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BrBRCVHe0034-71672010000600010

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variedadeBr
ano2010
fonteScielo

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Dificuldades dos familiares de idosos portadores de doenças crônicas no acesso à Unidade Básica de Saúde

INTRODUÇÃO No Brasil o processo de envelhecimento populacional está ocorrendo de forma rápida e em todas as regiões do país. A partir da década de 60, com a redução da fecundidade, observam-se mudanças profundas na distribuição etária, a qual possuía, por exemplo, nos anos 70 uma proporção da população idosa de 5,1% e em 2000 esta aumenta para 8,6%(1).

O aumento da expectativa de vida representa um ganho para a sociedade e traz repercussões nos setores social e de saúde. Gastos previdenciários, diminuição proporcional da população economica-mente ativa, manutenção da rede de suporte social, aumento do índice de condições crônicas e problemas socioeconômicos, que contribuem para aumentar o risco de idosos com dependência física e social estes são alguns dos problemas advindos de tal processo.

No que diz respeito a saúde, nota-se que a preocupação com as doenças infecto- contagiosas perde lugar para a alta prevalência das condições crônicas(2). A Organização Mundial de Saúde define "condições crônicas" como aquelas que abrangem tanto as doenças não-transmissíveis quanto inúmeras doenças transmissíveis que se tornaram crônicas; incluem ainda os distúrbios mentais de longo prazo e as deficiências físicas contínuas(3). Em suma, as "condições crônicas" abarcam uma categoria extremamente vasta de agravos que apresentam pontos em comum: são persistentes e necessitam de certo nível de cuidados permanentes, exigindo mudanças no estilo de vida e gerenciamento da saúde.

Sabe-se também das dificuldades que se vivencia para controlar os problemas crônicos de saúde, e do elevado número de pessoas que procuram as instituições de saúde, repetidas vezes, necessitando tratamento dos mesmos sintomas. Pode-se inferir assim que o modelo atual do sistema de saúde está mais centrado no tratamento de casos agudos, e pouco responde às condições de ordem crônicas(4).

Diante do exposto questionamos: qual suporte é proporcionado pelos serviços de saúde pública para famílias que tem o idoso com condição crônica? Quais dificuldades estas famílias enfrentam ao buscarem os serviços de saúde pública visando a assistência ao idoso? Neste sentido, o objetivo deste estudo foi o de identificar as dificuldades vivenciadas pelas famílias de idosos em condição crônica e que buscam assistência na Unidade Básica de Saúde (UBS).

MÉTODO Tratou-se de um estudo de natureza qualitativa que adotou o Interacionismo Simbólico (IS) como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) como referencial metodológico. O IS é uma perspectiva teórica centrada na interação entre as pessoas, entendendo por interação a ação, percepção, interpretação e reação das coisas na relação com o outro(5). A TFD tem a finalidade de conhecer o fenômeno social no contexto em que este ocorre, observando assim a inter-relação entre significados e ação e, a partir daí, desenvolvendo um modelo teórico(6). A coleta e a análise dos dados fazem parte desse processo e ocorrem de maneira dinâmica e concomitantemente.

O estudo foi realizado no município de Maringá - PR, no período de agosto de 2005 a maio de 2006. Os dados foram coletados junto a oito famílias de idosos que vivenciam condições crônicas de doença, o que significou a participação de 29 pessoas, entre elas os idosos(as), esposos(as), filhos(as), netos(as), noras e genros. As famílias constituíram cinco grupos amostrais no estudo.

Estabeleceram-se como critérios iniciais de seleção das famílias, nos grupos amostrais, estas terem um de seus membros idoso do sexo masculino e/ou feminino, com idade igual ou superior a 75 anos, residentes no domicílio e com familiares apresentando, pelo menos, uma doença crônica, com a presença ou não de limitações físicas. Vale ressaltar que o critério idade igual ou superior a 75 anos foi estabelecido com o intuito de investigar como é a convivência da família com o idoso em idade avançada, considerado mais vulnerável ao desenvolvimento de doenças.

