Fundamentos filosóficos e teóricos para novas concepções do cuidar em
enfermagem: contribuição da sociopoética
INTRODUÇÃO
Considerar o cuidado como a essência da profissão enfermagem conduz à reflexão
sobre o compromisso dos profissionais de saúde com a orientação dos seus
clientes centrada no autocuidado, o que pode se caracterizar como seu principal
alvo no cotidiano de trabalho(1). Assim, considera-se também que pensar em
saúde e em enfermagem é pensar em promoção da vida, com qualidade para vivê-la.
Entende-se, dessa maneira o saber/fazer que condiciona as ações e intervenções
do profissional dessa área do conhecimento. A questão da implementação do
processo de trabalho do enfermeiro volta-se, então, para a identificação de
diagnósticos que lhe permite estabelecer um sistema de classificação de
cuidados, demonstrando a necessidade de intervenções de enfermagem para o
atendimento aos clientes.
Neste trabalho defende-se que a orientação principal para cuidar de pessoas
considera a sua própria possibilidade de se tornar independente dos cuidados
profissionais de baixa complexidade. Refere-se à responsabilidade pessoal de
cada um na promoção de sua saúde, ou seja, no seu direito de bem viver a vida.
O enfoque, neste caso, é a teorização de Nola Pender(2) sobre o deslocamento do
modelo assistencialista de saúde para uma perspectiva de comprometimento do
cliente quanto ao seu bem-estar no decorrer de sua vida. Portanto, a orientação
de enfermagem para o autocuidado institui o exercício da cidadania para o
profissional e promoção da independência do cliente.
A exigência para esse comprometimento leva à reflexão de que é imprescindível à
enfermagem reconstruir o seu modo de cuidar específico e, principalmente,
desvinculado de um modelo que privilegia a cura de doenças que afetam as
pessoas. Fazer enfermagem aplicando seu conhecimento específico ressalta o
exercício da autonomia de saber dos enfermeiros, bem como fortalece sua
identidade profissional. Neste trabalho, apresenta-se uma proposta para
reconstruir um modo de cuidar específico da enfermagem fundamentado nas
seguintes concepções filosóficas e teóricas: na enfermagem a prática é um saber
tanto teórico como prático. A aplicação dos sentidos humanos, a intuição e a
experiência no trato com a imprevisibilidade dos seres humanos ressaltam a
cientificidade das enfermeiras, ou seja, o reconhecimento de que suas
habilidades contribuem para a construção de um novo paradigma científico(3). A
arte de cuidar consolida-se na parceria profissional/cliente. Pois cuidando com
intenções e ações a partir do compartilhamento de saberes entre enfermeiro e
cliente descaracteriza um cuidar vendo as pessoas apenas como objeto de
trabalho(4). Cuidar em enfermagem é busca de integração, espaço institucional e
liberdade, desafiando o medo do desconhecido e enfrentando riscos inerentes ao
crescimento. Os desafios do cuidar assumindo o verdadeiro papel profissional
conduzem a enfermeira e o cliente à sua autonomia(5).
Além dessas concepções, considera-se que, para implementar uma perspectiva que
torne viável a parceria cliente/profissional na promoção de suas vidas com bem-
estar, é necessário pensar em outras concepções aplicáveis a uma ciência que,
ao se reconstruir a cada dia, acrescenta mais sensibilidade ao seu
desenvolvimento. Desse modo, reflete-se sobre a enfermagem no sentido de que
sua cientificidade pode ser estabelecida através dessa sensibilidade impregnada
no seu saber/fazer e em produzir conhecimentos.
Assim, encontramos na sociopoética uma abordagem no conhecimento do homem como
ser político e social, que tem como princípios filosóficos: a importância do
corpo como fonte de conhecimento; a importância das culturas dominadas e de
resistência e dos conceitos que elas produzem; o papel dos sujeitos de
investigação como co- responsáveis pelo conhecimento produzido; o papel da
criatividade no aprender, no conhecer e no investigar; a importância do sentido
espiritual, humano, das formas e conteúdos do processo da construção do
conhecimento(6).
No presente trabalho considera-se ainda, que o cuidar em enfermagem se articula
com a aplicação desses princípios e dos fundamentos teóricos da sociopoética,
formulando-se a seguinte questão: é possível extrair concepções de cuidar a
partir de conhecimentos produzidos com essa abordagem? Para respondê-la tem-se
como objetivo: identificar a aplicação dos princípios filosóficos e dos
fundamentos teóricos da sociopoética em novas concepções de cuidar produzidas
em pesquisas utilizando o método sociopoético.
MARCO REFERENCIAL
Pensar na contribuição de uma abordagem para fundamentar a prática do
conhecimento específico de enfermagem depende, inicialmente, da verificação de
possibilidades de apropriação de seus fundamentos teóricos e princípios
filosóficos por parte dos enfermeiros. Assim, descrevem-se os princípios
filosóficos e os fundamentos da sociopoética. Inicia-se com as possibilidades
de apropriação desses princípios no cuidar específico de enfermagem.
Essa abordagem orienta-se por cinco princípios, aqui explicitados como uma
proposta de perspectiva para cuidar de pessoas a ser desenvolvida pela equipe
de enfermagem.
