Sobrevida de mulheres com câncer de mama, de uma cidade no sul do Brasil
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a incidência de casos de câncer de mama tem aumentado
notadamente no Brasil, e esse crescimento permanece apesar de um maior
conhecimento dos fatores de risco, da ampliação dos serviços e de aparatos para
diagnóstico dessa enfermidade.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama é a segunda
causa de morte entre as mulheres brasileiras, e a estimativa de casos novos da
doença em nosso país para 2010, é de 49 a cada 100 mil mulheres. Na região
sudeste, de acordo com esse Instituto esse tipo de câncer é o mais incidente na
população feminina, em torno de 65/100 mil, seguidas das regiões sul (64/100
mil), centro-oeste (38/100 mil) e nordeste (30/100 mil), sendo que as suas
taxas de mortalidade continuam elevadas. Muito provavelmente, pelo expressivo
número de diagnósticos realizados em estádios avançados(1).
Autores têm demonstrado que um fator prognóstico importante para a sobrevida
das mulheres é o estadiamento no momento do diagnóstico, associando os melhores
padrões de sobrevida ao estadiamento inicial(2). Nessa mesma linha, para outros
pesquisadores, o diagnóstico do câncer de mama em fases iniciais reduz o risco
de morte de forma significativa. Ressaltam ainda que a sobrevida é um parâmetro
importante para avaliar resultados na área oncológica, onde as taxas de
mortalidade em séries históricas são de alta relevância analítica, sendo
possível a análise estatística de sobrevida expressar a probabilidade de vida
após um período determinado e revelar a qualidade dos serviços de saúde, como
por exemplo, no caso do rastreamento precoce do câncer(3).
A análise de sobrevida, quando desenvolvida com base populacional, contribui
para a descrição do comportamento da doença e dos fatores prognósticos a ela
relacionados. Segundo os pesquisadores, este tipo de estudo permite ao
profissional de saúde e ao paciente conhecer o comportamento da doença,
possibilitando uma abordagem realista e que proporcione maior qualidade de vida
aos indivíduos acometidos(4).
Considerando que os estudos confirmam a relevância de informações sobre a
sobrevida das mulheres com câncer de mama enquanto indicador para servir de
apoio, juntamente com outros indicadores na avaliação do impacto dos serviços
de saúde, para o diagnóstico precoce e tratamento dessa enfermidade, e por
identificar-se a necessidade de produzir indicadores que permitam conhecer a
situação do câncer de mama em Joinville-SC, realizou-se por meio deste estudo a
análise de sobrevida mediante o exame do indicador de sobrevivência das
mulheres com câncer de mama nos estádios I, II, III e IV atendidas pelo Sistema
Único de Saúde, no período compreendido entre 2000 e 2009.
MÉTODOS
Realizou-se um estudo de coorte retrospectivo baseado em uma amostra
constituída por mulheres que foram diagnosticadas com câncer de mama, no
período compreendido entre 2000 e 2009, em uma Unidade de Especialidades
Médicas do Sistema Único de Saúde em Joinville.
A Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que trata das
Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos
norteou a coleta de dados e o anonimato das mulheres investigadas foi garantido
(5).
Os dados coletados foram obtidos nos prontuários e atestados de óbito e foram
inseridos em uma planilha Excel, desenhada para o estudo. O número de mulheres
investigadas foi de 713; entretanto, foram excluídas 16 devido à ausência de
dados no prontuário e 32 por terem sido categorizadas como estádio Tsi
(carcinoma in situ). O universo da amostra deste estudo foi composto, portanto,
por 655 (IC - 0,99, EA - 0,46) mulheres, em uma proporção estimada da amostra
de 70%.
A partir do exame clínico, as mulheres foram estadiadas com base no sistema TNM
proposto pela União Internacional Contra o Câncer (UICC) em 1988(6). Quanto à
classificação TNM foi considerado o tamanho do tumor: menor ou igual a 2cm
(T1), 2 a 5cm (T2) e maior que 5cm (T3). O comprometimento dos linfonodos: N0
(sem comprometimento dos linfonodos), N1 (metástase em linfonodos axilares
homolaterais móveis) e N2 (metástase em linfonodos axilares fixos uns aos
outros ou a outras estruturas). E metástase classificada em: M0 (ausência de
metástase à distância) e M1 (presença de metástase à distância) no diagnóstico
da doença. Para a análise estatística do estadiamento foi utilizado o programa
"R" e as variáveis quantitativas foram calculadas por meio de medidas de
tendência central e dispersão.
