Enfrentamento do adolescente em condição crônica: importância da rede social
INTRODUÇÃO
O período da adolescência caracteriza-se como um momento de transição para a
vida adulta, portanto, esse período geralmente é frustrante e difícil para o
jovem saudável, sendo ainda mais complicado àqueles em condição crônica. A
simultaneidade da adolescência e da doença crônica caracteriza uma crise
existencial, sobrepondo-se à outra crise, representada pela enfermidade muitas
vezes incurável e respectiva necessidade de tratamento continuado(1).
A doença crônica na adolescência pode desencadear repercussões físicas,
psicológicas e sociais, bem como a necessidade de atenção singular no processo
de hospitalização. Mesmo com o avanço atual no diagnóstico e terapêutica, estas
doenças implicam um processo de adaptação permanente, o que muitas vezes não
condiz com seu processo de crescimento e desenvolvimento, alterando sua rotina
(2).
O tratamento dessas doenças geralmente é prolongado, complexo, exigindo
cuidados constantes em relação à terapêutica em si e a determinantes que possam
agravar o estado de saúde. Quando há necessidade de hospitalização, o
adolescente é separado do convívio com seus familiares, amigos, colegas e da
escola. Portanto, é nesse contexto que precisa cotidianamente adaptar-se às
situações decorrentes da condição crônica. Esses aspectos interferem na saúde
física do adolescente, bem como alteram sua convivência com a família, os
amigos e a escola podendo desencadear processos de fragilidade emocional e
isolamento social(3).
Além dos aspectos já descritos, há outros envolvidos, especialmente quando o
local de atendimento é um hospital público, pois, na maioria dos casos, esses
adolescentes fazem parte de comunidades menos favorecidas, que vivenciam falta
de informação, desconhecimento dos seus direitos(4). A vulnerabilidades desses
jovens aumenta quando suas famílias são desagregadas e eles geralmente não
possuem um projeto para suas vidas(5).
Sob esta ótica, a dinâmica do cuidado ao adolescente em condição crônica deve
ser ampliada, envolvendo-o em sua totalidade, unicidade e diversidade. Planejar
o cuidado em saúde nessas condições requer a existência de uma rede social que
dê suporte ao adolescente e sua família no atendimento de suas demandas no
cotidiano.
Para compreender essas relações, é preciso diferenciar rede social de apoio
social, pois, embora sejam conceitos inter-relacionados, carregam diferenças
entre si. A "rede social refere-se à dimensão estrutural ou institucional,
ligada a um indivíduo. O apoio social encontra-se na dimensão pessoal, sendo
constituído por membros desta rede social efetivamente importante para as
famílias. Rede social é uma teia de relações que liga os diversos indivíduos
que possuem vínculos sociais, propiciando que os recursos de apoio fluam
através desses vínculos"(6).
Assim, a rede social é entendida como: "um sistema de apoio constituído por
diferentes pessoas pertencentes à comunidade na qual o portador da doença
crônica se insere os integrantes da rede oferecem diferentes formas de apoio,
emocional, material e educacional como forma de compartilhar experiências,
surtindo um efeito direto sobre o bem-estar do indivíduo e do grupo ao qual ele
pertence"(7).
Essa perspectiva implica compreender o apoio social como um processo de
interação entre pessoas ou grupos de pessoas, que por meio do contato
sistemático estabelecem vínculos recebendo apoio material, emocional, afetivo,
contribuindo para o bem estar recíproco. O apoio social realça o papel que os
indivíduos podem desempenhar na resolução de situações cotidianas em momento de
crise(8).
Diante de todas as adversidades provocadas pela condição crônica na
adolescência este é um tema relevante para reflexão da organização do processo
de trabalho da enfermagem, especialmente naqueles locais onde a demanda por
internamento desses jovens é significativa. Autores descrevem que as
adversidades provocadas pela condição crônica poderiam ser minimizadas se o
adolescente fosse atendido em um ambiente específico, sendo assistido por
profissionais capacitados para reconhecer suas necessidades, contribuindo para
o seu restabelecimento e reduzindo o impacto da hospitalização(9).
