Sistematização da assistência de enfermagem em serviços de urgência e
emergência: viabilidade de implantação
INTRODUÇÃO
Como ciência, a enfermagem ainda busca a estruturação dos seus valores
profissionais. Para que o enfermeiro possa realmente construir sua identidade
no campo da assistência e desmistificar conceitos e posturas como os de
submissão à classe médica, é preciso, sobretudo, que se abandone o uso de
intervenções ao acaso, sem planejamento, justificativa científica e reflexão.
O Processo de Enfermagem é a representação maior do método científico da
profissão, sendo direcionado pela Sistematização da Assistência de Enfermagem
(SAE), através da qual ocorre o desenvolvimento e organização do trabalho da
equipe pela qual o enfermeiro é responsável. A SAE permite detectar as
prioridades de cada paciente quanto as suas necessidades, fornecendo assim, uma
direção para as possíveis intervenções.
No que se refere às necessidades humanas, a equipe de enfermagem deve ter
sensibilidade para correlacioná-las com a realidade em que atua. Para tanto, o
enfermeiro deve ser estimulado a desenvolver seu pensamento crítico durante sua
formação, assim, irá tornar-se apto a elaborar e aplicar adequadamente modelos
e teorias às condições em que a equipe trabalha.
A importância de pesquisar sobre a aplicação da SAE torna-se evidente ao se
constatar que nos estágios e aulas práticas a maior parte dos estudantes
encontra dificuldade em desenvolvê-la na assistência prestada, praticamente não
são utilizados modelos ou teorias de enfermagem para guiar o serviço e que os
enfermeiros atuantes nos serviços também demonstram semelhantes limitações.
O trabalho do enfermeiro é regido por várias leis, entre elas, a Resolução nº
358 do COFEN que estabelece a implantação da sistematização em todas as
unidades de atendimento de saúde que forneçam assistência de enfermagem. Porém,
o cenário hospitalar, não raro, é precário em recursos físicos e humanos,
necessários para tal missão. Sabe-se que, nacionalmente, o setor de atendimento
às emergências enfrenta inúmeros problemas na sua estrutura e fluxos
Assim, esta pesquisa procurou analisar a viabilidade de implantação da SAE em
um serviço de urgência e emergência hospitalar, através da caracterização das
competências da equipe de enfermagem do hospital estudado, das dificuldades e
facilidades identificadas por ela no desempenho de suas atribuições e das
percepções e conhecimentos dos trabalhadores entrevistados sobre a SAE.
METODOLOGIA
Este é um estudo de campo, descritivo, de abordagem qualitativa. Realizado em
um hospital público de médio porte, referência para atendimentos de emergência
da região sul do estado de Mato Grosso do Sul, que conta com os setores de
Pronto-Socorro (PS) adulto e infantil, Internação, Unidade de Terapia Intensiva
(UTI), Semi-UTI, Centro Cirúrgico e Ortopedia. Optou-se por desenvolver a
pesquisa no pronto-socorro por supor-se que, devido à dinâmica do seu serviço,
esta seria uma das áreas mais problemáticas para a implantação da SAE.
Quanto aos recursos humanos da enfermagem, atualmente o hospital emprega cento
e vinte técnicos e auxiliares e nove enfermeiros. No pronto-socorro há, por
turno, um enfermeiro e cinco técnicos ou auxiliares. Ocorre com freqüência
remanejamento de funcionários entre os setores, o que contribui para que todos
tenham conhecimento sobre as rotinas e funcionamento do hospital de forma
geral.
A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação de questionário não
estruturado, elaborado a partir dos objetivos determinados. As entrevistas
foram gravadas e transcritas, realizadas durante os meses de agosto a outubro
de 2009, em horários estabelecidos pelos funcionários conforme sua
disponibilidade no serviço. Ocorreram após a apresentação da proposta da
pesquisa e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos
sujeitos participantes.
O trabalho seguiu em conformidade com as Diretrizes e Normas de Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos (BRASIL, 1996), sendo primeiramente submetido à
aprovação da diretoria administrativa responsável pelo hospital e
posteriormente encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul(2).
