Riscos ocupacionais de uma indústria calçadista sob a ótica dos trabalhadores
INTRODUÇÃO
No Brasil a indústria de calçados é um importante setor da economia, tendo em
vista o volume de produção, sua parcela expressiva de exportação e capacidade
de geração de empregos(1). No entanto, constitui-se em um espaço em que os
riscos ocupacionais são uma constante, sendo inerentes ao processo de trabalho.
Pesquisa direcionada a estes ambientes evidencia que a exposição aos diferentes
riscos ocupacionais é inevitável em virtude do crescimento da industrialização
no mundo. Isso fez com que, a partir da segunda metade do século passado,
estudos fossem realizados nessa área, os quais possibilitaram relacionar riscos
do processo de trabalho a efeitos adversos à saúde, justificando a necessidade
de se adotar medidas preventivas adequadas, com vistas a minimizar
possibilidades de agravos à saúde dos envolvidos(2).
Essa indústria absorve uma significativa força produtiva detentora de
conhecimentos, habilidades e destrezas manuais imprescindíveis à produção. Esse
processo envolve diversas etapas na busca por agilizar a atividade, melhorar a
qualidade dos produtos e, em consequência, aumentar a produtividade.
Nesse contexto, o trabalho representa para o homem uma necessidade básica de
sobrevivência. Também, por meio dele é que o homem em uma sociedade capitalista
melhor desenvolve suas aptidões, sejam elas: físicas, intelectuais ou morais.
Varias transformações ocorreram nas ultimas décadas, envolvendo relações
complexas entre o homem, a sociedade e o processo de produção(2).
Na sociedade contemporânea, ocorrem mudanças, as quais se manifestam em modos
de desenvolver as atividades ocupacionais diferentes em sua natureza, ritmo e
formas. Assim, se redefinem as subjetividades e os sujeitos(3). Nesse processo,
novas tecnologias foram implementadas o que, por vezes, pode resultar na
exposição do trabalhador a maiores, ou mesmo, aos novos riscos ambientais,
inerentes ao processo de produção da indústria calçadista(4).
Risco ambiental é definido como qualquer possibilidade de que algum elemento ou
situação quando presentes no ambiente laboral ou mesmo no processo de trabalho
possam causar dano à saúde seja por doença, acidente ou mesmo por sofrimento ao
trabalhador, ou ainda poluição ambiental(5). Estes, algumas vezes, ocorrem de
maneira abrupta e outras de forma insidiosa, o que pode comprometer à
integridade física e mental, bem como com repercussões pessoais e sociais
expressivas(6).
Ainda, o Ministério do Trabalho e Emprego, em suas normas regulamentadoras,
aponta que o risco ambiental advém de agentes físicos, químicos e biológicos
existentes no ambiente de trabalho que, dependendo da sua natureza,
concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de causar danos à
saúde dos envolvidos(7).
Nesse contexto, o processo saúde e adoecimento resulta da interação dinâmica
das condições de vida, das relações e do processo laboral, bem como do seu
controle com vistas a interferir nas suas condições de trabalho e de vida.
Nesse âmbito, é essencial que o homem se aproprie de conhecimento e informação
acerca dos riscos na tentativa de minimizar a sua exposição. Assim, faz-se
necessário que se identifique aqueles oriundos do ambiente de trabalho e,
também possam reconhecer e adotar medidas de prevenção, bem como propor
alternativas para a promoção de sua saúde e integridade física.
Para tanto, faz-se necessário dar ênfase das ações educativas em saúde no
ambiente ocupacional, uma vez que, neste campo de atuação é possível reconhecer
as situações causadoras de risco/perigo, por meio de ações de higiene do
trabalho, bem como suas repercussões para a vida do individuo. Assim, faz-se
necessário que os trabalhadores assumam a condição de sujeitos como sendo
prioritária para a manutenção de sua saúde.
