Ensino de oncologia na formação do enfermeiro
CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO
O processo de produção de serviços de saúde é caracterizado por atividades
eminentemente intensivas em mão de obra e as transformações que vêm ocorrendo
nas últimas décadas, incluindo aquelas relacionadas aos avanços científicos e
tecnológicos e, também, às expectativas das empresas que têm enfrentado
mercados globalizados extremamente competitivos, vem provocando mudanças
profundas no trabalho em saúde(1). Estas mudanças estão exigindo dos
trabalhadores qualificações cada vez maiores e o desenvolvimento/
aperfeiçoamento de competências para novas demandas do exercício profissional,
direcionadas às suas realidades.
A prática e a educação na área da saúde, como realidades sociais, estão
relacionadas com os processos de desenvolvimento econômico, científico,
tecnológico, político e social(2). Desta forma, uma reflexão sobre as
qualidades essenciais aos trabalhadores para a inserção no mundo do trabalho
(competitivo e exigente) é necessária e urgente; implicando na
reconceitualização da abordagem educacional e na avaliação de "ajustes" dos
órgãos formadores, sob pena de que os egressos da escola não se encaixem ou
enfrentem dificuldades desnecessárias às novas demandas geradas pela estreita
dependência com o mundo do trabalho.
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO BRASILEIRO E FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM
O perfil epidemiológico brasileiro aponta as neoplasias como a segunda causa de
mortalidade, passando nos últimos vinte e cinco anos do quinto para o segundo
lugar(3).Projeções da Organização Mundial da Saúde estimam que em 2030, o
número de mortes por câncer chegue a 23,4 milhões, contra 7,4 milhões no ano de
2004, sendo o tabagismo o grande vilão, na maioria dos futuros casos(4). Em
relação ao Brasil, estima-se que no ano de 2010 apareçam 500.000 novos casos de
câncer com destaque para a mama, próstata, melanomas, pulmão, colorretal e
ovário(3-5).
Desse modo, é fundamental que as Instituições de Ensino repensem as suas
estratégias e prioridades para a formação de novos profissionais que prestarão
assistência a uma população que cresce rapidamente e que cada vez mais irá
procurar os serviços de saúde para o atendimento de suas necessidades. Para
tal, é imprescindível uma reflexão acerca da formação inicial do enfermeiro.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei n. 9.394 de 20 de
dezembro de 1996, nos aponta inovações e mudanças na educação nacional,
propondo uma reestruturação dos cursos de graduação e a adoção de diretrizes
curriculares específicas para cada curso(6).
Essa lei fundamenta o processo de formação na educação superior por meio do
desenvolvimento de competências e habilidades, do aperfeiçoamento cultural,
técnico e científico do cidadão, da flexibilização dos currículos e
implementação de projetos pedagógicos inovadores, bem como, assegura às
instituições de ensino superior autonomia didático-científica(7).
As Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde foram delineadas
para atender às exigências da LDB e apresentam como um de seus objetivos o
aprender a aprender, que é a síntese do aprender a ser, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e aprender a conhecer(6).
Os princípios das Diretrizes Curriculares referentes ao ensino de enfermagem
pretendem, incentivar uma sólida formação geral necessária para que o futuro
graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício
profissional e de produção de conhecimento, permitindo variados tipos de
formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa; estimular práticas
de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e
profissional; encorajar o reconhecimento de habilidades e competências
adquiridas fora do ambiente escolar; fortalecer a articulação da teoria com a
prática(8).
O perfil do formando egresso/profissional descrito nas diretrizes curriculares
é: Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva.
Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor
científico e intelectual e pautado em princípios éticos. Capaz de reconhecer e
intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes no
perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação,
identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes. Capacitado
a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania,
como promotor da saúde integral do ser humano(8).
Diante dos princípios delineados pelas diretrizes curriculares, surgem algumas
provocações: qual tem sido o compromisso das instituições de ensino superior em
enfermagem em formar enfermeiros com o perfil proposto pelas diretrizes
curriculares? O enfermeiro egresso está apto a ser absorvido no mercado de
trabalho? Tem sido capaz de reconhecer e intervir sobre os problemas/situações
de saúde-doença prevalentes no perfil epidemiológico em âmbito nacional?
Para que possamos ir ao encontro dessas respostas, devemos nos debruçar sobre
uma análise dos paradigmas educacionais. Devido a sua complexidade, estes
contemplam diferentes vertentes como a elaboração dos projetos políticos
pedagógicos, dos currículos, da definição dos objetivos, conteúdos, métodos e
estratégias de ensino, mecanismos de avaliação além da reflexão das relações
interpessoais estabelecidas entre os sujeitos do processo ensino-aprendizagem,
professores e alunos.
Nesse sentido, propõe-se uma reflexão sobre a inserção do ensino formal de
Oncologia, enquanto Disciplina, nos currículos de Graduação em Enfermagem. Para
tal, é preciso que esta proposta esteja contextualizada no Projeto Político
Pedagógico (PPP) das universidades.
Este documento tem como função a sistematização, nunca definitiva, de um tipo
de ação educativa, a partir de um posicionamento quanto à sua intencionalidade
e de uma leitura da realidade(9). Sendo assim, este aspecto merece especial
consideração quando nos depararmos com o perfil de morbi-mortalidade da
população brasileira.
A construção do PPP deve ser fundamentalmente coletiva, pois deste modo permite
que seus constituintes participem do processo de análise, discussão e tomada de
decisão quanto aos rumos que, consciente e criticamente, definem como
necessários e possíveis à instituição universitária(10).
