Representações da enfermeira obstetra na perspetiva da mulher grávida
INTRODUÇÃO
Em Portugal, através do sistema de assistência à grávida, pretende-se oferecer
intervenções de saúde que propiciem um adequado acolhimento e respondam às
ansiedades, às queixas e aos medos culturalmente associados à gestação, ou
seja, procura-se responder às necessidades específicas que a mulher evidencia
nesta fase especial da sua vida.
A vivência gestacional é um período muito peculiar na vida de uma
mulher, e o nascimento do filho é uma experiência única, portanto,
merecem ser tratados de forma singular e especial por profissionais
qualificados, pela equipe multiprofissional, por gestores e pelo
governo(1).
Atualmente, é da responsabilidade da enfermeira intervir de forma absolutamente
autónoma no âmbito da promoção de saúde. Neste contexto, a enfermeira
especialista em saúde materna e obstétrica, também conhecida por parteira,
desempenha um papel fundamental como membro de uma equipa multidisciplinar e
com formação específica, uma vez que se assume como o profissional de saúde
mais preparado para desenvolver atividades de educação para a saúde,
suscetíveis de ajudar as grávidas e suas famílias a viverem a gravidez e o
nascimento de um filho de uma forma saudável e natural. Não podemos ignorar que
a enfermagem é uma profissão que cuida e estabelece relações de ajuda com as
pessoas, sempre norteada pela procura da prestação de cuidados com qualidade e
com o desenvolvimento de competências(2).
Na definição das competências definidas pela Comissão de Especialidade em
Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica da Ordem dos Enfermeiros e da
Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras, que teve lugar no ano de 2007
e foram publicadas através do Regulamento nº 127/2011, cabe à enfermeira
especialista em saúde materna e obstétrica cuidar da mulher inserida na família
e comunidade durante o período pré-natal, de forma a potenciar a sua saúde, a
detetar e a tratar precocemente eventuais complicações, promovendo o bem-estar
materno-fetal, centrando-se o seu exercício profissional na relação
interpessoal. Neste sentido, é importante salientar que a mulher, como entidade
beneficiária de cuidados de enfermagem desta especialidade, necessita de ser
entendida numa perspetiva individual, como uma pessoa no seu todo, considerando
a inter-relação com os conviventes significativos e com o ambiente em que vive
e se desenvolve, constituído pelos elementos humanos, físicos, políticos,
económicos, culturais e organizacionais e, numa perspetiva coletiva, como
grupo-alvo entendido como o conjunto das mulheres em idade fértil ligadas pela
partilha de condições e interesses comuns(3).
Importa aqui recordar que a Enfermagem deve ser percebida como uma ciência, mas
também como uma arte, sempre focada na prestação de cuidados, quer seja através
de ações individuais, quer seja através de ações de grupo. Neste domínio, as
funções e os processos são direcionados para a promoção e a manutenção de
comportamentos de saúde ou para a recuperação de doenças, e que, em ambos os
casos, este facto tem sempre um significado para aqueles que são assistidos.
Esse significado pode ser de índole física, de índole psicocultural ou mesmo de
índole social.
Da pesquisa efetuada, encontramos um estudo que abordou, para o século XIX,
algumas representações da parteira associadas ao parto, onde é dado destaque às
representações de médicos e/ou cirurgiões. Neste contexto, as parteiras surgem,
muitas vezes, manchadas de imagens caricaturais, traduzindo, sobretudo,
situações de impotência, em face das quais não faltariam histórias de horror
(4). No contexto português, não encontramos qualquer estudo que, com um mínimo
de profundidade, tenha analisado as representações da enfermeira especialista
na perspetiva da mulher grávida. Os estudos realizados focalizam, sobretudo, as
representações da gravidez e do parto(4-6).
Estas reflexões conduziram-nos ao principal objetivo deste estudo e que
consistiu em identificar as representações sociais que as mulheres grávidas
portuguesas, residentes em três municípios do Noroeste, têm sobre a enfermeira
especialista em saúde materna e obstétrica durante o período de vigilância pré-
natal. As representações sociais constituem imagens com significados, sistemas
de referência que permitem interpretar o que acontece, dando um sentido
específico ao inesperado(5).
Em termos estruturais, podemos referir que o presente artigo se encontra
dividido em quatro itens. No primeiro é descrita a metodologia adotada na
investigação realizada tendo em conta os objetivos a atingir. Os resultados
obtidos são apresentados ao longo do segundo item, enquanto no terceiro os
mesmos são discutidos e interpretados, procurando conferir-lhes um significado
social. No último item, apresentamos as principais conclusões e suas
implicações no âmbito da enfermagem.
