Significado da profissão para alunos que ingressam na graduação em Enfermagem
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Enfermagem pode ser definida como ciência humana, de pessoas com campo de
conhecimento, fundamentações e práticas do cuidar dos seres humanos que
abrangem as áreas de saúde e doenças. As ações de Enfermagem ocorrem através de
relacionamentos pessoais, profissionais, científicos, estéticos, éticos e
políticos(1). O cuidado na Enfermagem compreende a pessoa sadia ou doente, em
sua integralidade, considerando as dimensões familiar, comunitária e social em
que ocorre a sua existência. Cabe ao enfermeiro a responsabilidade de ensinar,
orientar e assistir as pessoas na promoção, prevenção, recuperação e
reabilitação da saúde.
A dimensão do cuidado de Enfermagem visa alcançar a saúde numa inter-relação
sujeito-sujeito, proporcionando conforto e bem-estar físico, mental e social e,
portanto, deve contemplar a pessoa de forma integral. Entendida como cuidado
profissional de Enfermagem, a ação de cuidar caracteriza-se por ser uma
dimensão técnica, organizada e sistematizada, porém permeada pela subjetividade
da relação enfermeiro-paciente, deixando de ser somente uma ação prática, fria
e racional. O cuidado, que constitui a essência da Enfermagem, deve agregar
diferentes atitudes do profissional em relação ao paciente, como ajuda,
respeito, amor, atenção e compreensão mútua(2).
A Enfermagem, nas últimas décadas, expandiu de maneira significativa seu campo
de atuação e o mercado de trabalho para seus profissionais. Embora tenha
evoluído expressivamente com a criação, em todas as regiões do país, de
diversos cursos de mestrado e doutorado, e sua prática seja vital para as
instituições de saúde, a profissão ainda é pouco valorizada.
No cotidiano do ensino com alunos da graduação em Enfermagem percebemos, com
frequência, a indefinição dos jovens em relação à escolha feita. Ao ingressarem
no curso superior e, especialmente, na Enfermagem, muitos estudantes
desconhecem a profissão e se sentem inseguros quanto ao seu futuro
profissional.
Em pesquisa sobre a temática, realizada nos acervos eletrônicos da Biblioteca
Virtual em Saúde, que abarca produções nacionais e internacionais, mediante o
método associativo dos descritores "graduação em Enfermagem" and "escolha
profissional" or "estudante", encontrou-se 420 estudos, dos quais foram
selecionados 9 associados ao assunto, sendo 1 tese de 1995, 1 monografia de
1988 e 7 artigos no período de 1988-2009, na base de dados Lilacs. Nesta busca
destacou-se estudo que analisou a escolha profissional de alunos ingressantes
nos cursos de Enfermagem, Nutrição e Fisioterapia, sendo observado que a
escolha dos estudantes estava vinculada à imagem social da área e à influência
familiar(3). Os autores afirmam que, durante a formação, os estudantes ou
reafirmam suas escolhas ou se definem por novas opções profissionais, sendo
importante que a formação dos profissionais de saúde esteja articulada às
políticas públicas que ampliam a participação de diferentes profissões.
Autores(4) investigaram alunos ingressantes na Enfermagem em duas instituições
de ensino, pública e privada, comparando o perfil socioeconômico e fatores que
interferem em sua opção profissional, tendo constatado que o mercado de
trabalho em expansão e a oportunidade de uma remuneração melhor são fatores que
atraem o estudante da instituição privada. A profissão e o campo de atuação do
enfermeiro são desconhecidos pela maioria dos alunos da instituição pública,
que associam a imagem do profissional à pessoa que ajuda ao próximo. No mesmo
enfoque, pesquisa(5) delineou o perfil dos alunos ingressantes na graduação em
Enfermagem da EEUSP em 2003, buscando as semelhanças e diferenças entre os
alunos de três décadas anteriores, constatando que os alunos buscam a
realização profissional e seguem idealistas, optam pela Enfermagem pelo desejo
de ajudar as pessoas identificando-se com os ideais da profissão do enfermeiro.
