85 anos de ABEn® e 80 de REBEn® promovendo o desenvolvimento científico e
profissional da Enfermagem brasileira
INTRODUÇÃO
Abordar o tema em questão é, antes de tudo, aceitar o desafio de reler textos
já escritos sobre a história da Associação Brasileira de Enfermagem e da
Revista Brasileira de Enfermagem, para sistematizar seus feitos em favor do
desenvolvimento cientifico, da educação e da prática profissional da Enfermagem
no país. Assim, investimos esforço acadêmico no resgate de fragmentos do
processo de construção de uma entidade pioneira na representatividade da
enfermagem brasileira, que completou 85 anos de existência e criou o primeiro
periódico cientifico de enfermagem, o Annaes de Enfermagem, atual Revista
Brasileira de Enfermagem, que celebrou 80 anos em 2012.
Como parte da totalidade social, a ABEn contribuiu para a implantação,
construção e consolidação da identidade coletiva da Enfermagem, em sua exitosa
trajetória. Entendemos que a contribuição da ABEn para o desenvolvimento
cientifico e professional da Enfermagem no país será aqui abordado com
humildade e timidez analítica e crítica, uma vez que tomamos como base mais
informações de fontes secundárias do que primárias. Por sua vez, a leitura
impressa aos materiais consultados no Centro de Memória da Enfermagem
Brasileira (CEMEnf) da ABEn, levou em consideração que a memória está sujeita
às questões da subjetividade e da seletividade, pois ambas nos levam a destacar
algumas instâncias de poder em detrimento de outras. No espaço desse texto,
desvelaremos o poder da ABEn e da REBEn na promoção do desenvolvimento
científico e profissional da Enfermagem no país.
Empreender destaques do papel da ABEn no desenvolvimento cientifico, na
educação e na prática profissional da Enfermagem brasileira exige a construção
de um passado comum, com implicações para uma categoria profissional. No curso
do tempo, observa-se uma ampliação crescente da participação da ABEn na
promoção do desenvolvimento cientifico e profissional, levando-a a tornar-se
cada vez mais conhecida e reconhecida pelas autoridades de governo, do controle
social e da enfermagem nacional e internacional. Nesse sentido, delimitamos
alguns campos privilegiados de sua influência com desdobramentos significativos
para a categoria, quais sejam: origem e organização política da ABEn, a difusão
e produção do conhecimento, a educação em enfermagem, o exercício profissional
e a participação nos movimentos sociais como resultado da re-instauração da
democracia no Brasil.
A ORIGEM E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA ABEN
A ideia original da criação da ABEn foi iniciativa de professoras da Escola de
Enfermagem do Departamento Nacional de Saúde Pública (atual Escola de
Enfermagem Anna Nery). O primeiro embrião de organização associativa data de
1923, com a instalação da Associação do Governo Interno das Alunas (AGIA), um
instrumento formador de qualidades para o comando e para a liderança. Porém, a
AGIA esteve sob controle absoluto das professoras, cabendo-lhes a presidência
do Conselho(1).
Com a diplomação da primeira turma, em 1925, é criada, então, uma associação de
Ex- Alunas. Mais tarde, as participações efetivas de Edith de Magalhães
Fraenkel e de Rachel Haddock Lobo, ambas formadas em Enfermagem no exterior,
ampliam a dimensão da Associação e seu modo de organização. Tal investimento
adequava-se ao preconizado pelas enfermeiras norte-americanas da Missão Técnica
de Cooperação para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil(1).
As mudanças de denominações foram registradas em atas e estatutos da entidade.
Para atender as necessidades da vida associativa, que se apresentaram em
diferentes contextos da vida social, econômica e política do país, a ABEn
organizou-se e reorganizou-se deixando suas marcas impressas nas nove versões
de Estatuto Social, que foram aprovados na instância da Assembleia de
Delegados.
O Estatuto Social é o instrumento normativo que define os princípios e as
finalidades da entidade, suas relações com os associados e a sociedade em
geral; e nele está marcado as visões de mundo orientadoras da vida social e
política de um dado contexto histórico-social. O resultado da consulta às
diferentes reformas do Estatuto Social da entidade, ao "Documentário ABEn 1926-
1976" (2), está consolidado no Quadro_1.