Considerar os sujeitos de pesquisa como co-pesquisadores
A idéia de um grupo pesquisador composto por profissionais e clientes
justifica-se neste dispositivo analítico do método, que possibilita
aprendizagem mútua entre ambos. O princípio refere- se à parceria com o
cliente, entendendo que ele tem saberes próprios para cuidar de si, os quais
podem ser compartilhados com a equipe de saúde(2-5). Assim sendo, a
sociopoética defende a construção coletiva do conhecimento tendo como premissa
básica que todas as pessoas possuem conhecimentos (intelectual, sensível,
emocional, intuitivo, teórico, prático, gestual)(6).
A importância das culturas dominadas e de resistência, das categorias e dos
conceitos que elas produzem
Refere-se à preocupação com valores, visões próprias, crenças, interações com
variadas culturas e experiências pessoais de crescimento. É preciso que o
enfermeiro forme grupos com seus clientes, não se considerando o único detentor
do saber em saúde e enfermagem. A apropriação deste princípio possibilita a
aprendizagem de alternativas de cuidar, com os clientes. As pessoas se
fortalecem e se ajudam no cuidar de si mesmas e no autocuidado de outras(2-4,6-
10). Se assim for, ocorrerá a valorização de experiências de vida e
aprendizagem adquiridas através da expressão das características e qualidades
humanas, viabilizada no cotidiano do trabalho de enfermagem(2-3,11).
A importância do sentido espiritual e humano, das formas e dos conteúdos no
processo de construção de saberes
Atentar para a dimensão espiritual, humana e política do cuidar em enfermagem a
fim de implementar cuidados e desenvolver projetos de ensino e de investigação
de qualidade, visando à satisfação do cliente e do profissional. Lembra-se o
significado do neologismo "sociopoética", criado por Jacques Gauthier,
concernente a socius da raiz latina - "o que compartilha do mesmo pão", um
sentido de coletivo, de grupo, e poîen do grego- criar, criação(6). Assim, a
união de socius e poîen formou o neologismo sociopoética, que se refere à
criação coletiva Relacionando esse neologismo à prática de enfermagem, pode-se
dizer: quem compartilha da mesma realidade de cuidar e ser cuidado, ou seja,
dos mesmos interesses, depende da aceitação e disposição dos comprometidos com
esta atividade. Esse princípio revela a necessidade de o enfermeiro ter
consciência de si e dos clientes, ajudando-os a aceitar alternativas de
cuidado, visando ao equilíbrio físico, mental e espiritual, baseadas no poder
da crença no self ou na dimensão espiritual(11).
A importância do corpo como fonte de conhecimento
Recomenda-se um cuidar não só eminentemente técnico, mas um cuidar com todo o
corpo, considerando, além da razão, as sensações, emoções, sensibilidade e
intuição natural das pessoas. Para tanto, a equipe de enfermagem pode utilizar
seus sentidos corporais no cuidar do humano no ser humano, ou seja, tratar o
humano com humanidade, sensibilidade, solidariedade(3-6,10-12). A apropriação
desse princípio possibilita entender o sentimento de humanidade ao considerar
que os corpos das pessoas (profissional e cliente) estão comprometidos com o
ato de cuidar. Portanto, o corpo como instrumento do cuidar prevê o potencial
cognitivo das sensações, emoções, gestualidade, imaginação, intuição e a razão
do cliente e do profissional. Assim, o respeito/acolhimento aos seres humanos
potencializa forças de luta visando à autonomia em nosso viver individual e
profissional.
O papel da criatividade de tipo artístico na aprendizagem, no conhecimento e na
pesquisa
Favorece a dialogicidade e a criatividade das pessoas. Revela necessidades e
desejos de saber sobre seu viver e conviver no mundo, aspirando ao bem-estar e
eliminando o mal-estar. Possibilita, através da arte de enfermagem, o
surgimento de pulsações e saberes inconscientes, desconhecidos, inesperados.
Assim é que o sensível, o emocional, o intuitivo são modos de conhecer o mundo.
São energias vitais na composição da uma ciência sensível, imprescindível para
a compreensão integral do ser humano no cuidar em enfermagem. Visando
compreender o cliente, o profissional busca a utilização criativa do seu
próprio corpo(6,12). Isso pode ser feito promovendo-se práticas artísticas que
viabilizem a expressão de emoções, sentimentos, sensibilidade e a consequente
interação entre cliente e profissional. A sensibilidade e a criatividade
caracterizam e autenticam o enfermeiro, dando-lhe coragem e àqueles com quem
ele interage, fortalecendo o autocrescimento e a auto realização de ambos.
Fundamentos Teóricos da Sociopoética
O criador da sociopoéticaª esclarece que essa abordagem é, também, um
desenvolvimento da Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire(7), caracterizando um
amadurecimento da filosofia dialógica desse grande educador brasileiro ao
enfatizar: não dizer ou impor ao povo nossa visão de mundo, mas sim, adotar uma
postura de respeito mútuo e intercâmbio entre conhecimentos intelectuais e
populares(6,7). Observando-se como acontece a interação entre cliente e
profissional, indispensável ao cuidar, reflete-se que, ideologicamente, na
enfermagem existe concordância com essa postura dialógica(4).