A percepção dos graduandos de Enfermagem do primeiro ano do curso sobre a
profissão foi discutida em estudo(6), observando-se que os estudantes iniciam o
curso com a visão de que ser enfermeiro é gerenciar os serviços de Enfermagem,
sendo capaz de cuidar, ajudar, manter e promover a saúde da população. Os
motivos que fizeram os alunos buscar a Enfermagem foi gostar da profissão e
para aumentar o conhecimento técnico-científico, considerando aspectos
positivos os vários campos de atuação do enfermeiro e a colaboração com a cura;
e, como aspectos negativos, os baixos salários e lidar com a morte. Os motivos
que levam técnicos e auxiliares de Enfermagem a buscar a graduação na profissão
foram discutidos em investigação(7), evidenciando-se que estes percebem o curso
superior como meio de crescimento pessoal, profissional e para a busca de
conhecimento. A experiência prévia na Enfermagem atua como um elemento
facilitador na aprendizagem.
Ao modificarmos os descritores para "profissão enfermeiro" and "aluno" or
"escolha", localizamos 898 trabalhos. Destes selecionamos 24 associados à
temática, entretanto 09 trabalhos estavam repetidos na base de dados. Todos,
com exceção dos trabalhos repetidos, eram artigos publicados em periódicos
nacionais e internacionais no período de 1989 a 2010. Nesta seleção destacamos
estudo(8) que buscou compreender as representações de alunos do ensino médio
acerca da Enfermagem e do enfermeiro, sendo observadas representações de pouca
valorização, o desconhecimento da formação educacional, dos campos de atuação,
das possibilidades da profissão e de sua autonomia. No mesmo enfoque, autores
(9)relataram sua experiência em atividade de extensão junto a estudantes do
ensino médio, em que divulgam a profissão do enfermeiro e suas competênciasem
escolas públicas no Rio de Janeiro. Os pesquisadores observam a carência de
informações sobre a Enfermagem e destacam a importância de suas ações para o
esclarecimento dos jovens e incentivar a opção pela carreira.
Investigando adolescentes do ensino médio de uma escola pública, pesquisadores
(10) analisaram seus pré-juízos e estereótipos negativos em relação à
profissão, constatando a baixa incidência destes no grupo investigado. Concluem
que a informação correta é eficiente na redução de pré-juízos e estereótipos
negativos, sendo este tipo de trabalho válido como veículo de divulgação da
profissão. Estudo(11) que descreveu a visão dos alunos do ensino médio sobre a
Enfermagem e analisou sua percepção em relação às competências do enfermeiro
constatou que o aluno associa a figura do enfermeiro à função assistencial,
visualizando-o como auxiliar do médico, desconhecem as categorias profissionais
da Enfermagem e o nível de escolaridade do enfermeiro. Destacam a importância
de ações para uma maior divulgação da Enfermagem com objetivo de esclarecimento
dos jovens.
Investigando jovens que ingressaram no curso de Enfermagem de uma instituição
pública, pesquisadores(12) constatam que a motivação para a escolha da
Enfermagem está vinculada ao interesse em ingressar na área de saúde, a
influência de familiares e o fértil mercado de trabalho. Concluem que os
estudantes detêm pouco conhecimento sobre a profissão. No mesmo enfoque, estudo
(13) analisou a percepção dos alunos ingressantes na Enfermagem acerca dos
regimes de verdade que perpassam a profissão, evidenciando concepções sociais
que são atravessadas por saberes invisíveis que legitimam as práticas de saúde
e de Enfermagem, tornando-as inquestionáveis. A visibilidade da profissão do
enfermeiro/Enfermagem junto aos acadêmicos de Enfermagem foi analisada em
pesquisa(14), sendo observado que os estudantes percebem o enfermeiro como um
profissional voltado para o cuidado, sentem orgulho da profissão que escolheram
e têm consciência da capacidade e do potencial do enfermeiro. A visibilidade do
enfermeiro, afirmam os autores, é conquistada nos diferentes espaços e campos
de atuação da Enfermagem e vem se firmando como uma profissão em crescimento.
Analisando a percepção dos estudantes do ciclo básico da graduação de
Enfermagem sobre o que é ser enfermeiro, autores(15) percebem que os estudantes
têm dificuldades em elaborar um conceito fundamentado sobre a profissão e
destacam a importância de os alunos conhecerem melhor a Enfermagem e serem
conscientizados do papel que desempenharão na estrutura social e
multidisciplinar preservando sua autonomia.
