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BrBRCVHe0034-71672012000500003

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variedadeBr
ano2012
fonteScielo

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Cuidadores de idosos dependentes no domicílio: mudanças nas relações familiares

INTRODUÇÃO O envelhecimento populacional, e as limitações que este pode trazer ao indivíduo, sejam pelo aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis e suas consequências, ou pelas perdas cognitivas e funcionais do avançar da idade, vem demandando cuidados domiciliares e mudanças no cotidiano de muitas famílias.

Autores apontam que a doença aparece para a família, como uma grande ameaça à sua integridade e equilíbrio. É um período marcado por sensação de peso, mobilizando sentimentos como: medo da perda, da dependência e do despreparo para o cuidado(1), sendo, geralmente, uma tarefa árdua, que pode acarretar consequências para o cuidador e família(2).

Um estudo mostrou melhor adaptação da família, quando a situação geradora de dependência ocorreu de forma lenta e gradual, como na demência, do que quando ocorreu de forma súbita, como no acidente vascular cerebral (AVC)(3).

A incapacidade funcional engloba as deficiências, limitações da capacidade ou restrições no desempenho de atividades(4), e o Brasil, em relação a América Latina e Caribe, possui maior número de idosos com dificuldades em atividades da vida diária - AVDs e atividades instrumentais da vida diária ' AIVDs(5).

Nessa condição de saúde, muitos idosos necessitam da ajuda de um cuidador, geralmente esposas e filhas, do sexo feminino, de idade avançada, e sem trabalho fixo, segundo perfil traçado em vários estudos nacionais e internacionais(1-2,6-7).

A temática cuidador, cuidados domiciliares a idosos e o idoso com dependência no domicílio, é uma discussão emergente no Brasil, principalmente a partir da década de 80. Contudo, a Política Nacional do Idoso pouco se refere à população portadora de dependência, sendo precário o sistema de suporte formal a esses idosos e suas famílias(8).

Em consequência disso, o suporte informal a essas pessoas, tendo a frente à família, se constitui em principal núcleo de apoio social. Em 2008, o Ministério da Saúde lançou o Guia Prático do Cuidador, que orienta estes sobre a prestação de cuidados a idosos dependentes no domicílio, tornando a família cada vez mais responsável pelo cuidado(9).

Ao se cuidar de idosos dependentes e seus cuidadores, é importante observar aspectos como: acesso ao apoio formal e informal, fatores sócio demográficos, situação econômica, condições de moradia e estrutura familiar, considerando-se aqui também o perfil do cuidador. A literatura aponta que famílias bem assistidas, estruturadas econômica e emocionalmente, podem reagir de forma diferente ao lidar com um idoso dependente, em relação à outra que possui mecanismos de enfrentamento emocional e de suporte financeiro deficientes, e não são assistidas adequadamente(10).

Além disso, observar como e em que medida a dinâmica familiar pode se alterar com a situação de dependência é imprescindível para que, famílias vulneráveis, sejam identificadas e melhor assistidas nesse sentido(2).

A relevância de pesquisas sobre as mudanças na dinâmica familiar foi demonstrada em uma revisão sistemática objetivando identificar o estado da arte sobre idosos com incapacidade funcional e AVC, a qual verificou que temas como sobrecarga do cuidador e mudanças nas relações familiares pós AVC estavam presentes em muitas publicações científicas, dissertações e teses, revelando assim o interesse em compreender melhor essa temática(11).

Dessa forma, esse estudo traz como objetivos: identificar, na ótica do cuidador, as mudanças ocorridas nas relações familiares após um evento gerador de dependência no idoso, e os possíveis fatores que as causaram.

METODOLOGIA Estudo qualitativo, vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Idoso (NESPI), recorte de um projeto de iniciação científica (PIBIC) intitulado: "Como vivem os idosos com dependência no domicílio e seus cuidadores", realizado em 2009.

