Implantação do Programa Saúde na escola em Fortaleza-CE: atuação de equipe da
Estratégia Saúde da Família
INTRODUÇÃO
O atendimento em saúde, não raro, é desenvolvido em centros de saúde e
hospitais. Tal situação distancia a promoção da saúde e prevenção das doenças
do contexto comunitário, minimizando o êxito das ações desenvolvidas na atenção
primária, sobretudo as relativas a questões socioculturais e psicológicas
individuais e comunitárias.
É fundamental que o atendimento à saúde ultrapasse os muros dos hospitais e
centros de saúde e envolva a participação de outros setores da sociedade. Para
tal, a Estratégia Saúde da Família (ESF) deve buscar continuamente a integração
com instituições e organizações sociais por meio de parcerias e deve também
realizar diagnóstico situacional para direcionar as atividades prioritárias
identificadas. Estas ações devem ocorrer de forma pactuada com a comunidade e
serem pautadas em uma postura ativa de colaboração, buscando o cuidado
individual e familiar(1-2).
Surge, assim, a importância de conhecer outros dispositivos sociais que
contribuam para a promoção da saúde e que possam efetivamente atender às
necessidades de saúde dos indivíduos. Nesse contexto, está a escola, que pode
se tornar importante aliada para o fortalecimento da atenção primária de saúde.
A escola é formadora de opiniões de crianças, adolescentes e de suas famílias,
sendo um dispositivo social a ser utilizado como cenário e ferramenta da
educação em saúde, buscando formar cidadãos conscientes e responsáveis por suas
escolhas e comportamentos(3).
Neste sentido, o elo saúde e educação é fundamental para alcançar grupos
populacionais de crianças e adolescentes.
Destacam-se os adolescentes por ser um grupo que dificilmente comparece aos
serviços de saúde e que precisa ser alvo da atenção dos profissionais de saúde.
Para regulamentar as atividades para a saúde no âmbito escolar, o Decreto nº
6.286 de 05 de dezembro de 2007(4) instituiu o Programa Saúde na Escola (PSE) e
suas finalidades; e a Portaria nº 1.861, de 04 de setembro de 2008 (5)
regulamentou a responsabilidade orçamentária do Ministério da Saúde (MS) com os
municípios que aderem ao PSE.
O PSE é resultado de uma parceria entre os Ministérios da Saúde e Educação e
tem como objetivos promover a saúde e a cultura da paz, enfatizando a prevenção
de agravos à saúde; articular ações do setor da saúde e da educação,
aproveitando o espaço escolar e seus recursos; fortalecer o enfrentamento das
vulnerabilidades desta clientela; e incentivar a participação comunitária
contribuindo para a formação integral dos estudantes da rede básica(3,6-7).
Neste sentido, o PSE constitui uma possibilidade de suprimento de uma
necessidade há tempos discutida: o fortalecimento da integração entre os
setores educação e saúde, promovendo a intersetorialidade apregoada pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) e a corresponsabilização entre estes setores,
habituados a trabalhar isoladamente.
A pesquisa tem como objetivo relatar a experiência da implantação do PSE por
uma equipe da ESF em uma Escola de Ensino Fundamental e Médio da Rede Estadual
de Fortaleza realizada em abril e maio de 2010.
IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA
A escola na qual foi implantado o PSE tem cerca de mil crianças e adolescentes
matriculados. O público alvo inicial do PSE foi de cem adolescentes que
integram o Programa Mais Educação, tendo sido cinquenta os participantes
diretos das atividades.
Vale salientar que os estudantes que integram o programa Mais Educação
permanecem na escola o horário padrão da matriz curricular e o outro turno
desenvolvendo atividades extracurriculares.
Em um primeiro momento, as Secretarias Municipais de Saúde e de Educação
promoveram um seminário para expor a finalidade do PSE e sua operacionalização,
enfocando a importância da parceria entre escola, professores, coordenadores e
a ESF para o êxito do programa. Foram convocados para o seminário
representantes das escolas a serem beneficiadas com a implantação do PSE e os
integrantes da ESF das respectivas áreas de abrangência.
Para operacionalização do desenvolvimento do trabalho, inicialmente a equipe da
ESF estabeleceu um vínculo direto com a coordenação da escola, objetivando a
integração entre os membros da escola e da ESF. A partir do contato inicial
foram agendados encontros para a efetivação das ações.
Antecedendo as atividades com os estudantes, foi realizada uma roda de conversa
na escola com os professores e profissionais de saúde, para conhecer a escola,
esclarecer dúvidas sobre o programa, e, principalmente, para estabelecer
parceria e compromisso entre profissionais de saúde e docentes. Observamos nos
encontros com os professores, sua sensibilidade e conhecimento dos problemas
hebiátricos, o que os fez, de imediato, colaboradores da ESF para o
desenvolvimento das ações propostas. No entanto, os professores e a ESF,
apresentavam-se ansiosos acerca da possibilidade de não cumprimento das ações
programadas, devido ao acúmulo de tarefas rotineiras.
