Reflexões sobre a assistência de enfermagem prestada à parturiente
INTRODUÇÃO
O processo de nascimento é historicamente um evento natural, de caráter íntimo
e privado, sendo uma experiência compartilhada entre as mulheres e seus
familiares. As primeiras civilizações agregaram inúmeros significados culturais
a este acontecimento, que ao longo dos tempos e em distintos espaços, foram
sendo repensados e reformulados, principalmente devido às mudanças
significativas na área da medicina(1).
Durante muito tempo as parteiras, curandeiras ou comadres eram quem exerciam a
atividade de partejar, por serem mulheres reconhecidas na comunidade ou de
confiança das parturientes. Familiarizadas com as manobras externas para
facilitar o parto, conheciam a gravidez e o puerpério como experiência própria
e tinham o papel de confortar as mulheres com alimentos, bebidas e palavras
agradáveis; tendo a preferência das parturientes por razões psicológicas,
humanitárias e devido ao tabu de mostrar os órgãos genitais(2).
No final do século XVI, com o surgimento da utilização do fórcipe pelo
cirurgião inglês Peter Chamberlain e aceitação da obstetrícia como disciplina
técnica, científica e dominada pelo homem; ocorre o declínio da profissão de
parteira. Tem início a possibilidade de comandar o nascimento, a intervenção
masculina e a substituição do paradigma não intervencionista; parir passa a ser
considerado um evento perigoso sendo imprescindível a presença de um médico(3).
A partir desta hegemonia, o discurso médico da metade do século XIX em relação
à obstetrícia, caracterizou-se pela defesa da hospitalização do parto e da
criação de maternidades, no qual as mulheres foram despidas de sua
individualidade, autonomia e sexualidade. Foram impostas rotinas de internação
como a separação da família, remoção de roupas e objetos pessoais,
impossibilidade de deambulação e rituais de limpeza como enema e jejum.
Organiza-se a assistência obstétrica como uma linha de produção, em que a
mulher transformou-se em propriedade institucional(2).
"O parto então deixa de ser privado, íntimo e feminino, e passa a ser vivido de
maneira pública, com a presença de outros atores sociais"(1).
Desta forma, a mulher/parturiente que deveria ser a protagonista do parto,
distancia-se cada vez mais e tem dificuldade em participar da decisão do tipo
de parto. Sente-se insegura, submete-se muitas vezes por não sentir-se
capacitada para escolher e fazer valer seus desejos frente às questões técnicas
levantadas pelos profissionais que atendem o parto(1).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem desenvolvido inúmeras pesquisas
relacionadas ao parto normal e preconiza que o objetivo desta assistência é
promover o mínimo de intervenções com segurança, para obter uma mãe e uma
criança saudáveis, ou seja, deve haver uma razão válida para interferir sobre o
processo fisiológico(4).
As recomendações da OMS para o atendimento ao parto normal estimulam o resgate
da valorização a fisiologia do parto, o incentivo de uma relação de harmonia
entre os avanços tecnológicos e a qualidade das relações humanas, além do
destaque ao respeito dos direitos de cidadania. Define que, 70 a 80% de todas
as gestações podem ser consideradas de baixo risco, no início do trabalho de
parto. Afirma que a enfermeira obstétrica desempenha o papel mais adequado e
com melhor custo-efetividade para prestar assistência à gestação e ao parto
normal, avaliando riscos e reconhecendo complicações(4).
Para o Ministério da Saúde a assistência hospitalar ao parto deve ser segura,
garantindo para cada mulher os benefícios dos avanços científicos, mas
fundamentalmente, deve permitir e estimular o exercício da cidadania feminina,
resgatando a autonomia da mulher no parto(1).
