Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672010000400006

BrBRCVHe0034-71672010000400006

variedadeBr
ano2010
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Estilo de vida, aspectos de saúde e trabalho de motoristas de caminhão

INTRODUÇÃO O trabalho é uma atividade essencialmente humana que responde às necessidades e carências do individuo, portanto, deve possibilitar a autotransformação do trabalhador devendo ser uma prática livre e autônoma, levando a emancipação e humanização do ser humano(1). Em estudo bibliográfico, Ornellas e Monteiro(2) identificaram as mudanças ocorridas na trajetória histórica do processo de trabalho. O trabalho que inicialmente era visto como atividade penosa e árdua exercida pelos escravos ou por pessoas de condições sociais desfavorecidas passou a ocupar nos dias atuais destaque e centralidade na vida de todos os homens como forma de direito a ser conquistado.

A produção científica relativa ao trabalho dos motoristas de caminhão, tanto no Brasil como no exterior, apontam importantes problemas com relação a esta atividade profissional. Os dados da literatura consultada em estudos realizados na Ásia, África e Brasil mostram que motoristas de caminhão apresentam problemas relacionados às condições de saúde, trabalho e estilo de vida, além de grande vulnerabilidade a práticas de risco, pelo uso de drogas e por apresentarem parceiras sexuais eventuais. Tais problemas decorrentes das condições de trabalho e do estilo de vida afetam a saúde destes trabalhadores e são importantes na enfermagem em termos de saúde do trabalhador, tendo como referência à promoção à saúde.

Este artigo foi realizado a partir de dados coletados para a dissertação de mestrado da autora, "Fadiga e Capacidade para o trabalho entre motoristas de caminhão do Entreposto hortifrutigranjeiro e mercado de flores de campinas, SP", defendida em 2009 na Universidade Estadual de Campinas. Esse trabalho de mestrado buscou dar continuidade aos trabalhos de iniciação científica realizados pela autora, com financiamento do PIBIC CNPq, respectivamente em 2003-2004 e 2004-2005: "Trabalho, estilo de vida e aspectos de saúde entre motoristas de caminhão" e "Trabalho, estilo de vida e aspectos de saúde entre caminhoneiros de rota longa".

A partir desses estudos realizados no Entreposto Hortifrutigranjeiro de Campinas, com um total de 100 motoristas de caminhão foram encontrados inúmeros problemas para a saúde do trabalhador, tais como: altas taxas de sedentarismo, obesidade, hábitos alimentares inadequados, extensas jornadas de trabalho, poucas horas de sono em dias de trabalho, uso de drogas estimulantes para a manutenção da vigília, vulnerabilidade ás práticas de risco para as DST\AIDS.

Tendo em vista que os estudos de iniciação cientifica mostraram condições de vida e trabalho nem sempre favoráveis a saúde do caminhoneiro, foi de grande importância a continuidade dessa pesquisa no mestrado para o conhecimento do perfil dos motoristas de caminhão atuantes na Ceasa de Campinas, com o intuito de subsidiar a promoção da saúde no trabalho.

O sistema de transporte de cargas é essencial para a movimentação da economia e suprimento de demanda no Brasil. Sem ele, os produtos não chegariam aos consumidores, às indústrias não teriam acesso as matérias-primas e nem condições de escoar sua produção. É um setor totalmente horizontal, que viabiliza todos os outros setores da economia(3). Nesse contexto, o motorista de caminhão é parte de uma categoria profissional de grande importância, visto que são os agentes deste sistema.

Esses trabalhadores dinamizam a economia do país, garantindo o funcionamento do mercado e da vida social. Entretanto, simultaneamente, os mesmos estão expostos a condições inadequadas de trabalho, como longas jornadas, alimentação irregular, violência, acidentes, etc.

Estudos realizados na Europa, África e Brasil mostram que motoristas de caminhão apresentam problemas relacionados às condições de saúde, trabalho e estilo de vida, além de grande vulnerabilidade às práticas de risco, pelo uso de drogas e por apresentarem parceiras sexuais eventuais(4-6).