O tempo de sobrevida foi definido como o período entre o diagnóstico de câncer
de mama e a ocorrência de óbito. O evento de interesse foi o óbito atribuído
apenas ao câncer de mama, segundo a declaração de óbito. Aplicou-se o método
estatístico de Kaplan-Meier para obter a probabilidade de sobrevida estimada e
a curva de sobrevida acumulada. Para a comparação entre a sobrevivência e
distribuição da sobrevivência segundo os estádios foi utilizado o Teste de Log-
rank. As probabilidades estimadas de sobrevivência para os diferentes
estadiamentos foram traduzidas em anos decimais e sua distribuição foi
apresentada por meio de curvas, com intervalo de confiança de 95. Para estimar
os efeitos da idade e de cada estadiamento na sobrevida das pacientes utilizou-
se o modelo de risco proporcional de Cox, sendo testadas as interações entre as
variáveis, I-II, I-III e I-IV e os resultados foram expressos por meio da razão
de risco entre elas, levando-se em conta o nível de significância estatística
de 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As informações da variável idade das mulheres pesquisadas, obtidas pela revisão
dos prontuários, demonstraram que a população estudada possuía entre 21 e 90
anos e a média de idade de 55,09 anos ± 13,30. A maior parte das mulheres com
câncer de mama encontrava-se na faixa etária de 40 a 50 anos (28%). Duas séries
de casos demonstram esse perfil etário para o câncer de mama, onde a média de
idade foi de 56 e 53,85 anos com desvio padrão de 16 e 13,06, respectivamente
(7-8).
Com respeito aos estadiamentos, foram encontrados os percentuais de 20%, 48%,
27% e 5% concernentes aos estádios I, II, III e IV. Referente às mulheres
investigadas, 32% possuíam a doença localmente avançada ou metastática. Um
estudo de base hospitalar com 252 mulheres realizado em Santa Maria/RS mostrou
que 26,6% da população pesquisada encontravam-se nos estádios clínicos III e IV
(9). Outras três pesquisas encontraram percentuais de 13%, 23,6% e 11,2% (10-
12). Ao examinar em conjunto estes percentuais e os de Joinville, constata-se
que no município os casos adiantados da doença são elevados, entretanto abaixo,
por exemplo, do Estado de Santa Catarina e do Município de Juiz de Fora/MG que
apresentam os percentuais de 35,7% e 34,7%, respectivamente(8,13).
Outro dado igualmente importante identificado em Joinville-SC é que, no
primeiro qüinqüênio do estudo (2000-2004), o percentual de casos avançados era
de 29,5%, ao passo que, no segundo (2005-2009), este percentual subiu para
33,9%. Este último dado mostra, no âmbito do setor público de saúde, indícios
reveladores da capacidade dos serviços de ampliarem a detecção precoce do
câncer de mama. A tendência observada neste estudo ao longo de 10 anos é que o
percentual dos casos avançados do câncer de mama vem crescendo no município.
Tal tendência contraria os dados de um estudo que trata da evolução temporal
dos estádios do câncer de mama em mulheres residentes em Goiânia-GO, no período
entre 1989 e 2003, que revela um aumento dos casos de carcinoma in situ e de
carcinomas invasores localizados somente na mama em detrimento de uma redução
de 17,7% dos casos avançados no ultimo período investigado(7).
Aqui, é necessário chamar a atenção para algumas pesquisas que tratam do
rastreamento populacional para o diagnóstico precoce do câncer de mama - por
meio da mamografia - realizado em três países, Estados Unidos, Suíça e Alemanha
(14-16). Tais estudos revelam um impacto considerável sobre a diminuição do
número de mulheres com diagnóstico de estádio avançado, com conseqüente aumento
de sobrevida dessas mulheres.
![](/img/revistas/reben/v65n4/a03tab1.jpg)
Na tabela_2 constata-se que a sobrevivência das mulheres segundo o estadiamento
resultou ser significativamente diferente de acordo com os resultados do teste
de log rank, cuja probabilidade (p) esteve abaixo do nível crítico aceitável α
= 0,05. O tempo de sobrevida foi superior para o estádio I com uma
probabilidade de sobrevida mediana maior do que 120 meses. Para o estádio II o
tempo mediano de sobrevida foi de 118 meses. Nos casos dos estádios III e IV a
sobrevivência foi menor. O estádio III e IV obtiveram um tempo mediano de
sobrevida de 51,26 ± 2,38 e 29,05 ± 2,23 meses, respectivamente.
Um conjunto de estudos corrobora os achados desta pesquisa, mostrando que o
estadiamento avançado da doença se encontra associado a uma pior sobrevida por
câncer de mama(4,7,13,17).
A sobrevida global em Joinville-SC obtida pela estimativa de Kaplan-Meier foi
de 57,8% ao final do período de 10 anos, enquanto que, em cinco anos, a
sobrevida estimada foi de 78,6%. A comparação dos percentuais de sobrevida
encontrados em outros dois estudos mostra que a sobrevida em 5 anos no
município de Joinville-SC é inferior àquela observada no estudo de mulheres com
câncer de mama do Hospital Universitário de Santa Maria, no Rio Grande do Sul,
que identificou um percentual global de sobrevida de 87,7%. Entretanto, é
superior à encontrada numa coorte retrospectiva de base hospitalar com mulheres
de New South Wales que identificou 76%. Com relação a 10 anos, ambas pesquisas
revelam percentuais de sobrevida acima de Joinville-SC, àquele mostra o
percentual de 78,7%, ao passo que esta exibe em seus achados o percentual de
65%(9,18).