Deste modo, o primeiro grupo foi constituído por duas famílias que possuíam idosos com condição crônica de doença, porém, mantinham certa autonomia, com independência inclusive para o autocuidado; o segundo grupo foi constituído por duas famílias com idosos que apresentavam algum grau de dependência e que tinham suporte do sistema privado de saúde através de convênio; o terceiro grupo foi formado por duas famílias com idosos dependentes, porém, com acesso à assistência a saúde restrita ao SUS; e o quarto grupo amostral que foi composto de duas famílias com idosos independentes e com acesso aos serviços de saúde exclusivo do SUS. Ao desenvolver a análise comparativa, observou-se que, em algumas famílias, o cuidador principal do idoso era a nora, o que gerou inquietações ao pesquisador, desenvolvendo o quinto grupo amostral atentando para quando o cuidador principal não é a filha do idoso.

Na composição dos grupos foram respeitados os critérios de amostragem e saturação teórica(6). A amostragem teórica foi selecionada de acordo com as inferências do pesquisador no processo de análise dos dados, ou seja, à medida que se fazia questionamentos e hipóteses eram apresentadas, e por fim, buscou- se novos sujeitos para compor o estudo. A saturação teórica dos dados também contribui para determinar a amostragem, ou seja, a repetição de informações e o fato de não se encontrar novos dados influenciam a constituição dos grupos amostrais. Neste sentido, também se faz necessário o desenvolvimento de uma sensibilidade teórica, a qual permite ao pesquisador uma percepção dos significados presentes nos dados e, a partir daí, a elaboração da teoria(6).

A seleção das famílias ocorreu a partir dos cadastros de uma Equipe de Saúde da Família (ESF) do município, sendo o primeiro contato por intermédio do Agente Comunitário de Saúde responsável pela área de abrangência que as famílias residiam. A coleta de dados foi realizada no domicílio, a partir de vários encontros entre pesquisadoras e famílias. Foi elaborado um roteiro para nortear o trabalho de campo, o qual ocorreu através da observação participante e entrevista semi-estruturada. O instrumento de coleta de dados foi constituído por cinco partes contendo: composição familiar do idoso; condição de saúde e doença do idoso e família; avaliação da capacidade funcional do idoso; cuidado do idoso no contexto domiciliar e as observações da pesquisadora.

O processo de codificação e categorização dos dados ocorreu durante todas as fases do trabalho de campo, nas quais, após a transcrição dos dados, estes foram comparados constantemente, com o intuito de descobrir os processos dominantes na cena social, ou seja, os processos que envolviam o cuidado familiar ao idoso com condição crônica. Em seguida, a partir da estrutura conceitual elaborada inicialmente, ocorre a expansão da teoria emergente e a necessidade de dar densidade a mesma a partir da redução, no qual as categorias são analisadas verificando a conexão entra as mesmas dando origem aos processos, amostragem seletiva dos dados, bem como a amostragem seletiva da literatura dando coerência aos resultados com estudos acadêmicos(7).

A análise dos dados permitiu a identificação do fenômeno central: "Cuidado familiar ao idoso com condição crônica", construídos por três processos Identificação da doença crônica do idoso; Convivência com a cronicidade da doença do idoso; Os serviços de saúde na vida das famílias. Neste artigo será apresentada parte do terceiro processo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, Parecer 331/2004.

Para assegurar o sigilo dos informantes, utilizou-se a identificação da família por ordem numérica e o seu papel segundo o idoso que foi referência para seleção da mesma.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Os serviços de assistência à saúde estão presentes no cotidiano das famílias que vivenciam o cuidado ao idoso com doença crônica de várias maneiras, como, por exemplo, através do fornecimento de medicamentos de uso contínuo no tratamento da doença e também pelo trabalho da Equipe Saúde da Família, a qual realiza consultas domiciliares, organiza reuniões com a população, faz orientações coletivas e individuais, entre outras ações.

Dentro desta compreensão de cuidado, existe a participação dos serviços públicos de saúde e, neste processo, as famílias vivenciaram dificuldades ao buscar assistência a saúde do idoso portador de doença crônica, como descritas a seguir.

