Associação Brasileira de Enfermagem - Seção Sergipe: 52 anos de vontade, garra
e coração
INTRODUÇÃO
Este artigo é fruto de um livro publicado sobre a História da Associação
Brasileira de Enfermagem, Seção Sergipe (ABEn-SE). O presente trabalho ousa ser
uma contribuição à história da Enfermagem sergipana e, por conseguinte a
Enfermagem brasileira. Ao eleger como objeto de estudo os 52 anos de história e
de lutas da ABEn-SE, reconstruímos a trajetória de uma instituição que, a
partir dos anos 1950, vem marcando a vida cultural, científica e política da
Enfermagem Sergipana, trazendo encontros, seminários, semanas científicas, onde
não havia sequer a esperança de um curso superior de Enfermagem em nosso Estado
(1).
Não nos furtamos a analisar as contradições da instituição, além de colocar em
relevo o entusiasmo das abenistas impregnadas da idéia de que a ABEn seria a
grande alavanca de mudanças na Enfermagem sergipana.
Buscamos ouvir as vozes do silêncio que se produziu em torno da ABEn,
transpondo os limites da história-narração e problematizando a história através
de seu caráter científico da história em construção. A ampliação da noção de
fonte se deu com a história de vida para montarmos nessa colcha de retalhos,
possibilidades de explicitação do nosso objeto, construindo temporalidades
múltiplas e reconhecendo as ligações entre o passado e o presente(1).
O considerável volume de informações constituiu-se problema no momento da
sistematização, uma vez que sua supressão representava abandonos às longas
horas de coleta nos arquivos da ABEn-SE, bem como nas falas memoráveis dos
entrevistados. Ainda assim, a necessidade imperiosa de estruturar o trabalho,
nos levou a definir categorias a partir das quais o livro foi organizado em
quatro capítulos(1).
No primeiro momento "Da Inquietação Surge o Compromisso", contextualizamos o
surgimento da ABEn no cenário sergipano. O direcionamento dado para compreender
a sua estrutura, as formas que propiciaram sua expansão, as interferências e os
motivos que ocasionaram a inserção desses interlocutores na ABEn foram tratados
em um segundo momento nominado, "A Afirmação da Cientificidade e da Organização
da Classe".
Em momento terceiro, "Confirmando a função Social, Cultural e Científica", é
retratado como ponto de inserção no terceiro milênio, enfatizado pelo holísmo
que a Enfermagem demanda.
Nas considerações finais, "ABEn-SE: 52 anos, Várias Vidas Compondo uma
História", retomamos algumas constatações efe-tuadas no corpo do trabalho e
encerramos destacando as principais realizações e as avaliações que nossos
interlocutores fizeram da entidade e da própria atuação enquanto estiveram a
ela vinculados(1).Os objetivos do estudo foram: Resgatar a história da
Associação Brasileira de Enfermagem seção Sergipe e documentar em livro todo o
desempenho dessa entidade nos cenários científico, cultural e político.
MÉTODO
Tratou-se de uma pesquisa qualitativa cujos dados foram coletados através da
história oral, e da história oficial registrada em livros, atas, jornais e
documentos. O local de estudo foi a cidade de Aracaju, capital do Estado de
Sergipe.
Inicialmente buscou-se a história oficial através dos escritos re-gistrados em
documentos oficiais junto à sede da ABEn-SE. Para a execução desta etapa
tivemos a colaboração de alunos do Curso de Enfermagem da Universidade Federal
de Sergipe, que foram devidos e previamente treinados pelas autoras a fim de
que fossem melhor captadas as informações pertinentes ao objeto em estudo.
Na segunda etapa após a identificação das lacunas e vazios temporais,
procedemos à realização da história oral com os atores sociais que vivenciaram
esta história e que muito contribuíram para a amplitude da mesma. Utilizou-se a
entrevista não estruturada, realizada no total com dez atores aos quais foram
apresentados os pontos principais a discorrer sobre o objeto específico do
estudo, ficando estes livres para falar sobre outros pontos.