O lócus foi o domicílio dos idosos, visitados a partir de um Programa de Assistência Domiciliar situado em Salvador, vinculado a Universidade Federal da Bahia (UFBA). As visitas foram feitas junto à equipe do programa, aos domicílios cujos cuidadores aceitaram fazer parte da pesquisa.

A busca dos sujeitos foi através dos prontuários dos idosos inscritos e acompanhados pelo programa escolhido para o estudo, seguindo os critérios de inclusão: cuidadores de idosos com dependência de cuidados familiares, identificados como responsável principal, vinculados ao programa escolhido para coleta, que podiam responder ao formulário e que aceitassem fazer parte da pesquisa.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da UFBA em 22/03/2010, sob o Protocolo 50/2009 seguindo as normas estabelecidas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Após orientação sobre os objetivos, desenvolvimento da pesquisa, e direitos enquanto participantes, foi solicitada aos sujeitos do estudo a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi realizada através de entrevista com questões norteadoras referentes às mudanças ocorridas nas relações familiares após evento gerador de dependência, e os fatores que as causaram. Foi utilizado também diário de campo, em que se procurou observar aspectos relacionados ao domicílio, e a relação entre o idoso e o cuidador. A dependência do idoso foi avaliada através da escala de Barthel para atividades de vida diária (AVDs) e utilizou-se informações do cuidador para avaliação das atividades instrumentais de vida diária (AIVDs).

Após transcritas, as entrevistas foram lidas para formação de categorias de análise, seguindo-se os passos descritos por Bardin(12), e analisadas qualitativamente de acordo com referências sobre o tema disponíveis na literatura.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram entrevistados oito cuidadores de idosos, todos do sexo feminino. Das cuidadoras, quatro estavam representadas por filhas, três por cônjuges e uma por neta. Quanto à idade, a mínima foi 35 anos e a máxima 83, sendo que a maioria estava acima de 59 anos. Cinco cuidadoras eram aposentadas, uma estava economicamente ativa, uma estava desempregada no momento e uma trabalhava no lar.

Sobre o estado civil, quatro eram solteiras, uma divorciada e três casadas, sendo que nesses casos eram cuidadoras dos seus respectivos maridos. A maior parte delas possuía filhos adultos. Quanto à escolaridade, uma cursou até o curso primário, duas concluíram até o ensino fundamental, três estudaram até o ensino médio, e duas concluíram ou estavam concluindo o ensino superior.

Todas as cuidadoras residiam no mesmo domicílio que o idoso, sendo que seis delas estavam no seu domicílio, casos em que o idoso foi acolhido por seus familiares. Apenas duas estavam em casas que pertenciam ao idoso.

Em relação ao grau de dependência dos idosos cuidados, todos apresentavam algum nível de dependência quanto às AIVDs, principalmente nas tarefas que demandavam saída do domicílio, como ir ao banco, por exemplo.  Quanto às AVDs, três cuidadoras conviviam com idosos com dependência severa, duas cuidadoras com idosos de dependência total, duas cuidadoras com idosos de dependência moderada e apenas uma cuidadora convivia com idoso de dependência leve.

Houve relato de mudanças na relação familiar, por todas as cuidadoras entrevistadas. De acordo com estas, duas situações foram geradas: melhora na relação familiar e piora na relação familiar, com vários fatores envolvidos em cada uma das situações. Desse modo, elaborou-se duas categorias de análise: Apoio e união familiar; e Sobrecarga do cuidador familiar, com suas subcategorias, a saber, ausência de suporte informal com sobrecarga de um cuidador único, isolamento social e idoso cuidador de idoso.

A. Apoio e união familiar Quase todas as famílias referiram algum tipo de apoio e união familiar. Mesmo aqueles cuidadores que apontaram mudanças negativas, relataram possuir apoio familiar, sempre que necessário. Os cuidadores trouxeram a união familiar como algo que estava presente na família e permaneceu após a dependência do idoso, não havendo alterações nos relacionamentos ou havendo de forma positiva.

