Desafiando medos: relatos de enfrentamento de usuários com transtornos fóbico-
ansiosos
INTRODUÇÃO
Atualmente, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de
450 milhões de pessoas no mundo sofrem com algum tipo de transtorno mental. No
Brasil, 23 milhões de pessoas necessitam de algum atendimento em saúde mental e
pelo menos 5 milhões de brasileiros sofrem com transtornos mentais graves e
persistentes. Nesse universo, encontram-se doenças, como depressão, suicídio,
transtornos de ansiedade, dependência de álcool e drogas(1).
No Brasil, em torno de 31% a 50% da população tende a apresentar, durante a
vida, pelo menos um episódio de algum transtorno mental. Por causa desses
transtornos, cerca de 20% a 40% da população necessita de ajuda profissional,
indicando a relevância social da problemática. Muitas dessas pessoas sofrem em
silêncio, sozinhas, e não recebem tratamento adequado. Entre o sofrimento e as
perspectivas de tratamento existem barreiras de estigma, preconceitos e
exclusão. Esse cenário vem forçando os governos de vários países a desenvolver
políticas públicas que priorizem a prevenção e o tratamento da saúde mental,
colocando a temática como uma necessidade urgente(1).
Para enfrentar tal malefício, é necessária uma série de medidas, como
diagnóstico precoce e acompanhamento por uma equipe especializada,
proporcionando ao portador de transtorno mental uma oportunidade de atendimento
biopsicossocial, terapia medicamentosa, terapia comunitária, terapia familiar e
individual, abandono do grupo de pares usuários, mudança de atitudes e hábitos,
visando à reinserção social.
Apesar da existência de ampla rede de atenção, documentos oficiais da última
década ratificam a ênfase do provimento do cuidado e atenção à saúde de
portadores de necessidades especiais, por ser este uma estratégia fundamental
para o acesso e acolhimento de pacientes e suas famílias aos serviços de saúde
e por considerar a resolutividade nesse nível de atenção à saúde(2).
Um dos fatores que tem influenciado esses avanços foi a implantação dos Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), criados oficialmente a partir da Portaria GM
224/92 e regulamentados pela Portaria nº 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002,
integrando, desse modo, a rede do Sistema Único de Saúde (SUS), e que
gradativamente, tem assumido a posição de coordenador da assistência aos
usuários portadores de sofrimentos psíquico, tendo em vista as suas
características básicas(2).
Trata-se de um serviço de referência para o tratamento de pessoas que sofrem
com transtornos mentais, cuja severidade justifique sua permanência num serviço
de cuidado intensivo, que proporciona um acompanhamento clínico e a reinserção
social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos
civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários(3). Além disso,
realizam-se diversas ações no sentido de enfrentar a exclusão das pessoas
portadoras de transtornos psicossociais. Esse foi um marco nesse processo de
criação de uma rede intersetorial de enfrentamento, mapeamento das situações de
sofrimento psíquico, acolhimento e assistência à vítima.
Destacam-se o atendimento individual, em grupo, em oficinas terapêuticas bem
como o atendimento à família, visitas e atendimentos domiciliares e atividades
comunitárias, enfocando a integração social do usuário na família e na
comunidade. Algumas atividades são específicas de determinados profissionais,
porém as mais importantes são aquelas realizadas individualmente ou em grupo,
que implicam escuta, acolhimento, estímulo para a vida, para a autonomia, para
a cidadania(4).
A equipe técnica do CAPS deve valorizar a atuação interdisciplinar, permitindo,
com isso, um enfoque ampliado dos problemas de saúde, identificados tanto nos
serviços quanto nos usuários cadastrados e acompanhados no serviço. Ressalta-se
que os vínculos terapêuticos estabelecidos entre ambos, podem ser parcialmente
mantidos em esquema flexível, o que pode facilitar a trajetória com mais
segurança em direção à comunidade, ao seu território reconstruído e
ressignificado(2).