Nesse sentido, estudo realizado sobre a doença crônica e suas marcas na
infância as autoras salientam que "é preciso estruturar estudos com crianças
portadoras de doenças crônicas e não somente sobreessas crianças. Construir
instrumentos que possibilitem a aproximação, e apreensão de seus modos de
viver, apropriação do espaço social e experiência com o adoecimento. Todo esse
processo não merece ser negado, disfarçado ou escondido, mas pode ser
adequadamente manejado pela família, recebendo suporte profissional caso
necessário para isso, e pelo serviço de saúde(10).
Baseado nesta problemática, neste estudo objetivou-se investigar a influência
da rede social no enfrentamento do adolescente em condição crônica.
MÉTODO
Tratou-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. As metodologias de pesquisa
qualitativa são "aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da
intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais,
sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação,
como construções humanas significativas"(11).
A pesquisa de campo foi realizada em uma unidade de internação pediátrica de um
Hospital Escola do Estado da Paraíba. Os sujeitos da pesquisa foram quatro
adolescentes hospitalizados, com idade variando entre 14 e 18 anos. A seleção
desses adolescentes seguiu aos seguintes critérios: possuir o diagnóstico
médico de doença crônica há pelo menos um ano, aceitar participar da pesquisa e
ter a autorização dos pais ou responsáveis para sua participação.
Atendendo à Resolução nº 196/96 do Ministério da Saúde, que regulamenta a
realização de pesquisas envolvendo seres humanos(12), e a Resolução 311/2007 do
Conselho Federal de Enfermagem(13) o projeto de pesquisa deste estudo foi
aprovado junto ao Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em estudo tendo
obtido parecer favorável sob o nº128/07. Os acompanhantes responsáveis pelos
adolescentes hospitalizados assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
O período de coleta do material empírico foi de dezembro 2008 a maio de 2009
utilizando-se como instrumento a entrevista semi-estruturada. O roteiro foi
testado por meio de estudo piloto e constava de duas questões norteadoras, a
partir das quais os adolescentes discorreram sobre o seu enfrentamento em
relação à condição crônica: "Quais mudanças você percebe em sua vida em
decorrência da doença crônica"?, "Como é o seu relacionamento com as pessoas da
família, sua escola, da sua comunidade e os profissionais de saúde"? As
entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra para posterior análise.
A análise do material empírico seguiu os princípios da interpretação temática
(11). A organização dos dados deve ser feita englobando o conjunto do material
coletado. Portanto, realizou-se a transcrição das entrevistas gravadas e
procedeu-se uma primeira organização dos relatos em determinada ordem, já
iniciando uma classificação.
Assim, traçamos o mapa horizontal do material. Posteriormente, realizou-se
leitura exaustiva e repetida dos textos, fazendo uma relação interrogativa com
eles para apreender as estruturas de relevância. Esse procedimento permitiu
elaborar uma classificação por meio da leitura transversal. Em seguida, a
partir das estruturas de relevância, processou-se o enxugamento da
classificação, reagrupando os temas mais relevantes e realizou-se a análise
final.
A fim de garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa, os adolescentes foram
identificados pela letra "A" entre parêntesis, acompanhada pelo numeral ordinal
que se referiu à ordem de realização das entrevistas. Assim, o Adolescente
entrevistado 1 aparecerá no texto com (A1), Adolescente entrevistado 2 (A2) e
assim sucessivamente.
Os diagnósticos de doença crônica, o sexo e a idade de cada um dos quatro
adolescentes foram: (A1): Púrpura Trobocitopênica Idiopática, sexo feminino,15
anos; (A2): Diabetes Melitus tipo I, sexo feminino, 16 anos; (A3) Talassemia,
sexo feminino, 18 anos e (A4): Talassemia, sexo feminino 17 anos. O tempo de
diagnóstico médico da doença crônica variou entre 4 e 18 anos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para o enfrentamento da condição crônica, a literatura ressalta que as famílias
necessitam de diferentes tipos de apoio: afetivo, econômico e, principalmente,
da equipe responsável pelo tratamento(14). Neste estudo, de acordo com os
depoimentos dos adolescentes, as redes e os apoios sociais foram muito
significativos e as categorias identificadas a partir da análise do material
empírico foram: repercussão da doença crônica para o adolescente e rede social
do adolescente no enfrentamento da condição crônica.