Além disso, observou-se que essa união não se relacionou ao grau de dependência do idoso em AVDs ou AIVDs, como mostra também outro estudo(2), mesmo que a elevada dependência demandasse maior sobrecarga para o cuidador(13). Os discursos abaixo tratam de cuidadores de idosos com dependência severa.

Graças a Deus a gente sempre foi unida. Tenho um irmão que liga duas, três vezes no dia pra saber como ele . (Primavera).

Porque a mudança [...] pra ele ficou melhor ainda, os filhos dele o paparicam [...]. Ele tem um bocado de babá. (Bem te vi).

A união familiar pré-existente ao evento gerador de dependência é um importante preditor de alterações positivas na família, bem como de manutenção da harmonia e equilíbrio. Laços de união são reforçados, contribuindo para que haja apoio entre os membros. O sentimento de perda e as demandas que surgem com a doença, levam a estreitamento de laços e reaproximação familiar(1).

O relacionamento familiar, embora certamente modificado pelas imposições da prestação de cuidados, que requer compromisso e envolve muitos sentimentos, também leva a família a perceber-se de outra forma, resultando em maior proximidade e melhora do relacionamento entre seus componentes, que se preocupam em dividir a responsabilidade do cuidado e em atender ao idoso(14). O modelo de família restrita também parece contribuir para união dos seus membros.

A gente foi sempre tudo muito junto, por agente ser pouco, poucas pessoas. Então, tava todo mundo sempre junto, tudo que fazia era junto. Se ia passear era junto, se era pra chorar também tava junto.

(Beija flor).

Nesse modelo familiar, mais comum nas camadas de média e alta renda, a reduzida quantidade de membros, composta quase exclusivamente por pais e filhos, estreita as relações entre estes, favorecendo mecanismos de apoio mútuo e auto- sustento. Um estudo mostrou que nos grupos de maior renda, onde se configuravam famílias restritas, não foi citado apoio de outras pessoas que não pertencessem ao núcleo familiar, como vizinhos, por exemplo. Isso reforça a noção de família restrita, com relações mais privadas e vínculos de reciprocidade(14).

No trabalho em tela, um facilitador do processo de adaptação dos cuidadores familiares à mudança, foi à profissão exercida por algumas cuidadoras antes de assumirem este papel. Destas, quatro eram técnicas de enfermagem, o que, segundo elas, foi benéfico por terem algum conhecimento prévio sobre a prestação dos cuidados, se constituindo em fonte de auxílio e equilíbrio familiar, como observado em outro estudo(15).

acostumada, sou cuidadora muito tempo, sou técnica de enfermagem. Então, pra gente não é muito.  (Canário).

Facilitou pra cuidar dela, porque muito tempo atrás eu cuidei de idoso. (Sabiá).

Percebe-se então, a importância do suporte formal para essas famílias, pois o conhecimento prévio dos cuidadores sobre aspectos como: cuidar de feridas, prevenção de úlceras, banho e mobilização no leito, foram facilitadores do cuidado.

B. Sobrecarga do cuidador familiar Nessa categoria, foram agregadas três sub-categorias que se relacionaram a sobrecarga do cuidador familiar: Ausência de suporte informal com sobrecarga de um cuidador único, Isolamento social e Idoso cuidador de idoso.

Ausência de suporte informal com sobrecarga de um cuidador único Quanto à ausência do suporte informal, apenas uma cuidadora informou total falta de apoio dos seus familiares.

A família se afasta, não quer aquele compromisso [...] (Canário).

A maioria dos cuidadores traz o apoio que eles têm de familiares, porém esse apoio se de forma momentânea, configurando ações pontuais nos momentos de necessidade e emergência, não sendo, portanto, uma divisão da prestação de cuidados.

Qualquer coisa é ligar que todo mundo junto. Nunca nos foi negado nada [...] Graças a Deus. (Gaivota).

Nesses casos, o familiar assume várias tarefas, passando a ser o cuidador principal que, eventualmente, é auxiliado pelos outros familiares em tarefas menores.