As sucessivas alterações estatutárias que ocorreram no curso do tempo são
demonstrativas da capacidade de articulação e diálogo interno das pessoas que
conformavam a natureza da vida associativa e de atenção às mudanças que se
travaram no interior da própria profissão e do país.
No curso de 85 anos, a ABEn como entidade recebeu três denominações: Associação
Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED, 1926-1944), Associação Brasileira de
Enfermeiras Diplomadas (ABED, 1944-1954) e Associação Brasileira de Enfermagem
(ABEn, de 1954 aos dias atuais).
Compreendemos que todas as nomenclaturas adotadas em sua designação
contribuíram para expressar o significativo papel da ABEn na construção e
consolidação da Enfermagem como disciplina (científica), profissão e trabalho,
naquela perspectiva de que a "Enfermagem tem atributos de uma profissão e de
uma disciplina científica, e que os limites da prática precisam ser
contextualizados histórica e socialmente"(3).
A difusão da ABEn no território nacional foi marcante e se deu por meio de suas
Seções, Regionais e Núcleos, compondo na atualidade a REDE NACIONAL ABEn(4),
com instalação nas capitais do país e naqueles municípios com maior capacidade
de organização das associadas e dos associados de Enfermagem.
A ABEN NA DIFUSÃO E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO E NAS RELAÇÕES INTERINSTITUCIONAIS
A Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn
Destacamos aqui a importância do primeiro periódico da Enfermagem brasileirA, a
Revista Brasileira de Enfermagem, que é criada em 1932 com o nome de Annaes de
Enfermagem, para promover o crescimento do próprio saber/conhecimento
profissional e preservar a memória do pensamento cientifico da Enfermagem como
disciplina(5).
A idealização dos Annaes de Enfermagem antecede o tempo de sua criação, pois
ocorreu, mais precisamente, por ocasião do primeiro Congresso Quadrienal do
Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), em 1929, na cidade de Montreal,
Canadá. Naquele evento, aconteceu a reunião de editoras de revistas das
organizações membros da entidade. A então Associação Nacional de Enfermeiras
Diplomadas (ANED) foi representada por sua Presidente, Edith de Magalhães
Fraenkel. Também participaram desse evento as enfermeiras brasileiras Rachel
Haddock Lobo, Marina Bandeira de Oliveira, Maria de Oliveira Regis e Alayde
Duffles Teixeira Lott.
À concepção da ideia somou-se o trabalho ativo de Rachel Haddock Lobo para
desencadear o processo de criação da revista. Em junho de 1931, Rachel Haddock
Lobo assumiu a direção da Escola de Enfermagem Anna Nery, em substituição à
enfermeira americana Berta Pullen. Nesse mesmo ano, Edith de Magalhães Frankel
(6) substituiu a enfermeira também americana Ethel Parsons na Superintendência
do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública,
permanecendo na chefia daquele serviço entre 1921 e 1931. A posição de poder
ocupada por ambas as enfermeiras contribuiu para que a Escola de Enfermagem
Anna Nery representasse o centro das atividades inerentes à criação da revista
(7). O lançamento do primeiro número aconteceu na Escola, no dia 20 de maio de
1932, data alusiva ao falecimento de Anna Nery. A capa da revista (Fig.1), na
cor verde, foi obra do sobrinho de Rachel Haddock Lobo, que era estudante de
Belas Artes. Nela encontravam-se os monumentos egípcios como tema e, ao centro,
um triângulo com o lema "Ciência, Arte, Ideal" projetado pela enfermeira norte-
americana Isabel Stewart(8).
Na oportunidade, Rachel Haddock Lobo, então diretora da escola e redatora-chefe
da revista, destacou que o primeiro número da revista estava repleto de
homenagens, mas que os números seguintes tratariam de problemas didáticos. O
pronunciamento de Rachel Haddock Lobo destaca a importância desse espaço para a
abordagem de temas relativos à prática da enfermeira, ao tempo em que contribui
para a formação de uma comunidade científica de enfermagem e a estruturação do
seu campo científico. Annaes de Enfermagem chega para cumprir o papel de manter
os grupos de enfermeiras dispersas no país atualizadas sobre assuntos de
Educação em Enfermagem, de Serviços de Enfermagem e de Tratamentos, além de
servir como meio de comunicação. Portanto, foi o mais importante ambiente de
sociabilidade intelectual da categoria, não se podendo separar a trajetória da
REBEn da própria História da Enfermagem no Brasil(8-10).