Repercussão da doença crônica para o adolescente
As transformações que ocorrem na vida de um adolescente que possui uma doença
crônica exigem mudanças de hábitos e atitudes, ou seja, adaptações em função do
tratamento e dos cuidados à sua nova condição de saúde. Para tanto, ele deve
aprender a lidar com a situação se valendo das estratégias e habilidades de
enfrentamento que possui(15).
Preciso me controlar, parar para pensar, e ficar quieta mesmo, sem
fazer nada disso [...] Ter um pouco de paciência, e tentar não fazer
o que eu fazia antes [...] as pessoas me veem normal, mas por dentro
existe outra pessoa, mais triste. Tem gente que diz: - Olha, nem
parece que é doente!. É bom não parecer ser doente, mas tenho que
ser.(A1)
O conflito entre a aceitação da limitação imposta pela doença e a vontade de
poder realizar atividades antes permitidas é explicitado no depoimento acima. O
adolescente enfrenta limitações em suas atividades cotidianas a partir do
diagnóstico da doença a fim de mantê-la sob controle. Para isso, lança mão de
mecanismos de autogoverno frente aos seus desejos e anseios, porém mostra-se
emocionalmente vulnerável nessa situação buscando fazer com que outras pessoas
não o vejam como doente.
A percepção que tem de si próprio é diferente da que os outros tem dele. Como a
percepção é uma função cerebral que tem relação com as vivências passadas de um
ser humano(16), neste caso, identificou-se que a doença crônica interfere na
vida e no cotidiano do adolescente. Embora busque levar uma vida como outras
pessoas de sua faixa etária, tem consciência de que sua doença exige cuidados
especiais e que esses cuidados também são de sua responsabilidade. Essa
sobrecarga emocional pode desencadear conflitos internos que precisam ser
identificados para que o adolescente receba apoio emocional e tenha suporte
para o enfrentamento dessa situação.
No âmbito emocional e social, o adolescente também passa por transições
desencadeadoras de conflitos internos e externos(17). Nesse sentido, a
convivência com a doença crônica invade todos os espaços da vida do
adolescente, mediando também suas relações com outras pessoas, reclamando uma
reorganização interna profunda para reconstruírem seus modos de andar a vida os
quais devem comportar as implicações e os limites impostos pela doença. Essa
reorganização, em geral, implica o envolvimento da família, dos amigos, da
escola, enfim, de suas relações sociais.
Ao explicitarem seus sentimentos em relação à condição crônica os adolescentes
apontam fragilidade, solidão e tristeza. Por se tratar de sentimentos negativos
e que não contribuem para o enfrentamento da situação, mas que geram ansiedade,
aflição e sensação de perda, os adolescentes precisam do suporte da rede social
para superá-los, pois esses "sentimentos provocam insatisfação com o novo modo
de viver"(18).
Eu tenho raiva de mim mesma.(A2)
Ao trazer o conteúdo de sentir raiva de si mesmo o adolescente está
demonstrando sua necessidade de suporte emocional, pois, provavelmente, esse
sentimento está relacionado a outro, o de sentir-se culpado por ser doente.
Nesses processos a escuta é uma ferramenta indispensável para os profissionais
de saúde a fim de identificarem suas angústias, medos, fantasias e lançarem mão
de recursos para ajudá-lo a elaborar tais sentimentos, pois o que o adolescente
em condição crônica relata não pode ser menosprezado(19).
O depoimento abaixo reflete as dúvidas que surgem na vida dos jovens quando se
imaginam no futuro, diante do desejo de gerar filhos e possuir uma família.
Só tenho dúvida daqui para a frente, se no futuro eu posso ter
filhos, se um dia eu casar. Às vezes elas (referindo-se às médicas)
dizem que eu posso, mas eu fico na dúvida.(A1)
Por serem acometidos por uma enfermidade crônica podem relacionar a existência
da doença com a impossibilidade de realizar seus desejos e sonhos. Porém, isso
nem sempre é condizente com a realidade, tendo em vista que dependendo do tipo
da enfermidade, é possível gerar filhos e formar uma família.