A corrente de pensamento que inspirou a Análise Institucional na tendência de
René Lourau fundamenta a noção de dispositivo analítico e o conceito operativo
de analisador, os quais inspiraram a instituição do Grupo Pesquisador no
contexto da pesquisa sociopoética, a qual se desenvolve em oito etapas e
seguindo os princípios da teoria da ação dialógica(6).
Enquanto a Esquizo análise, afirmando que toda subjetividade é fabricada,
produzida socialmente, propõe a inversão da noção redutora de identidade para o
conceito de devir, que sugere a reflexão sobre a multiplicidade heterogênea das
pessoas(6). Recorda-se a preocupação do profissional de enfermagem com os
aspectos objetivos dos procedimentos técnicos, que muitas vezes não lhe permite
desvelar seus sentimentos, emoções, solidariedade durante o atendimento ao
cliente. Entende-se, quanto a esse compor-tamento, uma negação da expressão da
subjetividade humana do cliente e do profissional. Reflete-se que, para agir
dessa forma ele utiliza o escudo da serialização, passando a despersonalizar o
cliente e assim reconhecendo-o como o cardíaco, o diabético, o renal, o leito
10, 12 e outras padronizações que já se firmaram no ambiente da área da saúde.
A fundamentação no Teatro do Oprimido de Augusto Boal revela importante
contribuição para o cuidar em enfermagem, pois o autor o define como a arte de
nos vermos a nós mesmos, a arte de nos vermos vendo(8). No desenvolvimento de
diversas ações muitas vezes nos surpreendemos tentando nos colocar no lugar do
cliente para melhor entendê-lo.
Por ser a enfermagem uma profissão privilegiada devido à proximidade dos
profissionais com as pessoas nos seus momentos de sofrimento e/ou prazer, pode-
se parodiar a assertiva desse autor: o cuidar em enfermagem é a arte de nos
vermos humanos nos seres humanos; é a arte de aprender a viver, vivendo com a
nossa humanidade.
A Escuta Sensível, teorizada por René Barbier(10), vem sendo adotada como uma
tecnologia de apoio para Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE),
proporcionando resultados caracterizados em diagnósticos de impossível obtenção
quando se emprega apenas tecnologias duras-leves, através de equipamentos e
aparelhos(9).
Portanto, a proposta do citado teórico(9-10) facilita a expressão de
subjetividade que ajuda na reconstituição do equilíbrio físico, mental e
espiritual do cliente, sendo assim reconhecida na enfermagem como Escuta
Terapêutica. Definindo-se como a capacidade de sentir o universo afetivo,
imaginário e cognitivo do outro, possibilitando-lhe a compreensão do que se
expressa a partir do mais profundo e interior do ser humano, as atitudes e os
comportamentos, o sistema de idéias, de valores, de símbolos e de mitos(10).
Enfim, essa modalidade de escuta torna-se uma tecnologia a ser empregada na
ciência do sensível que é a enfermagem, quando desenvolvida num paradigma
estético, junto ao grupo pesquisador, por sua vez, passando a orientar os cinco
princípios filosóficos que simultaneamente os sociopoetas (investigadores que
utilizam a sociopoética) seguem(6).
A utilização dessa tecnologia no cuidar recorda uma humanidade refletida e
assumida, pois, segundo o autor da escuta sensível, uma pessoa só existe pela
presença de um corpo, de uma imaginação, de uma razão, de uma afetividade em
permanente interação(10,12). Daí que os sentidos corporais humanos são
desenvolvidos na pesquisa sociopoética quando se aplica a escuta sensível. Tais
sentidos, junto às emoções, sensibilidade, sentimentos, intuição e razão,
corroboram um dos cinco princípios sociopoéticos.
MÉTODO
Trata-se de estudo utilizando seis fases de revisão sistemática, a saber: 1)
Elaboração de um protocolo para orientar o registro das informações necessárias
para encontrar a resposta ao problema formulado e o alcance dos objetivos; 2)
Definição do problema de pesquisa - É possível identificar novas concepções de
cuidar em trabalhos científicos, utilizando uma determinada abordagem de
pesquisa? 3) Busca bibliográfica através de: consulta em bases de dados
eletrônica (BIREME), busca manual em bibliotecas de Instituições de Ensino de
Enfermagem e, em acervo pessoal, utilizando-se os descritores: enfermagem;
pesquisa; sociopoética; cuidado em enfermagem; 4) Seleção do material do estudo
adotando-se os seguintes critérios: trabalho de pesquisa, em português, com
aplicação do método sociopoético, trabalho completo; de autoria de enfermeiro;
situado no período compreendido entre 2003 e 2008; trabalhos com resultados
revelando tendências de construção de uma perspectiva de cuidar do cliente;
trabalhos voltados, predominantemente, para o conhecimento específico de
enfermagem; 5) Avaliação crítica dos estudos, verificando-se o referencial
teórico e os resultados por eles obtidos; 6) Produção dos dados oriundos de
cada estudo mediante o protocolo, utilizando-se o critério para análise de
comunicações científicas proposto a partir de conceitos de Bardin, para análise
de conteúdo(13); 7) Síntese dos dados.
Realizou-se análise descritiva, após leitura na íntegra dos trabalhos
selecionados, que permitiu identificar os aspectos relevantes ao problema
formulado e ao alcance dos objetivos propostos. Os resultados foram descritos
desde a avaliação crítica tendo-se delimitado categorias analíticas compostas
pelos temas surgidos na análise de conteúdo(13), segundo um critério
estabelecido a posteriori, considerando-se a apropriação e a aplicação dos
princípios filosóficos e dos fundamentos teóricos da sociopoética.