Após a publicação do número 17, em abril de 1941, a publicação da revista foi
interrompida, devido às dificuldades financeiras que vinha enfrentando,
agravadas pelos altos custos do papel importado, em consequência da Segunda
Guerra Mundial, havendo o Brasil entrado no conflito em 1942. Com o final da
guerra, foi necessário e urgente que se repensasse a profissão e a formação em
Enfermagem, e foi nesse contexto que, juntamente com o processo de
reorganização da Associação Brasileira de Enfermagem Diplomadas ABED, em 1945-
46, o periódico passou a ser editado e publicado trimestralmente, em São Paulo.
A retomada da publicação foi empreendida, em 1944, pela enfermeira paulista,
Glete de Alcântara, com a arrecadação de recursos financeiros. O número 18 saiu
em março de 1946, sob a denominação de Anais de Enfermagem, tendo sua capa
modificada e Edith de Magalhães Fraenkel como redatora chefe(10). O símbolo foi
reduzido e lateralizado, mantendo-se assim nos anos de 1946 e 1947. No ano
seguinte foi centralizado, assim permanecendo até 1954, quando foi novamente
alterado. A última mudança de nome ocorreu no ano de 1955, quando passou a
Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn.
No curso de 80 anos, a REBEn viveu grandes transformações, marcando importantes
saltos evolutivos, se internacionalizando e alcançando status de periódico
cientifico que traduz o pensamento da ciência da Enfermagem no Brasil e da
política da vida associativa da ABEn, refletindo e sendo reflexo do que
acontece no contexto social. A REBEn constitui-se como fonte de referência para
pesquisadores e estudantes de graduação, fonte documental para pesquisas
históricas, além de canalizar a divulgação das discussões técnico-científicas e
das demandas políticas da categoria e da própria Associação. Como um dos órgãos
oficiais de divulgação da Associação Brasileira de Enfermagem, a REBEn tem por
finalidade divulgar a produção das diferentes áreas do saber de interesse da
enfermagem, visando o desenvolvimento técnico-científico e cultural da
profissão e publicar matérias inéditas, sob a forma de artigos, de resultados
de pesquisa, atualização e de opinião.
Particularmente nos últimos oito anos, observa-se um crescimento da produção
acadêmica, como resultado da expansão e interiorização dos cursos de pós-
graduação em enfermagem no país. Na atualidade, são publicados seis fascículos
anuais da REBEn com até 150 artigos por ano, dos quais 80% são resultantes de
pesquisa. Os quantitativos apontam para a necessidade de ampliação de espaços
de divulgação do conhecimento científico que tem sido gerado na área, para que
outros pesquisadores e demais consumidores do conhecimento, em um ciclo
contínuo e inesgotável, o absorvam e inovem. A REBEn, portanto, significa mais
que um periódico da ABEn. Ela tornou-se o patrimônio intelectual fundante da
Enfermagem brasileira.
A Associação Brasileira de Enfermagem, comprometida com o desenvolvimento
cientifico e tecnológico e com a inovação, precisa responder à comunidade
cientifica, oferecendo mais espaços para que se divulgue o conhecimento
produzido. Entre os compromissos da REBEn, na celebração de seus 80 anos, em
2012, a Presidente da ABEn e a Editora Científica, Telma Ribeiro Garcia,
divulgaram o seguinte Plano de Metas: a) profissionalização dos procedimentos
internos da secretaria do periódico e dinamização do processo avaliativo; b)
estabelecimento de parcerias que possam acelerar o processo de inserção do
periódico na comunidade cientifica internacional; c) estudo de viabilidade de
publicação trilíngue; d) expansão da REBEn no formato eletrônico (e-REBEn); e)
ampliação do número de artigos publicados por ano; f) ampliação da indexação
para outras bases internacionais de elevado impacto(11). Na oportunidade,
convidou leitores, autores, conselho de editores, consultores ad hoc e todos os
demais partícipes da editoração da REBEn a assumir, junto com ambas, a
responsabilidade social pela consecução desse processo(12).
Os eventos
Outros investimentos aconteceram e estão intrinsecamente relacionados à ABEn,
os quais, desde suas primeiras versões até os dias atuais, têm contribuído
significativamente para o desenvolvimento da Enfermagem brasileira. Nesse
sentido, temos a criação da Semana de Enfermagem, em 1940, na Escola de
Enfermagem Anna Nery, na gestão de Laís Netto dos Reys.