Dificuldades encontradas pelas famílias para o uso do serviço público de saúde Atualmente, a percepção da sociedade brasileira é, em geral, de que o atendimento em saúde é precário, de custo elevado, com desperdícios de recursos e com prestação de cuidados(8). Nota-se que os idosos, em seu cotidiano, vivenciam angústias com os diversos obstáculos para assegurar alguma assistência por meio dos serviços de saúde, além da convivência com a falta de uma assistência adequada.

As famílias relatam várias dificuldades para a utilização do serviço público de saúde, entre elas apontam problemas da não continuidade dos programas realizados pelas unidades básicas de saúde, situação que ocorre principalmente com a mudança de governo, na qual algumas políticas públicas de saúde são modificadas. Essas alterações administrativas, geralmente, acarretam na descontinuidade do tratamento ao idoso que faz acompanhamento de sua condição crônica, tendo estes que se adequar às novas regras burocráticas estabelecidas pelos serviços de saúde.

Inclusive agora, depois que mudou o prefeito, se a gente quiser pegar o remédio no postinho, nós temos que passar no posto e agendar uma consulta ali, aguardar para passar pelo médico e, às vezes, a consulta não sai no mesmo dia, sai dois ou três dias depois... não é fácil não. Agora não tem mais aquele médico que vinha ali no salão da igreja. Ficou difícil para a gente viu. (F 2 filha) Foi dia 18 de agosto, mas o médico não estava na reunião, mas a enfermeira assinou a receita, eu tirei o remédio. Foi o último dia da reunião do grupo, mas o médico não tinha mais. Era muito bom participar dos grupos! A enfermeira falou que o dia que a gente precisar, quando o remédio estiver acabando, é para ir ao posto e marcar uma nova consulta e vai fazer a consulta e depois levar o remédio. Agora vai ficar difícil. (F 4 idosa) Vale observar que as famílias e idosos mencionaram a interrupção das atividades de reuniões em grupo realizadas no programa Hiperdia, as quais eram percebidas como sendo uma ação importante desenvolvida pela ESF e facilitadora do tratamento da doença crônica do idoso. Sabe-se que, neste trabalho em grupo, geralmente, são realizadas orientações sobre as doenças, riscos de complicações, esclarecimentos de seu controle, acompanhamento do tratamento com a realização de exames para avaliação do estado de saúde do idoso e a prescrição de medicamentos necessários.

As atividades em grupos de idosos em unidades básicas de saúde representam um importante espaço de educação em saúde e que traz benefícios, tanto para os idosos, quanto para o próprio serviço(9). Esta estratégia de trabalho promove ao idoso melhor compreensão e aceitação do adoecimento, a retomada de papéis sociais e a ocupação de tempo ocioso. para o serviço propicia-se a ampliação do vínculo entre profissionais de saúde e usuários, o que pode interferir positivamente na adesão ao tratamento e adoção de medidas preventivas.

Associado a este problema de mudanças de políticas e programas de saúde, ocorre a frequente alteração da equipe de saúde, ou parte dela, na UBS, o que interfere de forma negativa na formação de vínculos entre profissional e população e, consequentemente, na qualidade do atendimento à população.

Mas eu não sei por que cargas d'água trocaram o Dr. R., tiraram ele de e mandaram para um posto aqui embaixo. puseram um outro médico na equipe, que aquele alí pelo amor de Deus! O médico da cara fechada, chegava aqui em casa e parecia que vinha sem vontade...

Falou que era para chamar ele se fosse uma urgência. Bom, ser for uma urgência eu não vou chamar o médico do posto, eu enfio ela num carro e levo-a logo no Hospital Municipal. Porque até o médico daqui chegar, eu estou chegando ao hospital com ela. foi indo e eu fui desanimando com o atendimento que é feito para ela aqui... (F 6 irmã) O compromisso e vinculação estabelecidos pelos profissionais da ESF com os usuários possibilitam o fortalecimento da confiança nos serviços. Sabe-se que esta relação é fundamental para ampliar a qualidade da assistência, pois, entre outros fatores, este influencia diretamente na aderência do indivíduo ao tratamento da doença crônica, fazendo com que, a partir daí, as pessoas acreditem nas suas condutas e orientações, tomando assim os cuidados necessários no controle da doença.