Aprofundar estudos no que tange aos diferentes riscos a que os trabalhadores
estão expostos justifica-se, pois, quando o sujeito é conhecedor das situações
que podem resultar em acidentes e agravos para sua saúde e integridade física
tem possibilidade de implementar ações preventivas.
Nessa perspectiva, a investigação teve como objetivo identificar os riscos
ocupacionais de uma indústria calçadista sob a ótica dos trabalhadores, bem
como as medidas preventivas contra os riscos adotadas por eles.
METODOLOGIA
Estudo de natureza qualitativa, descritiva, realizado junto à indústria
calçadista de um município do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Os
critérios de inclusão dos sujeitos foram: ser trabalhador da empresa; maior de
18 anos e desenvolver atividades laborais por no mínimo seis meses na referida
empresa.
Por ser uma investigação de natureza qualitativa utilizou-se o critério de
exaustão o que resultou em uma população de 15 trabalhadores, com idade entre
19 e 44 anos, sendo nove do sexo feminino e seis do masculino, com tempo de
trabalho, na indústria, de um a três anos. Em relação aos setor em que
desempenham suas atividades, nove estavam no de costura, dois no de corte, dois
no almoxarifado, um no setor de recursos humanos e um no setor de expedição e
exportação.
A obtenção das informações deu-se por meio de entrevista semiestruturada,
realizada nos meses de outubro e novembro 2010. Foram realizadas em uma
indústria calçadista localizada na região noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul/Brasil em uma sala reservada com o intuito de preservar a privacidade dos
entrevistados, com tempo médio de 30 minutos, gravadas em audiotape,
transcritas na integra e, posteriormente, analisadas. Visando manter o
anonimato dos participantes optou-se por identificá-los pela letra E, seguida
do número da ordem de realização da entrevista, ou seja, E1 a E15. Para testar
a consistência do instrumento, foi realizado um teste, com vistas a verificar a
necessidade de adequação do instrumento, com dois trabalhadores, os quais não
integraram, posteriormente, a população do estudo.
O estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI, aprovado, mediante Parecer
nº 251/2010. A análise das informações deu-se por meio da organização, leitura,
releitura, classificação e análise, de acordo com as diretrizes da análise de
conteúdo(8), resultando em dois temas: Percepção de risco ocupacional sob a
ótica do trabalhador; Medidas de segurança adotadas na perspectiva de minimizar
os riscos ocupacionais.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O homem moderno encontra dificuldade em dar sentido à vida senão pelo trabalho.
No entanto, o ambiente laboral, pode representar risco para a saúde dos
envolvidos no processo. Nesse contexto, as condições em que o processo de
trabalho estabelece-se são fundamentais para que ocorra uma relação harmoniosa
entre saúde e a atividade desenvolvida. Isso decorre em função de que o mundo
contemporâneo está cada vez mais complexo e, manter o bem-estar físico,
psicológico e social, pode ser uma tarefa desafiadora.
Assim, torna-se imperativo que as empresas realizem esforços no sentido de
manter a saúde dos seus trabalhadores. Para tanto, o ambiente laboral,
necessita ser avaliado quanto às condições insalubres que podem advir do
processo de trabalho, uma vez que, tais condições têm potencial de oferecer
risco à saúde.
A. Percepção de risco ocupacional sob a ótica do trabalhador
Em relação aos riscos ocupacionais, importante destacar que cada categoria
profissional tem, em seus processos, as peculiaridades do trabalho e formas de
organização e divisão do trabalho os expõem, uma vez que, permanecem nesse
ambiente, durante toda a jornada laboral e grande parte da vida produtiva(2).
No caso dos sujeitos do estudo em foco a situação não é diferente, pois eles
identificavam riscos intrínsecos ao seu processo de trabalho e destacaram a
possibilidade do contato com máquinas podendo comprometer sua integridade
física.