No dia da abertura da Semana, a Diretora, falando por uma emissora de rádio do
então Ministério da Educação e Saúde, proferiu: Entre duas datas que se prendem
intimamente, 12 de maio, nascimento de Florence Nightingale, a inolvidável
fundadora da enfermagem moderna, e 20 de maio, falecimento de Anna Nery, a
voluntária leiga da enfermagem nacional, a grande alma de mulher brasileira,
patrona da Escola que, em sua homenagem, promoveu esta semana. Nesse período
deveriam ser focalizados diferentes aspectos da concepção moderna, dessa
"missão sublime"(13), por nomes dos mais ilustres da ciência e da medicina do
Rio de Janeiro.
Aquela era uma época em que o Rio de Janeiro era a capital do Brasil, o
Presidente da República era o senhor Getúlio Vargas, o Reitor da Universidade
do Brasil era o professor Raul Leitão da Cunha, e a atual Semana da Enfermagem
Brasileira, que ocorre anualmente em todo País, era então realizada apenas na
cidade do Rio de Janeiro, sob o nome de Semana da Enfermeira Brasileira. Uma
série de palestras radiofônicas comemorou a 1ª Semana da Enfermeira. Nomes
notáveis da ciência brasileira, alunas, professoras, enfermeiras falaram sobre
as lutas, conquistas, tristezas, mas, sobretudo, das alegrias desta profissão
que tem, essencialmente, o cuidar como a sua missão. O Decreto nº 48.202/1960,
assinado pelo Presidente Juscelino Kubitschek(14), é um dispositivo legal que
institui, nesta forma, a Semana da Enfermagem. No ano de 2012, entre 12 e 20 de
maio, comemorou-se a 73ª versão desse evento, com o tema Associação Brasileira
de Enfermagem, 85 anos de compromisso social, participação e luta.
Outra estratégia utilizada para difusão dos saberes da Enfermagem e discutir
questões de interesse nacional da categoria foi a realização dos Congressos
Nacionais de Enfermagem, atual Congresso Brasileiro de Enfermagem. O primeiro
aconteceu no período de 17 a 22 de março de 1947 (Figura_2), em São Paulo, e o
segundo foi realizado em 1948, no Rio de Janeiro.
![](/img/revistas/reben/v66nspe/a02fig02.jpg)
O primeiro Congresso adotou o lema: "Elaborar, em conjunto, um programa
eficiente de Enfermagem, visando o desenvolvimento da profissão num plano
elevado". Constam dos registros e na pauta do Congresso um programa científico
entregue a um grupo de alta responsabilidade, e tanto nesse I Congresso de
Enfermagem, como nos próximos, tal programa esteve a cargo das Divisões de
Educação e de Saúde Pública. O significado dado ao próprio Congresso estampa-se
nos temas de cultura e realidade de saúde pública da época, bem como nas
Resoluções pertinentes.
Os Congressos de Enfermagem subsequentes foram em pouco tempo realizados, tendo
como eixo fundamental a divulgação científica, os debates, as trocas de
informações entre atores da liderança profissional que aquilatavam o
desenvolvimento científico da profissão, para fazer emergir novas tendências
temáticas(15).
A emergência da pesquisa e da produção científica acadêmica na área da
Enfermagem, gerada pelo primeiro curso de Mestrado em Enfermagem criado na
Escola de Enfermagem Anna Nery, no ano de 1972, foi o contexto necessário a
novos empreendimentos liderados pela ABEn. Assim, a diretoria da ABEn Nacional,
reunida em 1978, propôs a realização de um Seminário Nacional de Pesquisa em
Enfermagem (SENPE), que veio a tornar-se um dos eventos da maior importância e
significação para o calendário científico da Enfermagem brasileira, podendo ser
considerado um segundo marco nesta trajetória. Com este propósito, em novembro
de 1979, na gestão de Ieda Barreira e Castro na ABEn (1976-1980) foi realizado
o 1º SENPE, sediado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (SP), cuja
temática central foi "O Estado Atual da Pesquisa em Enfermagem no Brasil". Foi
um Seminário do qual participaram 40 enfermeiros/docentes, indicados pelas
Escolas de Enfermagem de todo o país(16-17). Nesse mesmo ano, divulgou-se a
primeira edição de Informações sobre Pesquisas e Pesquisadores de Enfermagem -
o Catálogo do CEPEn.