No entanto, o papel da enfermagem é importante, tendo em vista a valorização na
manutenção de um ambiente que favoreça a liberdade, o acolhimento, o respeito
às pessoas e às leis da população, de estímulo às habilidades e às capacidades
emergentes(5).
Deve-se ter em mente que, no tratamento desses usuários, mesmo quando não é
possível trabalhar com a hipótese de remissão total do problema, a obtenção de
progressos no nível de desenvolvimento, em qualquer aspecto de sua vida mental,
pode significar melhora importante nas condições de vida para eles e suas
famílias(2).
Salienta-se que os transtornos de ansiedade estão entre as condições
psiquiátricas mais prevalentes nos Estados Unidos. Além disso, observa-se que
eles produzem morbidade desordenada, uso exagerado de serviços de saúde e
comprometimento do desempenho. Os pacientes com transtornos de ansiedade tendem
a reagir de maneira excessiva ao perigo e subestimam sua capacidade de lidar
com as ameaças percebidas ao seu bem-estar físico e psicológico(6).
A ansiedade e o medo passam a ser reconhecidos como patológicos quando são
exagerados, desproporcionais em relação ao estímulo, ou qualitativamente
variados, e interferem na qualidade de vida, no conforto emocional ou no
desempenho diário da pessoa(7).
A neurose fóbica é caracterizada pela sistematização da angústia sobre pessoas,
coisas, situações ou atos que se tornam objeto de terror paralisante.
Corresponde a estado de perturbação da saúde mental, no qual a fobia é o
sintoma prevalente; como resultado do mecanismo de defesa, encontra-se a
angústia(8). Em outras palavras, a angústia é um sentimento indiferenciado, e a
fobia é esse sentimento que se particulariza em determinadas coisas, situações,
pessoas.
Os níveis intensos de ansiedade social podem provocar um impacto negativo sobre
o desenvolvimento e bem-estar dos jovens. Diante disso, os quadros patológicos
irão manifestar-se através do grau de dificuldade para lidar com os medos, do
prejuízo sobre o funcionamento social ou acadêmico-ocupacional e da gravidade
do desconforto subjetivo sentido. Variadas reações excessivas, como ataques de
pânico e de choro, queixas somáticas excessivas, acessos de raiva, e
comportamento que evitem grande parte de situações e atividades, sugerem um
quadro clínico de fobia social(9).
As fobias manifestam-se em tipos específicos, que comportam divisões: fobias
simples, fobias sociais, síndrome de pânico. A maioria das fobias sociais
inicia-se na puberdade, sem predominância entre os sexos. Ordenadamente há
tendência de se reduzir todas as neuroses fóbicas ou fobias à síndrome do
pânico, ou ainda reuni-las sob a rubrica transtorno de ansiedade ou transtorno
fóbico-ansioso(8).
Assim, partindo da premissa de que o trabalho em saúde mental é ainda um
desafio, entende-se que é importante analisar as formas de enfrentamento
utilizadas por pessoas portadoras de transtornos fóbicos que são atendidas no
CAPS. Salienta-se que esse serviço é responsável pela atenção psicossocial de
toda a população brasileira.
Estudos em saúde realizados sob a ótica sociocultural reconhecem que a doença e
a saúde se constituem de vários significados: as pessoas constroem esses
significados através da sua realidade social. Essa representação de
significados é passível de diferentes interpretações, conforme o contexto
social no qual a pessoa vive. Por isso, cada vez mais verificamos que, no campo
da saúde coletiva, são desenvolvidos estudos sobre os significados e as formas
de enfrentamentos utilizadas por pessoas com sofrimento psíquico(10).
Como cada pessoa tem um discurso próprio sobre o corpo, saúde e doença, o qual
pode variar entre as classes sociais, pode-se pensar que, em termos de saúde
mental, essa diversidade de concepções determina diferentes expectativas,
notando-se, muitas vezes, uma defasagem importante entre as necessidades e as
prioridades avaliadas por profissionais e pelos usuários dos serviços de saúde.