Embora o enfoque predominante nos artigos sobre motoristas de caminhão seja o das infecções sexualmente transmissíveis, é possível identificar dados de perfil entre motoristas de caminhão, como num estudo realizado por Vilarinho et al(4), no Porto de Santos com 279 motoristas de caminhão, no qual 81% eram casados; 64% tinham menos de 40 anos de idade; 61% tinham renda mensal entre dez a 20 salários mínimos e 59,8 % tinham menos de 11 anos de profissão. Quanto às práticas sexuais, o artigo apontou que 93% dos motoristas declararam ter parceira fixa, 30% tinham parceira freqüente e 33% casual, o que mostra a grande vulnerabilidade dos caminhoneiros ás doenças sexualmente transmissíveis e a AIDS.

Estudos realizados no Brasil têm demonstrado a vulnerabilidade dos caminhoneiros em relação a AIDS, dessa forma diversas estratégias de intervenção com a finalidade de envolver estes trabalhadores em processos educativos sobre os riscos de contaminação pelo HIV vêm sendo realizadas.

Nessas pesquisas revelou-se que os sujeitos apresentavam idéias simples e ingénuas sobre DST e AIDS, a maioria dos entrevistados adquiriu uma DST e muitos referiram não fazer uso de preservativo, os autores concluíram a necessidade de se desenvolver programas de educação e intervenções voltadas a prevenção de DST-AIDS em ação conjunta e participativa com os caminhoneiros(5).

Outro estudo realizado no Brasil com 641 motoristas de caminhão de rotas longas foi avaliado a freqüência de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e os fatores de risco a elas associados de acordo com auto-relato dos sujeitos.

96,7% responderam sobre antecedentes de DST. Desses, 35,6% referiram história presente ou passada de DST. Os caminhoneiros que relataram o uso de anfetaminas, antecedentes prisionais e relacionamento sexual com profissionais do sexo, estatisticamente, apresentaram maior chance de terem adquirido uma DST. Os resultados deste estudo destacaram a elevada vulnerabilidade dos caminhoneiros brasileiros às DST(6).

Com o objetivo de analisar a incidência de uso de álcool e drogas, um estudo com 91 caminhoneiros mostrou que 66% dos caminhoneiros usavam anfetaminas durante as viagens, principalmente em postos de combustíveis (54%) à beira das rodovias. O álcool era utilizado por 91% deles, dos quais 43% também consumiam a bebida nos postos de combustíveis. Os autores concluíram que a necessidade de campanhas preventivas e informativas voltadas para esta categoria profissional, alertando sobre os riscos de ingestão dessas substâncias no período de trabalho(7).

Constantemente o caminhoneiro sofre com o ritmo intenso de trabalho que lhe é imposto, e esta circunstância propicia maior desgaste físico-mental e emocional-afetivo que afetam sua saúde, causando inúmeros distúrbios para o organismo, consequen-temente afetando sua qualidade de vida(8).

Em pesquisa realizada nos Estados Unidos, com motoristas de caminhão - 2945 homens e 353 mulheres - foram relatados problemas de sobrepeso, hipertensão arterial, uso de álcool e sedentarismo(9). Resultados semelhantes foram observados em estudo com 258 motoristas de caminhão no Brasil com objetivo de avaliar síndrome metabólica nos sujeitos, foi constatado que 82% tinham IMC > 25 kg/m2, 58% circunferência abdominal > 94 cm, 9% colesterol total > 240 mg/ dL, 22% triglicérides > de 200 mg/dL, 7% glicemia > 110 mg/dL. A prevalência da hipertensão arterial foi de 37%. O estudo concluiu presença expressiva de fatores de risco cardiovasculares e da síndrome metabólica na população estudada(10).

Aspectos relativos ao sono são de fundamental importância no trabalho de motoristas de caminhão no Brasil. Um estudo no Brasil com o objetivo de avaliar a qualidade do sono, trabalho em turnos, consumo de álcool e psicoestimulantes, e a prevalência de acidentes entre caminhoneiros mostraram que 43,2% dirigiam mais que 16 h/dia; 2,9% faziam trabalho por turnos e dormiam menos de 5 horas por dia. 50,9% faziam uso de bebida alcoólica; usavam cafeína 95,6% e anfetaminas 11,1%.Nos últimos cinco anos 13,1% estiveram envolvidos em acidentes. Os autores concluíram alta prevalência de distúrbios do sono, uso de álcool e estimulantes, e de acidente entre os sujeitos estudados(11).

