional
de enfermagem. Aconteceu comigo quando vim para DIP [doenças infecto-
parasitárias]. Tinha um paciente soropositivo ao HIV revoltado que
teimou que queria me bater. Ele era assim com todos, não era somente
comigo. (entr. 17)
Frente a esta violência sofrida, os auxiliares de enfermagem afirmam que buscam
o distanciamento destes clientes como forma de se protegerem da violência.
Não chegou a me agredir, mas eu não ia esperar. Paciente assim, deixa
no canto dele. Quer ficar sozinho, fica sozinho pensando. (entr. 17)
Desta forma, o cuidado de enfermagem pode tornar-se marcado pelo afastamento e
isento de relacionamento interpessoal entre os sujeitos envolvidos.
Cautela durante a realização de procedimentos
Os auxiliares de enfermagem defendem a idéia de que a cautela a ser utilizada
durante a prestação do cuidado de enfermagem deve ser igual com todos os
pacientes, independente de sua patologia. Afirmam que os equipamentos de
proteção individual (E.P.I.) devem ser utilizados de acordo com o cuidado a ser
efetivado, e não em função do paciente que será assistido, uma vez que as
precauções devem ser tomadas com todas as pessoas.
O cuidado de enfermagem é idealizado no momento, mas o profissional
de enfermagem tem a mesma cautela. O profissional de enfermagem
utilizará luvas para dar banho e fazer curativo em todo paciente,
independente de ser paciente soropositivo ao HIV ou não. (entr. 08)
Porém, admitem que no caso de paciente sabidamente soropositivo ao HIV, a
atenção é redobrada. E, mencionam que ao saberem do diagnóstico do paciente, os
membros da equipe de enfermagem transmitem esta informação uns aos outros nas
passagens de plantão a fim de que todos tenham uma cautela a mais e evitem
acidentes de trabalho com materiais biológicos destes pacientes.
(...) É óbvio que quando o profissional de enfermagem te alerta, na
passagem de plantão, o profissional de enfermagem fica mais atento.
(entr. 38)
Assim, admitem que se paramentam com todos os E.P.I. disponíveis no local de
trabalho para se aproximarem dos pacientes com soropositivos ao HIV, pois temem
que estes pacientes, devido à revolta que, por vezes, sentem, arremessem algo
no profissional de enfermagem que lhe presta assistência.
(...) O profissional de enfermagem precisa utilizar capote, luvas e
máscara para se aproximar do paciente soropositivo ao HIV porque o
paciente soropositivo ao HIV pode jogar algo em cima do profissional
de enfermagem. (entr. 40)
Relacionamento interpessoal entre paciente soropositivo ao HIV e equipe de
enfermagem
Diálogo entre paciente soropositivo ao HIV e profissional de enfermagem
É apontado pelos auxiliares de enfermagem entrevistados que, por diversas
vezes, os pacientes com HIV/AIDS lhes solicitam orientações a respeito de seu
tratamento e diagnóstico visto os médicos não os esclarecerem adequadamente.
Além disso, afirmam que, por vezes, os médicos revelam o diagnóstico a
familiares do paciente, mas não ao próprio paciente e, frente a isto, o último
se vê diante de diversas dúvidas e incertezas. Assim, pelo fato dos auxiliares
de enfermagem serem os integrantes da equipe de saúde que mais efetivamente
permanecem junto aos pacientes durante sua hospitalização, é a estes
profissionais que os pacientes recorrem no caso da necessidade de informações e
acolhimento.
Às vezes, o médico fala para o familiar e o paciente soropositivo ao
HIV não fica sabendo. Somente desconfia. Mas não admite. Neste caso,
o paciente soropositivo ao HIV fica desconfiado e pergunta sobre as
medicações que o profissional de enfermagem administra. (entr. 40)
Ainda, os auxiliares de enfermagem mencionam que se faz necessária a orientação
a estes pacientes visto seus sentimentos - como a depressão - afetarem
diretamente no tratamento terapêutico a ser desenvolvido, por exemplo, a recusa
das medicações e da ingestão de alimentos.