Como decorrência, defasagem parecida pode ocorrer quando se trata de
identificar intervenções capazes de atender a essas necessidades(10).
Estas considerações motivaram o presente estudo, cujo objetivo foi identificar
quais os usuários do CAPS I, na cidade de Queimadas - PB, que possuem
diagnóstico de transtorno fóbico-ansioso e analisar as formas de enfrentamento
utilizadas por ele para melhorar os sintomas desse transtorno.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa compreensiva e interpretativa de abordagem
qualitativa, realizada com vinte usuários do Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) I, denominado "Integração", no município de Queimadas, estado da
Paraíba, Brasil, no período de outubro a dezembro de 2010. Esse serviço foi
escolhido para ser objeto de estudo por ser o único que atende aos usuários com
transtornos mentais.
A pesquisa privilegiou contexto natural, envolvendo a observação de situações
reais e cotidianas. O material empírico foi coletado através de entrevista com
um questionário com questões semiestruturadas, que foram analisadas utilizando-
se a Análise de Conteúdo de Bardin(11). Esta é uma técnica de investigação que
parte de uma descrição objetiva e sistemática do conteúdo das comunicações,
tendo uma organização própria no procedimento da análise, que permite a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas
mensagens.
Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo-
lhes assegurado o anonimato absoluto das informações, assim como a privacidade.
As falas dos profissionais foram identificadas pela letra E, seguida do número
da entrevista como forma de garantir seu anonimato.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino
Superior e Desenvolvimento - CESED, Protocolo nº 4814.0.000.405-10, seguindo os
ditames da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
Na análise, os dados foram ordenados a partir da leitura detalhada dos
discursos de cada usuário entrevistado. Esses discursos foram transcritos com a
finalidade de nos familiarizar com a linguagem dos entrevistados, buscando uma
visão geral de cada um. Um arquivo foi criado com todas as entrevistas para
ajudar na categorização. O material empírico foi ordenado com a leitura das
falas transcritas, enfatizado como um processo hermenêutico em que o material
empírico é transformado em um corpus a ser tecnicamente trabalhado(12). Dessa
maneira, foi feita uma leitura das falas, horizontal e exaustiva, dando ênfase
à riqueza dos discursos.
Para a análise do material empírico, foram transcritas e digitadas as
entrevistas, sendo, na sequência, realizadas leituras exaustivas para
construção das categorias. Durante a análise, mantivemos atenção às
particularidades de cada relato da entrevista, bem como à totalidade deles,
buscando através da análise de conteúdo as categorias temáticas. Essas unidades
de significação foram extraídas do texto analisado, cuja frequência de aparição
demonstrava significado para elucidação do objetivo do estudo(11).
RESULTADO
No período da realização da pesquisa, estavam cadastrados 1.500 usuários no
serviço, com diferentes transtornos mentais que variavam de leve a grave; e os
serviços prestados variavam em três modalidades: intensiva, semi-intensiva e
não intensiva. Dentre esses usuários, 45 apresentavam transtornos fóbico-
ansiosos em seus registros de prontuários, porém apenas 20 aceitaram participar
da pesquisa.
Dos entrevistados para o estudo, 86% eram do gênero feminino e 90% encontravam-
se na faixa etária entre 30 e 55 anos. Em relação ao nível escolar, 80% dos
participantes possuíam o fundamental completo. A maior parte deles - 93% -
residia na zona urbana. Verificou-se que 70% desses entrevistados estavam em
tratamento no CAPS I há três anos, e que 29% apresentavam o mesmo diagnóstico:
CID-F 41.
O resultado das entrevistas possibilitou o surgimento de uma categoria temática
denominada: O CAPS como espaço de descoberta de transtornos fóbicos; e, a
partir dela, os eixos temáticos: Aceitação e procura de tratamento; O peso da
doença; Os desafios enfrentados no convívio social; Família como principal
ponto de apoio; e Mudanças na qualidade de vida dos usuários do CAPS.