Importante lembrar que no Brasil, a consolidação da profissão de enfermeiro,
enfermeira obstétrica e demais profissionais da classe, ocorreu com a Lei nº
7.498/86, regulamentada pelo Decreto 94.406/87, que dispõe sobre o exercício da
enfermagem e dá outras providências. O artigo 6º assegura que Enfermeiro é o
titular do diploma de Enfermeiro conferido por instituição de ensino, nos
termos da lei (inciso I); obstetriz ou enfermeira obstétrica é o titular do
diploma ou certificado de Obstetriz ou de Enfermeira Obstétrica, conferido nos
termos da lei (inciso II). Dentre as atividades de enfermagem descritas no
artigo 11º, das competências do profissional enfermeiro, cabe aos profissionais
referidos no inciso II, a incumbência de: assistir à parturiente e ao parto
normal; identificar distocias obstétricas e tomar providências até a chegada do
médico; realizar episiotomia e episiorrafia e aplicar anestesia local, quando
necessária(5).
A Portaria nº 2.815 de 29 de maio de 1998 do Ministério da Saúde (MS), inclui
na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde
(SUS) o procedimento "parto normal sem distócia realizado por enfermeiro
obstetra" e tem como finalidade principal reconhecer a assistência prestada por
esta categoria profissional, no contexto de humanização do parto. Além disso, o
MS fomentou técnica e financeiramente cursos de especialização em enfermagem
obstétrica por perceber o pequeno número de profissionais atuantes no início
deste século, ainda que se estime que o número de partos realizados por este
profissional seja superior ao registrado no SUS(1).
Por fim, os princípios e diretrizes gerais para a atenção obstétrica e neonatal
do MS, descreve que a atenção humanizada e de qualidade necessita do
estabelecimento de condutas comprova-damente benéficas, a não realização de
intervenções desnecessárias, o respeito aos preceitos éticos, a garantia de
privacidade e autonomia das mulheres e sua participação nas decisões e condutas
a serem adotadas(6).
Em nossa prática assistencial, temos buscando redirecionar o parto normal como
evento fisiológico, natural e que possui grandes significados para a mulher e
sua família. Entendo que é nosso dever como profissionais de saúde
comprometidos com a qualidade do nascimento, empoderar as mulheres para que as
mesmas possam com dignidade, segurança e autonomia vivenciar de forma plena a
gestação, parto e pós-parto. Ao observar o trabalho desenvolvido por nossas
colegas de profissão, percebemos que as mesmas têm a mesma preocupação, no
entanto, este trabalho ainda é pouco valorizado, tanto pelos outros
profissionais de saúde como pelas mulheres e famílias atendidas.
Desta forma, temos alguns questionamentos: Como é vista a atuação da enfermeira
obstétrica frente ao processo do nascimento? Como ela está inserida no mercado
de trabalho? O que as enfermeiras obstétricas vêm fazendo para consolidar o seu
trabalho e seu papel frente à mulher e recém-nascido no processo do nascimento?
Frente a estes questionamentos, sentimos a necessidade de buscar o que existe
de publicação sobre o trabalho desenvolvido pelas enfermeiras obstétricas.
Acreditamos que pesquisar a produção de conhecimentos que vem sendo divulgada e
publicada pelos meios indexados de divulgação na área de saúde, sobre esta
temática, poderá contribuir para dar uma maior visibilidade ao trabalho
desenvolvido pelas enfermeiras obstétricas.
Assim, este estudo tem por objetivo: identificar o estado da arte da produção
publicada sobre a atuação da enfermeira obstétrica no processo do nascimento,
com o propósito de contribuir para futuras investigações e auxiliar nas
reflexões sobre esta temática.
MÉTODO
Pesquisa bibliográfica realizada na área da saúde, sobre a temática atuação da
enfermeira obstétrica no processo do nascimento.
O levantamento foi realizado nas bases de dados: Literatura da América Latina e
Caribe (LILACS), Medical Literature on Line (MEDLINE) e Scientific Electronic
Library Online (SciELO) e ainda na Biblioteca Cochrane, no período compreendido
entre 2004-2008 com a utilização dos descritores: Enfermeiras Obstétricas,
Trabalho de Parto, Parto e Assistência de Enfermagem. A partir da busca
selecionada, foram encontradas 2.525 referências. O operador boleano AND foi
utilizado em sua maioria, o que justifica o grande número de artigos
encontrados, porém que não apresentava aderência ao tema. Procedeu-se a leitura
dos títulos e resumos, sendo que os artigos científicos que discorriam sobre a
assistência prestada à parturiente pela enfermeira obstétrica, sem vinculação
ao tipo de assistência prestada, e disponíveis em português, foram incluídos no
presente estudo.