Pesquisa(12) com estudantes recém ingressados na graduação em Enfermagem
estimulou uma das autoras a realizar atividade de extensão, com o intuito de
divulgar a profissão de Enfermagem e o fazer dos enfermeiros para alunos do
ensino médio no município do Rio de Janeiro. O projeto "Afinal o que é ser
enfermeiro? Falando de nós para vocês", da Faculdade de Enfermagem da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FE/UERJ), iniciado em 2000, foi
posteriormente ampliado para orientação dos acadêmicos que ingressavam no curso
de Enfermagem da UERJ. O convívio com os estudantes da graduação em Enfermagem
e a constatação da insuficiência de informações acerca da profissão e da
prática profissional estimulou a realização deste estudo, tendo como questões
norteadoras: O que motiva o aluno a buscar a Enfermagem como profissão? O que
significa a Enfermagem para o aluno que faz esta opção profissional?
Em nossa observação empírica pudemos constatar que, para muitos destes
estudantes, a opção pela Enfermagem resultou de fracassos anteriores nos
vestibulares para a carreira desejada, em geral, a Medicina. Enfermagem, como
outras profissões da área de saúde, torna-se, então, atraente àqueles que não
conseguiram ser admitidos no curso escolhido, optando consequentemente, por
áreas afins, ainda que desconhecidas.
Face ao exposto, consideramos relevante a realização desta investigação que
pretende descrever o significado da Enfermagem para os estudantes que iniciam o
primeiro período do curso, desvelando suas crenças e expectativas.
METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se por ser um estudo descritivo com abordagem
qualitativa. Justifica-se esta seleção pela possibilidade de narrar um
acontecimento, apoiada nos aspectos dinâmicos, holísticos e individuais dos
fenômenos(16), visto pretendermos esclarecer os significados que interferem no
processo de construção da imagem do que é ser enfermeiro e, assim, compreender
aspectos subjetivos associados ao imaginário da profissão.
O local escolhido para realização desta pesquisa foi a Faculdade de Enfermagem
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, situada no bairro de Vila Isabel,
município do Rio de Janeiro. O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de
Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, sob o número 1200/2005. Os sujeitos do estudo foram trinta e três
alunos do primeiro período do Curso de Graduação, da referida instituição. O
critério de inclusão consistiu em ser estudante regularmente matriculado no 1º
período da Graduação em Enfermagem tendo ingressado no 1º ou 2º semestre
letivo, sendo excluídos os discentes dos demais períodos da graduação. Foi
realizado um sorteio aleatório de 33 estudantes matriculados no primeiro
período, sendo facultada a participação dos mesmos. Os alunos foram informados
em relação à não obrigatoriedade, ao anonimato e à inexistência de vínculo
entre a investigação e qualquer atividade de ensino desenvolvida na Faculdade.
Respeitando-se a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, aqueles
interessados em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido.
O instrumento de coleta de dados foi um roteiro estruturado contendo quatorze
questões, das quais cinco (5) abertas e nove (9) fechadas. A coleta de dados,
realizada por um aluno bolsista de extensão, devidamente treinado, ocorreu
durante o mês de março de 2006 numa das salas de aula da Faculdade de
Enfermagem.
Para a análise dos resultados utilizamos a técnica de análise de conteúdo, na
modalidade de análise temática. Esta técnica se desdobra em etapas sucessivas,
iniciando-se com leitura, seguida da determinação das unidades de registro e
significações, codificação e classificação. Por fim, o tratamento e
interpretação dos resultados obtidos(17). Assim, através de uma leitura
flutuante dos instrumentos, procedemos às marcações das unidades de registro
organizando-as por temas. A seguir, por aproximações e distanciamento dos temas
foi-se construindo as categorias e subcategorias(17).
RESULTADOS
No processo de análise dos achados emergiram duas categorias, a saber: 1) A
imagem do enfermeiro, o profissional que cuida da saúde; 2) As atividades
realizadas pelo enfermeiro e a ausência de autonomia.
Na categoria 1 é apresentado como os estudantes visualizam o enfermeiro e a
Enfermagem exteriorizando suas opiniões acerca do profissional, suas
características e aspectos que mais os impressionam, desvelando o significado
da profissão para eles. Aponta, também, o fazer do enfermeiro entendido como o
profissional que presta cuidado aos clientes. A categoria 2 descreve a ótica
dos estudantes em relação às atividades realizadas pelos enfermeiros no
ambiente laboral e a ausência de autonomia do profissional.