ANÁLISE E DISCUSSãO DO MATERIAL EMPÍRICO
As práticas realizadas no CAPS pelos profissionais de saúde preocupam-se com o
sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida quotidiana.
Essas ocorrem em ambiente acolhedor e, muitas vezes, ultrapassam a própria
estrutura física, em busca da rede de suporte social(2).
A. O CAPS como espaço de descoberta de transtornos fóbicos
Apesar do aumento da demanda de pessoas com problemas em decorrência de
transtornos mentais, chama atenção dos profissionais da saúde do CAPS para o
número reduzido de portadores de transtornos fóbicos-ansiosos que aderem ao
tratamento dessa doença.
Um estudo recente enfatizou a necessidade de inovar a prática diária do
profissional da saúde, para que o atendimento não se limite ao cenário do CAPS,
e realmente assuma o compromisso com os pressupostos da Reforma Psiquiátrica,
que é complexa e envolve aspectos biológicos, sociais, políticos e culturais do
indivíduo em sofrimento psíquico(13).
A sociedade necessita de serviços com profissionais da saúde, que realizem
práticas que ajudem as pessoas com transtornos mentais e seus familiares a
identificar e potencializar os recursos internos e externos para viver
socialmente, exercendo sua cidadania, com liberdade, saúde, educação, lazer e
todos os direitos civis.
Nesse contexto, os profissionais do CAPS I Integração têm desenvolvido esforços
no sentido de acolher o usuário e identificar qual o transtorno que o fez
procurar tratamento. E após uma avaliação minuciosa de toda a equipe,
estabelece-se um Projeto Individual Terapêutico que irá auxiliar esse usuário a
reconhecer que está doente e enfrentar o sofrimento psíquico que interfere na
qualidade de vida da pessoa.
Em relação à descoberta da doença e aos mecanismos de aquisição das fobias, há
evidências de que alguns medos são adquiridos por condicionamento ou outras
formas de aprendizado, enquanto outros surgem de forma espontânea ou não
associativa, como se percebe nas falas dos entrevistados(14).
[...] Desde 2006, quando começou com uma tontura e coração acelerado,
começou com um estresse. (E01).
[...] Foi depois da separação do meu marido, eu senti uma raiva não
tanto por mim, mas por ele. Foi daí que eu passei mal e fui para o
hospital. Sempre ia, mas eu não tinha nada. Só disseram que meu
problema era nervo. (E04).
[...] Desde que tive meu filho, há 25 anos, tive que tomar medicação
[...] porque ele nasceu deficiente, fiquei triste e comecei a ficar
ansiosa, engordando muito, sempre com vontade de chorar. (E08).
O relato de ansiedade dos participantes está relacionado a um medo irracional
que foi desencadeado conscientemente por um objeto, atividade ou situação
específica temida. E o sofrimento fóbico acarreta alteração da capacidade
funcional do indivíduo.
De acordo com o DSM-IV-TR, o diagnóstico será confirmado quando há presença de
medo excessivo e persistente de situações nas quais a pessoa julga estar
exposta à avaliação de outros, ou há comportamento humilhante ou vergonhoso,
levando a consequências prejudiciais no ambiente familiar, social ou
ocupacional(7).
Aceitação e procura de tratamento
O percurso entre a aceitação da patologia até a procura de ajuda profissional
muitas vezes se torna bastante difícil e demorado para os indivíduos, pois eles
enfrentam vários tipos de preconceitos.
É importante salientar que a procura por uma equipe de profissionais
capacitados para realizar o tratamento de transtornos mentais é fundamental
para que o paciente possa controlar os sintomas apresentados. Assim, é
fundamental que a pessoa procure ajuda dos profissionais do CAPS para tentar
ter uma melhor qualidade de vida, uma vez que existem vários tratamentos que
auxiliam em sua recuperação.