A análise e a descrição dos resultados obtidos das publicações fundamentaram-se
em conceitos de abordagens de pesquisa qualitativa. A análise de conteúdo foi
conceituada como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, sendo
adaptável a um campo de aplicação muito vasto. Assim, por se tratar de uma
pesquisa que aborda a comunicação científica aplicou-se essa concepção (13).
Foram encontrados 30 trabalhos que aplicaram a sociopoética como método de
pesquisa. Tais trabalhos foram desenvolvidos por enfermeiros brasileiros e
referem-se a teses, dissertações, e artigos. Alerta-se que alguns desses
artigos foram extraídos de trabalhos de conclusão de cursos de pós-graduação
stricto-sensu de universidades brasileiras, notadamente do Rio de Janeiro e de
Santa Catarina. Desse modo, nos casos de recortes de teses e dissertações,
foram utilizados predominantemente para análise os trabalhos originais.
Portanto, incluem-se nesta pesquisa oito trabalhos entre os quais três teses e
cinco dissertações, sendo que destas últimas foram utilizados dois recortes.
Quanto aos grupos pesquisadores, co produtores dos resultados aqui descritos e
analisados, registra-se que esses apresentam a seguinte composição: quatro por
clientes de enfermagem, quatro por profissionais de enfermagem, inclusive por
enfermeiros. Assim, destaca-se a competência desses grupos para discursarem
sobre o cuidar em enfermagem, na perspectiva selecionada para esta
investigação.
Ressalta-se, ainda, que a análise de conteúdo restringiu-se aos novos
(incomuns) conhecimentos produzidos nas teses e dissertações investigadas e que
os resultados a seguir descritos não incluem a caracterização do material
bibliográfico utilizado, em termos de método e marco teórico utilizado para
desenvolver a pesquisa. Do mesmo modo, as categorias delimitadas referem-se aos
resultados daqueles trabalhos, revelando tendências para a adoção de uma
determinada perspectiva de cuidar em enfermagem.
Sobreleva-se que essas categorias incluem as novas (incomuns) concepções do
cuidar, pois foram extraídas dos conceitos reveladores da afetividade dos
membros do grupo pesquisador (GP), co responsável pela produção de dados
encontrada no citado material utilizado neste trabalho. Diz-se co responsável
porque na pesquisa sociopética os sujeitos efetivamente produzem, analisam e
validam os dados produzidos, junto ao pesquisador, enquanto o pesquisador atua
como facilitador da pesquisa. Daí o neologismo sociopoética - construção/
criação coletiva. Recorda-se que tais conceitos são denominados confetos, outro
neologismo criado por Jacques Gauthier, significando conforme se descreve:
mistura de afeto e de conceito, que surge geralmente de grupos pesquisadores,
no quadro de dispositivos sociopoéticos(6).
Adverte-se, também, que as categorias a seguir descritas revelam dimensões da
prática de enfermagem exigindo uma perspectiva que extrapola a satisfação
exclusiva das necessidades humanas básicas, pois o cuidar profissional dessa
área de conhecimento, preocupa-se com a compreensão do cliente em sua
integralidade e complexidade, incluindo-se aí suas experiências, necessidades e
desejos de ser atendido pelo enfermeiro(14). Nessa perspectiva, o cliente será
cuidado como pessoa e não como objeto do trabalho em saúde e enfermagem, ou
melhor, o cliente torna-se o principal alvo do cuidado em saúde e enfermagem.
Portanto, interpretando-as, entendeu-se que elas correspondem aos confetos,
pois somente através da união do pensamento, emoções, sentimentos e intuições
torna-se possível a sua criação. Do mesmo modo, adverte-se que a denominação
das categorias é fruto da análise realizada neste trabalho. Assim, elas
inexistem nos trabalhos utilizados como fontes deste estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Novas concepções de cuidar
Utilizando a análise de conteúdo(13), procedeu-se a categorização que delimitou
as seguintes categorias temáticas: dialogicidade no cuidar como instrumento
tecnológico e cuidar em enfermagem como tecnologia não invasiva. Ressalta-se
que os conceitos originais, componentes das categorias, após analisados e
interpretados, foram aqui considerados como novas concepções de cuidar, visto
que elas resultam da experimentação/interpretação realizada neste trabalho.
Dialogicidade no cuidar como instrumento tecnológico
Esta categoria foi formada pelos confetos: Cuidado dialógico versus Cuidado não
dialógico; Cuidado solidário versus cuidado solitário; Deixar de ser velho e
Tornar-se idoso; Cuidado familial. Inicialmente, busca-se interpretar a
seguinte poesia crítica elaborada com trechos das falas dos grupos
pesquisadores, que reúnem os dois primeiros confetos:
O cuidar em enfermagem dispõe de sensibilidade e solidariedade. Ajuda nos
momentos de dor e solidão, promovendo conforto e bem-estar, pois não basta só a
medicação. Transforma a realidade, garante segurança, lembra ao ser humano seus
direitos de cidadão. De poder voltar quando precisar, para se fortalecer e
alcançar o bem estar. É desejo, necessidade. É onde os profissionais e usuários
se envolvem, reagem, interagem nas adversidades. E na diversidade buscam a
aproximação(14).