Nos Estados Unidos em entrevista realizada com 593 motoristas de caminhão de longas rotas, foi identificado problemas relativos à jornada de trabalho que se estendia durante o dia e, também durante a noite, além de sintomas de alteração do sono(12).

O trabalho noturno pode levar a consideráveis efeitos na saúde do trabalhador, com um rápido desgaste individual, devido aos distúrbios provocados nos ritmos biológicos; geralmente é de difícil adaptação, além de afetar a vida social e o convívio familiar(13).

Em pesquisa com 206 caminhoneiros de estradas federais no Brasil, foram avaliados alguns fatores que interferem na qualidade de vida dos sujeitos, a ocorrência de distúrbios do sono, interferem diretamente sobre a função social, além de diminuir o desempenho emocional e a saúde mental dos sujeitos(14).

Um estudo propôs medidas de intervenção que visavam minimizar as dificuldades dos trabalhadores quanto á saúde e ao bem-estar psicossocial. Estas medidas incluíam mudanças nos esquemas temporais de trabalho e intervenções que permitiam aos trabalhadores lidar com esquema de trabalho ou reduzir suas consequências, e incluíam redução dos turnos fixos. A permissão para dormir durante o turno de trabalho é uma medida que ajuda a reduzir a fadiga e o débito de sono, promoção de atividades de lazer e esporte durante o dia; técnicas de relaxamento e uma dieta leve, realização periódica de exames médicos, que são uma população em risco(15).

OBJETIVOS - Identificar o perfil dos caminhoneiros de rota longa quanto à idade, estado civil, escolaridade, ocupação, números de filhos, Índice de Massa Corpórea - IMC, alimentação, atividade física, lazer e morbidade referida; - Descrever a vulnerabilidade dos caminhoneiros a situações de risco, como uso de drogas psicoativas e práticas sexuais eventuais.

- Avaliar o uso de substâncias psicoativas quanto à frequência, tempo de uso e número de comprimidos ingeridos.

METODOLOGIA Estudo epidemiológico transversal descritivo, desenvolvido mediante aplicação de questionário a 105 motoristas de caminhão que transportavam cargas para o entreposto hortifrutigranjeiro de Campinas (CEASA).

A aplicação dos questionários se deu através do ambulatório médico e de visitas aos locais de trabalho, e demais locais de concentração de caminhoneiros dentro do entreposto hortifrutigranjeiro de Campinas.

A partir do contato face a face com os sujeitos, fazia-se uma breve apresentação do trabalho e o convite para a participação na pesquisa, 105 dos motoristas contatados responderam por completo o questionário aplicado. Todos os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

Para a execução da pesquisa foi utilizado o questionário sobre estilo de vida, condições de trabalho e aspectos de saúde, desenvolvido e elaborado por Monteiro em 1996, e atualizado em 2007 e utilizado em outras pesquisas(16- 17). Foram avaliados aspectos sociodemográficos, de trabalho, saúde e estilo de vida entre os caminhoneiros de longas rotas.

Os dados foram inseridos em um banco de dados através do Programa Microsoft Excel® e o programa computacional utilizado para a análise estatística dos resultados foi realizada através do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). Para descrever o perfil da amostra segundo as diversas variáveis em estudo, foram construídas tabelas de freqüência das variáveis categóricas e estatísticas descritivas (média, desvio padrão, mínimo, mediana e máximo) das contínuas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O Entreposto Hortifrutigranjeiro de Campinas Esta pesquisa foi realizada no Entreposto Hortifrutigranjeiro de Campinas-CEASA que é o quarto maior entreposto de abastecimento do Brasil, em volume de comercialização de hortifrutigranjeiros, e que tem o maior mercado permanente de flores e plantas ornamentais da América latina.