Os indivíduos que apresentam algum tipo de fobia, geralmente, reconhecem que o
medo é excessivo ou irracional, mas não o dominam. Assim, evitam pessoas pela
situação temida; e, se sabem antecipadamente que têm que deparar com ela,
desenvolvem uma ansiedade que piora o desempenho na hora de enfrentarem o fato
temido. Dessa forma, há um aumento da ansiedade e, assim, num círculo vicioso,
o desempenho vai piorando(8). O medo e a esquiva acabam influindo
significativamente na vida do usuário.
[...] Primeiro eu procurei os médico do posto lá de onde eu morava.
Demorei, o CAPS foi mais recente para mim, porque já tenho esse
problema há 14 anos. (E05).
[...] para procurar o Psiquiatra, demorou muito. (E06).
[...] Fui atendido por um clinico geral, depois um cardiologista, ai
depois o cardiologista pediu para eu procurar um neurologista, ai eu
procurei um doutor... em Campina Grande. Ele me examinou e pediu um
eletroencefalograma e não deu nada. Pelos sintomas que apresentei,
ele disse que era uma ansiedade muito forte. Eu demorei a procurar o
CAPS, porque não sabia o que acontecia no CAPS. Depois descobri que
uma prima trabalhava aqui nesse CAPS, aí vim para cá. (E15).
De acordo com os relatos, é possível identificar que o diagnóstico dos
Transtornos Fóbico-ansiosos muitas vezes são feitos por médicos generalistas e
não especialistas, pois se tratam das primeiras procuras dos pacientes. Para
descobrir se realmente há a presença do transtorno, a investigação deve ser
associada à outra patologia clínica, pois o diagnóstico pode ser mais difícil
apenas com os sintomas sem associação de outros. Como exemplo, o transtorno de
fobia social junto com depressão, pois este muitas vezes, é diagnosticado como
depressivo e não como origem do transtorno(15).
O peso da doença
Pode-se dizer que o primeiro passo do tratamento é sensibilizar o paciente de
que a fobia social é uma doença, e por isso pode e deve ser tratada, o que,
geralmente, não é difícil, pois o sofrimento significativo torna esses
pacientes receptivos à possibilidade de ajuda(14).
[...] Eu só faço chorar tem hora que eu choro por besteira e agora é
pior que um filho meu faleceu faz um mês e eu tinha um homem que teve
AVC e vivia dentro de casa, ai eu tinha que cuidar. (E02).
[...] Eu fico sem sair, sem ver as pessoas, sem querer conversar e
fico muito, muito assim aborrecida e de repente eu começo a amolecer
e ficar na cama. Sei não. (E05).
[...] Acontecia desde pequeno, quando eu tinha oito anos de idade,
quando eu caí de um jumento e minha mãe pensou que eu tinha sido
atropelado, aí ela quebrou o resguardo, aí eu me senti culpado,
porque ela ficou doente depois disso, aí eu sempre ficava pensando
que era por causa de mim, por causa de mim e eu sempre fui uma pessoa
que me preocupo muito com a família, aí eu sentia tremores,
endurecimento e suava. (E01).
Esse processo produz um medo excessivo de humilhação ou embaraço em vários
contextos sociais, como comer, falar, escrever, praticar atividades físicas em
público, assim como também urinar em banheiro público. O resultado disso é uma
importante limitação na vida da pessoa devido à não aceitação dessas situações
ou atividades sociais temidas; bem como podem ocorrer prejuízos na vida
profissional e afetiva do paciente(16).
As fobias apresentam como tratamento a combinação de terapia cognitivo-
comportamental, o uso de medicamentos, a psicoterapia, a terapia de
dessensibilização e terapia de exposição. Dessa maneira, pode-se dizer que a
perspectiva de recuperação é positiva, mas é preciso aprender a controlar essa
sensação e permitir que o organismo também consiga ficar livre da reação que
sente quando se está em crise(7).
Os desafios enfrentados no convívio social
Os indivíduos com transtornos de ansiedade sentem dificuldade em conviver
socialmente, por apresentar sintomas de medo e vergonha.
[...] Eu prefiro ficar só. (E05).
[...] De várias formas, entro em pânico, às vezes dá vontade de ficar
sozinha. Depois eu digo para mim mesma, que não vou ficar sozinha.