Apreender essas transformações nas vivências diárias do adolescente implica
compreender as repercussões no modo como ele se relaciona com o mundo. Negar a
doença na tentativa de ajudar o adolescente a não sofrer, reforça ainda mais a
solidão e a fragilidade deste, inviabilizando a reorganização emocional das
diferenças vivenciadas. Assim, o profissional de saúde, como cuidador desses
jovens, precisa apreender as demandas de cuidado ampliadas para que as dúvidas
que estes possuem sobre o presente ou o futuro com a doença possam ser
desmistificadas.
Nesse sentido, é importante aos cuidadores reconhecer o momento de cada um e o
contexto em que está situada a pessoa doente, assim como compreender
sentimentos e experiências diante da realidade vivida, de modo a contribuir
para que os jovens possam ter uma vida tranquila sem que a doença atrapalhe o
seu desenvolvimento(18).
Os sentimentos positivos também marcam os relatos dos adolescentes. A esperança
desses jovens frente ao tratamento da doença revela o desejo de vivenciar
futuramente experiências que possam facilitar o enfrentamento cotidiano da
mesma. Para tanto, eles sugerem tecnologias em saúde que podem ser
desenvolvidas com o propósito de possibilitar maior liberdade nas atividades
cotidianas, diminuição do tempo de internação hospitalar além de facilitar a
desconstrução dos sentimentos de diferença e vergonha que alguns jovens possuem
por precisar se medicar em locais além do lar.
Se tivesse (o remédio) em comprimido seria melhor, porque era só
tomar o sangue e voltar para casa. Eu poderia ficar em casa, ir para
o colégio, voltar... Sabe?(A3)
Assim, já que eu tenho essa doença, o meu sonho era parar de tomar
injeção, só tomar comprimido, somente. Porque quando eu viajar levo o
comprimido, e eu nem precisava mais aplicar a injeção. Eu teria menos
vergonha.(A2)
Para que o adolescente não se sinta tão limitado e sobrecarregado
emocionalmente necessita receber apoio e ajuda dos profissionais de saúde e da
família, de modo a amenizar o sofrimento(20).
É significativa a confiança que os adolescentes depositam em Deus e esperam ser
curados pela fé. Acreditar que podem contar com forças espirituais traz
sentimentos de conforto, pois a espiritualidade pode contribuir para produzir
sentimentos de esperança ou de aceitação da condição imposta pela doença(21).
Tem vez que eu fico num canto pedindo a Deus para curar minha doença.
(A2)
A rede social desses adolescentes precisa estar atenta às necessidades dos
mesmos, procurando identificar sentimentos positivos e negativos, criando um
contexto para minimizar o sofrimento, proporcionando reflexões sobre suas
vidas, auxiliando-os desconstruir os aspectos que não contribuem para o
enfrentamento efetivo da doença crônica. Estudos(18,20)apontam que o apoio da
família e de outras redes sociais é fundamental para manter o equilíbrio
emocional do adolescente.
Cabe aos profissionais de saúde, como integrantes da rede social, facilitar
trocas de saberes, promover a educação em saúde e desenvolver estratégias para
melhoria da qualidade de vida dos adolescentes em condição crônica.
Conhecer o saber do adolescente e entendê-lo ajudará a equipe de saúde a
envolver-se em um processo de comunicação interativo, no qual a escuta
qualificada e individualizada de como cada jovem concebe sua doença e seus
demais significados, contribuirão para a assistência humanizada.
Nesse sentido, o diálogo se apresenta como ferramenta indispensável. "Não
basta, nesse caso, apenas fazer o outro falar sobre aquilo que eu, profissional
de saúde, sei que é relevante saber. É preciso também ouvir o que o outro, que
demanda o cuidado, mostra ser indispensável que ambos saibamos para que
possamos colocar os recursos técnicos existentes a serviço dos sucessos
práticos almejados"(22).
Portanto, o cuidado de enfermagem nessa perspectiva poderá promover a
independência do adolescente para cuidar de si e assumir uma posição de
compartilhamento de conhecimento, ações e apoio. Essas atitudes são favoráveis
à autonomização do adolescente no cuidado e na instrumentalização da sua rede
social.