Outros eventos temáticos foram criados, com particular incremento nas décadas
de 1990 e 2000. A ABEn promoveu, em 1994, o primeiro Seminário Nacional de
Diretrizes para a Educação em Enfermagem (SENADEn, Rio de Janeiro-RJ, 1994)
para fomentar o debate sobre a educação em enfermagem, fazendo desse evento, um
novo espaço temático para o debate e o estabelecimento de diretrizes para a
educação em enfermagem, além de promover a reunião de docentes, gestores
acadêmicos, estudantes das mais variadas Escolas e Cursos(18). Além deste,
foram criados o Simpósio Nacional de Diagnóstico de Enfermagem (SINADEn), cuja
primeira edição ocorreu em São Paulo-SP, 1991; o Seminário Internacional sobre
o Trabalho na Enfermagem (SITEn, Florianópolis-SC, 2003), o Seminário Nacional
de Diretrizes para Enfermagem na Atenção Básica em Saúde (SENABS, Natal-RN,
2007) e o Colóquio Latino-Americano de História da Enfermagem (CLAHEn, Rio de
Janeiro-RJ, na Escola de Enfermagem Anna Nery, 2000).
As relações nacionais e internacionais
Como parte de suas relações internacionais, a ABEn foi filiada ao Conselho
Internacional de Enfermeiras (CIE) de 1929 a 1997, quando este Conselho a
desafiliou como representante da Enfermagem brasileira.
No ano de 1953, na condição de filiada, a ABEn acolheu o mais importante evento
da Enfermagem mundial à época, o X Congresso promovido pelo CIE, amplamente
divulgado na mídia impressa (Figura_3). O Congresso foi realizado no Palácio
Quitandinha, na cidade de Petrópolis-RJ, ocasião em que foi aprovado o Código
Internacional de Ética de Enfermagem.
[/img/revistas/reben/v66nspe/a02fig03.jpg]
Certamente, a realização deste evento exigiu muita dedicação das enfermeiras
envolvidas em sua organização e representava um grande desafio para as
lideranças da Enfermagem nacional e, sobretudo, para a presidente da ABEn, à
época, Glete de Alcântara. Esse evento, exitoso, engrandeceu a Enfermagem
brasileira e despertou a atenção das autoridades nacionais sobre a capacidade
que a categoria tinha para congregar tantas mulheres em um evento profissional
naquele momento. Ao mesmo tempo, estreitava, ainda mais, as relações
internacionais da ABEn com a mais expressiva entidade da enfermagem no mundo -
o CIE.
Na década de 1970, participou da Fundação da Federación Panamericana de
Profissionales de Enfermería (FEPPEn), uma entidade não governamental
constituída por organizações nacionais de profissionais de Enfermagem dos
países latino-americanos e Caribe. O Brasil sediou o Comitê Executivo da
entidade por dois mandatos, nas dependências da ABEn, em Brasilia-DF, sob a
presidência de Maria Auxiliadora Córdova Christófaro (1996-2000) e Euclea Gomes
Vale (2000-2004). Em Brasília, foi aprovado em 2002 o último Estatuto Social da
FEPPEn, em vigor, e criada a Revista Panamericana de Enfermería.
Ainda no plano internacional, a entidade filiou-se à Asociación Latinoamericana
de Escuelas y Facultades de Enfermería (ALADEFE) no ano de 2010, como membro
especial, por sua atuação em defesa da educação em enfermagem no país e por
manter em seu quadro de vinculações mais de 100 Escolas, Faculdades ou Cursos
de Graduação em Enfermagem e 54 Escolas de Ensino Técnico Profissionalizante.
No plano nacional, as parcerias com a Biblioteca Regional de Medicina-BIREME/
OPAS, permitiu a construção do projeto da Biblioteca Virtual em Saúde - BVS
Enfermagem. A participação em discussões sobre temas amplos de ciência,
tecnologia, saúde e educação tem acontecido em encontros e reuniões promovidos
por sociedades científicas nacionais, em especial a prestigiosa Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC e a Associação Brasileira de
Editores Científicos (ABEC).