A escolha dos entrevistados foi intencional, uma vez que só os personagens que
participaram efetivamente da construção dessa história tem as contribuições
indispensáveis, sendo feita a identificação dos nomes por meio dos documentos
oficiais da ABEn/SE. Dentro da história oral, escolheu-se a história oral de
vida(2) que diz respeito ao conjunto de experiência de vida de uma pessoa,
colocando-se temas de forma ampla, por estar em questão a re-presentação dos
indivíduos sobre fatos de sua própria vida que dizem respeito ao tema estudado
e na medida em que se foi rea-lizando cada entrevista, pediu-se ao entrevistado
a indicação de outros nomes que participaram dessa história e assim formando a
rede de informantes.
Na terceira fase, os dados foram submetidos à análise de conteúdo qualitativa,
ao qual fizemos inicialmente uma pré-análise constituída de uma leitura
flutuante e em seguida uma leitura dirigida fazendo o corpo de análise para a
elaboração propriamente dita do livro(3).
Da inquietação surge o compromisso
A história da ABEn-SE está intimamente ligada à história da Enfermagem e da
Saúde em Sergipe. Alguns fatos e circunstâncias culminaram com acriação desta
seção, que passou, então a coordenar, os destinos, e até a vida social dos
profissionais da Enfermagem no Estado(1).
De 1931 a 1954 ocorrem fatos relevantes para a Enfermagem, entre eles descata-
se em 1937, a vinda para Sergipe da primeira enfermeira profissional D. Opelina
Rollemberg, que concluiu o curso de Enfermagem da Escola Ana Néri-RJ, que
incorpora-se ao quadro de enfermeiros Hospital de Cirurgia. Só em 1952
incorpora-se ao quadro de enfermeiros do mesmo hospital, a enfermeira Carmem
Aguiar Novaes, e ainda nesse mesmo ano a Escola de Auxiliar de Enfermagem "Dr
Augusto Leite", inicia suas atividades(4).
O conjunto dos fatos relatados, com a conseqüente vinda de outras enfermeiras
para o Estado, levou a que se manifestasse a necessidade da criação de uma
Associação que servisse de base técnica, social e organizativa para os
profissionais.
No período de 1954-1957(3) exatamente em 12 de abril de 1954 o grupo de
enfermeiras, presidida por Isabel C. Macintyre, diretora da Escola de
Auxiliares de Enfermagem, do Hospital de Cirurgia, cria a diretoria provisória
da ABEn-SE com a finalidade de organizá-la e eleger sua diretoria efetiva. Um
mês depois tomou posse a primeira diretoria, tendo como presidente Opelina
Rollemberg. Deste ponto em diante, a história da ABEn-SE se confunde com a
história da Enfermagem em Sergipe, pois todas as iniciativas partiam ou se
faziam acompanhar da Associação.
O ano de 1958, foi marcado pela aprovação por unanimidade do Código Nacional de
Ética de Enfermagem, a ABEn-SE, envia aos membros da Assembléia Estadual,
correspondência solicitando que fosse encadeada a carreira de Enfermeira no
nível 18 do Quadro Federal.
Em 1959 a atual diretoria, divulgou os princípios que direcionam a Enfermagem,
incentivando a publicação do conhecimento técnico e científico em um jornal de
grande circulação na época chamado "A Cruzada". Tal projeto teve inicio em 7 de
abril de 1959 quando a enfermeira Maria José dos Santos publicou o trabalho
intitulado "A enfermeira e seus conhecimentos técnicos, científicos e morais"
(1).
A gestão de 1960 formou comissões que realizaram visitas aos poderes públicos
como a Secretária de Saúde, Governo do Estado e Delegacia do Trabalho, com a
proposta de evitar a criação de cargos ilegais de Enfermeiros, ou seja, exigir
que no quadro de trabalhadores do Estado fosse colocado o profissional de
Enfermagem, e que a nomeação do mesmo fosse realizada de acordo com as leis que
regiam o exercício da profissão.
De 1961 a 1962 as lutas das representantes da ABEn-SE resultaram na
regulamentação do artigo 22 da Lei 1.003 da legislação Sergipana, de 10 de
janeiro de 1961 que proibiu o uso indevido do título de Enfermeiro no Estado de
Sergipe e reconhecia esta entidade como de utilidade pública(1).
Em maio de 1961, a ABEn-SE contou com a presença de uma convidada ilustre, a
então presidente da ABEn Nacional, enfermeira Marina Andrade Rezende. Nessa
oportunidade Marina destacou assuntos relevantes como: criação da Associação
Brasileira de Auxiliares de Enfermagem filiada a ABEn; tendências da ABEn-SE
quanto a criação da ordem dos enfermeiros e do Sindicato de Classe; exposição
dos trabalhos realizados por ocasião da Assembléia Geral Extraordinária da
ABEn-Nacional, a qual decidiu por dois níveis na Enfermagem: o superior e o
auxiliar de enfermagem.