O cuidar em enfermagem é um salutar diálogo entre pessoas doentes ou não.
Impede pensamentos hostis e explosões sobre dificuldades e estigmas provocados
por exacerbações de doloridas lesões. Favorece a interação. Transforma as
secretas relações em discretas informações sobre as situações em que se
encontram as pessoas com afecções. São alianças para homogeneizar conhecimentos
científicos de profissionais e leigos individuais(14).
Desta construção do grupo pesquisador extraiu-se a concepção "Para um cuidar
dialógico e solidário": O cuidar em enfermagem dispõe de sensibilidade e
solidariedade para fortalecer a pessoa, confortando-a através do diálogo nos
momentos de sofrimento e solidão. Atende aos desejos, necessidades quando
profissionais e clientes se envolvem, reagem, interagem considerando as
diversidades de saberes, culturas, crenças e experiências de ambos e
adversidades encontradas. E a partir delas buscam aproximação(4).
Mediante a dialogicidade propiciada com a instituição do grupo pesquisador,
dispositivo analítico da sociopoética, é possível se contrapor, na área da
saúde, a tendência dos profissionais no que diz respeito às imposições de saber
e poder, pois o diálogo favorece a escuta sensível(10), caracterizando o
respeito às pessoas de quem precisamos para criar conhecimentos indispensáveis
ao cuidar e educar. Releva-se, aqui, que - todos os saberes são iguais em
direito (6,7). Identifica-se, então, que a apropriação dos princípios
filosóficos 1, 2 e 3, junto aos fundamentos teóricos da abordagem citada,
contribuiu na construção da poesia crítica do material analisado no estudo.
Do mesmo modo, foi interpretada a seguinte criação do Grupo Pesquisador (GP),
que gerou o confeto: Deixar de ser velho e tornar-se idoso:
Se somos humanos, vamos transcender. Transcender ao apego das coisas materiais,
da nossa bela e jovem forma física, que transparece saudável até mesmo quando
assim não está. Transcender para repensar em todas as fases da vida e não só no
envelhecer, pois isto não seria recordar o viver. Viver/aprender da criança ao
enfrentar desafios para no mundo sobreviver. Viver aprender do adolescente
reagindo a tudo e a todos para encontrar sua identidade. Viver aprender do
adulto para ter confiança no outro e aceitar sua parceria. Viver/aprender do
velho para transcender aceitando sua espiritualidade além, muito além do corpo
físico e da intelectua-lidade(15).
Compreende-se dessa expressão do imaginário do GP um processo que, ao mesmo
tempo, é de aceitação do lado positivo de envelhecer e de negação da velhice. O
primeiro lado é o indesejado, o que pode causar angústias e depressão devido à
baixa auto - estima, nessa fase da vida. Então, na continuidade do viver, as
pessoas que se cuidam, lutam para tornarem-se idosas, ou seja, para envelhecer
com bem-estar, preservando, assim, sua auto - estima. Nesse caso, como a
enfermagem pode contribuir? Uma proposta seria utilizar os aspectos do
envelhecimento saudável para construir um processo de cuidar voltado para a
promoção do autocuidado(1-3,15), revertendo, assim, o mal-estar em bem-estar
das pessoas idosas.
Diante do exposto, apresenta-se uma nova concepção de cuidar para a área de
gerontologia:
"Cuidar de si para transcender o envelhecer"- As pessoas na continuidade da
vida preocupam-se com perdas e danos advindos de situações socioeconômicas
desfavoráveis. Tais sentimentos se relacionam, freqüentemente e de uma forma
discriminatória, ao envelhecer. Elas negam a velhice, porque isso lhes provoca
sofrimento, mal-estar e tentam sobreviver buscando qualidade de vida. Isso é
considerado deixar de ser velho. Para uma mudança de comportamento, adotando a
proposta de autocuidado, reflete-se que viver com mal-estar é ser velho e viver
com bem-estar é tornar-se idoso.
Identifica-se que os fundamentos teóricos da sociopoética referentes à análise
institucional e à esquizo-análise são aplicáveis nas práticas de cuidar, educar
e pesquisar em enfermagem(6). Nesse caso, observa-se que, utilizando o
dispositivo analítico grupo pesquisador, por sua vez fundamentado também na
Pedagogia do Oprimido(7), Escuta sensível(10) e no Teatro do Oprimido(8), e
aplicando os cinco princípios filosóficos, possibilitou-se ao GP, formado por
idosos, e ao facilitador da pesquisa refletirem sobre o uso do poder/saber
sobre pessoas. Como resultado dessa reflexão, observou-se a serialização
referente à denominação de velho para pessoas com necessidades especiais,
decorrentes de sua idade cronológica. Alerta-se, ainda, que tal serialização
muitas vezes impede a descoberta de uma multiplicidade e diversidade de
valores, culturas, experiências que diferencia as pessoas entre si(6). Desse
modo, conduz a dificuldades quanto ao entendimento dos aspectos citados para a
convivência proveitosa entre os seres humanos de todas as idades cronológicas.