O diálogo e o intercâmbio de saberes técnico-científicos e populares, profissionais e usuários, podem construir, de forma compartilhada, um conceito sobre o processo saúde-doença, circunstância esta que apresenta uma relação dialógica, a qual proporciona mudanças duradouras de hábitos e de comportamentos saudáveis, visto serem ocasionados não pela persuasão ou autoridade do profissional, mas pela construção de novos sentidos e significados individuais e coletivos sobre o processo saúde-doença-cuidado(10).

A implementação da Estratégia Saúde da Família, a qual teve início na década de 1990, tem como finalidade contribuir para a construção e consolidação do SUS, conferindo em sua proposta uma reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, priorizando, entre outros princípios e diretrizes do SUS, a integralidade nas práticas assistenciais, na qual o olhar profissional deve apreender as necessidades mais abrangentes do sujeito(11).

A partir deste modelo assistencial, a visita domiciliar demonstra ser um importante instrumento de assistência à saúde do idoso, a qual permite, além da realização de ações em saúde, a prevenção de complicações da doença crônica, identificando estados graves de hiperglicemia, hipotensão e, por exemplo, podendo inclusive haver indicação de internação hospitalar para estabilizar o quadro de saúde do idoso, sendo também uma estratégia que favorece a criação do vínculo entre família e equipe de saúde.

Por meio da visita domiciliar torna-se possível avaliar outras necessidades de cuidado no ambiente familiar, no qual podem-se detectar outros problemas de saúde na pessoa que foi, inicialmente, objeto de sua visita, como também identificar outras pessoas doentes na família e que precisam ser assistidas.

Deste modo, a visita domiciliar tem o objetivo de avaliar as necessidades do cliente, de seus familiares e do ambiente onde estes vivem, para que assim a equipe de saúde possa estabelecer um plano assistencial voltado à recuperação e/ou reabilitação dos membros da família, levando em consideração a necessidade do cliente e a disponibilidade do serviço(12).

A abordagem, no contexto domiciliar, visa a redução da demanda por atendimento hospitalar ou à redução do período de permanência dos pacientes internados, mas inclui também a preocupação com a humanização da atenção à saúde(13). Apesar da assistência domiciliar ter sido incluída pelo Departamento de Atenção Básica no Sistema de Informação Ambulatorial do SUS (SIA/SUS), sendo assim uma modalidade de atendimento prevista na Estratégia Saúde da Família, cabe destacar a emergência de investir-se na normatização e operacionalização dessa assistência domiciliar no âmbito da atenção básica(13).

A interrupção do acompanhamento à família e ao idoso por uma equipe de saúde ou por algum profissional que a compunha, seja este atendimento realizado de forma individual na UBS ou em reuniões em grupo de idosos, seja através de visitas domiciliares à família, além de prejudicar essa relação de confiança estabelecida pela equipe com o cliente, pode existir ainda o problema da descontinuidade do tratamento, ou seja, o novo profissional, que faz os primeiros contatos com o idoso e a família, terá de fazer novamente uma anamnese, levantando informações sobre seu histórico de saúde e doença para buscar instrumentos necessários ao seu diagnóstico e, consequentemente, à definição de suas condutas. Situação esta que prejudica o atendimento ambulatorial, principalmente no que diz respeito às doenças crônicas.

O atendimento de ambulatório do SUS não funciona. Eu acho que não funciona, porque cada vez que você vai é um médico diferente, toda vez que você chega eles fazem as mesmas perguntas e faz uma outra ficha. Às vezes está e, às vezes, não acha o prontuário, é uma confusão danada. Na visita em casa é um pouco melhor, mas quando muda o médico até ele conhecer todo mundo leva um tempo. (F 6 irmã) Neste sentido, entende-se que o envelhecimento populacional do país impõe novos desafios para o governo, uma vez que suas características são de apresentarem enfermidades crônicas e múltiplas, que perduram por longo tempo e que demandam cuidados constantes, uso de medicações continuamente e a realização de exames periódicos, exigindo assim novos métodos de planejamento e gerência dos serviços de assistência à saúde, assegurando ao idoso a continuidade do seu atendimento.