Começo a ficar com as pessoas, procuro Deus, procuro a igreja. Fico
feliz, bem e percebo que não é nada disso do que eu pensava. (E08).
[...] Tem momentos que eu quero correr, andar e ficar sozinha. (E17).
O enfrentamento dos sintomas do transtorno traz para a vida da pessoa portadora
várias modificações, pois esse transtorno proporciona-lhe momentos de exclusão
social. De acordo com as análises coletadas, observou-se a frequência com que
os entrevistados têm de se isolar, prejudicando assim sua vida, tanto pessoal
como profissional. Dessa forma, a principal função da equipe de saúde do CAPS é
encontrar ferramentas para diminuir o sofrimento psíquico do paciente e torná-
lo apto a conviver socialmente, superando os obstáculos diários e vivendo em
paz no meio em que vive.
O portador de transtorno fóbico social apresenta falhas na cognição, que tende
a distorcer a avaliação de suas experiências interpessoais, desencadeando
pensamentos patologicamente negativos acerca de si mesmo.
Família como principal ponto de apoio
A família tem fundamental importância para a formação do indivíduo, porque
constitui a base, o alicerce principal para o desenvolvimento humano. Ela é
essencial em todas as etapas do tratamento e da reinserção social do indivíduo
portador de transtorno mental. É com apoio da família que o paciente procura o
psicólogo, o psiquiatra ou outro profissional de saúde para relatar os sintomas
que apresenta. O adoecimento é um evento imprevisto que desorganiza o modo de
funcionamento de uma família(17).
O desejo expressado por todos os integrantes da família é poder sentir paz
interior, tentar ter uma vida normal e ser feliz com seus familiares, podendo
trabalhar tranquilamente, controlar seus medos e parar de sofrer(18).
[...] Lá em casa todos, incluindo minha esposa e meus filhos, se
preocupam comigo (E01).
[...] Tive muito apoio, principalmente de meus amigos e da minha mãe.
Não tenho que reclamar, só agradecer (E16).
[...] minha mulher sempre me deu muito apoio, cuida de mim com muito
amor e carinho (E18).
É possível perceber, nos relatos dos pacientes, que o tratamento conta com a
participação e o acompanhamento dos familiares. Logo, a recuperação será mais
rápida e estável, pois estes estarão amparados e sentirão o carinho e a
compreensão daqueles que os rodeiam.
Sem o apoio da família, o tratamento será prejudicado, dificultando o sucesso
da recuperação, ou seja, o déficit de orientação às famílias pode fazer com que
eclodam conflitos e descompassos entre o paciente e a dinâmica familiar, com
prejuízos para o processo terapêutico.
Um recurso utilizado por profissionais de saúde do CAPS I para melhorar o
convívio entre paciente e família é a terapia familiar e a terapia de grupo, em
que todos vivenciam dificuldades encontradas diariamente e também são
trabalhados os potenciais individuais de enfrentamento. O grupo fortalece os
vínculos afetivos e auxilia todos os componentes a enfrentarem o tratamento
para conviverem de forma saudável(6).
Mudanças na qualidade de vida dos usuários do CAPS
O CAPS possui uma estrutura que oferece atividades diárias, planejadas para o
entretenimento e a recuperação dos pacientes. Dentre elas, destacamos a terapia
ocupacional, terapia em grupo, oficinas lúdicas, passeios realizados em
diversos locais da cidade, salão de beleza e a realização de festas em
diferentes períodos do ano. Todas estas atividades requerem a participação de
familiares e amigos(19).
[...] Eu gosto muito desse lugar, é minha segunda casa, sem ele acho
que não conseguiria seguir em frente. (E12).
[...] Quando eu venho para o CAPS, eu me sinto melhor, porque quando
eu tenho raiva dá vontade de pegar, bater, espancar, e por aqui eu
fico mais calmo. (E15).
[...] Eu vivo querendo vim pra cá, porque eu não quero sair de casa.