Perigo de cortar o dedo, furar com agulhas. (E 1)
De esmagar os dedos, máquinas de dividir, de colar contraforte,
máquina de chanfrar a gente corre o risco de chanfrar os dedos, pois
tem uma navalha afiada. Na máquina de costura pode furar com a agulha
nos dedos, temos que ter cuidado, mas mesmo assim, por vezes nos
machucamos. (E 3)
Em algumas máquinas tem risco, como chanfradeira, navalha afiada,
máquina de costura, escova, monta bico, cola quente nas máquinas
internacionais. (E 9)
Da mesma forma, pesquisa realizada na região sudoeste da Bahia, em um pólo
calçadista, revela que a organização, os processos e as relações sociais de
produção podem apresentar aspectos que afetam a saúde física e psicológica
impactando, negativamente, na qualidade de vida dos indivíduos vinculados à
produção. Amputações de membros são um dos principais problemas físicos que
acometem o ramo calçadista no sudoeste baiano(9).
Neste contexto, os acidentes de trabalho (AT) ocupam destaque, uma vez que, se
constituem em agravos à saúde em decorrência da atividade laboral, recebendo
interferências de variáveis inerentes à própria pessoa, do ponto de vista
físico ou psíquico, bem como do contexto social, econômico, político e da
própria existência. Eles resultam da ruptura da relação entre homem e processo
de trabalho e interferem no processo saúde/doença contribuem para a ocorrência
de doenças(10).
Importante elucidar que o processo de produção do calçado de couro, envolve
operações que estão organizadas em cinco etapas: modelagem, corte, costura, que
pode ser manual ou à máquina, montagem e acabamento. O número de operações
realizadas em cada uma dessas etapas varia de acordo com o modelo de calçado a
ser produzido, o tipo de organização adotada, a tecnologia empregada e o porte
da empresa(2).
Diante dos riscos a que os trabalhadores estão expostos no seu cotidiano,
salienta-se a importância dos mesmos manterem-se atento a toda atividade que
desenvolvem na perspectiva de evitar agravos, os quais podem ser mutilantes.
Tem risco de prensar os dedos nas maquinas se você não cuidar e, em
nosso trabalho tem que prestar atenção para não colocar a mão na
maquina. (E12)
Risco de prensar os dedos, máquina de, chanfrar o dedo na navalha,
pois ele é muito afiado, de passar cola. (E11)
Estudo aponta que trabalhadores da indústria calçadista, frequentemente, sofrem
mutilações de dedos, mãos e parte dos membros superior em decorrência da
atividade ocupacional, o que demonstra a gravidade e a necessidade de
reestruturação produtiva(2).
No que se refere à origem dos riscos ocupacionais estes advêm das atividades
insalubres e perigosas, aquelas cuja natureza, condições e métodos de trabalho,
bem como os mecanismos de controle sobre os agentes biológicos, químicos,
físicos e mecânicos podem provocar efeitos adversos à saúde dos profissionais
(10).
A legislação brasileira conceitua AT como os eventos ocorridos pelo exercício
do trabalho a serviço da empresa, que causem lesão corporal ou perturbação
funcional, morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho(7).
Cabe destacar, que sempre que ocorre um acidente, desencadeia-se um
desequilíbrio no processo de trabalho, para tanto, não pode ser considerado
como algo natural e inerente ao processo. Paralelo a isso, estudos apontam que
o AT e visto como natural e se interliga a sociedade que se industrializa e que
toda a atividade profissional possui certa periculosidade o que expõe a sujeito
a agravos a sua saúde(2).
Ainda empiricamente observa-se no cotidiano de alguns profissionais, certo
desconhecimento em relação ao seu fazer profissional e sua relação com o
processo saúde/doença. No entanto, denota-se nas alocuções dos sujeitos que
estes são conhecedores dos riscos e da necessidade da constante atenção no
desempenho de suas atividades a fim de evitar, ao máximo, a ocorrência de
acidentes.