Outro problema enfrentado pelas famílias é referente aos medicamentos, pois, além do fornecimento ser restrito, ou seja, além de certos medicamentos necessários ao tratamento da doença crônica não estarem disponíveis na farmácia das unidades básicas de saúde, ainda não garantia de que não haja falta destes medicamentos que devem sempre ser disponibilizados pelo serviço público.

O remédio da mamãe faltou no posto, tive que comprar, então é um monte de gente que sai com a receita e vai à farmácia, até as meninas da faculdade, essas estagiárias, falaram que tem desse pessoal, entra aqui com a receita e sai tudo sem remédio. Vai à farmácia comprar... O remédio é caro. (F 2 - filha) A constatação é que no Brasil, além de se gastar mal, se gasta pouco com saúde, situação agravada com o desenvolvimento de uma política neoliberal, na qual o papel do Estado é de garantir o mínimo de assistência à saúde, permitindo um espaço para o setor privado(14). Este modelo assistencial vigente no país é caracterizado pela prática médica voltada às abordagens biológicas e intra- hospitalares, associada à utilização, nem sempre adequada, dos recursos tecnológicos existentes, resultando em baixa cobertura, resolubilidade e em custos elevados, ocasionando insatisfação por parte dos gestores do sistema, dos profissionais de saúde e da população usuária dos serviços(14).

Alguns materiais necessários no cuidado ao idoso também são escassos no serviço de saúde pública, como, por exemplo, a disponibilização de seringas para administração de insulina. A família inclusive questiona orientações realizadas por profissionais de saúde em função desta restrição de material, o que coloca em risco, por exemplo, a saúde de uma das idosas entrevistadas que se forçada a adotar a conduta de reutilizar a seringa usada na aplicação da insulina.

Eu pego no posto a insulina. Esses tempos faltaram seringas, até não sei se pode, mas a minha sobrinha que foi buscar para mim e ela falou que era usar uma agulha duas vezes ao dia, porque estava em falta no posto. Como não tinha ela falou que podia usar duas vezes. Não sei se pode, mas eu estou usando. (F 3 - filha) A escassez de materiais de consumo utilizados no cuidado ao idoso, tal como o referido acima seringa para aplicação de insulina, pode trazer consequências tanto no agravamento progressivo da saúde e da capacidade funcional do idoso, como na ocorrência de dificuldades adicionais para os familiares cuidadores programarem suas ações de cuidado(15).

A dificuldade de acesso à unidade básica de saúde também foi uma questão apresentada pelas famílias e idosos, tanto pelo distanciamento geográfico entre a residência e o serviço, como, também, pelo problema do transporte, que envolve desde não possuir meios de locomoção privados, dependendo, nestes casos, do transporte coletivo ou de ambulância, até as limitações físicas provenientes dos agravos à saúde do idoso.

[...] a minha dificuldade é ir ao posto, porque o ônibus passa longe de casa e para eu andar tudo isso é muito longe, eu não consigo caminhar toda essa distância. (F 1 idosa) [...] Mudaram o médico de posto, tiraram ele de e mandaram para um posto aqui embaixo e esse posto embaixo esse pessoal que mora aqui nessa rua não pode usar, mesmo sendo mais perto de casa do que o posto de de cima... (F 6 irmã) Esses problemas de acesso ao serviço de saúde, ausência de uma Unidade Básica de Saúde, bem como ausência de transporte coletivo, também foram relatados nos estudos(16-17), sendo destacado ainda a dificuldade em conseguir transporte público para os idosos com dependência.

Nota-se ainda que o distanciamento geográfico pode ser agravado pela maneira como é feita a delimitação da área de abrangência de atuação de uma UBS, conforme relatos das famílias, uma vez que nem sempre a residência da mesma pertence à área de atuação do serviço de saúde mais próximo.

Essa territorialização é um dos pressupostos básicos do trabalho da Estratégia Saúde da Família. As equipes multiprofissionais da Estratégia Saúde da Família são responsáveis pelo acompanhamento de uma população adscrita, localizada em uma área delimitada, na qual irá desenvolver ações de promoção a saúde, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes.