Não olhava, eu perguntava e ela não respondia, olhava de cara feia.
Fui deixando. O dia que ela falou que não queria tomar as medicações,
eu sentei e tentei fazer com que ela tomasse. (entr. 35)
Igualmente, reconhecem a importância do diálogo com estes pacientes
hospitalizados a fim de encorajá-los na luta e continuidade do tratamento
visando à melhora de sua qualidade de vida e à conseqüente alta hospitalar.
Neste ínterim, afirmam que nos momentos nos quais os pacientes não se mostram
receptivos, o melhor a ser feito é deixá-los sozinhos.
Quando o paciente soropositivo ao HIV está bem, o profissional de
enfermagem conversa. Quando não está bem o profissional de enfermagem
não conversa muito, mas sempre fala para o paciente soropositivo ao
HIV tentar melhorar para receber alta hospitalar. (entr. 04)
No entanto, dizem que em determinadas ocasiões os pacientes buscam diálogo com
os auxiliares de enfermagem, porém, devido ao intenso ritmo de trabalho no qual
se encontram, estes profissionais abdicam deste diálogo ou o fazem com tempo
programado para seu término devido às tarefas que precisam executar.
(...) Quando o profissional de enfermagem se aproximava, o paciente
soropositivo ao HIV queria conversar e, às vezes, o profissional de
enfermagem não tem tempo para conversar, mas lê e conversa um pouco,
comenta sobre o jornal, futebol, artista, moda, tempo. (entr. 08)
Por outro lado, encontra-se o diálogo que aproxima paciente e profissional por
determinada semelhança que possuam, seja devido ao grupo religioso, ao time de
futebol, à idade, ao sexo, dentre outros.
Ele falava muito pouco e quando eu fui fazer as medicações dele, ele
me chamou e perguntou se eu era batista. Eu falei que sou e ele falou
que o hino era muito bonito. (entr. 05)
Sentimentos do paciente com HIV/AIDS
Os auxiliares de enfermagem destacam que os pacientes com HIV/AIDS
hospitalizados são muito tristes com a situação na qual se encontram. Frente a
isto, estes profissionais buscam maneiras de descontraí-los e manter diálogos
com eles, porém não são correspondidos pelos pacientes que buscam o
distanciamento.
(...) O profissional de enfermagem tenta conversar e brincar de
alguma maneira para o paciente soropositivo ao HIV se distrair, mas o
paciente soropositivo ao HIV é muito triste. (entr. 08)
Além da tristeza mencionada, os auxiliares de enfermagem observam que grande
parte dos pacientes soropositivos ao HIV hospitalizados encontra-se em momento
de revolta e de depressão frente ao diagnóstico a eles imposto. Assim, muitos
recusam as medicações e a assistência oferecida, negam a soropositividade e,
por vezes, tratam mal os profissionais de saúde.
(...) O paciente soropositivo ao HIV quando fica chateado, revoltado,
depressivo e não quer tomar banho e trocar de roupa, tudo bem, mas se
recusar as medicações tem que conversar. (entr. 35)
(...) o paciente soropositivo ao HIV revoltado suja tudo para
humilhar o profissional de enfermagem ou para humilhar a si próprio.
(entr. 40)
O cuidado de enfermagem prestado ao paciente com HIV/AIDS voltado a sua
qualidade de vida pelos enfermeiros
A classe que será disposta neste sub-tópico apresenta associação estatística
com enfermeiros que possuem renda pessoal mensal entre R$ 3.000,00 e R$
6.000,00 ou superior a R$ 6.000,00, idade inferior a 25 anos ou igual ou
superior a 45 anos, atuam na área de enfermagem há período superior a 20 anos e
com pacientes soropositivos ao HIV há período inferior a 15 anos.