Foi fundado em 1972 e opera desde 1975, sendo uma empresa de capital misto, ou seja tendo 99,9% das ações sob controle da Prefeitura Municipal da cidade. Tem abrangência internacional recebendo produtos de mais de 700 localidades do Brasil e do mundo e abastecendo por volta de 500 municípios. Circulam pela CEASA diariamente mais de quinze mil pessoas, quatro mil veículos de carga, gerando cerca de cinco mil empregos diretos e 20 mil indiretos. Possui 1054 permissionários (atacadistas e produtores rurais que ganharam licitação para comercializar seus produtos na CEASA-Campinas). Além de 835 pontos de venda de hortifrutigranjeiros e 504 de flores e plantas, vende produtos para todo Brasil abastecendo, principalmente, o estado de São Paulo em cerca de 500 cidades e recebe produtos também de todos os países do Mercosul, principalmente Chile e Argentina, gerando cerca de 5.300 diretos e 20 mil indiretos, portanto a CEASA possui inúmeras categorias profissionais com os mais diversos tipos vínculos de trabalho, o que a torna um riquíssimo campo de estudos na área da saúde do trabalhador. Diariamente passam pela Ceasa cerca de quatro mil veículos de carga.

O motorista de caminhão é uma das categorias profissionais presentes na CEASA que merece grande atenção em termos de saúde do trabalhador, que uma das características do trabalho desses profissionais é o transporte de cargas perecíveis (frutas, verduras, legumes, flores e plantas). Esse fator faz com que esses profissionais sofram ainda mais com a pressão de prazos para que mercadoria chegue rapidamente ao destino, tornando-os mais vulneráveis ao estresse, uso de drogas estimulantes, déficits de sono, entre outros problemas que podem levar ao adoecimento.

Todos os motoristas entrevistados eram do sexo masculino, com mais de 30 anos (75,3%); com idade media de 37,5 anos; 75,2% dos entrevistados eram casados e 80% tinham filhos, eram os principais ou únicos provedores de sua família, apresentavam baixa escolaridade e mais da metade não completou o ensino fundamental (Tabela_1).

O grau de escolaridade da maioria dos entrevistados foi inferior a oito anos de estudo para 64,8% da amostra e, este valor não está muito distante da média nacional que é de 6,8 anos de estudo(18), ou das médias das regiões Nordeste, Sudeste e Sul (5,4, 7,5 e 7,2 anos respectivamente), as quais pertenciam os entrevistados.

A maior parte dos entrevistados era motorista de rotas longas, dirigiam em média de 955 km ao dia, com média aproximada de 16 horas dirigidas ao dia.

Segundo a origem dos entrevistados 45,2% vinham da região sudeste e 43,3% da região nordeste (Tabela_2).

Em relação aos aspectos de saúde e estilo de vida foi observado que 21% dos motoristas eram tabagistas; eles consumiam em média de 17, 1 cigarros ao dia; quase metade dos sujeitos ingeria bebidas alcoólicas (49,5%) e referiram não praticar atividades físicas (77,1%).

A média de peso apresentada pelos motoristas foi de 81 kg, segundo IMC (Índice de Massa Corpórea, Peso/altura2) a maioria apresentava sobrepeso, ou seja, IMC entre 25 a 29,9 kg/m2 (40,9%), a média de IMC foi de 27,5 kg/m2. Dores nos últimos seis meses foram referidas por 28,5% dos sujeitos. Essas condições de saúde e estilo de vida encontradas são altamente preocupantes, pois predispõem os sujeitos ao risco de doenças cardiovasculares, síndrome metabólica, apnéia do sono, entre outras. Esses dados se encontram em concordância com os resultados de outros estudos como o estudo realizado por Moreno(19) que detectou alta prevalência de obesidade, sedentarismo, dieta inadequada e hipertensão arterial. Além de alto risco para o desenvolvimento de apnéia do sono em 26% da amostra. Outro estudo, realizado na cidade de São Paulo, mostrou presença expressiva de fatores de risco cardiovasculares e síndrome metabólica entre caminhoneiros. Os autores constataram um IMC e circunferência abdominal acima do normal em mais da metade da amostra(10).

Pode ser percebido que a saúde é deixada em segundo plano, pois grande parte dos participantes da pesquisa referiu não ir ao médico muito tempo, não utilizavam os serviços de saúde quando estão viajando, às vezes apenas verificam a pressão arterial, e dizem não terem tempo para cuidar da saúde.

O estresse é hoje um dos principais problemas entre os caminhoneiros. Os mesmos passam várias horas ao volante, atentos ao trânsito, com a carga sob sua responsabilidade, com prazos de entrega restritos, risco de acidentes, dívidas e longe da família, ou seja, os sujeitos vivem em constante clima de tensão, sem tempo para lazer, para a prática de atividades físicas e com hábitos alimentares inadequados, o que pode levar ao adoecimento. Essa análise pode ser observada a partir dos discursos dos sujeitos.