A imagem do enfermeiro, o profissional que cuida da saúde
Em seus relatos os estudantes descrevem como percebem a imagem do enfermeiro, a
profissão e características inerentes ao profissional, conforme os recortes das
descrições a seguir clarificam:
É uma profissão que precisa de muito carinho para desempenhar, muita
dedicação, é preciso respeitar o próximo e ter muita responsabilidade
em suas ações. (E 13)
Uma pessoa que desenvolve um trabalho sério, com responsabilidade, e
ao mesmo tempo humano. Que valoriza a vida, que respeita o outro, se
coloca no seu lugar. (E 23)
Um ato de amor ao próximo, amor à vida. O enfermeiro dedica a sua
atenção ao paciente, é uma pessoa que se entrega por inteiro. (E 24)
O enfermeiro é reconhecido como uma pessoa responsável, dedicada, que se
preocupa com o outro, desenvolvendo um trabalho para a promoção da saúde dos
pacientes e exercendo uma profissão que requer responsabilidade e despojamento.
Nestas descrições podemos perceber que os estudantes elencam as características
relacionadas ao perfil do enfermeiro como o amor ao próximo, carinho, respeito
e responsabilidade. No imaginário dos jovens recém-admitidos na universidade
ainda estão presentes aspectos que constituíram o estereótipo das enfermeiras
precursoras da profissão, no período em que a Enfermagem era desenvolvida por
religiosas e/ou leigos, com fim apenas curativo. Nos livros de história da
Enfermagem há registro das características pessoais que eram necessárias para
uma boa enfermeira, destacando-se a responsabilidade, confiança, honestidade,
religião e devoção.
Em estudo com graduandos de Enfermagem, pesquisadores afirmam que os alunos
reconhecem a Enfermagem como uma carreira que exige dos futuros profissionais
certos atributos pessoais como: amor ao próximo, compreensão, solidariedade,
afeto, dedicação e responsabilidade(12). O cuidar em Enfermagem envolve
sentimentos e sensações que interagem em cada forma particular do cuidado de
cada pessoa(1); a emoção, portanto, é um aspecto presente na prestação de
cuidado ao cliente realizado pelo enfermeiro. Por outro lado, autores afirmam
que se verifica a permanência de "uma idealização da caridade no trabalho da
enfermeira por meio da forte presença de mitos da profissão"(18).
Considerando que a mídia nem sempre favorece a profissão, ainda podemos
observar representações arcaicas sobre a Enfermagem e a figura da enfermeira,
evidenciando a cristalização de prejuízos e, consequentemente, preconceitos em
relação à Enfermagem. A imagem profissional da enfermeira é descrita como uma
rede de representações sociais da profissão relacionada às suas características
e significados exclusivos, sendo influenciada pela história da Enfermagem(19).
Assim, complementam os autores(19), a figura da enfermeira é ainda permeada
pelos conceitos e estereótipos auxiliados à função de auxiliar o médico e a
falta de vida social pela dedicação à profissão. A imagem da enfermeira é
identificada pela sociedade sendo composta por estereótipos e evidenciando o
desconhecimento sobre a sua atuação(14). A enfermeira é identificada com
distorções e muitas vezes, a profissional é desvalorizada socialmente em função
da imagem de que recebe uma baixa remuneração e está subordinada a outros
profissionais(14).
Discutindo as representações sociais sobre o enfermeiro e a Enfermagem por
profissionais de comunicação, pesquisadores(20) observaram o desconhecimento
dos campos de atuação, mercado de trabalho e categorização profissional da
Enfermagem, a invisibilidade do enfermeiro perante a mídia e a sociedade, além
da responsabilidade do próprio enfermeiro para a visibilidade e reconhecimento
da profissão. Recomendam estratégias para a transformação deste cenário,
incluindo a exposição da Enfermagem perante a mídia e, por meio da mídia,
alcançar a população.
Nas descrições dos estudantes, o enfermeiro é o profissional que cuida da
saúde. O cuidado de Enfermagem adquire o significado de uma prática realizada
pelo enfermeiro que propicia a recuperação e reabilitação do paciente, sendo
fundamental para seu restabelecimento.