Em máquina de costura, forno, prensa, na internacional... Sei que em
cada uma delas tem o seu risco... que pode ocorrer um acidente. (E6)
Isso é tudo conforme a gente trabalha... Tudo tem risco, ainda mais
na máquina... Se você não ficar atento você sempre está correndo
risco. Temos que cuidar sempre, pode saltar um prego... eu tenho
óculos de proteção, que é muito necessário. (E13)
A falta de atenção tem sido a principal causa de AT. Importante mencionar, que
este fato somado a resistência do profissional em utilizar os dispositivos de
segurança, bem como seu uso incorreto aumenta, consideravelmente, a exposição e
possibilidade de acidentes(11).
O não cumprimento das normas de trabalho pelos funcionários, não usar
proteção, falta de atenção podem gerar acidentes. (E15)
Não estar atento nas normas e no trabalho... Pode acontecer acidente.
(E02)
Técnicos, especialistas em saúde do trabalhador inferem que o essencial não é
gratificar o servidor com adicional de insalubridade ou de periculosidade, mas
que o empregador necessita programar ações que tornem insalubres o trabalhador
e o ambiente laboral. Para tanto, as empresas devem implementar programas que
contemplem normas de segurança e higiene de trabalho, entre elas tornar
obrigatório o uso de dispositivos de segurança no exercício profissional em
atividades com potencial de comprometer a saúde e integridade física.
Temos que fazer uso de protetores, cuidar com a poeira, usar calçados
fechados, perigo de cair tesoura, cabelo preso sempre, pois tem risco
de enroscar nas máquinas. (E1)
Depende do trabalho que está fazendo... Sempre na máquina de refilar
tem que ter cuidado, tem que ter proteção na máquina de dividir...
Tem as medidas de segurança como fazer uso de cremes nas mãos,
calçado fechado, cabelo amarrado, protetor de ouvido que são usadas
sempre, mas mesmo assim ainda ocorrem acidentes. (E7)
Faz-se necessário concentrar esforços e recursos na perspectiva de mudanças no
ambiente ocupacional como implementação de programas de prevenção,
conscientização de práticas seguras e o fornecimento dos dispositivos de
segurança, de forma contínua, uniforme e gratuita(11). Cabe destacar que a
legislação trabalhista prevê a disponibilização, quando necessário, de
Equipamentos de Proteção Individual (EPI) de forma imediata e gratuita(7).
Outro risco identificado pelos depoentes é o ergonômico e o relacionam ao
ambiente laboral da indústria. O risco ergonômico relaciona-se a não adaptação
das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos
trabalhadores(7). Isto ocorre quando há disfunção entre os indivíduos e seus
equipamentos de trabalho, como esforço físico intenso, repetitividade, postura
inadequada, dentre outros. Um depoente identificou a presença de risco de
natureza ergonômica e relaciona-o ao esforço físico intenso e repetitividade
das tarefas.
(...) como a gente fica o dia inteiro de pé, no futuro poderemos ter
vários problemas posturais e até mesmo nas pernas (...) tem risco
quanto à postura... Como a gente ergue as caixas pode machucar a
coluna (...). (E5)
Atividades em que se faz necessária a mesma postura por longos períodos, como a
de realizar a tarefa em pé, poderá determinar problemas de saúde. Considerando
o exposto, torna-se importante o trabalhador desenvolver estratégias de
enfrentamento para que exerça sua atividade com eficácia sem prejudicar sua
saúde, assim é necessário que desenvolva atividades de fortalecimento muscular
e pausas para alongamentos.
Permanecer por longos períodos em pé, faz com que o peso do corpo exerça uma
pressão importante sobre a coluna vertebral, isto faz com que o líquido
gelatinoso encontrado no seu interior saia em direção ao centro dos corpos
vertebrais, tornando-os menos hidratados e espessos(12). Para que os discos
vertebrais voltem à normalidade é necessário um período de repouso
significativo. No entanto, a repetição ou a manutenção por tempo prolongado de
uma pressão ou a ausência de carga estática nos discos são suficientes para
alterarem sua nutrição desencadeando alterações degenerativas(12).
Com o envelhecimento, este mecanismo começa a deteriorar, o que diminui sua
elasticidade. Esta pressão repetitiva e frequente sobre os discos, mesmo que
não seja intensa, pode ocasionar a aceleração da degeneração discal, levando à
perda da sensibilidade e amortecimento(12).