Das 1.887 U.C.E. utilizadas na análise tri-croisé, 896 compõem a presente
classe, o que equivale a 47,48% do corpus de análise. Cada U.C.E. desta classe
possui, em média, 17,80 palavras analisadas. Dentre as formas reduzidas que
compõem esta classe, as que possuem maiores valores de x² e, desta forma, maior
associação estatística com a classe são: infeccoes; infeccoes_oportunis;
qualquer; maior+; necessidade+; anti_retrovirais; sedado+; cti; condicoes;
esposa; sentimento+; especifico. Desta, maior+ possui os contextos semânticos
maior e maiores, sedado+ possui sedado e sedados e sentimento+ possui
sentimento e sentimentos. Todas as demais formas reduzidas encerram-se em si
mesmas.
A partir das formas reduzidas e dos seus contextos semânticos apresentados, é
possível inferir que a classe abrange, como conteúdo geral, a influência dos
serviços de saúde para o cuidado de enfermagem ideal aos pacientes com HIV/
AIDS. E, através da C.A.H., compreende-se que tal classe é composta por duas
categorias: "Particularidades dos serviços de saúde no contexto do HIV/AIDS" e
"O cuidado percebido como ideal pelos membros da equipe de enfermagem". A
primeira abarca conteúdos acerca dos cuidados voltados ao uso dos anti-
retrovirais e da cronicidade da doença, além da inserção do HIV nos serviços de
saúde, através das sub-categorias "Os cuidados voltados ao uso de anti-
retrovirais e à cronicidade da aids" e "A inserção do HIV nos serviços de
saúde". Enquanto isso, a segunda disserta sobre as infecções oportunistas e as
complicações, além das necessidades identificadas pelos membros da equipe de
enfermagem, através das sub-categorias: "O cuidado voltado às infecções
oportunistas" e "Necessidades dos pacientes com HIV/AIDS identificadas pelos
membros da equipe de enfermagem".
Particularidades dos serviços de saúde no contexto do HIV/AIDS
Os cuidados voltados ao uso de anti-retrovirais e à cronicidade da Aids
Os enfermeiros entrevistados mencionam a importância de cuidados de enfermagem
voltados à utilização dos anti-retrovirais. Para eles, os profissionais de
enfermagem devem atentar-se para a efetiva compreensão dos pacientes
soropositivos ao HIV a respeito da terapia anti-retroviral, uma vez que
acreditam esta ser primordial para a adequada adesão ao tratamento. Neste
sentido, afirmam que se deve conhecer as condições que os pacientes possuem
para dar continuidade ao tratamento, pois acreditam que não adianta
disponibilizar as medicações anti-retrovirais se os pacientes não possuírem
condições, sejam psicológicas, sociais ou financeiras para prosseguir o
tratamento. Assim, acreditam que o cuidado de enfermagem prestado a esta
clientela diferencia-se dos demais somente pelas especificidades da terapia
anti-retroviral.
O único cuidado de enfermagem específico é saber o meio no qual o
paciente soropositivo ao HIV se insere e se terá condições de manter
o uso dos anti-retrovirais. (entr. 26)
Ainda, enfatizam o status de doença crônica que a aids adquiriu com o advento
da terapia anti-retroviral. Pontuam que, atualmente, a aids é tida como uma
doença crônica como a diabetes e a hipertensão e, como tal, seu tratamento deve
ser contínuo, não devendo ser interrompido em nenhuma ocasião.
(...) lembrar aos profissionais de saúde que o tratamento é crônico,
como de hipertensão, e deve continuar. Uma das assistências que o
profissional de enfermagem deve ter é a cobrança do tratamento
apropriado (...). (entr. 39)
A inserção do HIV nos serviços de saúde
Quanto à inserção dos pacientes soropositivos ao HIV no contexto dos serviços
de saúde brasileiros, os enfermeiros entrevistados afirmam que, atualmente,
estes pacientes são encontrados em diversas clínicas, não se restringindo ao
setor de DIP, o que se justifica, dentre outros motivos, pela cronicidade da
aids e pelo rápido crescimento da epidemia. No entanto, pontuam que alguns
profissionais se recusam a entrar no setor de DIP com o receio de contaminar-
se, pois acreditam que o contato com tal clientela é travado somente neste
setor.