Aqui eu encontro força, alegria, os amigos que a gente tem, eu saio
daqui outra pessoa. (E20).
A proposta do CAPS é manter o indivíduo saudável e inseri-lo na sociedade. O
paciente que frequenta o CAPS tem a oportunidade de lidar com outras pessoas
que vivenciam o mesmo sofrimento psíquico e poderá trocar experiências
parecidas, podendo interagir melhor dentro da sociedade em que vive. Dessa
maneira, essa inserção que os pacientes apresentam irá ajudar na recuperação,
fazendo com que haja uma melhor qualidade de vida.
De acordo com Ayres(20), os profissionais de saúde devem utilizar todos os
recursos que favorecem a hermenêutica para estimular e otimizar a emergência de
novos discursos e novas tecnologias com vistas à humanização.
Nos CAPS, observa-se que as práticas de reabilitação funcionam a partir de
ações que têm como finalidade fazer melhorar e proteger os portadores de
sofrimento psíquico, mas que também indicam e impõem a direção em que se deseja
obter uma transformação daquele que sofre e de sua relação com o mundo(19).
Da mesma forma, os pacientes acompanhados nos CAPS têm a oportunidade de lidar
com outras pessoas portadoras da mesma patologia, ou de outras diferentes, mas
serão capazes de trocar experiências parecidas, podendo interagir melhor dentro
da sociedade em que vive.
O desafio aos serviços e profissionais de saúde é atender integralmente
pessoas/famílias, criando espaços para uma atenção à saúde mental mais
humanizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo permitiu-nos observar que os atuais Centros de Atenção
Psicossociais estão desempenhando o seu papel, tendo em vista sua atitude de
acolher o indivíduo com transtornos mentais, a partir de um acompanhamento
interdisciplinar que proporciona a construção da cidadania e autonomia do
sujeito e estimula sua integração social e familiar.
Os usuários investigados que se encontravam com diagnóstico de transtorno
fóbico-ansioso caracterizam-se em sua maioria pelo gênero feminino, entre a
faixa etária de 30 e 55 anos, de baixo nível de escolaridade. Sendo possível
inferir que tais indicadores podem influenciar de forma significativa no
desenvolvimento de sofrimento psíquico e, consequentemente, no transtorno
pesquisado.
No que se refere às formas de enfrentamento utilizadas pelos usuários para
melhorar os sintomas desse transtorno, destaca-se, nos discursos dos
entrevistados que a família desempenha um papel fundamental no processo de
adesão, tratamento e readaptação do portador de transtorno fóbico-ansioso. Além
disso, a atuação da equipe de profissionais mostrou-se eficaz e capacitada para
oferecer apoio psicoemocional e institucional.
Identifica-se que as pessoas portadoras de transtorno mental ainda relatam
histórias de preconceitos e exclusão social sendo consideradas, por elas,
muitas vezes como uma ameaça e perigo para sociedade. No entanto, os
profissionais que atuam no CAPS aparecem como um mediador para socializar
novamente o indivíduo, dentro de sua cultura, lazer e religião.
Dessa forma, o campo da saúde mental evolui cada vez mais, pois, diante do
estudo, foi possível observar nos relatos uma gratidão pelo apoio e a ajuda que
essas pessoas recebem dos profissionais e da instituição. Suscitando, também
sua autoestima, o fortalecimento de vínculos além de se constatar que esse
tratamento e atenção ajudam, ajudam no enfrentamento dos sintomas
biopsicossociais. A prática do cuidado humanizado garante e estimula a
integração entre os processos de trabalho e os projetos de vida dos usuários.
Percebeu-se, portanto, que responder à complexidade de cuidar de usuários com
transtornos fóbico-ansiosos colocados à margem do convívio social configura-se
em um desafio. Logo, os profissionais do serviço pesquisado contribuem para a
construção de uma política pública de saúde mental mais humanizada, ficando
clara a necessidade de um permanente esforço dos gestores públicos na
construção de uma política de saúde de promoção da saúde e de bem-estar social.