Rede social do adolescente no enfrentamento da doença crônica
Uma das estratégias de enfrentamento mais citadas pelas crianças e adolescentes
com doença crônica é a busca de suporte social junto aos amigos, à família e
aos profissionais de saúde, já que eles representam apoio e podem auxiliar nas
diferentes fases da doença(23). Esses dados são corroborados neste estudo,
conforme depoimento a seguir:
Momentos de alegria ficar perto deles (amigos), converso com minhas
amigas, brinco, faço um monte de coisas. Uma das minhas amigas, uma
bem próxima, ela me dá confiança, porque ela é bem calma e me deixa
calma também. Já é uma boa ajuda! Me dá mais vontade de conversar com
ela. Me dá mais vontade de continuar e de não desistir.(A1)
Ela (uma amiga) me dá os deveres (atividades escolares), a gente
escreve e fica estudando para as provas, fizemos os trabalhos.(A4)
"Os momentos de alegria", conforme citado no depoimento, podem ser entendidos
como estratégia de enfrentamento, já que a possibilidade de contar com outra
pessoa, a amiga nesse caso, fortalece o equilíbrio emocional, a relação social
do jovem, revigorando suas forças para não desanimar. "É comum a descrição de
sentimentos de solidariedade entre os amigos"(24). A cooperação e aproximação
dos amigos é um dos suportes importantes na formação da rede social dos
adolescentes para o enfrentamento da condição crônica. Os amigos passam a fazer
parte dessa rede social a partir do momento que se sensibilizam e auxiliam os
adolescentes na superação das adversidades cotidianas na convivência com a
doença crônica.
No ambiente familiar a contribuição advinda dos pais pode se refletir em um
sentimento de superproteção, o que deve ser evitado, pois o adolescente com
doença crônica carece de independência e responsabilidade. O cuidado dos pais é
indispensável, o apoio social oferecido pela família é expressivo na pessoa da
mãe, geralmente por estar mais próxima e presente durante o tratamento(18).
Contudo, o jovem precisa construir autonomia para o cuidado de si, e não ficar
dependente do cuidado da família, o que pode levá-lo a se sentir incapaz de
enfrentar circunstâncias cotidianas sozinho.
Minha mãe fica triste[...] Mãe tem cuidado em mim, não deixa eu sair
para canto nenhum. Eu só posso sair se for para chegar no mesmo dia
[...] até meu irmão tem vez que ele arenga(briga, implica)comigo. Mãe
falou com ele, porque o doutor disse que eu não podia ter raiva que a
diabete sobe de uma vez.(A2)
A doença de um filho afeta toda a família em diferentes intensidades para cada
membro, e as outras pessoas do seu convívio. Os pais vivem sentimentos de
preocupação, ansiedade, tristeza e sofrimento. Estudos(15,17-18) ressaltam que
a maneira como a família lida com a situação influenciará a criança ou o
adolescente na aceitação ou na negação da doença. É melhor ela (criança/
adolescente) compreender suas limitações do que se revoltar com seu estado,
como também não utilizar mecanismos de superproteção(20).
A superproteção dos pais, os sentimentos de tristeza e a indiferença dos
irmãos, são aspectos que precisam ser modificados, tendo em vista que o jovem
com doença crônica precisa de um ambiente domiciliar seguro e estruturado para
que o cuidado seja apropriado. Cabe aos profissionais de saúde e aos demais
integrantes da rede social intervir nesse aspecto, apoiando a família e
fortalecendo-a na superação de suas dificuldades, pois "a família é percebida
como fundamento para o equilíbrio de seus membros, fortalecendo vínculos e as
redes de sociabilidade"(21).
Portanto, é preciso que a rede social conheça as demandas de cada jovem e da
família em sua individualidade, e esteja apta para identificar seus potenciais
no que concerne a ações facilitadoras, isto é, aquelas que podem contribuir
para fortalecer a confiança na relação com o grupo, resultando em atitudes mais
firmes frente ao tratamento(25). Além de despertar no jovem o que há de melhor
em si, cabe aos cuidadores, sempre que possível, reduzir os determinantes
negativos, os quais modificam a auto-relação do jovem com ele mesmo e dele com
os outros.