As diretrizes que fundamentam o Sistema Único de Saúde, através da lei 8080, têm relação estreita com o conceito de territorizalização, uma vez que as decisões de políticas de saúde são exercidas dentro de um processo de descentralização das tomadas de decisões nos serviços. A organização desses serviços segue os princípios da regionalização e hierarquização, delimitando uma base territorial formada por agregações sucessivas como a área de atuação dos agentes de saúde, da equipe de saúde da família e a área de abrangência das unidades básicas de saúde(18).

Apesar de compreender que essa base territorial deve ser definida considerando não somente uma demarcação de limites de áreas físicas, pois precisam também ser coerentes com os níveis de complexidade das ações de atenção à saúde, identifica-se, neste estudo, que o problema específico não ocorre por uma justificativa do perfil demográfico e epidemiológico expresso nessa população, e sim de um espaço político-operativo mal definido.

A dificuldade de conseguir consultas médicas na unidade básica de saúde foi outro problema mencionado pelas famílias. A idosa da Família 4 comenta que, com a morosidade do atendimento do serviço público, o indivíduo pode ter complicações do seu problema de saúde e até ocorrer a morte conforme a gravidade do caso.

A enfermeira falou para eu ir ao posto marcar a consulta, porque, às vezes, pode demorar até 15 dias... Até 15 dias eu morri. Ela falou que nem sempre demora tanto, mas pode demorar até 15 dias. Sei de que jeito que eu estou depois de tanto tempo esperando para ser atendida! É muito tempo para esperar... Está muito difícil. (F 4 idosa) A situação fica ainda mais difícil quando se refere ao agendamento de consultas com médicos especialistas, pois, dependendo da especialidade, o indivíduo espera um longo período para o atendimento. Nestes casos, algumas famílias comentam recorrer a médicos particulares ou às consultas disponibilizadas pelos planos de saúde.

[...] a gente também vai ao médico do posto, a gente tem carteira, que consulta com cardiologista é difícil de conseguir, demora meses na fila de espera. (F 1 idosa) A maioria dos idosos apresentam múltiplos problemas coexistentes e frequentemente procuram inúmeros especialistas, sobrecarregando o sistema de saúde, o que além de aumentar o custo da assistência, não representam necessariamente uma intervenção efetiva, situação que poderia ser modificada através da organização de uma estrutura distinta daquelas existentes para as demais faixas etárias nos serviços de saúde(19). Reflete-se assim que, um modelo de atenção à saúde do idoso que pretenda apresentar efetividade e eficiência necessita desenvolver ações que envolvam todos os níveis da prevenção e possuir ainda um fluxo bem desenhado de ações de educação, de promoção à saúde, de prevenção de doenças evitáveis, de postergação de moléstias e de reabilitação de agravos(19).

Estas dificuldades vivenciadas pelos usuários do serviço público de saúde podem justificar o fato das famílias buscarem os serviços privados de saúde sempre que possível, para diminuírem o sofrimento causado por uma assistência precária, morosa e burocrática. O filho da idosa na Família 7 apresenta esta explicação para o fato de utilizarem, prioritariamente, o serviço privado de assistência à saúde, conforme comentam abaixo: Ela precisava ir sempre ao médico e, no postinho, é demorado. Então começou a pagar o plano de saúde para ela. Porque eu não tinha carro também, eu trabalhava então eu tinha muita dificuldade para levar ela também. Sabe [...] E no postinho tem muita burocracia, e uma hora não é atendido e outra hora eles adiam e então eu comecei a pagar o plano. (F 7 filho) Evidencia-se que os idosos portadores de maiores necessidades de cuidados de saúde buscam atendimento em outros serviços em relação à unidade básica de saúde de referência, a qual sugere que a atenção básica não está preparada para prestar atendimento adequado a esta população. Estudo sobre o uso de serviços ambulatoriais por idosos nas regiões sul e nordeste do Brasil avaliou que os determinantes na escolha de consulta em unidade básica de saúde de abrangência foram menor renda familiar na região sul e menor escolaridade no nordeste, situação que indica que os idosos com pior condição sócio-econômica estão tendo acesso aos serviços de atenção a saúde(20).