A comida que a gente encontra por é péssima, a forma como a gente se alimenta faz mal pra saúde (...) é bastante fritura, refrigerante, comida muito pesada, engordei bastante desde que comecei com o caminhão. (E1) A gente não tem tempo de praticar esporte, o trabalho é muito puxado, o máximo que eu faço é dar uma volta na Ceasa enquanto descarrega.

(E2) O que mais estressa é ter que ficar aqui parado perdendo tempo, a gente perde frete se não chegar no horário, sou autônomo, ainda estou pagando as mensalidades do caminhão, para gente tempo é dinheiro .

(E3) Os trechos de entrevistas, a seguir, expressam o quanto os caminhoneiros vêm se sentindo desvalorizados como profissionais, embora os mesmos tenham ciência da grande importância de sua profissão para a economia do país. Sentem-se marginalizados pela forma como imagem do caminhoneiro é vista na sociedade e também pela forma como é transmitida pela mídia.

As pessoas acham que o motorista é a pior raça que tem, a gente sofre preconceito em todo lugar que a gente pára, é humilhação toda hora, no restaurante, do guarda na estrada, no transito tudo é culpa do motorista, não agüento mais ser motorista. (E4) A gente tem fama de mulherengo, boa vida, a gente é sempre mal visto pelas pessoas, o Brasil não valor para o motorista, a televisão nunca mostra que a gente carrega esse Brasil nas costas. (E5) Em relação às praticas sexuais dos caminhoneiros de longas rotas, 47,5% dos entrevistados referiram parceiras eventuais (parceiras com quem os motoristas mantêm relações sexuais ao longo da rota, como por exemplo, profissionais do sexo) e freqüentes (parceiras com quem os caminhoneiros referem manter relações sexuais constantemente fora do casamento, eles descrevem este tipo de parceira como amigas que encontram nas regiões por onde com frequência transportam cargas) (Tabela_5). Embora se mostrassem conscientes da importância do uso do preservativo nas relações sexuais eventuais, 86% dos motoristas que referiram parceiras eventuais ou frequentes faziam uso sempre do preservativo.

Tabela_3

A melhor forma de prevenir a AIDS é não se envolver com as mulheres da estrada, às vezes é complicado, a gente passa muito tempo sem ver a mulher da gente, é difícil, ás vezes a tentação é forte, pro homem é mais difícil controlar (...) a gente pára no posto tem sempre mulher tentando a gente.(...) camisinha sempre! (E6) O trabalho é muito corrido, a canseira é demais então quase nem procuro essas mulheres da estrada, tento agüentar até chegarem casa.

(E7) Sou homem, a carne é mais fraca, fico muito tempo longe de casa, o que eu mais gosto nessa profissão é colocar a mulherada no caminhão, fora de casa sempre uso camisinha, carrego um monte comigo, dou pros amigos, afinal a gente sabe que a AIDS ta solta por . (E8) Em geral, os entrevistados expressam que a permanência fora do lar, muitas vezes, por várias semanas, favorece a procura por parceiras sexuais ocasionais, incluindo profissionais do sexo. Apesar disso, referem estar conscientes de que essa prática envolve riscos de doenças e se previnem usando camisinha ou tentando reduzir essa prática.

Tabela_4

Tabela_6

Um estudo verificou uma freqüência maior de visitas às profissionais do sexo em caminhoneiros que permaneciam fora do lar por mais de 15 dias quando comparados aos que permaneciam afastados por períodos menores (58,3% vs. 48,3%)(6).

A vulnerabilidade do caminhoneiro ás DST/AIDS, não está somente associada ao tempo que o mesmo permanece fora de casa, mas à cultura inerente a essa categoria(4). Um estudo cita alguns aspectos culturais, próprios do gênero masculino, que tornam os homens mais vulneráveis às práticas de risco para as DST/AIDS, tais como: sentir-se forte, imune a doenças; ser impetuoso, correr riscos; ser incapaz de recusar uma mulher; considerar que o homem tem mais necessidade de sexo do que a mulher e de que esse desejo é incontrolável. A infidelidade masculina é considerada natural; a feminina é atribuída a deficiências do parceiro(20). Como pode ser percebido nas expressões acima, os entrevistados utilizam como uma das justificativas para a prática sexual eventual, o fato de ser homem e naturalmente ter maior necessidade de se relacionar sexualmente.