Quanto ao confeto Cuidado familial formado, principalmente, pela categoria
Superando os anseios do viver com um familiar internado em UTI, encontrada no
trabalho (material deste estudo), observou-se na seguinte interpretação da
construção do GP:
O surgimento da insegurança deve-se ao fato de não se conseguir visualizar uma
saída para recuperação de um familiar internado na UTI, pois há dificuldade em
pensar possibilidades de cura diante da situação de saúde enfrentada. Isso
origina sentimentos de medo e outras emoções a serem controladas, além do risco
de doenças físicas decorrentes também da insegurança e irritabilidade. A
hospitalização de um familiar em UTI geralmente ocorre de forma inadvertida,
restando pouco tempo para o ajustamento familiar, sendo essa situação
estressante o que leva as pessoas a sentirem-se desorganizadas, desamparadas e
com dificuldades para se mobilizarem para atender diferentes tipos de
necessidades. Para sair da dificuldade visualiza-se a recuperação do familiar
internado, imaginando que todas as necessidades serão atendidas se a equipe de
saúde puder relacionar os fatores sociais, econômicos, culturais, para
interagir com as situações por ele enfrentadas visando à integridade familiar
(16).
Verifica-se que o dispositivo analítico GP, aplicado nas oficinas
sociopoéticas, favoreceu a dialogicidade(2,6-8), possibilitando a expressão de
sentimentos recalcados, entre os familiares. Assim, formulou-se a seguinte
concepção: "Cuidado aos familiares de clientes" os sentimentos percebidos nos
indivíduos quanto ao acolhimento, em oficinas sociopoéticas, favorecem a ajuda
de uns aos outros. Nesse caso, forma-se uma corrente de solidariedade entre
eles e a equipe de saúde da Unidade de Terapia Intensiva. Isso propicia a
esperança na recuperação e saúde do familiar internado. Destaca-se ainda, o
princípio filosófico referente à valorização das culturas dominadas e da
resistência e dos conceitos que elas produzem. Nesse caso, os familiares de
clientes que se sentem na dependência da equipe de saúde, inclusive, para
reintegração familiar, conforme relatado pelo GP.
Cuidar em enfermagem como tecnologia não-invasiva
Essa categoria inclui os confetos: cuidar de clientes em situações especiais;
cuidar como tecnologia leve, complexa e não-invasiva; cuidado ao paciente;
cuidar como integração de saberes; e cuidado biopsicoespiritual.
Cuidar de clientes em situações especiais - numa oficina sociopoética
utilizando a técnica de desenho livre, o grupo pesquisador, formado por
clientes com doença renal crônica, construiu confetos referentes às suas
expectativas de sobrevivência a partir da terapia renal substitutiva,
hemodiálise e aguardando o transplante renal. Destaca-se a seguinte
interpretação do cliente sobre seu próprio desenho:
Há certos momentos onde eu me sinto uma "folhinha" soprada pelo vento... fico
surpresa com algumas novidades... receio sobre o que está por vir. As
exclamações são as surpresas, são respostas do meu corpo. As reticências e as
vírgulas são aquelas "paradinhas" que a gente dá quando não tem resposta para
nossas perguntas. O vento soprando a folhinha é como me sinto, às vezes ao léu,
meio sem rumo, sem conseguir por o pé no chão firme. Quando penso em
transplante, esse desenho também reflete um pouco... até hoje eu ainda não
tenho tanta certeza se quero. Acho que é complicado você mexer no que tá
quieto, eu tenho medo. Como o resultado do transplante tem vários significados
e respostas, talvez por isso minhas incertezas sejam muitas(17). "Essa árvore
simboliza a posição que eu me encontro agora, como uma árvore mesmo, porque eu
necessito de ajuda de médicos, enfermeiros e de Deus primeiramente, é claro..."
Como a árvore precisa de água para sobreviver, precisa de tratamento porque
sozinha ela não consegue crescer. Então é como se fosse eu, hoje na minha
condição, dependendo de todos os tratamentos para sobreviver(17).
A comunicação verbal e não-verbal como instrumento tecnológico do cuidar em
enfermagem torna-se imprescindível, principalmente no atendimento de pessoas
com doenças crônicas, pois a tendência dos profissionais é utilizar os
protocolos que, se usados rotineiramente, conduzem à mecanização do
procedimento de enfermagem. Nessa dimensão imaginativa do GP, observa-se a
necessidade de se criar oportunidades a fim de que o cliente verbalize suas
dificuldades e expectativas.
A orientação de enfermagem refere-se a ajudá-lo a decidir de forma autônoma e
conscienciosa, avaliando as possíveis conseqüências de seus atos. O que
ocorrerá num espaço livre de pressões, favorecendo sua liberdade(17). Do mesmo
modo, a comunicação de conteúdo, técnico ou não, favorece a interação, que se
expressa em linguagem ou gestos de cuidado, atenção e carinho(18). Diante do
exposto, formulou-se a concepção:
"Cuidando do cliente em situações especiais" deve-se utilizar devidamente a
comunicação/linguagem visando acessar e compreender a experiência de
desequilíbrio orgânico-psíquica dessa pessoa e assim, apropriar-se do
verdadeiro sentido do cuidar onde as potencialidades do cliente jamais podem
ser ignoradas.