As irmãs dele vão esporadicamente [...]. Mas se precisar dela pra internamento, pra levar pra médico, ela providência do internamento. A mais velha ajudava financeiramente. (Arara azul).

Contudo, algumas cuidadoras que relataram ter apoio dos familiares, revelaram, em outros momentos, que assumiam o cuidado integralmente, mesmo apresentando problemas de saúde. Um estudo realizado com esposas cuidadoras de idosos dependentes mostrou que, muitas vezes, a ajuda que dizem receber, não existe realmente, e que elas sempre justificam ausência dos parentes e vizinhos com motivos diversos, como falta de tempo e trabalho(16).

Meu filho é casado, mas ele não é presente, pelo trabalho que ele tem ? Porque vive viajando. E no final de semana dele, ele trabalha. (Beija flor).

Dessa forma, muitos cuidadores mantêm a união familiar sem conflitos, por não reivindicarem apoio dos demais membros. Afirmam ter colaboração, porém, na verdade, assumem sozinhos o cuidado do idoso. Certamente, algumas pessoas não têm disponibilidade diária para colaborarem nas tarefas cotidianas, principalmente, aquelas que estão inseridas no mercado de trabalho. Levando em consideração que o grupo entrevistado possui na sua maioria mulheres aposentadas e que cuidavam das atividades domésticas, percebe-se que esse fato as coloca em uma situação quase que imposta. Se os outros membros trabalham e elas estão no domicílio, logo, a função de cuidadoras lhes é delegada naturalmente.

Assim, assumir os cuidados ao idoso dependente é, muitas vezes, uma imposição das circunstâncias, não se configura como opção, um ato pensado e, muito menos, decidido conjuntamente. Geralmente, o familiar se obrigado a assumir o cuidado por indisponibilidade dos outros membros(6). Dessa forma, acaba sendo uma decisão solitária, sem discussão sobre a situação, o que pode gerar tensão familiar.

Minha mãe, quando teve AVC e ficou no hospital, na hora perguntou pra onde é que ela vai? Eu vi todo mundo parado, eu disse: Eu levo pra minha casa. (Sabiá).

Na maioria dos casos analisados, o fato das cuidadoras estarem aposentadas ou desempregadas (sete delas), e os outros membros da família no mercado de trabalho, fez com que elas se sentissem bem assistidas em relação ao aspecto financeiro. Isso, certamente, ajudou a controlar conflitos familiares, quando as cuidadoras assumiram uma postura de conformismo, que colaborou para a manutenção da união, não significando, efetivamente, satisfação.

Não tenho muito o que fazer. Porque a gente conta com o que tem.

(Arara-azul).

A discussão referente à sobrecarga familiar diante da dependência é algo que vem acontecendo algumas décadas, sendo situação comum nos domicílios de idosos dependentes, principalmente na ausência de apoio(1,13).

Porque somos seis filhos, e quem ficou com toda responsabilidade fui eu. (Sabiá).

A cuidadora acima pertence a uma família extensa, e a idosa possui dependência moderada.  Na entrevista, ela relatou alterações negativas no relacionamento familiar, após a dependência de sua mãe. O fato de existirem muitos membros em uma família, potencializa a possibilidade de mudanças negativas na mesma(14), pois dentre muitos, apenas um será escolhido para assumir as responsabilidades do cuidar, podendo causar sentimentos de revolta para com os outros. Nos casos de famílias nucleares, são poucas as opções, o que provoca certo conformismo do cuidador, o qual, muitas vezes, sabia que assumiria tal papel quando fosse preciso.