Para garantir o anonimato das informações levantadas, os enfermeiros
entrevistados foram identificados pela letra E, os técnicos e auxiliares pela
letra T e as questões respondidas pela letra R, acompanhadas pela sua seqüência
numérica.
A amostra final constituiu-se em oito técnicos de enfermagem, dois auxiliares e
cinco enfermeiros, independente do setor em que estavam designados no período
de realização das entrevistas, porém, com o mínimo de seis meses de atuação no
pronto-socorro. Houve grande dificuldade no estabelecimento da amostra, pois a
principio, a maioria dos funcionários da enfermagem recusou-se a participar.
Após longas explicações sobre a conduta ética e respeito ao anonimato, alguns
concordaram em contribuir com o estudo.
A análise e interpretação dos dados ocorreram a partir da Análise de Conteúdo,
proposta por Bardin. Através das etapas de pré-análise, exploração do material
e tratamento dos resultados obtidos foi desenvolvida processos que conduziram o
pesquisador à categorização dos documentos gerados pelas entrevistas, agrupando
os dados de acordo com sua similaridade semântica para se proceder a sua
interpretação(3).
RESULTADOS
Ao fim da análise foram separadas três unidades de significação: Caracterização
das competências da equipe de enfermagem desenvolvidas na instituição segundo a
percepção dos auxiliares e técnicos; Caracterização das competências da equipe
de enfermagem desenvolvidas na instituição segundo a percepção dos enfermeiros;
Percepções dos enfermeiros sobre a SAE e sua implantação na instituição
estudada.
Caracterização das competências da equipe de enfermagem desenvolvidas na
instituição segundo a percepção dos auxiliares e técnicos.
Quanto às percepções dos técnicos e auxiliares sobre suas próprias
competências, observou-se que muitos sujeitos entrevistados se vêem como meros
executores (cuidadores), desprovidos de capacidade reflexiva e poder de decisão
na assistência prestada.
Retomando a Teoria das Relações Interpessoais de Peplau, lembramos que o
comportamento e a personalidade dos indivíduos desenvolvem-se a partir de
relações com pessoas consideradas importantes para eles, no caso da equipe de
enfermagem a figura de maior importância seria o enfermeiro(4).
O que se constata nas entrevistas é que, ao serem questionados sobre seu papel
dentro da equipe, alguns entrevistados valorizam mais as determinações médicas,
se colocando em posição de subserviência: "Minha função é [...] administrar o
que o médico determina (T4R1)". Também acreditam que o enfermeiro deva adotar
postura submissa ao médico: "Acho que a responsabilidade do enfermeiro é [...]
auxiliar o médico (T9R4)".
Fica subentendido que o enfermeiro nesse contexto não consegue conquistar o
respeito e a confiança necessários para se estabelecer uma relação de trabalho
adequada e quebrar as ideologias arraigadas historicamente dentro da própria
equipe.
Atualmente a assistência de enfermagem é baseada em conhecimento científico e
não apenas em cuidados generalizados e subsidiados pelo pensamento médico como
era há alguns séculos. Os enfermeiros estão buscando destruir essa visão de
submissão através da aplicação da SAE, desenvolvendo o planejamento da sua
assistência, garantindo responsabilidades junto aos pacientes e norteando-se na
tomada de decisões em diversas situações vivenciadas enquanto gerente da equipe
de enfermagem. Nota-se que tal pensamento precisa ser estruturado entre os
funcionários da instituição pesquisada e melhor desenvolvido pelos enfermeiros
(5).
Além disso, na unidade de emergência é fundamental que a equipe toda saiba
tomar decisões de forma rápida, promovendo um atendimento sincronizado, o que
exige contínuo treinamento específico e aperfeiçoamento técnico-científico da
prática(6).
Foi possível observar através das falas que há um grande despreparo da equipe
em desenvolver de forma satisfatória suas atribuições, a começar pelo
conhecimento escasso, o que é percebido pelos próprios entrevistados: "[... ]
porque o que a gente vê é funcionários que vem pra enfermagem assim muito crus,
entendeu? sem noção nenhuma, então isso dificulta um pouco (T4R5)".