Riscos ergonômicos são elementos físicos e organizacionais que interferem no
desempenho da atividade laboral e, por consequência, nas características
psicofisiológicas do envolvidos. Este inclui posto de laboral inadequado,
ventilação e iluminações fora dos padrões, problemas relacionados com a
organização das atividades ocupacionais, dentre outros(11).
Contudo, a educação postural tem a finalidade de possibilitar que a pessoa seja
capaz de proteger ativamente seus segmentos móveis de lesões nas condições de
vida diária e profissional, seja no plano estático ou dinâmico(12). Assim, a
educação postural não tem como objetivo limitar as atividades, mas ao
contrário, permitir sua realização dentro de um espaço de segurança gestual.
Diante do exposto, vale lembrar que, atualmente, muitas indústrias implementam
formas de adequação dos ambientes laborais com vistas a qualificar as condições
em que a atividade é desenvolvida na perspectiva de diminuir acidentes e
agravos. No entanto, não é uma realidade unânime. Cabe destacar, a necessidade
de o empregador desenvolver estratégias que minimizem os riscos ocupacionais no
intuito de proteger ao máximo a saúde e integridade física dos seus servidores
e, consequentemente, melhora na qualidade de vida do trabalhador.
B. Medidas de segurança adotadas na perspectiva de minimizar os riscos
ocupacionais
Na contemporaneidade, por vezes, o homem destina o maior tempo do seu dia à
realização de atividades laborais. O ser humano se reconhece, bem como a
sociedade, pelo trabalho que desenvolve. Neste sentido, a atividade que o
indivíduo realiza tem profunda ligação com a autoimagem e autoestima, ou seja,
com sua identidade, evidenciando o papel central do trabalho na sua vida(13).
Desta forma, o adoecimento tem potencial de ameaçar sua identidade. E, mesmo
com dificuldades, os trabalhadores permanecem nas suas práticas profissionais,
são impulsionados para atuar, visto que esta é a maneira pela qual dão sentido
a existência e integração na sociedade, sendo assim, reconhecidos como seres
sociais na sociedade capitalista(14).
Sob o aspecto socioeconômico, a saúde compõe, juntamente com a renda e a
educação, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos cidadãos. Estas
variáveis permitem avaliar as condições de vida de uma população, inclusive da
classe trabalhadora(9).
Para as empresas que contratam colaboradores sob o regime de trabalho da CLT,
entre as medidas preventivas de ação coletiva previstas pela legislação
trabalhista está a obrigatoriedade de instituir a Comissão Interna de Prevenção
de Acidentes (CIPA). A referida comissão deve implementar ações de proteção aos
colaboradores com a finalidade de reduzir, significativamente, a presença dos
riscos ocupacionais, os acidentes, bem como das doenças ocupacionais e ou
relacionadas ao trabalho(7).
Conforme a Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, a Norma
Regulamentadora nº5 institui a CIPA e atribui a ela identificar os riscos do
processo de trabalho; desenvolver um plano de atividade que possibilite a ação
preventiva na solução de problemas de segurança e saúde; participar na
implementação e no controle da qualidade das medidas de prevenção; avaliar
prioridades e verificar os ambientes e condições de trabalho; colaborar no
desenvolvimento e implementação do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais e
de outros programas relacionados à segurança e saúde laboral; dentre outras.
Portanto, ações na área da saúde do trabalhador têm como objetivo primordial
implementar mudanças nos processos laborais que contemplem, em toda sua
dimensão, as relações saúde-trabalho, por meio de uma atuação
multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial.
Neste sentido, os depoentes pontuaram situações de risco e os métodos de
prevenção disponibilizados e, alguns afirmam que receberam treinamentos e
orientações no que se refere ao uso correto de equipamentos de proteção
individual (EPI) bem como, acerca dos riscos gerados em cada posto.