Em alguns casos, a sobrecarga se pelo fato do cuidador principal se sentir responsável e assumir todas as tarefas, mesmo que não lhe caiba fazê-las. Mas, o que se mostrou mais presente nas entrevistas, foi a sobrecarga por falta de apoio. Apesar da maioria das cuidadoras não se queixar diretamente, durante as visitas, foi possível perceber sinais de sobrecarga nas faces de cansaço e desânimo, principalmente naquelas também responsáveis pelas tarefas do lar. Um estudo aponta que sofrem maior sobrecarga cuidadores do sexo feminino, que moram com o idoso e cuidam por muitas horas, devido a sobreposição de tarefas (13). No estudo em questão, todas as cuidadoras desempenhavam trabalho doméstico e sete delas possuíam filhos.

[...] agente cobra dos outros irmãos que não contribuem.  Ah, que dia pode levar minha no médico? , minha não vai algumas vezes ao médico porque não tem como carregar. (Canário).

A sobrecarga leva a situações negativas nas relações familiares(13), que o cuidador, vendo-se sozinho diante do trabalho exaustivo, recorre à ajuda dos outros membros da família, que podem negar esse suporte. Na situação acima, além da idosa ter dependência severa, o domicílio tinha acesso com escadas, dificultando o deslocamento.

Outra cuidadora aponta mudanças na relação familiar, que podem ocorrer mesmo quando o idoso não está totalmente dependente, como é o caso de Sabiá, que cuida da mãe com dependência moderada.

Houve mudança na relação sim, porque eu não sei, acho que eles têm receio de eu ficar ocupando eles, mas eu não ocupo. (Sabiá).

Todo mundo se afastou um pouco. Visita, de vez em quando. (Sabiá).

O conflito familiar, proveniente da sobrecarga dos cuidadores, muitas vezes, é algo esperado diante da complexidade do processo, que no esforço de doar-se ao doente, divergências podem ocorrer entre os envolvidos(6). A sobrecarga gerada no cotidiano da família, provoca estresse e diminuição da tolerância do cuidador que, ao sentir-se limitado em suas atividades sociais e outras, pode trazer a tona tudo que estava tempo guardado.

Um modelo desenvolvido para medir as demandas cotidianas do cuidador, revela que a ajuda em AVDs e AIVDs, o status cognitivo e os comportamentos apresentados pelo idoso, as relações entre o cuidador e os apoios que dispõem, são elementos influentes na sobrecarga, e fontes de pressão para o cuidador (17).  Dessa forma, uma gama de variáveis influentes nesse processo de sobrecarga.

O conflito familiar surge aqui, não como consequência da sobrecarga, mas também como um dos fatores que a predispõe, visto que o cuidador que vive em ambiente de brigas e discussões, provavelmente terá seu lado emocional alterado. Torna-se fundamental ressaltar que a sobrecarga do cuidador não está fundamentada apenas em questões objetivas, decorrentes da ação de cuidar, mas também de questões subjetivas como conflitos familiares, abdicação do trabalho ou de momentos de lazer, entre outros.

É importante atentar para as consequências da sobrecarga para todos os atores envolvidos no processo: cuidador, idoso e familiares, pois, diante de situações estressoras que se perpetuam dia após dia, sem nenhuma possibilidade de mudança aparente, os cuidadores, muitas vezes, extrapolam o limite da razão, gerando maus-tratos configurados em agressões físicas, verbais, descaso e indiferença.

Sobre isso, um estudo mostrou que a existência de um clima de exaustão, pode desencadear atitudes de violência e negligência com o cuidado(18).

Nos domicílios visitados, onde as cuidadoras não recebiam apoio de outros membros da família, observou-se rispidez e impaciência no trato com o idoso. nas famílias onde havia apoio de outros membros, o ambiente foi percebido como tranqüilo e harmonioso.

A Enfermagem pode atuar nas suas visitas atenuando a sobrecarga do cuidador familiar, adotando medidas de suporte para prestação de cuidados. Quando o cuidador é orientado sobre como lidar com as necessidades do idoso dependente, e tem apoio do suporte formal para realizar as atividades cotidianas, sente maior facilidade para cuidar reduzindo a carga de estresse.