Nacionalmente, a capacitação, habilitação e educação continuada dos
trabalhadores do setor de urgência e emergência ainda são fragmentadas e há
baixo aproveitamento do processo educativo tradicional e insuficiência dos
conteúdos curriculares dos cursos formadores de profissionais. Também se
constata uma grande proliferação de cursos de iniciativa privada de capacitação
de recursos humanos para a área, com grande diversidade de programas e
conteúdos e cargas horárias, sem a adequada integração à realidade e às
diretrizes do SUS(7).
Há preocupação da equipe de enfermagem em reverter esse quadro na instituição,
fato evidenciado quando questionados sobre as melhorias necessárias, demonstra
que a inexperiência dos funcionários é sentida como um dos grandes problemas no
desempenho diário da assistência: "Treinar mais os funcionários, fazer
palestras educativas, treinamentos, melhorias pra própria equipe mesmo [... ]
(T5R5)".
Outra observação relevante é a de que as falas que representam as dificuldades
encontradas no hospital apareceram em freqüência significativamente maior do
que as que apontavam as facilidades no desempenhar do serviço, o que reflete o
nível de estresse e descontentamento da equipe em relação a sua situação. Entre
os principais problemas identificados estão: a morosidade no atendimento
médico, estrutura física inadequada, falta de seqüência do cuidar/
conscientização da equipe sobre suas funções, dimensionamento humano
desproporcional em relação ao fluxo de pacientes, condições impróprias de
trabalho, falta de medicação e de médicos, conhecimento deficiente da equipe e
conhecimento insuficiente da equipe sobre a SAE.
Todos os fatores apontados representam problemas comuns encontrados nos
serviços de atendimento às emergências a nível nacional, especialmente nos que
fazem parte do SUS, de acordo com o que o Ministério da Saúde coloca no Manual
de Regulação Médica das Urgências. Assim, este ponto da discussão torna-se
muito mais complexo, pois falar em resolução de tais problemas exige reflexão
sobre uma mobilização a âmbito governamental para se concretizar as mudanças
essenciais rumo à prestação de atendimentos de qualidade, as quais perpassam
pela capacitação e conscientização de funcionários e gestores(8).
Em relação às competências que os sujeitos atribuíram aos enfermeiros observa-
se um predomínio das assistenciais, nas quais houve ênfase da equipe na
necessidade de que o enfermeiro desenvolva em suas atividades a eficiência e a
flexibilidade. Ou seja, a equipe espera ver o enfermeiro atuando junto aos
demais profissionais nas intervenções realizadas no pronto-socorro.
Em seguida foram citadas as competências administrativas, que destacaram como
essenciais no perfil do enfermeiro as características de liderança, facilitador
e organização. Por último apareceram as atribuições referentes ao ensino,
ressaltando o papel de provedor do suporte teórico para as práticas da equipe.
Algumas falas transmitiram o quanto é importante para os auxiliares e técnicos
que o enfermeiro esteja sempre presente, tenha postura e saiba repassar seus
conhecimentos científicos: "[...] o enfermeiro aqui pra nós é como se fosse um
apoio né, ele sempre ajuda, nas decisões mais difíceis é o enfermeiro que a
gente conta sempre (T2R4)".
Quando o enfermeiro reflete e planeja sua função de líder na assistência está
construindo espaço favorável para o desenvolvimento de suas atribuições
básicas, tanto as administrativas, quanto as assistenciais e de ensino,
garantindo organização adequada e colaboração da equipe, o que torna possível
direcionar todos os esforços para a realização de um atendimento de qualidade
(9).
É válido lembrar que é de suma importância o enfermeiro também buscar sempre
aperfeiçoar sua prática, evitando prender-se apenas às funções administrativas,
em especial, desenvolver os procedimentos com a equipe, oferecendo apoio e
sanando suas dúvidas, pois a prática da enfermagem quando exercida com
responsabilidade, preocupação e atenção proporciona segurança e excelência no
cuidado prestado, favorecendo o estabelecimento de uma relação de confiança
entre pacientes e profissionais(10).