Pode acontecer de prensar os dedos ou um braço... É muito fácil. Fiz
treinamento pela CIPA, treinamento de primeiros socorros, incêndio, e
quanto ao uso de produtos tóxicos. (...) mas vejo que ainda falta
muita explicação para os funcionários. (E14)
Antes de a gente começar, orientam para amarrar o cabelo e somos
informados quanto ao uso de calçado fechado. Também todas as
informações de como fazer, de como devemos nos prevenir para que não
ocorra acidente. Eles explicam bem, passam as informações e falam
sobre os riscos que tem nessa máquina. Passam na fábrica volta e meia
para orientar. (E7)
Ao considerar o exposto, torna-se necessário que os cipeiros façam visitas
periódicas nos diversos setores da empresa, na perspectiva de identificar
comportamentos de risco e, também, reforçar a necessidade do cumprimento das
normas de segurança desenvolvidas pela empresa.
Nesse sentido, o papel da CIPA enquanto educadora é fundamental no que tange às
ações de proteção à saúde no ambiente de laboral. Quando bem orientados e
informados quanto ao uso adequado dos diferentes métodos para prevenção de
acidentes, a ocorrência torna-se menos evidente, consequentemente, reflete em
qualidade de vida.
Teve uma situação que estavam queimando fio e eu me senti mal, e ai
eles me forneceram uma máscara para eu fazer uso isso é uma medida de
segurança, pois eu estava inalando essa coisa ruim. (E7)
As ações são estabelecidas por meio de proteção coletiva e individual. Proteção
coletiva inclui ações que visam minimizar e proteger uma ou mais pessoas. Já a
individual, busca proteger apenas um indivíduo, equipando-o de forma segura por
meio do EPI(7).
Em relação aos EPIs, a Norma Regulamentadora (NR) nº 6 da Portaria 3214/78 do
MTE estabelece que estes compreendem todo dispositivo ou produto utilizado,
individualmente, com o intuito de proteger contra riscos que poderão ameaçar a
segurança e a saúde ocupacional, estes equipamentos devem ser usados sempre que
as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção contra os riscos de
acidentes e danos a saúde(7).
A exposição aos diversos fatores de risco em um processo produtivo está
diretamente relacionada às atitudes, ao nível de cuidados para minimização de
riscos, à própria natureza do processo produtivo e ao ambiente, seja ambiente
laboral e seu entorno(15). Embora a NR nº6 determine, aos empregadores, a
obrigação de fornecer, gratuitamente, o EPI adequado ao risco, é estritamente
necessário que o trabalhador use em todas as atividades, de forma contínua,
conforme evidenciado na fala a seguir.
Protetor, creme, luvas. Usados todos os dias dependendo do setor que
você trabalha é mais usado. (....) Os lugares que mais temos risco
tem que usar sempre (...) tem lugar que não tem tanto risco (...).
(E2)
Constata-se que alguns depoentes fazem o uso dos EPIs quando julgam desenvolver
atividade de risco, ao invés de fazê-lo, permanentemente. Os riscos, muitas
vezes, podem ser banalizados por indivíduos que estão imersos em um mesmo
processo ao longo dos anos de atuação profissional, fato que pode ser o
causador de agravos(14).
No entanto, este fato não se constitui em regra, pois, quando questionados
acerca das medidas de segurança adotadas na perspectiva de minimizar os riscos
ocupacionais, por eles identificados, alguns depoentes relatam fazer uso
contínuo dos dispositivos de segurança, destacando situações em que se faz
necessário o uso dos mesmos.