O cuidado de Enfermagem representa aquilo que se refere à
recuperação, reabilitação do doente ou prevenção de doenças. É,
portanto essencial para a recuperação saúde das pessoas. (E 3)
Representa uma chance de reabilitação do individuo. A pessoa tem
oportunidade de ser auxiliada e recuperar a sua saúde. (E 8)
[...] o cuidado de Enfermagem, para mim, busca a independência do
paciente. Ele é capacitado para cuidar de sua saúde. (E 9)
Nos fragmentos dos relatos podemos perceber que os estudantes associam o
cuidado dos pacientes à prática assistencial do enfermeiro, o que contribui
para a recuperação, reabilitação, prevenção de doenças e, também, para o
autocuidado dos pacientes. Os alunos associam as ações do enfermeiro à
assistência dos pacientes, ou seja, a assistência individualizada e curativa. O
cuidado é a essência do trabalho do enfermeiro lembra Florence Nightingale ao
estabelecer as regras gerais da profissão para assistir aos enfermos(21). O
cuidado pode ser entendido como desvelo, solicitude e atenção de uma pessoa
para com outra, é uma palavra abrangente e, na Enfermagem, encerra todas as
dimensões do indivíduo(2). O cuidado de Enfermagem é uma ação inerente ao
enfermeiro e demais integrantes da equipe de Enfermagem, embora outros
profissionais, pais e responsáveis possam alegar que também cuidam de outros
seres humanos.
Ultimamente os profissionais de Enfermagem, particularmente os que atuam nas
instituições de ensino, têm se empenhado em atribuir a prática do cuidado uma
visão integral da pessoa com o intuito de valorizar o homem em toda sua
complexidade nas distintas áreas de atuação, ou seja, no campo da saúde,
ensino, pesquisa e extensão(22). A expressão "cuidar" é predominante nos
discursos dos estudantes quando questionados sobre o que significa ser
enfermeiro. Todavia, poucos acadêmicos procuraram definir o que seria este
cuidar. Acreditamos, que o ato de cuidar "exige responsabilidade, sentimento,
envolvimento e comprometimento pessoal, afetivo, social, moral e espiritual"
(23). A Enfermagem, como prática social, é um trabalho necessário e de
interesse para a sociedade exercida por enfermeiros, técnicos e auxiliares que
praticam o cuidado de Enfermagem à pessoa no seu processo de saúde-doença(24).
Os estudantes de Enfermagem devem ser instrumentalizados para o desempenho do
ato de cuidar com a inclusão de valores, desejos e compromisso com o cuidado e
o conhecimento (23).
As atividades realizadas pelo enfermeiro e a ausência de autonomia
Nos relatos os estudantes descreveram como visualizam as atividades que o
enfermeiro realiza em seu ambiente laboral, como a atividade assistencial e
administrativa e, também, que correlacionam as ações do enfermeiro ao trabalho
médico denotando falta de autonomia da profissão.
Assistência
A atuação do enfermeiro na equipe de saúde e a importância do seu papel na
assistência aos enfermos são percebidas pelos estudantes num contexto de
integralidade.