MÉTODOS
Optámos por realizar um estudo de natureza qualitativo descritivo, desenvolvido
em três municípios do Distrito de Braga, no Noroeste de Portugal, tendo como
cenário os Cuidados de Saúde Primários, no âmbito da vigilância pré-natal, na
medida em que é
[...] capaz de incorporar a questão do significado e da
intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às
estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento
quanto na sua transformação, como construções humanas significativas
(7).
Neste sentido, o método qualitativo preocupa-se com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde ao universo
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis.
A entrevista semiestruturada foi a técnica de recolha de dados utilizada, tendo
sido aplicada a cinquenta mulheres grávidas (amostragem atingida por saturação
de dados), uma vez que é a mais adequada e a mais regularmente utilizada na
investigação relacionada com paradigmas interpretativos ou compreensivos. A
entrevista é definida pela maioria dos autores, como um processo de interação
social entre duas pessoas na qual o entrevistador necessita de obter
informações do entrevistado. Foi elaborado um guião da entrevista que serviu de
guia ao entrevistador. As entrevistas que realizámos foram submetidas a um pré-
teste que teve lugar em janeiro de 2007, com a finalidade de aferir e validar o
instrumento de recolha de dados que nos propunhamos utilizar. Depois de
validado este instrumento optámos pela gravação direta da entrevista, após
consentimento informado, não só porque proporciona um registo completo do que
cada pessoa verbaliza, mas também, porque liberta o entrevistador, deixando-
o disponível para ouvir e para questionar de forma mais eficiente, facilitando
a interação entre o entrevistador e o entrevistado. O tempo médio das
entrevistas foi de 20 minutos.
As investigações constituem, regra geral, uma forma de intromissão na vida
pessoal dos indivíduos, razão pela qual as atividades do investigador devem ter
em atenção um conjunto de princípios éticos e deontológicos. Assim, ao longo da
presente investigação, não nos interpusemos na intimidade das mulheres ou das
suas famílias mais do que o estritamente necessário para a compreensão do tema,
sem nunca pôr em causa aqueles princípios. Foram aplicados os princípios éticos
presentes na Declaração de Helsínquia. As entrevistas foram realizadas após
autorização e aprovação da comissão de ética das instituições envolvidas
(Hospital e Cuidados de Saúde Primários).
Os dados recolhidos foram submetidos a uma análise de conteúdo(8), técnica que
nos pareceu a mais adequada ao tipo de investigação que desenvolvemos, uma vez
que parte do pressuposto de que, por detrás do discurso aparente, simbólico e
polissémico, se mascara um sentido que convém desvendar. A análise de conteúdo
parte de uma literatura do primeiro plano das falas, depoimentos e documentos,
para atingir um nível mais profundo, ultrapassando os sentidos manifestos do
material. A análise de conteúdo relaciona as estruturas semânticas
(significantes) com as estruturas sociológicas (significados) dos enunciados
(7). Escolhemos a análise de conteúdo tradicional, alicerçada na construção de
análises temáticas, que consiste na identificação dos corpus centrais da
entrevista a examinar em profundidade com recurso à identificação e à contagem
de categorias e subcategorias, voltando, de seguida, ao material original
recompondo-se, assim, os fragmentos do discurso(9).
Ao elaborar as diferentes categorias mantivemos, sempre que possível, as regras
de análise de conteúdo com o objetivo de assegurar a sua validade. Tivemos em
conta as qualidades das categorias definidas por Bardin(8) das quais destacamos
a homogeneidade - todas as unidades de registo incluídas numa categoria, devem
estar lógica e coerentemente integradas; a exclusão mútua - a mesma unidade de
registo não pode ser classificada em duas categorias diferentes; a pertinência
- adaptada ao objetivo e ao conteúdo da análise; a objetividade e fidelidade -
pessoas diferentes devem poder chegar a resultados iguais; a produtividade - um
conjunto de categorias é produtivo se fornece resultados frutíferos, ou seja,
dados novos e exatos.
RESULTADOS
Breve caracterização da amostra
Tomando por referência a variável "idade", verificamos que a idade das grávidas
varia entre os 18 e os 37 anos, cifrando-se a média nos 27 anos. Trinta e sete
das cinquenta mulheres entrevistadas eram casadas. Confirmamos ainda que dez
têm como nível de instrução o 2.º (6 anos de escolaridade) ou o 3º ciclo do
Ensino Básico (9 anos de escolaridade), dezassete frequentaram o Ensino
Secundário (até 12 anos de escolaridade), enquanto oito concluíram o Ensino
Superior, tendo obtido o grau de Licenciada.