O cuidar como tecnologia leve, complexa e não-invasiva
Para cuidar de alguém, há que se conhecerem muitas coisas. Conhecer, por
exemplo, quem é o outro, quais os seus poderes e limitações, quais as suas
necessidades e o que conduz ao seu crescimento. Precisamos saber como responder
às suas necessidades e quais são nossos próprios poderes e limitações. Aprender
sempre, aprender sobre o outro, interagir, deve ser, pois, a origem, o
princípio onde nasce o cuidado. A partir desta interação nasce a intimidade e a
sensação de segurança(19).
Cuidado ao paciente
Não adianta dar medicamento, alinhar, fazer o que for para o paciente. Você tem
que ser humano, tem que ter humildade, porque até segurar a mão, em muitos
casos, basta. Segurar a mão e mostrar que você está preocupado com ele, dar o
carinho que ele precisa, vai bastar. Vai acalmar...(20)
Cuidado biopsicoespiritual
Às vezes a gente pega um paciente que é intocável, muito difícil.de lidar. O
gemido leva a pensar se é um gemido real ou delírio. Com o sedativo ele alucina
e grita muito... então o fator gritar, nele é alucinação e por dor também.
Normalmente... os suicidas querem conversar, querem desabafar, porque nunca
ninguém parou para conversar com eles, dar uma chance deles falarem. A gente
tem que ouvir o outro, dar atenção que ele tem a dizer. Ele quer um retorno,
então é carência no sentido de ele utilizar esse canal de comunicação(20).
O uso da intuição e sensibilidade no cuidado de enfermagem
Para cuidar do recém-nascido você precisa estar em sintonia e para estar em
sintonia você precisa estar disponível, e você só se mostra disponível quando
se utiliza da intuição e da sensibilidade. No cuidado com os recém-nascidos, a
observação é fundamental, uma vez que eles não te dão respostas objetivas. Cada
bebê tem uma particularidade, um jeito próprio de ser e para compreendê-lo
precisamos usar nossa intuição e sensibilidade. Você precisa olhar o bebê
utilizando todos os seus sentidos, estando atento para ver o que não se mostra,
ouvir o que não é dito e imaginar o que se passa. É desta forma que você se
coloca em sintonia com o bebê, com a família, com a equipe(21).
Você capta a mensagem do cliente quando utiliza a intuição e a sensibilidade.
Conhecendo o cliente você cuida dele de forma individualizada, personalizada,
menos rotinizada. Muitas vezes usa-se sem perceber, pois a intuição é uma
percepção subjetiva, algo que se percebe apenas de forma subliminar. A intuição
e a sensibilidade te levam para um caminho que mostra a melhor forma de fazer,
uma forma que te guiar que te direciona nas suas ações. A intuição e a
sensibilidade são caminhos que respondem as necessidades do cuidado quando a
ciência por si só não dá mais conta, já ultrapassou todos os limites. São
elementos que extrapolam o protocolo, a rotina, te fazem fluir, te levam a
ouvir sua voz interna. O uso da intuição e da sensibilidade possibilita uma
maior aproximação e desta forma um melhor cuidado, permite perceber mais
claramente o que o recém-nascido precisa(21).
No imaginário desses grupos pesquisadores, o cuidar, além da competência e
habilidades do profissional, depende de suas qualidades humanas, sua
solidariedade e intencionalidade para compreender a pessoa a ser cuidada para
que o cuidado seja prestado conforme as necessidades nela identificadas. Vê-se
aqui a aplicação de fundamentos teóricos, a exemplo de escuta sensível(10) e de
princípios sociopoéticos. Pois promovendo-se práticas artísticas, possibilita-
se a expressão de emoções, sentimentos, sensibilidade e a consequente interação
entre cliente e profissional. A intuição, a sensibilidade e a criatividade
caracterizam e autenticam o fazer do enfermeiro, dando-lhe coragem e àqueles
com quem ele interage, fortalecendo o autocrescimento e a autorealização de
ambos(4-5,10-12). Diante disso, concorda-se com os pesquisadores que
trabalharam com os grupos citados formulando-se a concepção: "Cuidar é uma
tecnologia do sensível", pois busca descobrir com o cliente formas de conciliar
diferentes sensações desencadeadas pelo viver e por seus desdobramentos em
situações especiais, visando alcançar uma vivencia prazerosa desse período.
Essa concepção encontra apoio nas seguintes afirmações:
- Na enfermagem, a tecnologia compreende o conhecimento humano (científico e
empírico) sistematizado e se evidencia na presença humana, visando à qualidade
de vida. A tecnologia de enfermagem se concretiza no ato de cuidar, mediante um
processo reflexivo e o respeito à dignidade humana(18,22-23).
- A equipe de enfermagem não deve subestimar a dor do cliente considerando a
reação por ele apresentada, mas investigar e avaliar as possíveis causas do seu
desconforto para intervir escutando e confortando, pois a dor pode ser induzida
ou exacerbada pela solidão(5,20,24).
- Em enfermagem obstétrica, o cuidar é uma tecnologia complexa, pois é aberta,
relacional e incorporadora de vários saberes, por admitir o uso da emoção, da
sensibilidade, da intuição, da espiritualidade, além da razão na elaboração do
cuidado(5,10,18,25).