Estratificando-se as pacientes de acordo com os estádios constatamos diferenças
significativas de sobrevivência entre elas de acordo com o valor estatístico do
Teste de Log-rank que foi de 7,81, com grau de liberdade três e valor de p
associado de 0,0001. A probabilidade de sobrevida para os estádios I, II, III e
IV foi de 94%, 66%, 41% e 0%, respectivamente, ao final do período de 10 anos,
enquanto que em cinco os percentuais apontam para 97%, 88%, 51% e 17%.
Constata-se uma queda acentuada das probabilidades de sobrevida do estádio III
e IV quando comparadas aos estádios I e II.
Três estudos que apresentam a sobrevida das mulheres com câncer de mama segundo
os estádios permitem a confrontação com a situação encontrada em Joinville. O
primeiro, realizado no Hospital Universitário de Santa Maria, no Rio Grande do
Sul, mostra os seguintes percentuais de sobrevida em cinco anos para as
pacientes nos estádios I, II, III, e IV: 97%, 93%, 73% e 57%, respectivamente
(9). O segundo, que trata de uma coorte de base hospitalar com pacientes do
sexo feminino, em Juiz de Fora-MG, indica as porcentagens de 92,7%, 88,3%, 67%,
54% para os estádios acima referidos(13). A comparação dos percentuais dos
estádios II, III e IV desses dois estudos mostra que estes são superiores aos
percentuais encontrados em Joinville-SC. Por último, comparando-se com um
terceiro estudo, realizado na Irlanda com os percentuais de 91%, 83%, 72% e 11%
(17), constata-se que as mulheres em Joinville-SC, tiveram uma sobrevida
superior àquelas nos estádios I, II e IV. Entretanto, para as mulheres no
estádio III a sobrevida foi inferior.
Em relação ao modelo de riscos proporcionais de Cox para a variável estádio,
observou-se que a hazard risco instantâneo de morte das mulheres em Joinville
nos estádios II, III e IV em relação ao estádio I foi maior em 3,26 (IC95%:
1,29-8,22; Teste Log-rank, p=0,012) para o II; 15,40 (IC95%: 6,22-38,12; Teste
Log-rank, p=0,0001) para o estádio III; e 25,51 (IC95%: 9,64-67,51; Teste Log-
rank, p=0,0001) para o estádio IV.
Uma série de casos que investiga a proporcionalidade do risco de morte por
câncer de mama segundo o estádio revela menores índices de risco em relação aos
encontrados em Joinville. Essa série mostra que o risco de óbito das mulheres
em estádio III é 7,18 vezes maior, e as em estádio IV o risco é de 19,49 vezes
maior que as em estádio I(8). Ao comparar os resultados de Joinville com essa
série observa-se que as mulheres no estádio III tiveram 8,22 e as em estádio
IV, 6,02 vezes menos risco de morte em relação às mulheres de Joinville-SC
Em se tratando da variável idade, o modelo de risco proporcional de Cox
demonstrou que não houve significância estatística na curva de sobrevida para
as diferentes idades consideradas, dado que o valor estatístico do Teste Log-
rank foi de 0,58 e o valor de p associado foi de 0,4461. Corroborando, desta
forma, uma coorte histórica de 10 anos de seguimento de mulheres com câncer de
mama pelo serviço de oncologia do Hospital Geral da Cidade do México, que
indica que a idade não é um fator prognóstico significativo para a determinação
da sobrevida(19). Entretanto, discorda de outros estudos que apontam a
influência da idade para o prognóstico de sobrevida. Segundo estas
investigações, as mulheres com 40 a 50 anos apresentam melhor prognóstico
quando comparadas às mais jovens(8,20).
CONCLUSÕES
Os achados deste estudo encontram-se em consonância com os dados da literatura,
apontando que o estadiamento do câncer de mama é uma variável importante que
explica as disparidades na sobrevivência entre as mulheres portadoras desse
agravo.
Os resultados mostraram, no âmbito do setor de Saúde em Joinville-SC, a
problemática condição de saúde das mulheres com câncer de mama no município. A
expressiva incidência de casos avançados reforça a necessidade de implantar
medidas para detecção do câncer de mama em estádios os mais precoces possíveis,
como forma de diminuir a mortalidade e aumentar a qualidade de vida das
mulheres acometidas por esta doença.
Por fim, por se tratar de um problema que em Joinville-SC tem uma magnitude
importante, seria notável e desejável que fossem realizados estudos que
aprofundassem a análise com maior precisão de outros fatores que poderiam estar
contribuindo para a diminuição importante de sobrevida observada neste estudo.
As possibilidades de análise estão, portanto, totalmente abertas.