A partir das referências obtidas foram selecionados 04 artigos e 01 tese, em
seguida catalogados em ficha bibliográfica adaptada(7) e organizada da seguinte
forma: referência, palavras-chave, objetivos, delineamento, local,
participantes, preceitos éticos, medidas/principais resultados, comentários.
Durante análise e integração do material, foram observadas características e
proximidades da atuação da enfermeira obstétrica, que foram divididas em sete
categorias: regulamentação do exercício profissional; inserção no atendimento à
parturiente; a assistência prestada; o vínculo estabelecido; as ações
educativas e orientações intrínsecas ao atendimento; as atividades
administrativas e as dificuldades vivenciadas na profissão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conhecendo os estudos
Os estudos analisados foram: A visão do profissional médico sobre a atuação da
enfermeira obstetra no Centro Obstétrico de um Hospital Escola de cidade do
Recife PE(8); Atuação da enfermeira na assistência à mulher no processo de
parturição(9); O papel da equipe de saúde no cuidado e conforto no trabalho de
parto e parto: opinião das puérperas(10); Resultados da assistência ao parto no
Centro de Parto Normal (CPN) Dr. David Capistrano da Costa Filho em Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil(11) e A casa de parto da Faculdade de
Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACENF), diagnóstico do
perfil do atendimento e a percepção das usuárias(12). O Quadro_1 apresenta
alguns dados destes estudos.
Características da atuação da enfermeria obstétrica
Regulamentação do exercício profissional
O estudo no qual entrevistaram profissionais médicos, percebe-se o
desconhecimento destes profissionais sobre a legislação que ampara a profissão
das enfermeiras obstétricas em assistir ao parto normal sem distócia. Os
entrevistados relatam dificuldades em reconhecer e definir o papel/atuação
destas profissionais no atendimento à parturiente. No entanto, no mesmo estudo,
os autores afirmam que a enfermeira obstétrica é vista como parte da equipe de
saúde e que suas práticas e atitudes para a promoção ao parto e nascimentos
saudáveis e o respeito à autonomia da mulher tendem a repercutir na qualidade
de assistência(8).
Inserção no atendimento à parturiente
A inserção da enfermeira obstétrica no atendimento ao trabalho de parto e
parto, em instituições hospitalares, mais precisamente nos centros obstétricos,
foi identificada em três referências estudadas(8-10).
Dois estudos foram desenvolvidos em Centros de Parto Normal (CPN)(11-12), em
que a enfermeira obstétrica foi colocada em evidência pois esteve inserida em
todo o atendimento obstétrico e neonatal, incluindo a alta hospitalar.
O MS oferece suporte à atuação da enfermeira obstétrica, para o atendimento ao
parto normal nos CPN, através da Portaria nº 985 de 5 de agosto de 1999(13).
Os CPNs são locais que facilitam a inserção da enfermeira obstétrica no
atendimento ao parto, proporcionando maior autonomia profissional(12). Esta
categoria profissional necessita de "um espaço próprio para atuação, pois, uma
vez internada em grandes hospitais, a usuária acaba sendo classificada como
tendo um potencial de risco, sendo o parto normal pouco assistido e a atuação
da enfermeira obstetra ainda muito limitada e desconsiderada"(12).
Assistência prestada
Com a introdução de recursos tecnológicos, observamos que o compromisso do
profissional e o relacionamento com a mulher na assistência ao parto foram
perdendo-se ao longo dos anos. A enfermeira obstétrica surge como profissional
que está sempre presente no acompanhamento do trabalho de parto, sendo
valorizada pelas mulheres(12). Esta presença constante oferece segurança, além
de ser fundamental na detecção precoce de intercorrências que possam surgir.