As lutas em defesa dos interesses da sociedade têm sido empreendida como parte
dos movimentos sociais organizados, como é o caso do Conselho Nacional de
Saúde, instância do controle social, locus de participação da ABEn como
entidade representativa do segmento dos trabalhadores. No âmbito da defesa da
profissão e das melhores condições de trabalho, regulamentação da jornada de
trabalho de 30 horas, piso salarial e da enfermagem como carreira de estado, as
lideranças da ABEn tem participado ativamente com o conjunto das demais
organizações profissionais da enfermagem.
A produção de conhecimento
A ABEn também liderou as discussões que visavam o desenvolvimento e a
consolidação da pesquisa na enfermagem. Assim, entre os anos de 1956 a 1958,
promoveu a realização do "Levantamento de Recursos e Necessidades da Enfermagem
no Brasil"(19), marco inaugural da pesquisa de Enfermagem no país. Esta
pesquisa se desenvolveu sob a liderança e coordenação de Haydée Guanais Dourado
com uma equipe de pesquisadoras e o apoio das Escolas de Enfermagem. Trata-se
de um survey, mas deflagra nova condição para a profissão de Enfermagem. A
sistematização, o rigor metodológico, o tratamento dos dados, a descrição
qualitativa, a interpretação diagnóstica dos recursos e das necessidades
configuram, para a Enfermagem, o reconhecimento de seu processo de pesquisar no
campo científico. Então, conforma-se aí a arrancada inicial em prol da pesquisa
científica. Os demais impulsos correspondentes a grandes mudanças na trajetória
do saber/conhecimento vieram com os avanços dos estudos de pós-graduação, as
incursões em projetos integrados de pesquisa e em publicações científicas,
entre outros(5).
Novo estudo foi realizado na década de 1980, na gestão da Presidente Circe de
Melo Ribeiro, num esforço conjunto da ABEn e do Conselho Federal de Enfermagem
(Cofen) para definição do perfil da Enfermagem brasileira, trata-se da Pesquisa
"A Força de Trabalho em Enfermagem", com enfoque no Exercício da Enfermagem nas
Instituições de Saúde do Brasil - 1982/1983. A ABEn, mais uma vez, se soma às
demais organizações da Enfermagem para desenvolver uma nova pesquisa sobre o
perfil da Enfermagem no país, resultado do esforço de inúmeras de suas gestões
e parte importante do Projeto Político da entidade.
O desenvolvimento e incremento da pesquisa na Enfermagem no Brasil, objeto
constante de especial atenção por parte da ABEn, fez com que a Associação
criasse, em 17 de julho de 1971, o Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem
(CEPEn), com a finalidade de incentivar o desenvolvimento e a divulgação da
pesquisa em enfermagem, organizar e preservar documentos históricos da
profissão e rege-se pelas disposições do Estatuto da ABEn e por Regimento
Interno. O CEPEn possui o maior banco de teses e dissertações na área de
Enfermagem no Brasil, hoje com mais de 6000 trabalhos registrados em seu
acervo, além de possuir quase todos os títulos de periódicos brasileiros de
enfermagem. Em 2011, o CEPEn completou 40 anos de relevantes atividades à
comunidade de Enfermagem.
O CEPEn dedica-se a desenvolver os projetos, programas de estudos e pesquisas
da Entidade, bem como divulgá-los, e a manutenção de seu Acervo Histórico e
Documental. A articulação com os enfermeiros pesquisadores é alcançada através
do intercâmbio com os programas de Pós-Graduação e as representações da
Enfermagem nos órgãos de fomento, discutindo e contribuindo com os debates
sobre a formação de recursos humanos e as linhas de pesquisa propostas para a
categoria.
A preservação do acervo do CEPEn é mais do que uma tarefa de conservar
documentos importantes. Representa um grande desafio, pois, disponibilizar o
maior Banco de Teses da Enfermagem Brasileira, bem como documentos que contam a
nossa história, requer um esforço coletivo, só obtido mediante ousadas
parcerias.
No ano de 2010 foi inaugurado o Centro de Memória da Enfermagem Brasileira
(CEMEnf), projeto elaborado na gestão da Presidente Francisca Valda da Silva
(2001-2004 e 2004-2007) e executado na gestão da Presidente Maria Goretti David
Lopes (2007-2010). O CEMEnf se constitui em um importante laboratório de
pesquisa para os historiadores das áreas da saúde e da enfermagem, além de
acolher inestimável acervo de fontes primárias, com elevada contribuição na
preservação da memória institucional da entidade e da enfermagem brasileira. A
consolidação de um sonho de todas as diretorias da ABEn no curso de 85 anos.