Os médicos conversaram tudo e chegaram num acordo de eu tomar
hormônio para desenvolver. Então, eu gostei da idéia(risos). Pediram
os exames, deram entrada na secretaria de saúde e eu vou tomar
hormônio. Então, eu acho que vai melhorar um pouco. Esse tratamento é
só para eu crescer porque como a doença não tem cura nenhuma, o
tratamento continua o mesmo, é minha mesmo. Então, eu gostei! Eu acho
que vai ser melhor, poder vestir as roupas que eu quero, os sapatos
que eu quero. Então, eu acho que vai ser melhor. Eu queria crescer
mesmo, porque eu não sei como é que é ... Eu me arrumo e me olho no
espelho, e eu queria ser grande, sabe? Eu acho que quando eu crescer
vou gostar de me olhar no espelho. (A3)
Para o adolescente, a percepção de ter um corpo que não corresponde ao
idealizado para si e para o grupo pode causar ansiedade e isolamento social
(18). Os desejos e aspirações do adolescente não deixam de existir quando ele é
portador de uma doença. Nesse sentido, a rede social efetiva tem muito a
contribuir para a melhoria da qualidade de vida desses jovens. Ao se sentirem
apoiados e incluídos em seu meio social, estarão mais preparados e fortalecidos
para enfrentar as adversidades impostas pela doença.
Os profissionais da educação são citados, neste estudo, como integrantes da
rede social. O professor é visto como facilitador das atividades escolares e
estimulador do seguimento das orientações referentes a restrições alimentares,
o que é fundamental diante do tratamento de algumas doenças crônicas, como
diabetes e talassemia.
As professoras ajudam do jeitinho delas.(A3)
Os professores me ajudam bastante, fazem novas provas, me ajudam nas
atividades atrasadas. O ano passado eu estive aqui (hospital) no
final do ano, eu ia desistir de estudar, mas eu não desisti. Voltei
para a escola e passei para a sétima.(A1)
Lá (referindo-se à escola) a gente conversa, faz brincadeira. Tem vez
que o professor, assim quase não tem lanche lá, e o professor leva da
casa dele. Ele prepara logo o meu, porque ele sabe já.(A2)
As estratégias adotadas pelo adolescente, família, profissionais de saúde e de
educação, quando integrados e articulados na atenção às demandas singulares do
adolescente, formam um conjunto de possibilidades que o fortalecem na
convivência com a doença crônica e tendem a imprimir uma melhor qualidade de
vida, não somente para o adolescente, mas para todas as outras pessoas a ele
vinculadas. Ações dessa natureza estimulam o adolescente a desenvolver
estratégias de enfrentamento da doença, pois a subjetividade aí construída
acerca de tudo o que envolve sua condição crônica passa a ser ouvida e
acolhida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doença crônica na adolescência pode fragilizar o jovem, levando-o ao
descompromisso com a terapêutica necessária e com os cuidados diários que a
doença crônica requer. A rede social do adolescente em condição crônica é
composta pelos amigos, familiares e profissionais de saúde e de educação,
constituindo-se em um potencial significativo para influenciar positivamente no
melhor enfrentamento da doença crônica.
Esta pesquisa ressalta que o adolescente em condição crônica tem repercussões
importantes em sua vida decorrentes dessa situação. Para promover autonomização
ele precisa ser incluído no planejamento do seu cuidado e de uma rede social
que lhe dê suporte em suas diversas demandas nas diferentes fases da doença. A
condição crônica requer uma adaptação do adolescente e de sua família a uma
nova rotina. Os profissionais de saúde podem potencializar as possibilidades de
enfrentamento dessa situação ajudando o adolescente e sua família a
identificarem redes e apoios sociais a partir do contato com recursos
disponíveis. Para tanto, implica promover ações intersetoriais e
multiprofissionais formando uma grande rede social para que a melhor utilização
dos apoios reforce os mecanismos e potencialidades de enfrentamento.
A identificação das mudanças geradas pela condição crônica na vida do
adolescente, bem como da rede social e das habilidades de enfrentamento,
articuladas ao processo sistemático de avaliação, são ações centrais para a
efetividade de intervenções promotoras do fortalecimento das competências e
autonomização do adolescente.
Assim, oportunidades de participação do adolescente no seu cuidado necessitam
ser criadas, não somente no campo das técnicas de intervenção do tratamento,
como também no fortalecimento dos vínculos sociais. Espaços que possibilitem a
construção, a troca e a reconstrução de saberes, são meios para alcançar essas
oportunidades.