Favorece ainda, a formação de conceitos, o delineamento de propostas, a
retroalimentação do processo, a refutação ou a reafirmação de paradigmas como
condições essenciais para o alcance das metas desejadas(7).
Sendo assim, o interesse em pensar sobre o ensino de Oncologia na formação do
Enfermeiro surgiu quando se verificou que alguns cursos de Graduação em
Enfermagem no Brasil não ofereciam esta disciplina; a grande procura de
pacientes com afecções oncológicas no hospital, a necessidade de uma formação
que garanta subsídios voltados para a prática e principalmente, o perfil de
morbi-mortalidade da população brasileira, consolidaram esse interesse.
Sabe-se que as grades curriculares dos cursos de Graduação em Enfermagem
passaram por diversas alterações de acordo com a época e a situação sócio-
econômica e política do país. O processo evolutivo da profissionalização do
Enfermeiro no Brasil tem sido dirigido e comandado pelos modelos de currículos
mínimos obrigatórios, legalmente determinados, nem sempre consoantes à
realidade do país.
As reformas curriculares vieram para atender as exigências do mercado de
trabalho e o cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais, que preconizam
a formação do Enfermeiro generalista, adquirida por meio de conteúdos teóricos
e práticos, favorecendo o desenvolvimento de competências e habilidades gerais
e específicas, objetivando um profissional egresso qualificado, reflexivo e
pronto para atuar sobre a realidade social(11).
Como as Diretrizes preconizam a formação de um Enfermeiro generalista, algumas
instituições de ensino, ao fazerem seus "reajustes" para incorporar os
princípios determinados, excluíram algumas disciplinas, por entenderem que esta
seria específica para o ensino em nível de Pós-Graduação Lato Sensu
(Especialização), não demonstrando iniciativas de reelaboração pedagógica com
vistas a imprimir sua marca institucional na operacionalização das Diretrizes e
sem sua contextualização às condições de saúde da população, assim como do
perfil do egresso consoante às necessidades sociais e sanitárias, locais e
regionais(12).
Ocorrem divergências sérias e profundas no corpo docente entre as Diretrizes
Curriculares Nacionais e os currículos mínimos, assim como entre os diferentes
grupos que disputam o poder de definir os rumos da formação, guiados pela
lógica decorrente de sua cosmovisão ou de sua miopia.
Desta forma, não apenas a disciplina de Oncologia, mas outras foram excluídas
do processo de formação do Enfermeiro, como Centro-Cirúrgico, Cuidados
Críticos/Intensivos e Pronto-Socorro, sustentadas pelo aval de um currículo
mínimo, não atendendo ao princípio da integralidade da assistência, em todos os
níveis de complexidade do sistema de saúde e nos diferentes cenários da prática
profissional, considerando os pressupostos dos modelos clínico e epidemiológico
(12).
Assim, cabe indagar aos colegas docentes: Seria a disciplina de Oncologia
necessária na grade curricular do Curso de Graduação em Enfermagem?
Frente à proposição da formação do Enfermeiro generalista, considera-se
oportuno discorrer sobre os pilares que abrangem a assistência ao paciente/
cliente com alguma afecção oncológica compreendido desde a prevenção, passando
por intervenção cirúrgica, pré e pós operatório, quimioterapia, radioterapia,
indo até aos cuidados intensivos(13).
É de fundamental importância que os aspectos emocionais dos pacientes com
afecções neoplásicas como depressão, ansiedade, medo relacionado à morte,
apatia, entre outros, sejam considerados e valorizados pela equipe de saúde(13-
14). Sob nossa ótica, são cuidados prioritários a serem oferecidos à essa
clientela, não podendo dissociar os efeitos negativos de uma baixo-estima
situacional, medo e ansiedade no quadro geral do paciente e de sua família.
Observa-se que as áreas de atuação do enfermeiro junto a esses clientes são
amplas, inseridas no cuidado primário até o terciário, reabilitação e
intervenção em incapacidades. Faz-se necessária a preparação de docentes e
discentes para o enfrentamento dessa realidade epidemiológica nacional.
Paradoxalmente, as Instituições de Ensino Superior, ao excluírem (ou não
incluírem) do currículo de Graduação em Enfermagem o ensino de oncologia formam
profissionais com deficiências em conhecimentos e capacidade de intervenção
sobre os problemas e situações de saúde-doença, demandas prevalentes e
prioritárias da população, conseqüentemente, tornando inadequado o atendimento
às reais necessidades de saúde e intervenções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao considerarmos as questões acima apresentadas, destacamos que o Ensino de
Graduação em Enfermagem deve ser orientado aos problemas mais relevantes do
país, fundamentado nos diferentes níveis de atuação do enfermeiro subsidiado no
desenvolvimento progressivo de suas competências.
É preciso compreender que as concepções pedagógicas precisam ser determinadas a
partir das concepções políticas existentes nas instituições de ensino bem como
nos problemas sociais e culturais prementes de serem solucionados.
Vemos então, estabelecido no sistema educacional, o desafio de reformular e/ou
adequar currículos, metodologias de ensino, métodos de avaliação, relações
interpessoais, enfim, o ensinar e o aprender neste novo contexto.
Criar um modelo educacional que não busque só a reorientação no que se refere à
aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento das habilidades técnicas, mas
que possibilite o exercício de habilidades sociais, de ações críticas e éticas,
que nos impulsionem a rever paradigmas, contextualizando-os com a sociedade
contemporânea(15).