O suporte formal é de fundamental importância, principalmente se considerarmos o grau de dependência do idoso, um dos fatores percebido como influente na sobrecarga do cuidador. Entre estes, os que mais referiram sobrecarga foram os que possuíam idosos com dependência severa. Assim, programas de suporte formal devem ser incentivados, priorizando famílias cujos idosos têm maior dependência, a fim de auxiliar cuidadores familiares e idosos nesse processo adaptativo. O apoio formal contribui para o equilíbrio familiar, favorece a redução de conflitos e fornece à família uma referência profissional para orientá-la.

Isolamento social Outro ponto causador de sobrecarga para o cuidador é a restrição do mesmo ao domicílio. O idoso dependente, muitas vezes, encontra-se impossibilitado de ficar sozinho em casa, requerendo a presença constante de alguém ao seu lado. A maior parte do tempo, esse cuidador permanece restrito ao ambiente domiciliar, reduzindo seus momentos de lazer a poucos ou nenhum evento, dos quais antes podia participar. Os familiares e amigos, geralmente, estão presentes no início do processo, mas com o tempo se afastam, e o cuidador se sozinho, mantido apenas na esfera doméstica, com distanciamento dos círculos de amizade(1).

Os amigos fugiram [...] sumiram, desapareceram [...]. Porque eu também não posso ser aquela pessoa que eu tava sempre, toda semana tinha festa, tinha aniversário. Eu participava. Então, fica mais difícil. Agente tem que ver os dois lados. (Beija flor).

Eu ainda saio, vou ao mercado, vou à farmácia. Então, eu ainda dou essas saídas, mas o resto é aqui mesmo, dentro de casa vendo televisão [...] (Beija flor).

A ausência de lazer, aliada ao confinamento no ambiente do cuidar constante, leva o cuidador familiar, muitas vezes, a sentir-se sobrecarregado emocionalmente. As doenças que levam a incapacidade, impõem limitações ao doente e cuidador, resultando sentimentos de isolamento, alterações no estilo de vida e insatisfações na vida social, proporcionando um cotidiano restrito apenas às atividades domésticas(19). Autores apontam que esse isolamento com sobrecarga é maior quando se trata de dependentes por transtornos mentais(13).

Outra situação que ocorre junto ao isolamento social são as repercussões financeiras para o cuidador familiar(1), e sua dificuldade ou impossibilidade de se inserir no mercado de trabalho. Esse contexto resulta em uma dupla sobrecarga para o cuidador familiar, que além de não manter suas atividades cotidianas e de lazer como antes, ele também a sua liberdade financeira atingida, dependendo agora da renda de outrem.  Essa privação econômica repercute assim na sobrecarga emocional, o que resulta em conflitos constantes com os outros membros da família, os quais podem não compreender esse momento do cuidador e contribuir para a manutenção desses conflitos.

O que mais me afeta é o setor financeiro, ?  [...] Agora que eu montando uma empresa virtual pra ficar em casa. (Canário).

A sobrecarga emocional resultante do isolamento social tende reduzir o limiar de tolerância do cuidador para algumas situações, promovendo conflitos com outros membros da família e até com o idoso sujeito dos cuidados. Além disso, o isolamento social de um cuidador único, enquanto os outros familiares gozam de plena liberdade, causa indignação por parte do cuidador com sentimentos negativos.

Eu e minha irmã somos quem mais cuida [...] Os outros não. Se preocupam muito com suas próprias vidas, não se preocupam com a avó.

agente, que vive o dia a dia [...]. Não tenho mais minha liberdade. (Canário).

O programa de atenção domiciliar, locus do estudo, possui um grupo de convivência para os cuidadores onde, uma vez por mês, eles se reúnem para atividades diversas. Dentre estas estão atividades de lazer como encontros à beira-mar, cinema, momentos de cuidados com o corpo/beleza e comemorações de festas típicas. A proposta dessas atividades é justamente envolvê-los em momentos de distração, onde possam sair um pouco do cotidiano do cuidar do outro para cuidar de si.