Isso é uma besteira tão grande porque se estiver em qualquer
enfermaria, seja qual for, terá paciente soropositivo ao HIV. É
porque é DIP: doença infecto-parasitária. Eles acham que passou da
porta pegará doença. (entr. 30)
Frente a isto, afirmam que não há alteração no relacionamento entre os
profissionais de enfermagem devido à presença desta clientela no setor ou
diferenciação no cuidado prestado a este paciente, pois se cuida como a
qualquer outro paciente hospitalizado, independente da patologia que possua. No
entanto, sinalizam que, em setores nos quais não se atende com freqüência esta
clientela, algumas dificuldades podem ser encontradas pelos profissionais de
saúde.
Não tem alteração no relacionamento entre os profissionais de saúde
devido à presença do paciente soropositivo ao HIV no setor. O
paciente soropositivo ao HIV é visto como um paciente normal. É igual
ao paciente com hepatite que é uma doença grave e de contaminação
maior do que o HIV. (entr. 33)
Em setores que não são de DIP, talvez o profissional de saúde tenha
uma dificuldade maior (...). (entr. 09)
Neste ínterim, dissertam sobre a posição de destaque da política brasileira de
distribuição gratuita de medicamentos anti-retrovirais. Política pública esta
que disponibiliza, gratuitamente, a todos os portadores de HIV e doentes de
aids os medicamentos necessários ao tratamento integral contra o HIV.
Acho que nenhum país faz tanta divulgação. Somente no Brasil os anti-
retrovirais são gratuitos. O Brasil é referência no tratamento (...).
(entr. 33)
O cuidado percebido como ideal pelos membros da equipe de enfermagem
O cuidado voltado às infecções oportunistas
Os enfermeiros entrevistados admitem que ao cuidar de um paciente sabidamente
soropositivo ao HIV, uma das primeiras preocupações diz respeito à prevenção de
infecções oportunistas. Isto por compreenderem que os pacientes imunodeprimidos
ficam predispostos a estas, as quais apresentam grande percentual de
fatalidade.
(...) Os profissionais de saúde sabem quais são as infecções
oportunistas. O paciente soropositivo ao HIV não tem conhecimento das
complicações e, inicialmente, não tem essa preocupação porque
desconhece as infecções oportunistas que pode ter. (entr. 37)
Assim, relatam que atentam-se quando à presença de imunodepressão nos pacientes
para que, visando a não aquisição de infecções oportunistas, realizem a
adequada disposição dos pacientes no espaço físico do setor.
Se ele estivesse com muita imunodepressão, ele poderia ficar longe do
paciente com graves infecções. Porque no CTI tem muitas infecções.
Nós tentaríamos um isolamento protetor para ele (...). (entr. 28)
Frente a estes discursos, pode-se observar a influência exercida pelas
infecções oportunistas no cuidado de enfermagem prestado aos pacientes com HIV/
AIDS, segundo os enfermeiros entrevistados.
Necessidades dos pacientes com HIV/AIDS identificadas pelos membros da equipe
de enfermagem
Os enfermeiros mencionam que as necessidades dos pacientes com HIV/AIDS devem
ser detectadas da mesma forma como fazem com os demais clientes, sendo
direcionadas pela presença ou não de infecções oportunistas, dentre outras
coisas. Ainda, enfatizam que não percebem diferenças entre o cuidado de
enfermagem ideal ao paciente soropositivo ao HIV daquele ideal a ser prestado a
qualquer outro paciente, pois o que define um cuidado como sendo o ideal é a
capacidade do profissional detectar e resolver as necessidades. Cabe lembrar
que em alguns casos as necessidades detectadas fogem da capacidade do
profissional em questão, devendo este encaminhar o paciente a outro
profissional.