O objetivo da oficina educativa realizada com os adolescentes foi abordar o
funcionamento do PSE. As etapas desta atividade foram: 1) Acolhimento:
apresentação e integração do grupo em dinâmica; 2) Conhecendo o programa:
exposição de slides sobre o funcionamento e o público-alvo do programa; 3)
Discussão dos temas das atividades de educação em saúde com os estudantes; e 4)
Avaliação em roda: os participantes sintetizaram em uma palavra o que acharam
do evento.
As etapas 1 e 2 foram rápidas. Já na etapa 3, os adolescentes foram convidados
a expor, em papel madeira, o que desejavam que fosse abordado nos próximos
encontros nas atividades educativas. Na ocasião, os adolescentes foram
divididos em três grupos e apresentaram suas demandas.
É primordial que os adolescentes participem da construção dos assuntos a serem
abordados, pois uma aprendizagem significativa está relacionada às suas
necessidades e vivências. Fomentamos, assim, uma política transversal,
construção coletiva e humanizada dos diversos serviços oferecidos nas práticas
de saúde, valorizando a corresponsabilidade dos inúmeros atores envolvidos na
produção de saúde, estimulando os usuários a participarem efetivamente na
construção de saberes(8).
Os temas mais solicitados foram drogas, gravidez na adolescência, escolha de
profissões, doenças sexualmente transmissíveis (DST), violência e direitos dos
adolescentes. Observa-se que os temas de interesses dos estudantes são
semelhantes aos temas de interesse para a maioria dos outros adolescentes
brasileiros. Em um estudo realizado em Araraquara (SP) foi aplicado um
questionário a 244 adolescentes de uma escola particular com o objetivo de
avaliar a opinião desta clientela a respeito de assuntos importantes
relacionados à saúde. Entre os mais relatados foram alimentação saudável,
prática de esportes, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e gravidez
(9).
Na etapa 4, o evento foi considerado bom, proveitoso, legal e interessante.
Após o encontro inicial, todos os estudantes passaram por avaliação clínica
realizada pela enfermeira, médica e odontólogo. As consultas foram realizadas
nas dependências da escola. Os achados clínicos, odontológico e dados
antropométricos foram registrados em prontuário individualizado. Foram
entregues Cadernetas de Saúde do Adolescente. A partir das demandas levantadas,
alguns estudantes foram encaminhados para dar continuidade ao tratamento
prescrito durante as avaliações. Duas adolescentes foram encaminhadas para
acompanhamento com terapeuta ocupacional e psicóloga.
Dando continuidade ao desenvolvimento do PSE, em outro momento, foi
desenvolvida uma atividade educativa abordando sexualidade na adolescência,
enfocando as mudanças corporais, gravidez, aborto e métodos contraceptivos. Em
um trabalho direcionado aos adolescentes de uma escola pública realizado na
cidade de Manacapuru-Amazonas, as atividades educativas mostram-se essenciais à
reflexão e sensibilização de comportamentos saudáveis pela clientela
participante(10).
Os adolescentes apresentaram-se mais interessados quando o assunto abordado foi
sexualidade e gravidez na adolescência. Na ocasião uma aluna relatou sua
história de vida ao ter engravidado aos 14 anos. A adolescente falou sobre os
problemas e dificuldades enfrentados com a gestação precoce, o fato de ter
abandonado a escola e o retorno somente após três anos para concluir seus
estudos. Foi um momento extremamente rico, de compartilhamento de vivências e
opiniões onde os estudantes foram levados a assumir uma postura crítico-
reflexiva a partir do diálogo e da problematização, tendo como eixo o
pensamento de Paulo Freire(11).
Destacamos que a partir destes encontros os adolescentes se aproximaram da ESF
e passaram a comparecer ao serviço de saúde.
Uma das preocupações do grupo de profissionais foi a vinculação das atividades
desenvolvidas a um processo educativo emancipatório, destituído da mera
repetição de conceitos de saúde na escola. O conhecimento construído ou
reformulado foi uma construção coletiva e os autores envolvidos cresceram em
conhecimento, revelando-se numa experiência muito rica para os profissionais de
saúde.
CONCLUSÃO
A relação entre os adolescentes e os profissionais de saúde ainda é limitada,
sendo a proposta do PSE uma oportunidade para estabelecer e manter um vínculo
pautado na co-responsabilização e em uma postura de confiança entre
adolescentes e ESF.
A implantação do PSE permitiu aos profissionais de saúde a percepção do seu
papel social de educador e possibilitou aos adolescentes maior contato com a
equipe da ESF. Consideramos que a aproximação entre escola e unidade de saúde
contribuiu para ajudar os adolescentes a transformarem a informação científica
em comportamentos saudáveis.
Compreendemos a partir da experiência vivenciada que diversificar os locais de
atendimento à saúde, bem como colocar em prática estratégias educativas que vão
além das meras palestras tradicionais, ampliam as possibilidades de melhoria da
assistência prestada pela equipe da ESF, além de dar maior visibilidade às
atividades desenvolvidas na atenção primária.