Devido à existência de vários sistemas de classificação para descrever os
elementos da prática de enfermagem, o CIE, por sugestão da Organização Mundial
de Saúde, tomou para si a tarefa de desenvolver um sistema de linguagem
unificado, a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®).
A primeira versão dessa classificação - a CIPE® Versão Alfa, foi publicada, em
1996, como um marco unificador de todos os sistemas de classificação existentes
na Enfermagem. A Enfermagem brasileira participa desse projeto desde 1994,
quando a representantes da ABEn participaram de uma reunião consultiva em
Tlaxcala, México, para a elaboração de instrumentos que facilitassem a
identificação dos elementos da prática de enfermagem, que apoiassem os sistemas
comunitários e a atenção primária à saúde. Representantes da ABEn participaram
também da reunião realizada em Los Angeles, Estados Unidos, em fevereiro de
1995, quando se discutiu uma proposta para o desenvolvimento de projetos
nacionais no Brasil, Chile, Colômbia e México, entre outros países que
integrariam o projeto do CIE.
A partir dos compromissos assumidos nessas duas reuniões, a ABEn realizou,
durante o I Encontro Internacional de Enfermagem de Países de Língua Oficial
Portuguesa, em Salvador-BA, em abril de 1995, uma reunião sobre a Classificação
da Prática de Enfermagem, com a finalidade de se elaborar o protocolo para o
projeto de investigação no Brasil.
Entre 1996 e 2000, sob a orientação do CIE e com financiamento da Fundação F.
W. Kellog, a ABEn elaborou e desenvolveu o projeto de Classificação
Internacional das Práticas de Enfermagem em Saúde Coletiva - CIPESC®, com a
intenção de revelar a dimensão, a diversidade e a amplitude das práticas de
enfermagem no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), que teve o objetivo de
contribuir para a transformação das práticas de Enfermagem em saúde coletiva no
Brasil, tendo como referência os pressupostos da reforma sanitária brasileira,
os perfis de saúde-doença da população e a inscrição constitutiva da Enfermagem
no processo de produção em saúde(20).
Evidencia-se, portanto, a capilaridade que a ABEn possui na difusão e produção
do conhecimento, conforme as necessidades e interesses da Enfermagem nacional,
sempre ajustados as políticas dos órgãos de fomento, responsáveis pela
definição do eixo norteador do desenvolvimento científico no país.
A liderança da ABEn na Educação em Enfermagem
Nos anos de 1940, a Divisão de Educação da ABED compôs uma Comissão Especial
para a elaboração de um projeto que subsidiou o texto da Lei nº 775/49,
institucionalizando o ensino de Enfermagem no país como matéria de Lei. Tal
iniciativa foi decisiva para a construção de um novo currículo de Enfermagem,
consonante com as transformações sociais do contexto brasileiro.
Os anos 1960 foram marcados pelas lutas reivindicatórias da ABEn em torno do
ensino da Enfermagem, buscando a preservação dos princípios norteadores e
conteúdos específicos da formação profissional da Enfermagem. Nos anos 1970 a
1990, as discussões promovidas pela ABEn com a participação das Diretorias de
Educação de suas Seções, além de outros integrantes, ofereceram subsídios ao
então Conselho Federal de Educação, para a aprovação do novo currículo mínimo,
em 1994. No bojo desse processo, até o ano de 2000, os SENADEn discutiram e
fomentaram a elaboração e aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais(18).
A partir da aprovação das Diretrizes, em 2001, a ABEn voltou-se para a
implantação e consolidação dos novos parâmetros estabelecidos, bem como para as
competências e habilidades por eles apontados. Atuou decisivamente na fixação
da carga horária mínima de 4.000 horas, para a formação de enfermeiros. A
estrutura dos Conselhos Consultivos de Escolas conferiu organicidade e fluidez
representativa da ABEn junto às Escolas e destas junto à ABEn. As sucessivas
Diretorias de Educação das mais variadas gestões, cada qual em seu tempo,
contribuíram para o reconhecimento da ABEn como a voz representativa da
Educação em Enfermagem no país.