Atender às necessidades básicas desse paciente, como qualquer
paciente com outra doença. É higiene, hidratação, conforto, ajuda,
tudo o que está sendo necessário para aquela pessoa. (entr. 15)
DISCUSSÃO
Com base nos resultados apresentados, observa-se que os auxiliares de
enfermagem possuem uma representação social do cuidado de enfermagem prestado
ao paciente soropositivo ao HIV composta por elementos do dia-a-dia no lidar
com esses pacientes no contexto hospitalar, o que pode justificar-se pelo amplo
contato profissional travado com estes sujeitos. Desta forma, esta
representação abarca conteúdos a respeito da violência sofrida pela equipe de
enfermagem, da cautela necessária para cuidar dos pacientes com HIV/AIDS, do
diálogo existente na relação entre cliente e auxiliares de enfermagem e dos
sentimentos do cliente frente ao diagnóstico da soropositividade ao HIV.
Ao passo que os enfermeiros compõem a representação social acerca deste objeto
a partir de conteúdos reificados sobre a prática profissional, o que pode
justificar-se pelo aporte científico que possuem acerca da temática. Assim,
esta representação é constituída por conteúdos sobre os cuidados voltados à
utilização da anti-retrovirais e à cronicidade da aids no contexto hospitalar,
a inserção do HIV no âmbito dos serviços de saúde, os cuidados destinados à
prevenção das infecções oportunistas nos pacientes com HIV/AIDS e as
necessidades destes pacientes que são identificadas pelos membros da equipe de
enfermagem.
A falta de tempo alegada pelos membros da equipe como a causa do não diálogo
pode ser uma justificativa para camuflar o seu verdadeiro motivo. Isto porque
reconhecem a importância desta interação e não a praticam por outros motivos
diversos, até mesmo por não se sentirem aptos e preparados psicologicamente
para tal. Desta forma, como pontuado anteriormente, pode tratar-se, não de uma
relação de antipatia, mas de uma relação de mal-estar pessoal(8), ou seja, o
profissional de enfermagem compreende a situação do paciente soropositivo ao
HIV e coloca-se em seu lugar, porém, a situação mostra-se para ele tão difícil
de ser encarada, que decide pelo não envolvimento com o cliente a fim de se
preservar.
É necessário mencionar que, no que diz respeito à relação de cuidado
estabelecida entre profissional de enfermagem e paciente soropositivo ao HIV, a
historicidade da epidemia da aids também deixou suas marcas. Ou seja, a entrada
do sujeito soropositivo ao HIV no cenário de cuidado se deu, muitas das vezes,
sem a devida preparação e capacitação do profissional de enfermagem,
especialmente na década de 80 e início de 90. Assim, o profissional de
enfermagem deparou-se com a inserção do paciente soropositivo ao HIV em sua
prática profissional sem que conhecesse e compreendesse suas peculiaridades, o
que se coloca como primordial para a efetivação do cuidado singular. Desta
forma, sem conhecer as especificidades da doença, do vírus e do próprio
paciente soropositivo ao HIV, o profissional de enfermagem (da mesma forma que
outras categorias profissionais) o recebe imerso em representações, muitas
vezes, marcadas pelo medo do desconhecido e pelo receio de se contaminar. Esse
emaranhado de sentimentos contraditórios, imagens, julgamentos e conceitos
científicos pode resultar em um cuidar técnico e impessoal(11).
Os profissionais de enfermagem lidam com muitas situações de angústia,
frustrações e conflitos, e vivenciam ocasiões muito estressantes no ambiente de
trabalho, dependendo da situação, da responsabilidade e do envolvimento.
Situações estas que se tornam ainda mais estressantes ao prestar cuidado a
pacientes terminais e portadores de HIV/AIDS, por exemplo(6,12). O cuidado aos
clientes com HIV/AIDS leva o profissional a defrontar-se com aspectos
específicos como, por exemplo, o medo da exposição-transmissão da infecção e de
que familiares e amigos saibam que o mesmo lida com a aids. Além disso, a
doença também age como agente causador de estresse, resultando muitas vezes em
sensação de fracasso por não obter êxito em sua ação psicoterapêutica(13).