No entanto, dados do Estudo de Linha de Base do Projeto de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF) apontaram que a infra-estrutura das unidades básicas de saúde, bem como a capacitação dos profissionais que nelas atuam ser precária(21). Situação que favorece o distanciamento dos idosos e famílias da rede básica de saúde, induzindo-os a buscar, sempre que possível, consulta na rede privada.

Os eventos aqui elencados e que constituíram essa categoria, ajudam-nos a demonstrar as dificuldades da família e do idoso no uso do serviço público de saúde, quando buscam suporte ao tratamento da doença crônica. Ao mesmo tempo, nas diversas maneiras de interagir com as famílias e os idosos observou-se que estes têm, muitas vezes, no profissional de saúde que faz seu atendimento, uma referência de saúde e cuidado, ou seja, a família também busca no comportamento da equipe signos e significados de saúde, doença e cuidado. Nota-se que a população tem uma expectativa no referente ao grau de infalibilidade que se espera destes profissionais que os assistem.

Este fato é importante na medida em que nos oferece uma espécie de contramão da percepção da atuação dos serviços públicos de saúde. Pode-se aqui elencar dois desses fenômenos: o primeiro é que as informações estão se construindo continuamente. Uma campanha de vacinação para idosos, prevenção de câncer de mama ou orientação de comportamento preventivo em saúde nunca é interpretada de maneira homogênea pela população alvo. Assim sendo, pode-se observar que a relação humana com a informação se muito mais em um nível de interação simbólica, ou seja, a informação é construída e não dada. O segundo fenômeno, geralmente desprezado, é o de que o observador também é observado, ou seja, na relação simbólica que se estabelece entre ser cuidador e ser cuidado, a construção de significados permeia o olhar de ambos.

A partir desse entendimento de que significados são considerados produtos sociais, formados dentro e através das atividades das pessoas, à medida que elas interagem, conclui-se que os significados de cuidado à saúde e doença do idoso estão em constante construção, sendo formulados e reformulados conforme suas interações com os seres humanos, incluindo aqui as interações com profissionais de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Deste modo, essa categoria analítica revela algumas situações que a família julga como sendo deficientes na atuação das instituições e dos profissionais de saúde no cuidado ao idoso. Além disso, dá-se o conhecimento das dificuldades enfrentadas pelas famílias e idosos quando, ao buscarem o suporte do serviço público de saúde, não encontram respostas concretas às suas necessidades. As famílias relatam problemas da não continuidade dos programas realizados pelas unidades básicas de saúde quando mudam as gestões políticas, bem como a frequente alteração dos membros da equipe de saúde, pode levar à descontinuidade do tratamento e o rompimento de vínculos entre a população e os profissionais de saúde.

Outros problemas apresentados foram quanto ao fornecimento de medicamentos e outros materiais de consumo, como seringas, dificuldades no acesso ao atendimento da UBS pelas limitações no transporte ou distanciamento geográfico entre o serviço e a residência, e ainda as restrições para conseguir consultas médicas, principalmente com os diferentes tipos de especialidades.

Estes percalços poderiam ser, em grande parte, minimizados através de um planejamento estratégico em saúde e com uma melhor qualificação profissional no atendimento a esta população que envelhece e alcança idades bastante avançadas.

Esses dois fatores positivos permitiriam metodologias mais eficazes de um monitoramento de idosos com condições crônicas, bem como um sistema de saúde com ênfase no atendimento personalizado à clientela, tendo como objetivo não somente retardar a evolução das doenças a fim de oferecer uma vida prolongada, porém com qualidade de vida, autonomia e independência.

Vale considerar ainda que é a partir dos símbolos que se compreende a ação humana, pois é através deles que são dados significados ao cuidado à condição crônica, por exemplo, estruturando sentido às coisas para si e para àqueles com quem se interage. Neste estudo, ao observar as relações familiares com o idoso com condição crônica, como a família e o idoso vivenciam a condição de cronicidade da doença, como e em que situações os cuidados ocorrem, suas estratégias, seus sentimentos, bem como atentar para suas percepções sobre as relações de suporte advindas dos serviços de saúde, se constituiu uma maneira de compreender o significado do cuidado deste idoso no contexto domiciliar, uma vez que este está expresso em seus modos de agir, falar e pensar o cuidado.


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