Caracterização das competências da equipe de enfermagem desenvolvidas na
instituição segundo a percepção dos enfermeiros
Em relação às próprias competências, os enfermeiros deram um grande enfoque
para as de cunho administrativo, dentro das quais foram citadas as relativas à
organização e liderança: "[...] tem que tá sempre ali no pronto-socorro
direcionando a equipe, os procedimentos, a seqüência de procedimentos (E4R1)".
A seguir foram lembradas as atribuições de ensino, sendo que dessas houve maior
percepção quanto ao aprendizado desenvolvido com e para a equipe de enfermagem
do que com e para os pacientes, ressaltando o quanto consideram importante
atuarem no processo de capacitação dos membros da equipe: "[... ] criar um
processo de educação continuada, levar até eles o conhecimento de
procedimentos, de condutas, ajudá-los a crescer junto com a gente (E4R6)".
A equipe de enfermagem precisa estar preparada para demonstrar destreza,
agilidade e habilidade, estando apta a estabelecer prioridades e intervir de
forma consciente e segura no atendimento ao ser humano, lembrando-se de que
mesmo na emergência o cuidado é o elo de interação/integração/relação entre
profissional e paciente(10).
Enquanto líder, o enfermeiro necessita compreender o processo de liderar e
trabalhar habilidades como a comunicação, relacionamento interpessoal, tomada
de decisão e competência clínica, tornando o gerenciamento da assistência
compatível com as reais necessidades dos pacientes e conciliando os objetivos
da instituição com os objetivos da equipe(9).
Com menor frequência houve referência às atividades assistenciais, nas quais há
destaque para a necessidade da realização de um cuidado holístico, de o
enfermeiro atuar no primeiro atendimento às emergências e trabalhar com
agilidade e eficiência: "[...] você tem que fazer de uma forma rápida, mas ao
mesmo tempo de uma forma que não deixe nada a desejar (E3R2)".
Atuar na urgência e emergência significa para o enfermeiro e demais integrantes
da equipe de saúde um dos mais difíceis e diversificados momentos de situações
opostas de saúde e doença com situações de ambigüidades de sentimentos e
emoções. As ações do profissional de enfermagem nesse contexto precisam ser
eficientes e eficazes, contudo, sem esquecer-se de valorizar também a
subjetividade do ser humano(10-11).
Várias falas apontaram para a necessidade de a instituição desenvolver os
princípios de humanização e integração das competências de todos os
profissionais da equipe de saúde: "[... ] é uma coisa assim, que envolveria uma
equipe multiprofissional né, aí seria a assistente social, seria a figura do
enfermeiro, o apoio da administração pra tá fazendo toda essa abordagem aí, não
só na sistematização do atendimento de enfermagem (E4R7)".
E este é o grande desfio da enfermagem na emergência: trabalhar na construção
de seu fazer considerando as dimensões éticas, subjetivas, técnicas e
institucionais do cuidado, respeitando os valores, sentimentos e limites do ser
cuidado e do ser cuidador, concedendo dessa forma à ciência do cuidado, o
significado de conjugação de conhecimento, habilidades manuais, intuição,
experiência e expressão da sensibilidade(12).
Por isso, a tendência na formação do enfermeiro é que se desenvolva cada vez
mais o repensar da profissão, com ênfase na articulação entre as ciências
humanas e conteúdos clínicos, bem como na relação teórico prática que envolva a
formação humana e ética no cuidado(11).
As principais dificuldades apontadas pelos enfermeiros na sua rotina de serviço
são: a quantidade insuficiente de funcionários e as condições inadequadas de
trabalho:
[...] temos um déficit muito grande no quadro de funcionários, então
ainda os cuidados e a assistência ficam a desejar (E2R1); As
dificuldades são encontradas tanto por falta de material, por falta
de especialidades [...] (E2R2).
A sobrecarga de trabalho, rodízios de horários e sistema de plantão são fontes
de pressão no exercício das atividades, e o prolongamento da jornada de
trabalho acaba intensificando o desgaste físico e psicológico do trabalhador,
resultando em fator desencadeante de estresse e sofrimento mental(03).