Assim, o primeiro passo a ser dado em direção ao cuidado humano de qualidade é
o autoconhecimento por parte de todos os profissionais que prestam cuidado ao
outro. Isto para que conheçam suas fraquezas e forças, pois somente desta
maneira serão capazes de, efetivamente, prestar cuidado(12).
Os profissionais de enfermagem representaram o cuidado de enfermagem prestado
aos pacientes soropositivos ao HIV como igual àquele destinado a qualquer outro
paciente. No entanto, por vezes, enfatizaram a necessidade de uma cautela
redobrada neste cuidar devido ao risco percebido de contaminação do
profissional. Neste sentido, faz-se mister lembrar que a cautela, quando mal
empregada, pode transformar-se em uma barreira para o relacionamento entre o
profissional e o cliente. Contudo, se utilizados adequadamente, os E.P.I.
facilitam o cuidado uma vez que possibilitam a proximidade entre os sujeitos do
cuidado sem que isto represente risco de contaminação para qualquer uma das
partes.
Cabe destacar que, em ambos os casos mencionados, o diálogo torna-se
terapêutico na medida em que proporciona subsídios para que o paciente entenda
melhor a sua atual situação e, desta forma, encontre meios para aliviar seus
sentimentos, muitas vezes, negativos frente à doença(14).
CONCLUSÕES
Através deste estudo, foi possível identificar diferenças nas representações
sociais de auxiliares de enfermagem e de enfermeiros acerca do cuidado de
enfermagem prestado ao paciente com HIV/AIDS. Nesta direção, constatou-se que a
representação dos auxiliares de enfermagem é baseada essencialmente em
elementos práticos, ou seja, derivados da prática profissional cotidiana, como
o relacionamento interpessoal, a violência cotidiana sofrida pelos
profissionais e as modalidades de cautela adotadas na assistência e suas
relações com as práticas de cuidado. Enquanto que a representação dos
enfermeiros é constituída com base no conhecimento reificado, cujos conteúdos
são associados às infecções oportunistas, à cronicidade da aids e aos aspectos
institucionais implicados no cuidar.
Desta forma, a representação social dos auxiliares de enfermagem aproxima-se do
cuidado de enfermagem representado como real, ao passo que a dos enfermeiros
aproxima-se do cuidado de enfermagem representado como ideal. Destaca-se, nessa
comparação, a ausência ou pequena presença dos aspectos relacionais do cuidado
na representação dos enfermeiros, enquanto no grupo de auxiliares de enfermagem
a dimensão prática do relacionamento interpessoal apresenta-se como base do
cuidado, revelando a não incorporação dessa importante dimensão psicossocial
como estratégia científica de atenção ao paciente soropositivo ao HIV. Na
figura 1 é apresentada a esquematização das divergências entre estas
representações, objetivando uma mais fácil apreensão.
Acredita-se que as diferenças identificadas nas representações sociais dos dois
grupos de profissionais podem resultar tanto do tipo de contato entre o
profissional e o cliente soropositivo ao HIV, quanto em função do conhecimento
científico retido. Em outras palavras, a construção das representações sociais
dos auxiliares de enfermagem pode mostrar-se mais próxima do dia-a-dia do que
aquelas dos enfermeiros devido à maior permanência destes profissionais nas
atividades de cuidados diretos prestados aos pacientes. Isto em decorrência da
intensa carga de atividades gerenciais que os enfermeiros se vêem envolvidos, o
que, por vezes, os permite atuar diretamente com os pacientes somente em
cuidados que envolvem maior grau de complexidade. Por outro lado, as
representações sociais dos enfermeiros encontram-se mais claramente ancoradas
no conhecimento reificado do que aquelas dos auxiliares de enfermagem,
provavelmente, devido ao maior acesso ao conhecimento científico e a um
processo de constituição da representação influenciado por este, e não pelas
práticas profissionais.