A Casa de Parto da FACENF foi estruturada a fim de oferecer as mulheres um
ambiente acolhedor, que valoriza suas necessidades, interesses e preocupações;
e que respeita os direitos da mulher e criança. Ela dá suporte ao processo de
nascimento, estimula a participação ativa da mulher durante o trabalho de parto
e parto, com o mínimo de intervenções possíveis e incentiva a participação dos
familiares(12).
Pela visível autonomia da enfermeira obstétrica, nos CPN, elenco agora, as
ações efetuadas por estas profissionais na Casa de Parto da FACENF(12), por
demonstrar claramente, a atuação da enfermeira obstétrica frente à parturiente.
Observa-se que a maneira de prestar assistência/cuidar da enfermeira
obstétrica, nesta instituição, é direcionada pelas recomendações da OMS sobre
as práticas relacionadas ao parto normal.
As enfermeiras da Casa de Parto da FACENF atribuem à mulher uma postura ativa
durante o processo de nascimento e o controle de seu próprio corpo, "[...]
observa-se que a assistência foi centrada nas necessidades das mulheres e que
as mesmas se mantiveram participantes do processo de nascimento dos seus bebês,
sendo respeitadas nos seus desejos dentro de cada situação"(12).
A assistência prestada pelas enfermeiras obstétricas, proporcionou o exercício
da cidadania, incluiu um ou mais acompanhantes e respeitou o direito de escolha
da parturiente. A presença da figura paterna foi ressaltada em 70,2% dos
atendi-mentos; sendo que as enfermeiras introduziram estes na assistência,
possibilitando que os mesmos realizassem o corte do cordão umbilical, em 76 dos
178 partos atendidos(12).
Dentre as práticas(4) classificadas como sendo demonstradamente úteis e que
devem ser estimuladas, encontramos o oferecimento de líquidos por via oral
durante o trabalho de parto e parto. A oferta de líquidos pelas enfermeiras
obstétricas na FACENF, sempre foi valorizada pelas mulheres, como meio de ajuda
ao trabalho de parto(12).
O pequeno número de intervenções durante o trabalho de parto e parto marca a
assistência prestada pelas enfermeiras obstétricas, nesta casa de parto é
marcada. A rotura espontânea das membranas ocorreu em 123 partos, 69,10% das
mulheres atendidas, num total de 178. Das mulheres restantes, 55 necessitaram
da rotura artificial; sendo que em 34 destes partos, ou seja, 61,81% a rotura
artificial ocorreu quando a mulher estava com 8 a 9 cm de dilatação e nos 21
restantes (38,19%) quando as mulheres se encontravam com dilatação total, ou
seja, 10 cm. Destaca-se também o número reduzido de toques vaginais, sendo que
96,63% (172 gestantes) receberam três toques ou menos com uma média de toques
vaginais de 2 ± 0,85; média e desvio padrão(12).
O atendimento holístico e humanizado marca a diferença no estilo de cuidar das
mulheres no momento do parto, pela (re) descrição da dor do parto e a forma de
controle na Casa de Parto. A dor pode ser desencadeada pelo tipo de assistência
prestada, aquela centrada em procedimentos dolorosos, denominada modelo
medicalizado ou tecnicista, que se utiliza em excesso de procedimentos como os
toques vaginais, uso de ocitócitos e realização de episiotomia/episorrafia. O
manejo da dor por recursos não farmacológicos, como o uso do chuveiro, bolas de
parto, massagem, banheiro de hidromassagem e o banquinho de parto; foram
realizados pelas enfermeiras obstétricas e valorizados pelas usuárias, quando
relatam sentirem-se bem, aliviadas e relaxadas(12).
"O profissional que na assistência dialoga com a mulher, que compartilha, que
busca uma relação de parceria, que respeita a dor, fortalece a mulher para
enfrentar a dor fisiológica"(12).
A valorização da mulher como protagonista do evento, pela profissional
enfermeira, foi identificada no respeito à escolha da posição adotada pelas
mulheres no segundo período clínico do parto. As posições adotadas, em ordem
decrescente, foram: ginecológica modificada 38,20%; semi-sentada 19,66%;
cócoras 14,04%; sentada 12,36%; decúbito lateral 12,36%; vertical (1,69%) e
genupeitoral (1,69%)(12).