Em relação ao uso de medicamentos, a maioria dos entrevistados (54,2%) fazia uso de drogas psicoativas para se manterem acordados, devido à necessidade de percorrerem longas distâncias e sofrerem pressão do tempo para a entrega de mercadorias, 54,4% dos motoristas ingeriam até cinco comprimidos de anfetamina por viagem e usavam a droga mais de 10 anos (43,8%); os entrevistados dormiam em média de 5,3 horas na semana em que estavam trabalhando e 7,9 horas no final de semana.

Motorista que dizer que não toma rebite, não acredita, ta mentindo, faz mal mas se a gente não tomar é pior, causa acidente. (E9) Quem faz "carga de horário" dificilmente não usa, ainda mais a gente que carrega carga perecível, quem faz carga perecível tem saúde pior por isso. (E10) Eu perco o sono, me sinto novo, no dia seguinte fico muito mal sem apetite, com tontura, boca seca, tomo uma cartela na viagem para fazer efeito. (E11) Os motoristas expressaram estarem conscientes de que as drogas estimulantes prejudicavam a saúde, mas, sentiam ser necessário o uso das mesmas na função exercida, pois tinham que viajar diversas horas seguidas. Devido a carga ser perecível (frutas, verduras, legumes) aumentava ainda mais a responsabilidade dos mesmos quanto ao cumprimento do prazo de entrega.

Diversos estudos apontam o uso comum de anfetaminas para reduzir o sono e diminuir o cansaço em percursos de longa distância entre os caminhoneiros de estrada(21-22).

Segundo o CEBRID, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, essas drogas levam á inúmeros efeitos no organismo como: inapetência, insônia, midríase, agressividade, taquicardia, intoxicações, delírios, alucinações e morte.

Monteiro & Masson relataram em seu estudo que a maioria dos caminhoneiros (70%) fazia uso de drogas psicoativas para se manter acordado, 63% dos motoristas ingeriam até cinco comprimidos de anfetamina por viagem e usavam a droga mais de 10 anos; 20% dos sujeitos que usavam a droga relataram apresentar diversos efeitos como: taquicardia, anorexia, tremores, sudorese, nervosismo e até alucinações(22).

Às vezes a gente corre tanto, toma rebite, dirige direto para tentar chegar no aniversário do filho, mas as estradas são ruins, esburacadas e o carro acaba quebrando, fico muito nervoso quando isso acontece, corta o coração ter que falar pra eles que não vai dar para chegar. (E12) Com relação à convivência familiar e vida social, como observado nos dados sociodemográficos deste estudo, todos os sujeitos eram homens, 75,2% eram casados, 80% tinham filhos (Tabela_1) e eram os principais ou únicos provedores da família, com média de 3,5 pessoas na família, e trabalhavam, em média, aproximadamente 15 anos na profissão. Em muitos outros estudos o perfil do motorista de caminhão é semelhante, sendo a categoria profissional constituída basicamente pelo gênero masculino, homens que têm uma família constituída e, em geral, sustentam a família. Essa profissão, que garante as condições de sustento do lar, tem características próprias, que fazem com que o motorista conviva pouco tempo com a família, viajando durante longo tempo sozinho, longe de momentos e datas familiares importantes, o que o torna, muitas vezes, um profissional isolado.

Para se estabelecer um padrão de qualidade de vida, é essencial o equilíbrio entre o trabalho e o lazer(8).

Uma vida com qualidade é aquela que não está somente baseada na sobrevivência biológica, mas na vivência do bem-estar em todas as áreas, dimensões e aspectos de vida, vivenciado pelo ser humano(23).

Na profissão de motorista não existe rotina diária de trabalho, não horário previsto para refeição e descanso, ou datas previstas para estar com a família.

Em geral, não presenciam o nascimento e nem acompanham o crescimento dos filhos, convivem com a solidão e a distância da família(24).