Porque eu não saio mais, a não ser assim pra vir aqui (grupo de cuidadores), pra ir ao médico. Mas passear, como eu passeava [...].

Eu perdi a minha liberdade. (Beija flor).

A exemplo dessa cuidadora, outros cuidadores também tem, nesses grupos, o seu único momento de saída do ambiente domiciliar. Na prática e nas conversas, percebe-se que os cuidadores sentem-se muito bem nessas atividades, considerando-as de grande valor, trocando experiência e retomando forças para continuar o cuidado.

Idoso cuidador de idoso Como observado, o perfil das cuidadoras foi de mulheres com idade acima de 59 anos, chegando até 83 anos de idade. Essa situação configura um quadro de idosos cuidando de idosos, muitas vezes decorrente da função de cuidador ser atribuída aos cônjuges em primeira opção, seguida por filhas, noras e irmãs.

Quando um idoso é o cuidador, a sobrecarga física gerada é maior. Muitas vezes, os cuidadores em idades avançadas possuem doenças crônicas, e problemas osteoarticulares, que dificultam a realização de algumas tarefas. Estas também podem iniciar ou piorar problemas existentes. Além disso, a prestação de cuidados pode ficar comprometida diante de suas limitações. O idoso cuidador, ao assumir a sobrecarga do cuidado, sem suporte ou informação, é submetido a esforços físicos e emocionais que podem transformá-lo em um doente, ou até mesmo agravar patologias estabelecidas(20).

Quando a gente morava em Cruz, ele caiu no banheiro e estávamos nós dois. eu falei pra ele ir se arrastando e se apoiar pra levantar, porque eu não tive força.  (Gaivota).

Cabe ressaltar que Gaivota tem 83 anos, mora sozinha no domicílio com o esposo e, mesmo este tendo dependência leve, o cotidiano do cuidar torna-se difícil para ela. Situações como essas são comuns, principalmente, em domicílios que convivem apenas os cônjuges, sem filhos ou outro familiar que possa colaborar.

Os suportes públicos ainda são escassos e pouco eficientes para garantir o adequado acompanhamento desses idosos, cuidadores e cuidados, sua implantação pode melhorar muito a qualidade de vida dessas famílias(15).  Alem disso, grupos de apoio aos cuidadores pode reduzir o ônus do cuidador idoso, atenuando seu desgaste físico e emocional.

Uma das cuidadoras idosas envolvidas no estudo, estava desenvolvendo processo de depressão. Nesse caso, dois fatores podem ter contribuído: a dedicação exclusiva aos cuidados, sem momentos de lazer, e sua aposentadoria, que reduziu seu convívio social.

Eu disse a ele. Não é ele aqui que é idoso, não. Eu também tenho 70, ele tem 74 [...] Eu tenho 70, ele pensando, estou cansada. (Bem te vi).

Os cuidadores idosos são "vítimas ocultas", pois além de toda a sobrecarga e responsabilidade do cuidar, ainda lidam com o seu próprio processo de envelhecimento e o comprometimento físico(15). Eles sentem que, com o passar do tempo, não dão mais conta de algumas tarefas como antes, gerando preocupações e angústia quanto ao futuro da pessoa a qual dedica cuidados e ao seu próprio futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo procurou identificar mudanças ocorridas nas relações familiares após evento gerador de dependência no idoso, e os possíveis fatores que as causaram.

Foram pontuadas mudanças positivas, com estreitamento e manutenção das boas relações familiares, em famílias previamente unidas, com vínculos fortes, restritas, com melhor renda e conhecimentos prévios sobre técnicas de cuidado.

Mudanças negativas foram influenciadas pela sobrecarga do cuidador familiar, principalmente quando idoso submetido ao isolamento social, e sem apoio.

Os resultados corroboram com demais pesquisas sobre a temática, mostrando que a dinâmica familiar, após a dependência do idoso, segue padrões semelhantes de alteração, devendo guiar programas de atenção a essa população.


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