O respeito à concepção do nascimento como um momento de passagem, na
assistência ao recém-nascido, evita procedimentos invasivos e a separação
brusca da mãe e seu bebê. "A interação mãe-bebê consiste em, no momento em que
o bebê nasce colocá-lo sobre o ventre da mãe, deixando que ele se acomode ao
meio externo através da proteção dos pais, no ambiente do quarto"(12). A
descrição do favorecimento para o estabelecimento da interação mãe/pai/família
com o bebê, foi encontrada em 95,21% dos casos. É importante ressaltar, que nos
4,79% dos nascimentos em que não ocorreu a interação mãe-bebê, os neonatos
apresentaram depressão respiratória ou presença de mecônio e necessitaram de
atendimento imediato.
O estímulo ao aleitamento materno precoce, colocando o recém-nascido ao seio na
primeira hora de vida foi identificado em 92,16% dos atendimentos. A mesma
justificativa apresentada na promoção da interação mãe/pai/família com o bebê,
foi descrita para os casos onde o estímulo ao aleitamento materno não ocorreu,
7,84% das histórias; somada ainda a situação de hemorragia materna(12).
Questões relativas ao acompanhamento do trabalho de parto, pelas enfermeiras
obstétricas também foram pautadas. A elaboração do partograma, representação
gráfica do trabalho de parto, ocorreu para 100% das mulheres, possibilitando o
acompanhamento de sua evolução, a identificação de alterações, a tomada de
condutas apropriadas para correção de desvios e prevenção de intervenções
desnecessárias; o que assegurou uma adequada evolução do trabalho de parto(12).
Na Casa de Parto da FACENF, o modelo de assistência proposto ao parto, respeita
a fisiologia do processo de nascimento e a utilização de ocitocina deve ser
cautelosa, sendo que num total de 178 atendimentos, 62, ou seja, 34,83% das
mulheres receberam a medicação(12). Destas, 30,65% receberam a ocitocina no
pós-parto, sendo que esta prática é classificada(4) como, demonstradamente útil
e que deve ser estimulada quando há risco de hemorragia no pós-parto, ou perigo
em conseqüência de perda sanguínea.
Sobre o segundo período clínico do parto, identificou-se(12) a ocorrência de
laceração perineal em 61,79% dos partos não estando associada à posição adotada
pela mulher, no momento da expulsão. "As roturas espontâneas apresentam melhor
recuperação do períneo quando comparadas a episiotomia"(12). A episiotomia foi
realizada em 24,72% dos partos, sendo que a OMS adota como meta, 10% de
freqüência. A porcentagem de mulheres atendidas que apresentaram o períneo
íntegro após o parto, foi de 18,54%.
A relação entre as enfermeiras obstétricas e as usuárias da Casa de Parto da
FACENF, foi permeada de respeito e reconhecimento do papel que cada uma
desempenha no processo do nascimento. Quando indagadas sobre o local que
indicariam para amigas ou familiares para dar à luz, todas as entrevistas
responderam que indicariam a Casa de Parto(12).
O índice de remoção nesta casa de Parto foi de 10,1% em transferências
intraparto, no seu primeiro ano de funcionamento. Entre as razões para as
transferências, destaca-se a parada de progressão do trabalho de parto em 65%,
seguida da remoção a pedido em 15% dos casos, explicitado pelo desejo da mulher
em ser encaminhada ao hospital e não possuindo uma indicação obstétrica. A taxa
de cesárea foi de 1,01% no primeiro ano de funcionamento e a taxa de parto a
fórceps de 3,03%(12).
A assistência prestada no CPN Dr. David Capistrano da Costa Filho, é baseada no
modelo humanista, resgatando as características fisiológicas do nascimento,
centrado na mulher/família e suas necessidades biopsicossociais. Preconiza o
atendimento individualizado e flexível, o apoio emocional, a presença do
acompanhante de desejo da mulher, o compartilhamento das intervenções entre o
profissional e a cliente visando assegurar a participação ativa, o respeito aos
desejos da mulher parturiente em relação à movimentação do corpo durante o
trabalho de parto e a posição adotada para o período expulsivo, além do
incentivo e realização do contato precoce pele a pele, entre mãe e bebê(11).