De 1963 a 1964 como forma de angariar recursos para a ABEn - Nacional, essa
gestão, realizou o curso de "Enfermagem do Lar", rifas, cursos, desfiles de
moda, sendo o lucro revertido para a campanha do tijolo, entregue por ocasião
do 25º Congresso Brasileiro de Enfermagem. Durante o curso a Associação
aproveitou o momento para divulgar a ABEn-SE, sendo lido e apresentado o
folheto "Você conhece a ABEn?".
No dia 5 de abril de 1966 a Associação perde uma figura importante da
Enfermagem, uma vez que falece a primeira enfermeira do Estado de Sergipe,
Opelina Rollemberg, que era portadora da doença de Chagas. Antes do seu
falecimento a presidente da ABEn-SE, Osa M.ª Machado de Araújo, solicitou às
colegas que a visitassem e se revezassem no cuidado a D. Opelina, conforme
costume da época(5).
Afirmação da cientificidade e da organização da classe
Em 1970, as enfermeiras Maria Iracema Freire Novaes, Silvia Linhares, Osa Maria
Machado de Araújo, Maria Sílvia D. Oliveira Costa e Marlene Henriques Ladeiras
trabalharam junto a população, mostrando a necessidade do Enfermeiro "alto
padrão" no Estado e da criação do Curso Superior de Enfermagem, resultando em
17 de setembro de 1975 portanto, cinco anos depois na criação do referido Curso
pela Universidade Federal de Sergipe. Ainda nessa gestão foi realizado o I
Encontro de Profissionais de Enfermagem de Sergipe.
De 1977 a 1984 ressalta-se a realização do III Encontro de Enfermeiros do
Nordeste, sediado e organizado pela ABEn-SE. Esse evento foi concretizado e
articulado para combater a diretoria da ABEn Nacional, uma vez que a mesma
insistia em anular as eleições dessa seção(1).
Em 22 de março de 1985, foi aprovada por unanimidade uma comissão constituída
por seis enfermeiros para elaborarem os estatutos da Associação Profissional
dos Enfermeiros do Estado de Sergipe. A comissão foi constituída por Martha
Oliveira Barreto, Rita de Cássia Perete, Janete Firmo de Góes, Loélia Maria
Campos Maia Andrade, Rosilar Diana Oliveira Crispim de Souza e Elizano Santos
de Assis.
De 1986 a 1989 durante esta gestão a ABEn-SE se fez presente em assembléias e
greves de profissionais de saúde do Estado e participou de discussões amplas
sobre constituinte e reforma sanitária. Além disso, procurou integrar-se ao
COREN-SE e a Associação Pré-Sindical(1).
Confirmando a função social, cultural e científica.
A gestão do período de 1989 a 1992 comunicou a compra de um terreno no Jardim
Baiano (Aracaju-SE), para que fosse construída a sede da ABEn-SE, e para tanto
deu-se início a uma campanha para construção da mesma. De 1993 a 1995, a ABEN-
SE participou de vários eventos de cunho cientifico no estado de Sergipe, e
teve participação efetiva em eventos científicos promovidos pelas ABEns
seccionais e pela ABEn-Nacional.
Algumas dificuldades foram encontradas durante a gestão que compreendeu o
período de 1995 a 1998, as reuniões eram rea-lizadas em auditório cedido pelo
Hospital Cirurgia e os documentos ficavam na casa de membros da diretoria. Além
da ínfima participação dos enfermeiros e acadêmicos em reuniões e assembléias,
repercutindo em número reduzido de sócios. Houve um esfacelamento da diretoria,
inclusive a presidente da ABEn-SE, pediu seu afastamento(1)..
A gestão de 1998 a 2001, firmou um convênio entre ABEn-SE e a Secretaria
Municipal de Saúde de Aracaju, para contratação de enfermeiros, cujos contratos
foram baseados na prestação de serviço nº 28/01, firmado pelo Secretário de
Saúde Rogério Carvalho e a então presidente da ABEn-SE, Cássia Maria Macedo
Silva Faro.