Usado creme, protetores de ouvido. Fazem a gente usar calçado fechado
não podemos usar salto pois, se caso um dia pegar fogo, como vamos
correr do local? (E3)
Fazer uso de calçado fechado, protetor de orelha, cremes se
necessário, cuidar com a postura aqui em meu setor. (E4)
Protetor tem que usar calçado fechado, cabelo atado, pois é isso que
eles cobram da gente fazendo isso diminui uma grande quantidade de
risco que podem vir a ocorrer. É usado a todo o momento quando
estamos em nosso posto de trabalho já temos que estar fazendo uso
deles. (E11)
A escolha adequada do EPI favorecerá de forma recíproca os envolvidos, que se
sentirão protegidos e alcançarão seus objetivos em relação à prevenção de
acidentes. Segundo a Norma Regulamentadora nº 6 da Portaria 3214\78 do MTE,
cabe ao empregador fornecer o EPI apropriado ao risco, bem como
instrumentalizá-lo quanto ao uso correto, sua conservação e guarda(7). Também,
substituí-lo sempre que se fizer necessário.
Importante salientar, que, por vezes, os problemas relacionados à saúde e à
segurança nas pequenas empresas estão mais ligados a dificuldades na gestão de
riscos. Desta forma, destaca-se a importância da avaliação permanente dos
riscos ambientais e do desenvolvimento de ações em educação em saúde, na medida
em que a indústria calçadista constitui-se em um ambiente permeado de riscos e
passível de gerar agravos a saúde. Assim é indiscutível a necessidade de
atualizar-se constantemente no que se refere aos métodos de prevenção de
acidentes e ao comportamento seguro no contexto do trabalho. Estas ações
educativas devem envolver múltiplos saberes e fazeres, que envolvem
conhecimentos e práticas multiprofissionais(16).
Salienta-se que é de suma importância a construção coletiva de medidas de
promoção que valorizem e reconheçam o trabalhador, contribuindo para o
sentimento de satisfação e alegria na realização do trabalho(17). Da mesma
forma, essas ações coletivas necessitam envolver a equipe gestora da empresa,
no intuito de promover espaço laboral seguro, minimizando as situações de
estresse inerentes ao ambiente que oferece riscos, bem como preservar a
integridade física e emocional dos seus trabalhadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ambiente de trabalho da indústria calçadista é um espaço com vários riscos e,
neste sentido, deve ser objeto de constante avaliação, controle e de
desenvolvimento de ações em educação permanente. Ao analisar os relatos dos
depoentes percebeu-se que a maioria dos envolvidos tinha uma visão parcial dos
riscos inerentes a seu processo de trabalho e as medidas de segurança que
deveriam ser implementadas, na perspectiva de reduzir ou mesmo de evitar sua
exposição. Foram identificados riscos inerentes ao trabalho, com consequências
imediatas, ou seja, situações que interferem na integridade física como
amputações e esmagamentos. Também, sucintamente, o ergonômico foi lembrado.
No entanto, destaca-se que o risco químico decorrente do processo de preparo da
matéria prima (couro e derivados) envolve manuseio de produtos que podem
determinar agravos para a saúde, os quais não foram lembrados pelos
entrevistados. Ainda o risco físico manifesto pela exposição ao ruído, foi
sinalizado por uma pequena parcela dos sujeitos entrevistados, como a
necessidade de uso de protetor auditivo; no entanto, não manifestaram as
consequências de dano à saúde, em especial, em longo prazo.
Destaca-se que a instituição pesquisada fornece aos seus colaboradores EPI
adequado para as necessidades conforme o posto de trabalho e risco advindo do
processo a ser efetivado. Também, observou-se que a reposição dos mesmos era
imediata e sem restrição de quantidade.
Outro achado do estudo foi a deficiência de informações por parte de alguns
sujeitos, devendo-se salientar a necessidade da realização de treinamentos em
segurança do trabalho, conforme preconiza a legislação trabalhista vigente.
Também, a manutenção de uma equipe de saúde com vistas a qualificar e ampliar
as ações educativas e corretivas no campo da saúde do trabalhador.
Por serem escassos os estudos e publicações voltados para a indústria
calçadista e, com vistas aos resultados do estudo, recomendam-se novas
investigações, de forma a ampliar o número dos sujeitos e locais de pesquisa,
permitindo verificar se a realidade neste tipo de indústria é semelhante e
possibilitar propostas de ações buscando a prevenção de acidentes e doenças e a
promoção da saúde dos trabalhadores deste setor.