O CPN Dr. David Capistrano da Costa Filho dispõe de um protocolo assistencial,
que serve de manual técnico, conforme a Portaria nº 985/1999, que implementa e
regulamenta o funcionamento dos Centros de Parto Normal no âmbito do SUS. Este
protocolo assistencial estabelece: os critérios de admissão da parturiente e a
conduta da assistência frente às condições clínicas da parturiente e recém-
nascido que determinam a transferência, no caso de intercorrências ou desvios
da evolução fisiológica(11).
A taxa de transferência materna neste CPN foi de 10,5% como causa de
transferência intraparto, no período estudado. Teve como principais causas o
trabalho de parto prolongado 25,8%, o desejo de analgesia com 25,3%, a presença
de líquido meconial 18,7%, seguida de alterações nos batimentos cárdio-fetais
em 8,7% dos atendimentos. A taxa de cesárea foi de 2,2%, e a taxa de parto a
fórceps 0,8%(11).
Estes dados demonstram a capacitação técnica da enfermeira obstétrica para
prestar assistência ao parto normal de baixo risco; a valorização da mulher no
respeito às decisões sobre as transferências; a identificação de distocias e a
tomada de providências, ou seja, a transferência; tudo isso proporcionando um
atendimento seguro à parturiente, recém-nascido e família(11- 12).
Outro estudo também descreve, de forma ampla, a atitude do enfermeiro frente ao
processo de nascimento. Um profissional que, de acordo com as mulheres
entrevistadas, integra a equipe de saúde atuando de forma a despertar na
parturiente o conhecimento de seus limites e potencialidades durante o trabalho
de parto(10).
Um dos estudos se focou na atuação da enfermeira obstétrica dentro de uma
instituição hospitalar, pela percepção das próprias enfermeiras. Foi possível
identificar que no acompanhamento humanizado do trabalho de parto, existe
respeito à parturiente, a presença da enfermeira obstétrica é constante e
duradoura, tornando a parturiente mais colaborativa e segura, o que influencia
na opção pelo parto normal(9).
Observou-se que monitorar o trabalho de parto, com humani-zação, é exercido
como uma "forma de minimizar ou de superar os sentimentos negativos, as
concepções preconcebidas e experiências difíceis vivenciadas, relacionados ao
parto normal, manifestados por elas, e ao mesmo tempo conquistar a confiança e
elevar sua auto-estima(9).
Vínculo estabelecido
As experiências e vivências das entrevistadas em um dos estudos demonstram uma
aproximação e valorização da parturiente, identificando-a como ser consciente,
ativo e sensível; que necessita não somente de cuidados físicos, mas de alguém
que considere seus sentimentos e sua individualidade. Para tanto, percebe-se
que a enfermeira ao prestar cuidados demonstra compreensão, respeito,
solidariedade, apoio, orientação e incentivo(9).
Com isso, uma relação mais próxima e sensível entre a enfermeira e a
parturiente, pode ser identificada em 03 (três) estudos(9-10,12).
Esta proximidade, o apoio nos momentos difíceis, a conversa e pequenas ações
como segurar a mão, torna mais confortável e tranquila a experiência do parto
(10). A descrição deste relaciona-mento, pela parturiente e sua família, como
"o começo de uma amizade"(10) demonstra o vínculo estabelecido.
O fato de a enfermeira sensibilizar-se com o momento vivenciado, envolver-se no
momento de parir, criar um ambiente de cuidado e conforto e maior aproximação
com a cliente; potencializa o poder vital da parturiente e facilita o trabalho
de parto e parto(10).
A enfermeira reconhece a importância da sua atuação e procura contato com a
mulher, quer conhecer sua história de vida, identificar suas necessidades e
prestar uma assistência mais adequada e de melhor qualidade(9).