A falta de materiais em quantidade e qualidade suficientes para a prestação de
um cuidado adequado, como também a imprevisibilidade desses recursos e
equipamentos dificultam o planejamento das ações de assistência, coloca os
pacientes em situação constrangedora e gera insatisfação para os familiares
(11).
Na emergência, é fundamental propiciar um ambiente favorável para a restauração
fisiológica e emocional do paciente, sendo esta dimensão do cuidado também uma
das competências da enfermagem, a qual deve assegurar conforto, aconchego,
calma e tranqüilidade, bem como adequadas condições de higiene e limpeza do
local. É preciso estar atento aos detalhes quanto à luminosidade, ruído, cor,
odor, ventilação, temperatura, umidade, ou seja, o profissional precisa
exercitar a observação e reflexão crítica para poder agir positivamente na
assistência prestada, ouvindo as queixas do paciente, da família e demais
integrantes da equipe de saúde(10).
Em relação à visão do enfermeiro sobre a equipe de enfermagem, a maioria das
falas mostra que eles enxergam os técnicos e auxiliares como funcionários muito
inexperientes, revelando desapontamento e descrédito na realização do cuidado:
"[...] meu crédito referente à equipe é bem baixo [...] precisa de bastante
treinamento, bastante educação e capacitação do pessoal (E1R6'".
Assim, na instituição pesquisada, o que se observa é que os enfermeiros
acreditam que a equipe possui um baixo nível de maturidade. Se o enfermeiro não
percebe um bom funcionamento e rendimento da sua equipe, imediatamente passa a
desacreditar no seu potencial enquanto líder e gerente, despertando em si
sensações de impotência e frustração, o que proporciona maior desgaste físico e
conseqüentemente, má produtividade nos cuidados(14).
Além disso, o hospital passa por uma série de problemas relacionados com a
falta de infraestrutura, o que dificulta muito o atendimento:
As dificuldades são encontradas tanto por falta de material, por
falta de especialidades ainda, faltam inúmeras especialidades pra
poder tá suprindo o atendimento com o paciente né, num todo [...]"
(E2R2); "não tem como fazer pelo espaço físico que tem uma
dificuldade muito grande pelo espaço físico (E2R7).
Peplau caracteriza a enfermagem como um processo interpessoal por meio do qual
as duas partes que se relacionam obtêm crescimento e desenvolvimento pessoal, e
propõem a realização da Enfermagem Psicodinâmica, na qual o enfermeiro deve
reconhecer, esclarecer e construir junto com a equipe de saúde e pacientes uma
compreensão do que acontece para que o relacionamento estabelecido seja útil
para todos. Dessa forma, as suas ações seriam fundamentadas em dois
pressupostos: 1) a postura do enfermeiro interfere diretamente no que o outro
irá aprender durante a experiência; 2) o auxílio ao desenvolvimento da
personalidade e ao amadurecimento é uma função da enfermagem que exige o uso de
princípios e métodos que facilitem e orientem o processo de solução de
problemas ou dificuldades interpessoais cotidianas(15).
Portanto, quanto mais os enfermeiros compreendem sua própria função mais eles
compreenderão as formas como as pessoas com quem se relacionam vivenciam as
situações de saúde e de trabalho. Enquanto eles continuarem atribuindo à equipe
de enfermagem a característica de incapaz e imatura e mantendo o distanciamento
representado pelo líder que apenas determina e não dá as ferramentas que
possibilitem os liderados desenvolverem reflexão sobre suas competências, os
funcionários continuarão a serem despreparados para atuar(9).
Percepções dos enfermeiros sobre a SAE e sua implantação na instituição
estudada
A maior parte das falas dos enfermeiros atribuiu para a SAE a significação de
realização de uma assistência de qualidade, destacando ainda que ela é uma
ferramenta indispensável, sendo assim, importante para a profissão: "[...] com
certeza a enfermagem tem que ter, porque é tudo né, é questão de organização, é
melhora na qualidade da assistência pro paciente, é resultado, é menos tempo de
internação (E4R5)".