É um profissional que está inserido em uma equipe multiprofissional,
que presta cuidados ao cliente com uma visão holística do mesmo,
participando ativamente da assistência. (E1)
Cuida dos pacientes, no que se refere a cuidados médicos/
hospitalares. Auxilia para a recuperação dos pacientes. (E 5)
Tem a possibilidade de estar mais próximo do paciente e fazer com que
o tratamento seja mais humanizado. Presta cuidado aos pacientes,
assistindo-os diretamente. (E 10)
Nas descrições dos estudantes podemos observar que os jovens visualizam o
enfermeiro como um profissional integrante da equipe de saúde, que participa
ativamente da assistência ao cliente, tendo uma perspectiva de cuidado integral
e humanizado. No imaginário dos jovens, o cuidado à pessoa enferma, com
prestação de uma assistência direta, são atividades desenvolvidas pelo
enfermeiro no seu ambiente laboral. Os jovens dos períodos iniciais da
graduação associam as ações do enfermeiro à prática médica circunscrita aos
aspectos curativos da esfera hospitalar, conforme menciona a descrição do
estudante 5. Esta conotação pode ser associada à falta de informação dos jovens
sobre a profissão do enfermeiro, como, também, à maior divulgação do trabalho
médico na esfera hospitalar. Os estudantes, empiricamente, idealizam o
enfermeiro como o profissional que cuida e permanece mais tempo próximo aos
pacientes, com quem mantêm maior contato. A Enfermagem é uma profissão que
presta assistência à saúde das pessoas, sendo um trabalho necessário e de
interesse para a sociedade exercida por enfermeiros, técnicos e auxiliares de
Enfermagem, "cujo produto final é o cuidado de Enfermagem à pessoa no seu
processo saúde-doença"(24). O cuidado é a essência da Enfermagem e ultrapassa
"os aspectos técnicos e biológicos, psicossociais e espirituais do individuo,
família e comunidade, envolvendo a provisão de ajuda, atenção, respeito, amor e
compreensão mútua"(2). Neste contexto, percebe-se, então, que o enfermeiro é o
profissional do cuidado e sua prática acontece em diversos ambientes não sendo
circunscrita ao espaço hospitalar, conforme apontam as descrições dos
estudantes que não se reportam a outros cenários como o campo da saúde pública,
onde certamente tiveram contato com profissionais de Enfermagem em visitas para
imunização, e o da educação. Neste sentido, autores(8) afirmam que "os
adolescentes desconhecem a atuação do enfermeiro nas áreas de promoção,
resolução e prevenção, recuperação da saúde e defesa pela qualidade de vida".
Administração
Na visão dos discentes o enfermeiro, em suas ações, desenvolve atividades
relacionadas à administração do serviço.
Planeja, organiza, coordena a equipe de Enfermagem na assistência aos
pacientes/ clientes. (E 3)
Coordena os auxiliares e técnicos de Enfermagem [...] é como um
gerente [...]. (E 10)
Controla a medicação dos pacientes. Supervisiona as ações dos demais
profissionais de Enfermagem. (E 13)
Gerencia, organiza e supervisiona as atividades da equipe de
Enfermagem. (E 33)
Os estudantes do início da graduação identificam as ações do enfermeiro no
ambiente laboral associando-as às atividades administrativas de controle,
supervisão e coordenação dos demais integrantes da equipe de Enfermagem. O
enfermeiro atua "como um gerente" sendo responsável pelo planejamento das ações
de Enfermagem e equipe, o que denota a percepção dos estudantes da liderança
exercida pelo profissional diante dos demais integrantes da Enfermagem.
Autoras discutindo as teorias administrativas e organização do trabalho e as
influências no setor saúde e na Enfermagem afirmam que a Enfermagem no campo
hospitalar é responsável pela gerencia das unidades assistenciais e possui uma
linha interna de mando vertical, formalizada e legitimada nos modelos
taylorista-fordista, com grande poder das enfermeiras sobre os técnicos e
auxiliares de Enfermagem(25).Acrescentam que a enfermeira gerencia o trabalho
da equipe de Enfermagem com ênfase para o cumprimento de normas, rotinas e
tarefas, reproduzindo o que a instituição e outros profissionais esperam e
deixa, muitas vezes, de priorizar as necessidades do doente o que gera
descontentamento e desmotivação nos trabalhadores de Enfermagem(25).
Analisando a articulação entre as dimensões gerencial e assistencial no
trabalho do enfermeiro, pesquisadoras afirmam que o processo de trabalho deste
profissional apresenta duas dimensões complementares, a dimensão gerencial e a
assistencial(26). Acrescentam, todavia, que existe dificuldade de articulação
dos enfermeiros entre as dimensões havendo priorização de uma ou outra, sendo
recomendado o gerenciamento do cuidado com foco nas necessidades de saúde do
paciente e de integração do serviço(26).