A enfermeira obstétrica estabelece uma relação que pressupõe horizontalidade,
quando escuta os desejos da mulher, preocupa-se com seu bem-estar, permite se
envolver numa relação de proxi-midade e compromisso com a parturiente. As
usuárias descrevem esse acompanhamento como atencioso, carinhoso e bastante
satisfatório(12).
Ações educativas e orientações intrínsecas ao atendimento
As ações educativas são descritas como eventos presentes no cotidiano da
enfermeira, em dois estudos, sendo que na área obstétrica, associam-se ao
incentivo e apoio às mulheres no ciclo gravídico-puerperal. As enfermeiras
orientam sobre o pré-parto, evolução do trabalho de parto, contrações uterinas,
o posicionamento de escolha da gestante, incentivo ao nascimento de parto
normal e suas facilidades no cuidado ao recém-nascido(9).
Como ações educativas das enfermeiras foram identificadas a apresentação do
local de permanência da mulher no pré-parto, parto e puerpério; orientações a
respeito da liberdade de escolha nas diferentes modalidades de atenção ao
parto, tanto em relação ao local quanto à posição; escolha do método de cuidado
e conforto nos momentos que antecedem o nascimento e disponibilidade para o
esclarecimento de dúvidas. "Esses aspectos fazem com que a mulher se
tranquilize e se sinta valorizada, o que facilita a evolução do parto(10).
Atividades administrativas
A assistência de forma indireta caracteriza-se pelas ações administrativas
desenvolvidas, nas quais as enfermeiras fornecem condições para que outros
profissionais executem sua assistência(8- 9).
"A presença da enfermeira obstetra no centro obstétrico foi percebida como
fator de ajuda importante para o funcionamento do serviço e como gerenciadora
da assistência"(8).
Com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada à parturiente,
as atividades administrativas desenvolvidas pelas enfermeiras obstétricas são
descritas como fundamentais; dentre elas evidencia-se a organização de
pacientes, distribuição de materiais e coordenação de pessoal(8).
A importância das funções administrativas da enfermeira obstétrica também é
reconhecida em outro estudo, sendo enumeradas como: supervisão de pessoal de
enfermagem, provimento e controle de material para a execução dos serviços de
enfermagem e médico, além de coordenação do centro obstétrico. Estas ações são
identificada em todas as etapas do processo de parturição, sendo muitas vezes a
forma mais frequente de atuação da enfermeira, o que absorve maior tempo e
dedicação ao serviço(9).
Consideramos que as funções administrativas são importantes na atuação do
profissional da enfermeira, no entanto, muitas vezes estas funções impedem que
a enfermeira obstétrica assuma o papel de cuidadora junto à mulher e ao recém-
nascido.
Dificuldades vivenciadas na profissão
Sobre as dificuldades vivenciadas pelas enfermeiras obstétricas, três estudos
pontuam questões relativas à prática profissional e aos entraves conseqüentes
ao desconhecimento sobre a regulamentação do exercício profissional(8-9,11).
No estudo desenvolvido no CPN Dr. David Capistrano da Costa Filho ficou
evidenciado que as enfermeiras obstétricas demonstram insegurança na
assistência, principalmente em relação ao recém-nascido. Neste estabelecimento
a avaliação do recém-nascido é responsabilidade destas profissionais, sendo que
quando identificam desvios no processo fisiológico, realizam a transferência
para o serviço especializado. Este CPN é integrado ao hospital Sofia Feldman,
na cidade de Belo Horizonte, MG; o que facilita a transferência e possibilita a
solicitação de avaliações médicas, nas especialidades de obstetrícia e
pediatria. No período de desenvolvimento do estudo citado, a avaliação do
médico pediatra ocorreu em 9,4% dos recém-nascidos atendidos, sendo que destas
avaliações, 19% ocorreram por dúvidas levantadas pela enfermeira obstétrica
durante o exame físico, que não se confirmaram como anormalidades. Outro fator
que necessita de atenção e discussão é o índice de 0,9% de hemorragia no pós-
parto, das mulheres atendidas no CPN Dr. David Capistrano da Costa Filho. Os
autores afirmam que esta porcentagem é maior, quando comparada aos dados
encontrados na literatura(11).