Na realização de uma assistência de enfermagem com qualidade e humanismo há a
necessidade de o enfermeiro estar inserido na realidade concreta de forma
consciente, competente, técnica e científica, assim, a SAE proporciona um
conhecimento especifico e reflexão crítica sobre a organização e filosofia do
trabalho da enfermagem, sendo um instrumento importante de gerenciamento e
otimização da assistência(16).
Através da sistematização do seu trabalho, o enfermeiro consegue detectar
adequadamente os problemas e prioridades dos pacientes, os quais orientarão as
prescrições e os métodos a serem utilizados nas intervenções realizadas pela
sua equipe: "[... ] quando for implantado vai melhorar na qualidade de
atendimento [... ] a qualidade de conhecimento dos funcionários vai ser mais
bem associada (E2R4)".
Além disso, a SAE propicia a construção de documentos com grande valor técnico,
científico e ético-legal, fornecendo às instituições registros importantes para
fins de faturamento, subsídios para auditoria interna e externa e instrumento
de avaliação da qualidade do atendimento prestado(16).
Em alguns momentos há a sugestão de que a sistematização deveria ser aplicada
apenas em pacientes com determinadas patologias ou em condições especiais de
saúde devido ao pouco tempo de que se dispõe no pronto-socorro para prestar o
atendimento, fato que vai contra os princípios de integralidade e igualdade: "
[... ] você pode trabalhar com alguns pacientes, mas com outros não seria
recomendado (E3R4)".
No entanto, deveria haver pouca relação entre a sobrecarga de trabalho/falta de
tempo e a não aplicação da SAE, pois a sistematização trata-se de uma questão
de prioridade e valorização no trabalho da enfermagem, sendo mais comum
dificuldades referentes a descrença e rejeição dos próprios enfermeiros que se
limitam ao modelo técnico-burocrático e muitas vezes utilizam estratégias
antiéticas e inflexíveis para não participarem do processo, o que representa a
falta de conhecimento específico e desatualização profissional(16).
Ao serem questionados sobre a relação da metodologia de Avaliação com
Acolhimento e Classificação de Risco proposta pelo Ministério da Saúde com a
SAE, evidenciou-se que para os enfermeiros é de fundamental importância
utilizar a SAE para se trabalhar com a humanização: "[... ] sistematização da
humanização (E4R7)".
O acolhimento como dispositivo técnico-assistencial permite refletir e mudar o
aspecto da assistência, pois questionam as relações clínicas no atendimento, os
modelos de atenção e gestão e as relações de acesso aos serviços(8).
Os pacientes atendidos no pronto-socorro geralmente encontram-se bastante
ansiosos e estressados devido a situação crítica de saúde e ao ambiente que
culturalmente está associado a sentimentos de temor e morte, portanto, eles
exigem uma maior atenção nos aspectos relacionados a interação e comunicação,
necessitando que o profissional tenha empatia, sendo sensível ao sofrimento
humano em relação a todo o contexto em que o paciente e sua família estão
inseridos(11).
A SAE neste ponto proporciona envolvimento dos profissionais em um atendimento
individualizado, ou seja, a estruturação e aplicação de um plano de assistência
orientado particularmente a cada paciente garante que suas peculiaridades sejam
respeitadas, articulando os métodos terapêuticos às suas características
próprias:
[...] por conta de ser um serviço público e de às vezes as pessoas
terem aquela mentalidade de que são às vezes tratados com diferença
ou às vezes não com a devida importância com que deveriam ser
tratadas [...] (E4R7).
Portanto, torna-se cada vez mais importante desenvolver novas competências nos
modos de organizar o trabalho. Pacientes em estado crítico, como a maioria dos
que chegam ao setor de emergência, necessitam de uma estrutura organizacional
especifica. Quanto mais comprometida às funções orgânicas do paciente, mais
planejada deve ser a assistência, assim, a sistematização contribui apurando a
técnica dos profissionais e organizando com eficiência o atendimento fornecido,
tornando o cuidado mais humanizado e holístico(17).
Porém, para que a SAE seja aplicada, de modo a se refazer as formas de pensar,
fazer, ensinar e gerenciar, as práticas de enfermagem precisam ser questionadas
através de metodologias problematizadoras evitando que assim ela se torne um
processo puramente normativo e legal(16).