Ausência de autonomia
Na percepção dos estudantes o trabalho de Enfermagem está vinculado ao do
médico, numa relação de ajuda ou subordinação, como podemos notar nas falas a
seguir:
O enfermeiro é o profissional que auxilia o médico nos mais diversos
procedimentos. (E 2)
Os profissionais de Enfermagem cuidam dos pacientes mediante
orientação médica. (E 13)
O enfermeiro cuida dos doentes e cumpre ordens, principalmente do
médico [...]. (E 20)
Nestes discursos notamos que na ótica do estudante de Enfermagem do primeiro
período da graduação, o enfermeiro não tem autonomia para desenvolver suas
atividades, sendo um profissional que "cuida e cumpre ordens", atuando como um
"auxiliar" do médico, deixando transparecer um trabalho subordinado, pouco
valorizado, aquele que é dependente de outro profissional para o desempenho de
suas funções. Autores(8-9), estudando a temática do trabalho do enfermeiro na
visão dos alunos do ensino médio e de estudantes dos períodos iniciais da
graduação em Enfermagem, observam que os jovens relacionam o trabalho do
enfermeiro, exclusivamente, à esfera hospitalar, com a função de dar
continuidade à terapêutica médica. A imagem dos estudantes acerca do trabalho
do enfermeiro denota o desconhecimento em relação à profissão e atividades
desenvolvidas pelas distintas categorias profissionais da Enfermagem, a
invisibilidade do enfermeiro e a pouca valorização da profissão para a mídia e
a sociedade.
Neste sentido, recomendam estudiosos(20), a visibilidade da Enfermagem é de
responsabilidade do enfermeiro informar, divulgar, realizar com competência e
dar transparência às suas ações para conseguir o reconhecimento social que
dizem desejar. A visibilidade do enfermeiro, portanto, é conquistada pelos
profissionais nos diferentes espaços e campos de atuação(14). Embora a
desvalorização profissional na Enfermagem ainda seja vivenciada pelos
enfermeiros para transformar esta realidade é essencial que os profissionais se
responsabilizem por suas ações, enfrentem os desafios "procurando apropriar-se
das suas competências, de modo a intervir de forma pró-ativa nas diferentes
demandas sociais"(14).
Para desmistificar a imagem da Enfermagem como uma profissão submissa ensaio
(27) traz uma reflexão da história da profissão aos dias atuais, sendo
observado que a assistência de Enfermagem hoje é desenvolvida com embasamento
científico, de maneira sistematizada, ao contrário do início da profissão
quando os cuidados aos doentes eram subsidiados pelo pensamento médico. A
sistematização da assistência de Enfermagem é uma estratégia para aplicação da
cientificidade de nossa prática e evolução da profissão, sendo "a única
possibilidade de o enfermeiro atingir a sua autonomia profissional e constitui
a essência de sua prática profissional"(27).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve o propósito de descrever o significado da Enfermagem para os
estudantes do primeiro período do curso de graduação numa universidade pública
estadual no Rio de Janeiro.
A análise das descrições revelou que os estudantes percebem a Enfermagem como
uma profissão que requer do profissional carinho e amor ao próximo. Visualizam
o enfermeiro como um profissional que cuida da saúde e associam à sua imagem a
de uma pessoa dedicada, que se preocupa com o outro e desenvolve seu trabalho
com responsabilidade e despojamento. O cuidado de Enfermagem é entendido como
uma prática realizada pelo enfermeiro assumindo um papel fundamental na
recuperação e reabilitação dos pacientes, numa perspectiva de integralidade e
humanização da assistência. Os estudantes acreditam que a prática do enfermeiro
está relacionada às atividades de assistência e administração, e suas ações
estão vinculadas à prática médica denotando falta de autonomia da profissão.
Conhecer o significado da profissão para os estudantes que ingressam na
graduação em Enfermagem permitiu-nos uma aproximação ao objeto de estudo sem,
contudo, modificar resultados de pesquisas anteriores, considerando que nos
tempos atuais os estudantes ainda ingressam na graduação com pouca informação
sobre a Enfermagem.
Acreditamos que, embora não se tenha esgotado o assunto, os resultados desta
investigação reforçam a importância de ações para o esclarecimento dos
estudantes de nível médio acerca da profissão, o mercado de trabalho e o campo
de atuação do enfermeiro. Desta forma, estaríamos contribuindo para estimular o
interesse pela Enfermagem entre os jovens mais conscientes, informados e
esclarecidos. Assim, embora o estudo apresente resultados significativos tem
como limitação retratar a visão dos estudantes de uma instituição pública
estadual com características peculiares, como a adoção do sistema de cotas,
sendo oportuno que fosse replicado em demais instituições de ensino superior.