Um dos estudos refere que as enfermeiras obstétricas dedicam grande parte de
seu tempo para as atividades administrativas. Destaca também que a deficiência
do pessoal de enfermagem e a grande demanda de trabalho, se evidenciam como uma
dificuldade, pois distanciam as enfermeiras do cuidado, o que acaba revertendo
em prejuízo para a assistência prestada à parturiente, recém-nascido e família
(9).
Já o desconhecimento da regulamentação do exercício profis-sional, gera
entraves e traz dificuldades na prática da enfermeira obstétrica, frente à
assistência ao trabalho de parto e parto.
Alguns profissionais médicos além de não aceitarem que a enfermeira obstétrica
conduza um trabalho de parto, percebem como enfrentamento a identificação de
uma distócia, desvio do processo fisiológico, por parte da enfermeira. No
entanto, a assistência prestada pela enfermeira obstétrica repercute num olhar
diferenciado e a não realização do parto normal implica em prejuízos à
parturiente. A enfermeira obstétrica possui formação, competência técnico-
científica e é respaldada legalmente para o exercício da profissão(8).
A atuação da enfermeira obstétrica, frente ao processo do nascimento é
destacada nos estudos apresentados, sendo esta profissional referendada como um
ator importante na construção de um cuidado solidário e compartilhado,
promovendo mudanças significativas na assistência ao parto e nascimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na atualidade, a vivência da gestação de forma plena e natural é uma procura
das próprias mulheres, frente ao significado cultural do processo de
nascimento. O papel desempenhado pelas enfer-meiras obstétricas neste processo
é um tema que vem sendo amplamente discutido nos últimos anos. A elaboração
deste estudo possibilitou perceber como a enfermeira obstétrica é vista pelos
profissionais de saúde e pela clientela, bem como esta profissional caracteriza
o trabalho que ela desempenha frente às mulheres, recém-nascidos e suas
famílias. Os estudos apontam a enfermeira obstétrica como profissional
comprometida e qualificada, que resgata o parto normal como evento fisiológico
e proporciona dignidade, segurança e autonomia. Uma profissional que reconhece
os aspectos sociais e culturais envolvidos no processo de gestar e parir, que
não realiza intervenções desnecessárias e garante os direitos de cidadania da
mulher e sua família.
De acordo com os estudos apresentados, a enfermeira obstétrica assiste ao
trabalho de parto e parto, baseada em um modelo humanístico e holístico de
cuidar. A assistência humanizada, segundo os autores destes estudos, consiste
na atenção voltada para a mulher e família, considerando a parturiente como
protagonista do evento, dando liberdade de escolha, favorecendo um ambiente
acolhedor, oportunizando a presença do acompanhante e promovendo suporte físico
e emocional. O modelo holístico de cuidado propicia o empoderamento da mulher,
ao percebê-la conectada com a mente e o ambiente.
A inserção da enfermeira obstétrica no mercado de trabalho é apresentada, ora
de forma positiva, ora com obstáculos para sua atuação. O desconhecimento das
leis que respaldam sua atuação mostra-se como um momento de entrave na
assistência prestada nas instituições hospitalares. Em contrapartida, os
estudos mostram que a criação dos CPN pelo MS, favorecem a atuação desta
profissional e fortaleceu sua autonomia.
As ações educativas e as atividades administrativas são amplamente elencadas
nos estudos pesquisados, demonstrando o papel desem-penhado pelas enfermeiras
obstétricas, frente a estas atividades.
Entendemos que embora a atuação da enfermeira obstétrica seja reconhecida como
importante e configure-se como uma mudança paradigmática no cuidado às
mulheres, recém-nascidos e famílias, ainda existem lacunas de conhecimentos
acerca desta temática, exigindo novas discussões, reflexões e publicações que
venham respaldar e dar maior visibilidade ao trabalho desenvolvido por estas
profissionais.