Esse convênio, anunciou novos tempos para a ABEn-SE, inclusive culminando com a
compra de duas salas para instalação da nova sede da ABEn-SE. Além disso, a
nova gestão, começa a participar de todos os CONABENS, haja vista uma melhoria
no caixa da ABEn-SE. Ressalta-se que no CONABEN de 2000, foi assumido o
compromisso no sentido de reivindicar a apuração dos crimes encomendados que
vitimaram os colegas Marcos Otávio Valadão (Presidente da ABEn-RJ) e Edma
Rodrigues Valadão (Presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro e
Diretora da Fe-deração Nacional dos Enfermeiros), mortos há 360 dias(1).
A gestão de 2001 a 2004 teve com meta principal refletir sobre o significado do
momento histórico de mobilização dos traba-lhadores da área de Enfermagem, face
às transformações no mundo do trabalho, à globalização e a necessidade de
organização da categoria. Com esta visão uma das medidas tomada pela ABEn-SE
foi a de unir-se a outras categorias para redigir uma Moção de Repúdio contra a
categoria médica que publicou no Jornal da Cidade (jornal de grande circulação
no estado de Sergipe), a quebra da isonomia salarial dos médicos no Programa de
Saúde da Família.
A gestão de 2004 a 2007 passou por momentos difíceis, por conta do convênio
anteriormente firmado entre a ABEn-SE e a Secretaria Municipal de Saúde de
Aracaju, culminado com 85 processos trabalhistas e a perda da sede. Esses
problemas fizeram com que o ânimo aumentasse e essa gestão partiu para uma
campanha, para aumentar o número de sócios e difundir entre os estudantes e
profissionais as ações da ABEn-SE. Este objetivo foi concretizado através da
realização de campanhas de filiação junto às universidades. Esse foi um período
que ainda não se encerrou(1).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ABEn-SE: 52 anos, várias vidas compondo uma história
Buscou-se desde os primórdios deste estudo, refletir e suscitar debates acerca
da trajetória e da contribuição desta associação (ABEn-SE) para a
historiografia da Enfermagem sergipana. Com tal propósito, procurou-se
descrever o papel desempenhado por essa entidade no cenário científico,
cultural e político da Enfermagem(1).
Encontrou-se nos arquivos da própria associação, respostas aos questionamentos
que fazíamos acerca dessa entidade. A necessidade de ampliar o entendimento da
questão conduziu-nos aos perso-nagens que de diferentes formas e em momentos
distintos deli-nearam sua trajetória na entidade. Tais encontros, ricos em
informações, foram também reveladores de sentimentos e crenças que permearam as
ações de cada um. Nesse percurso,situamos a presença da entidade fugindo da
armadilha do preconceito e das verdades estabelecidas, tão afeitas a encontrar
culpados e vítimas pe-las mazelas da sociedade(1).
Ao despontar no cenário sergipano em 1954, é possível afirmarque os seus
dirigentes não tinham a devida dimensão de onde esse movimento poderia chegar.
As possibilidades que foram se delineando ao longo de sua história e as
relações estabelecidas condicionaram seu crescimento. Contudo, para o Sergipe
dos anos 50, marcado pelo atraso econômico e já sofrendo os reflexos da
política desenvolvimentista que se anunciava para o Nordeste e para o Estado,
iniciativas como a da ABEN encontrou franca receptividade(1).
O relativo crescimento que as cidades foram alcançando demandaram a prestação
de alguns serviços básicos, e com eles profissionais de diferentes áreas foram
chegando aos municípios sergipanos. De diferentes formas, os enfermeiros
oriundos do Sudeste e de outros Estados do Nordeste e as sergipanas que foram
estudar enfermagem e voltaram, tomaram conhecimento das idéias abenistas,
encamparam-nas e deram-lhe significado.
Podendo contar em seus quadros com damas da sociedade, diretoras de hospitais,
professoras da Universidade Federal de Sergipe, assessoras de secretários de
saúde, profissionais de referência na Saúde Pública do Estado com sólida base
acadêmica tiveram o mérito de imprimir na ABEn-SE um padrão de competência
organizativa respeitável, equiparável a outras entidades mais antigas e com
mais associados em nosso Estado. Repensar a história da ABEn-SE é repensar
nossas próprias vidas e a capacidade de interagir com a categoria: este artigo
é nossa expressão de compromisso(1).