As atribuições da esposa, com o parceiro ausente, tornam-se ampliadas, pois além de suas responsabilidades, ainda têm que assumir parte das atribuições do marido nas responsabilidades da casa e na criação dos filhos, além disso, quase sempre não podem contar com a presença do marido em situações de lazer ou de sociabilização.

Apesar de todas as dificuldades que o motorista enfrenta no trabalho, é possível observar que muitos ainda encontram satisfação e se orgulham da profissão Ser motorista às vezes atrapalha a vida pessoal porque eu não vejo meu filho crescer, nunca tenho tempo de sair com a mulher, e ela vive cobrando isso, pra ficar um fim de semana em casa é preciso muita sorte. Ela não aceita muito bem o fato de ter que viver sozinha, tem marido mas não tem, ela que vai em banco, resolve os problemas da casa, da educação para o filho, eu fico dois dias em casa e tenho que viajar, sem saber quando eu vou voltar. (E13) A mulher assume todas as responsabilidades da casa (...) são vários natais e anos novos que eu não passo com a família, eles aceitam o que eu faço, os filhos crescem sabendo que é a função do pai, estão acostumados. Eu sei o dia que eu tenho que sair, mas não sei quando eu volto. (E14) Hoje em dia é mais difícil para o motorista, eu to aposentado ainda dirijo, pois, não agüento ficar longe da estrada, tudo esta pior para o motorista. Sempre fui autônomo ganhei muito dinheiro, estudei meus filhos, tenho minha casa, meu carro. Eu leva minha família comigo para as viagens eu ia para Argentina, Bolívia e Paraguai, nunca deixei de passar o Natal e Ano novo com minha família (E15).

É importante ressaltar que para o motorista de caminhão o contato social é de grande valor, tanto nos locais de trabalho, com a possibilidade de manter conversação com os colegas, como a necessidade de se fazer novas amizades nos lugares pelos quais passam. O motorista sempre busca o contato social como forma de suavizar o distanciamento, isolamento familiar e como forma de se sentir parte da sociedade.

Hoffman em sua dissertação de mestrado constatou em 74% dos motoristas o anseio por relacionamentos sociais, que eram evidentes na busca por novas amizades, 59% não se sentiam desconfortáveis em festas, confirmando a satisfação de participação em relacionamentos sociais(8).

A gente anda sempre junto, passamos pelos mesmos problemas, brincamos um com o outro (...) Enquanto descarrega, a gente faz o almoço junto, janta junto e bebe junto (...)acaba virando uma família da estrada (...) de vez em quando a gente vai passear em casa. (E16)

CONCLUSÃO Embora os resultados obtidos nesse estudo tenham avaliado um número reduzido de caminhoneiros, o que traz limitações à generalização dos resultados, é possível que essa realidade seja encontrada entre outros motoristas de caminhão que estejam submetidos a semelhantes condições de trabalho, saúde e vida semelhante a da amostra estudada.

A trajetória profissional do motorista de caminhão interfere em sua saúde, pois o torna vulnerável ao uso de drogas psicoativas e às práticas sexuais eventuais. A maioria dos sujeitos estudados fazia uso de drogas psicoativas, mais de 10 anos e referiam uso de mais que 20 comprimidos de "rebite" durante as viagens. Com relação às práticas sexuais, grande parte dos sujeitos referia relações sexuais fora do casamento, com parceiras eventuais ou frequentes, apesar da maioria mostrar-se consciente do uso do preservativo nessas práticas de risco, 14% dos sujeitos referiram nem sempre utilizar preservativo.

Além disso, o trabalho do motorista de caminhão pode levar a prejuízos à saúde, pois acaba favorecendo a adoção de estilos de vida pouco saudáveis como sedentarismo, inadequados hábitos alimentares, sobrepeso, uso de álcool e tabaco, entre outros.

A profissão também interfere na convivência familiar e vida social do motorista, pois, o afasta de sua família, amigos, datas importantes. Por outro lado, o isolamento familiar traz a necessidade de buscar maior sociabilização nos locais de trabalho.

Tendo em vista que os resultados analisados mostraram condições de vida e trabalho nem sempre favoráveis a saúde do caminhoneiro, é necessário que sejam discutidas políticas de prevenção de doenças e promoção de saúdes específicas para essa categoria profissional.


transferir texto