CONCLUSÃO
Este trabalho destacou a responsabilidade pela divulgação dos achados
científicos, sobretudo na área de pós-graduação stricto sensu, demonstrando que
os conhecimentos produzidos contribuem para o avanço científico e tecnológico
da enfermagem. O destaque se fez para a necessidade de maior visibilidade
quanto à fundamentação filosófica, teórica e tecnológica, voltada para
delimitação de um campo de saber de enfermagem como ciência do sensível.
Questionando a possibilidade de se extrair concepções de cuidar a partir de
conhecimentos produzidos com uma determinada abordagem de pesquisa qualitativa;
constatou-se na descrição dos novos conhecimentos produzidos através da
utilização do método sociopoético, a aplicação dos princípios filosóficos e dos
fundamentos teóricos dessa abordagem, os quais contribuíram na construção de
novas concepções de cuidar em enfermagem revelando-se, no caso, uma preocupação
em caracterizar uma mudança de paradigma diferenciado do modelo centrado,
predominantemente, na cura de doenças, qual seja, a perspectiva estética.
Assumir o paradigma referido significa uma transformação no desempenho do papel
do enfermeiro que, possivelmente fortalecerá a sua identidade profissional
tanto no ambiente onde atua, quanto no âmbito da sociedade em geral.
Isto porque, adotar como orientação principal o cuidar de enfermagem em
parceria com os clientes e não somente desenvolver procedimentos técnicos para
cuidar de pessoas, considera a possibilidade de o cliente se tornar
independente dos cuidados profissionais de baixa complexidade. Isso pode
evidenciar o impacto do atendimento próprio, específico de enfermagem e
portanto, autônomo, desvinculado dos saberes procedentes de outros
profissionais da equipe de saúde, a exemplo dos saberes da medicina.
Assim, vale ressaltar a responsabilidade do enfermeiro pesquisador em aplicar
seus achados científicos referentes às novas concepções de cuidar, pois eles
são dependentes da competência e habilidades próprias, características de
enfermagem, quais sejam a promoção da saúde e a promoção do viver a vida com
qualidade.
Demarca-se, portanto, o deslocamento do modelo assisten-cialista de enfermagem
que desconsidera os saberes do senso comum das pessoas para um modelo que
assume um compromisso com o cliente, visando seu bem-estar no decorrer de sua
vida. Um modelo que luta para se desvincular também do cumprimento
incontestável das normas e regulamentos institucionais da área da saúde/doença,
voltando-se para a essência de uma profissão pautada na subjetividade do ser e
na dignidade humana. Desse modo, espera-se que, através desse cuidar, a
enfermagem possa instituir o exercício da cidadania para o profissional e
promoção da independência do cliente.
Verifica-se, portanto, o alcance do objetivo, apresentando-se a resposta à
questão inicialmente formulada: É possível extrair concepções de cuidar a
partir de conhecimentos produzidos mediante o método sociopoético, quando os
enfermeiros pesquisa-dores se apropriaram dos princípios filosóficos e
fundamentos teóricos da sociopética, utilizando-os, simultaneamente, no
desenvolvimento do dispositivo analítico-grupo pesquisador.
Sobreleva-se que os confetos referentes ao cuidar elaborados por esses
pesquisadores e descritos neste trabalho demonstram a propriedade da abordagem
sociopoética para reconstruir saberes oprimidos, esquecidos, recalcados na área
de enfermagem. Reafirmando essa propriedade, ressaltam-se, nas categorias
delimitadas - Dialogicidade no cuidar como instrumento tecnológico e Cuidar em
enfermagem como tecnologia não invasiva, as novas concepções de cuidar em
enfermagem, resultantes do presente estudo: "Para um cuidar dialógico e
solidário"; "Cuidar de si para transcender o envelhecer"; "Cuidado aos
familiares de clientes"; "Cuidando do cliente em situações especiais"; "Cuidar
é uma tecnologia do sensível".
Diante dessas concepções e considerando as dimensões físicas, mentais e
espirituais da prática social da ciência sensível que é a enfermagem, conclui-
se que os resultados obtidos com a implementação da sociopoética buscam
instituir para esta profissão uma perspectiva onde a ética, traduzida no
respeito aos clientes e aos seus saberes para o autocuidado, conduz à autonomia
e à solidariedade entre estes e os profissionais.
Considerando também, a atuação dos pesquisadores junto aos co pesquisadores,
membros do Grupo Pesquisador; sobreleva-se que essa abordagem, criada na década
de 1990, apesar de nova na trajetória histórica da produção do conhecimento
científico e tecnológico, por sua característica de dialogar com diversos e
diferentes campos de saberes, institui uma nova era, demarcando o cuidar
sensível, solidário e inusitado com os sujeitos de pesquisa, reconstruindo
junto com eles o devido respeito à sua dignidade humana.
Assim, a enfermagem vai trilhando espaços geográficos, políticos, sociais e de
cientificidade; afastando-se da geralmente observada submissão ao modelo
biomédico, articulando saberes de outras áreas para fundamentar o seu ideal de
integralidade no atendimento ao cliente, visando sua efetiva participação no
promover, tratar e/ou recuperar sua qualidade de vida. Identificou-se,
portanto, que a filosofia sociopoética, por ser um método de pesquisa, prática
educativa e prática social, revela aspectos orientadores de uma nova
perspectiva no cuidar em enfermagem, compartilhado com as pessoas.