Tamanho investimento na formação profissional de enfermeira(o)s, evidencia o
quanto a ABEn imprimiu de sua marca de luta pela qualidade no processo de
formação profissional e, com isso, também contribui para a construção e
consolidação da identidade coletiva da Enfermagem, tal como a desejamos e tal
como a sociedade reivindica(21).
A participação da ABEn no Exercício Profissional e os movimentos sociais
A ABEn teve/tem participação destacada nas discussões e encaminhamentos de
dispositivos legais que regulamentam o exercício profissional da Enfermagem,
tais como o Decreto nº 20.109/31, a primeira Lei de regulamentação do exercício
da Enfermagem; Lei nº 2604/1955 e a Lei Nº 7.498/1986, que regulam o exercício
profissional da Enfermagem; a Lei Nº 5.905/73, que dispõe sobre a criação dos
Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem, sistema de fiscalização do
exercício profissional e dos processos éticos.
A Associação esteve sempre atenta às condições em que os sujeitos da profissão
exercitam seu ofício, somando-se aos esforços de outras entidades
representativas da Enfermagem brasileira, pois, o exercício profissional da
Enfermagem aprofunda-se na consideração de aspectos fundamentais de cidadania
e, nesse sentido, deve-se assegurá-los aos profissionais e àqueles que procuram
assistência à saúde, situação atualmente crítica, poder-se-ia dizer de
calamidade em determinadas áreas do território nacional, produto do predomínio
de interesses diversos que, comumente, vão de encontro aos princípios do
Sistema Único de Saúde brasileiro.
Além disso, temos uma parte expressiva da Enfermagem que atua em ambientes
inadequados, por vezes inóspitos, com remuneração incompatível com tamanha
responsabilidade social, impondo-se a necessidade de jornadas múltiplas de
trabalho, sob o testemunho frequente de descaso com a saúde daqueles que
somente podem dispor do serviço público de saúde, desse serviço público de
saúde. Isso acontece diante da cegueira das autoridades públicas e de
parlamentares pouco sensíveis a tal realidade. Essa realidade vulnerabiliza a
ação cuidativa do enfermeiro e demais profissionais da enfermagem, expõe a
sociedade a riscos, e, a mídia, com sua incapacidade de síntese, nos apresenta
como produtos de formação questionável. Esse aspecto também deve ser
considerado, mas não é único, apenas faz parte de uma tragédia anunciada pelo
descaso com o interesse público.
PARA NÃO CONCLUIR, POIS HÁ MUITO NO DEVIR E NO PORVIR
O engajamento das dirigentes, associadas e associados da ABEn se deu de várias
formas e serviu como iniciativa para promover a formação política da categoria
e, assim, despertar a massa silenciosa e oprimida de mais de um milhão de
trabalhadores em defesa da EDUCAÇÃO, da SAÚDE de qualidade para o povo
brasileiro e de melhores condições de TRABALHO.
A ABEn é a entidade mais antiga na representatividade da categoria e, ao longo
de seus 85 anos, vem contribuindo para o desenvolvimento da Enfermagem
brasileira em diferentes frentes de atuação: ensino e pesquisa, exercício
profissional e movimentos sociais que impactam a saúde da sociedade, direta ou
indiretamente.
Parte da atuação efetiva da ABEn deve-se à sua capilaridade em todo território
nacional, através de suas seções estaduais, constituindo a Rede Nacional ABEn
e, com isso, aproximando-se das diferentes conjunturas locais e regionais, o
que lhe permite estar de acordo com os interesses da Enfermagem e da sociedade
brasileira. A trajetória exitosa da ABEn deve-se à participação de todas as
presidentes e suas companheiras de diretoria que investiram na causa da
Enfermagem ao longo dessa trajetória, doando parte do tempo de suas vidas ao
trabalho voluntário pelo coletivo e pelo bem comum.
A subjetividade e seletividade dos fatos pode ter nos levado a destacar algumas
instâncias de poder em detrimento de outras, para ressaltar pontos de cortes do
desenvolvimento da Enfermagem como disciplina, profissão e trabalho. Por sua
vez, também nos escaparam inúmeros outros pontos, do mesmo modo importantes
para conferir visibilidade à ABEn nesse processo de construção da Enfermagem.
Portanto, ainda há muito a ser dito e escrito no devir e no porvir da história
da Associação Brasileira de Enfermagem...