Sobre as dificuldades visualizadas pelos enfermeiros para a implantação da SAE
no hospital, algumas falas demonstraram que os sujeitos consideram-na uma
ferramenta complexa, sendo que o problema que apresentou a maior freqüência
correspondeu à falta de interesse/apoio da instituição: "[...] nossa
instituição aqui ela não vê assim, ela não vê viabilidade nessa implantação
(E1R4)", associado a mudanças recentes na estrutura administrativa: "[...]
inviável porque, a gente tá numa fase de, de... adequação (E4R4)".
Lembrando que o apoio da administração do hospital é essencial já que é ela
quem irá viabilizar os recursos necessários para implantação e manutenção da
SAE, por isso é pertinente que sejam realizadas discussões nas instituições
sobre seus aspectos e o real papel do enfermeiro(18).
Logo em seguida foi apontado como barreira para a implantação o despreparo da
equipe de enfermagem: "[... ] a gente não consegue fazer um recrutamento de
pessoas assim já experientes na área (E4R4)". Ressaltou-se também a
desvalorização da SAE por outros profissionais, o que resultaria na não
compreensão e colaboração no desempenho das atribuições do enfermeiro: "[... ]
muito poucos deles sabem o que é a SAE, o que significa a SAE, pra que serve,
qual a finalidade, quando foi criada[... ] (E1R6)".
Ainda, o dimensionamento inadequado de funcionários em relação ao fluxo de
pacientes e a inadequação de estrutura física. Problemas semelhantes foram
identificados em outros estudos, associados ao desconhecimento da lei do
exercício profissional, enfatizando que as dificuldades estão ligadas não
somente a questões de ordem estrutural, mas principalmente, de ordem
organizacional, política e cultural(14-16).
A falta de funcionários preparados para desenvolver uma assistência de
enfermagem adequada abrange dois pontos, o primeiro diz respeito ao interesse
das instituições em contratar um número pequeno de enfermeiros, que geralmente
trabalham para resolver os problemas administrativos, permanecendo muito tempo,
longe da unidade de atendimento ao paciente, o que prejudica a aplicação da
SAE. O outro está relacionado com a contratação de funcionários sem
conhecimento científico e habilidades práticas adequados e o não investimento
em atividades de capacitação da equipe(18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu o levantamento de vários aspectos que, de certa forma,
impedem a implantação da SAE no hospital pesquisado. Entre eles, foi atribuída
grande importância à não aceitação e falta de apoio da própria instituição,
fato que transpareceu e revelou a insatisfação e desmotivação dos enfermeiros
no desempenho da sua profissão.
A equipe de enfermagem manifestou em suas falas o quanto deseja ver o
enfermeiro mais próximo, mais atuante, ressaltando e valorizando a bagagem
teórica e científica que esse profissional traz consigo. No entanto, hoje,
sabe-se que em muitos hospitais as práticas ainda destoam de tais anseios.
Apesar de alguns funcionários mostrarem-se preocupados em desenvolver uma
assistência holística e humanista, é possível notar que o trabalho desenvolvido
ainda é pautado pelo tecnicismo, fundamentado no modelo biomédico, o que limita
a expressão e participação de toda a equipe nos cuidados realizados, inibindo-
a da capacidade reflexiva sobre sua forma de trabalhar e limitando seu poder de
transformação sobre o contexto em que se encontra.
O enfermeiro torna-se assim, um ser invisível na representatividade da equipe
de saúde, estando mais voltado para a administração do serviço hospitalar do
que para o gerenciamento da assistência. Em meio a essa perda de identidade
profissional, a aplicação da SAE acaba sendo freqüentemente subestimada.
Assim, é imprescindível para o sucesso da implantação da SAE enfatizar a
relevância da participação de toda a equipe de saúde em um processo de trabalho
integrado. Atualmente, em algumas instituições a realização de discussões
envolvendo todos os profissionais tem contribuído para o desenvolvimento de uma
assistência em saúde de qualidade, favorecendo para que cada profissional tenha
suas atribuições específicas concretizadas e respeitadas dentro da equipe.