Relativamente à situação da grávida perante o trabalho, observamos que a
maioria das grávidas (56% - n=28) são trabalhadoras por conta de outrem,
enquanto 4% (n=2) trabalham por conta própria. Tendo em conta que as profissões
identificadas correspondiam a uma listagem de profissões bastante
diversificadas, considerámos indispensável agrupar estas profissões segundo a
Classificação Portuguesa de Profissões de 2010 preconizada pelo Instituto
Nacional de Estatística(10). Uma breve análise quanto ao seu enquadramento nas
diversas categorias, permite-nos concluir que 33,3% das mulheres trabalhadoras
(n=10) se inserem na categoria de Trabalhadoras qualificados da indústria,
construção e artífices, 26,7% (n=8) se enquadram na categoria Pessoal
administrativo, 13,3% (n=4) se incluem na categoria de Especialistas das
atividades intelectuais e científicas e que a mesma percentagem se enquadra na
categoria de Trabalhadoras dos serviços pessoais, de proteção e segurança e
vendedores. Das restantes, 10% (n=3) podem qualificar-se na categoria de
Técnicos e profissões de nível intermédio, enquanto 3,3% (n=1) se situam na
categoria de Operadores de instalações e máquinas e trabalhadoras da montagem.
Resumindo, a nossa amostra corresponde a um grupo de mulheres relativamente
jovens, maioritariamente casadas, tendo cerca de metade um razoável nível de
instrução e revelando pertencerem a uma classe média e média-baixa.
A "imagem" da enfermeira especialista
Face à categoria atuação da enfermeira especialista, na opinião das cinquenta
mulheres entrevistadas, sobressaem da análise dos relatos das entrevistas
quatro qualificações para "a representação da enfermeira especialista" (Quadro
1).
Quadro 1 Representação da enfermeira especialista no olhar da grávida
Área Temática Categorias Subcategorias Dimensões
- Dificuldade em caracterizar a
enfermeira especialista (n=3)
- Enfermeira especialista: elemento com
Perceção da grávida sobre enfermeira A atuação da enfermeira A representação da enfermeira qualidades relacionais (n=42)
especialista especialista especialista - Enfermeira especialista: pessoa sábia
(n=17)
- Enfermeira especialista: pessoa com uma
atitude de empowerment (n=20)
Três utentes, duas que vivem em união de facto e uma solteira, todas com um
grau de instrução relativamente baixo, ao nível do 1º (4 anos de escolaridade)
e 2º Ciclo (6 anos de escolaridade) e residentes em áreas predominante ou
mediamente urbanas, manifestaram alguma dificuldade em caracterizar a
enfermeira especialista, isto é, não conseguiram definir com clareza o papel
que estas desempenhavam. As razões apontadas prendem-se, sobretudo, com o facto
de não terem sido seguidas sempre pela mesma enfermeira durante a vigilância
pré-natal, tendo, por isso, dificuldade em estabelecer uma relação de empatia.
É de relembrar que, na ausência da enfermeira especialista, é uma enfermeira de
cuidados gerais que realiza a consulta de vigilância pré-natal. Vejamos a
seguinte narrativa:
Eu já fui seguida por muita gente [médicos]. Não tive nenhuma relação
com nenhum deles (...). Se tivesse mais informação da parte deles
poderia ser melhor. Nunca tive uma pessoa com quem pudesse contar se
surgisse alguma dúvida. (E1)
A dimensão enfermeira especialista: elemento com qualidades relacionais foi a
que concentrou maior número de opiniões, sendo referida por 42 grávidas. São
vários os teóricos de enfermagem que descrevem a enfermagem como um processo de
interação. Apresentamos seguidamente três narrativas que confirmam estes
factos:
É um trabalho muito gratificante. Criam-se laços de amizade e eu
acredito que se fosse enfermeira sentir-me-ia um bocadinho mãe
daquela criança, porque acompanhou sempre a mesma grávida. Existe uma
amizade, um companheirismo e muita compreensão. (E2)
A enfermeira foi muita atenciosa. (...) É muito carinhosa. No dia
seguinte, ligou-me para casa para saber como eu estava. Transmite
segurança. (E3)
É uma pessoa muito importante. Sinto-me bem assim, bem protegida,
sinto-me mais auxiliada e mais acarinhada (...). (E4)
Um dos aspetos a ter em conta para que a promoção de confiança seja possível, é
a permanente disponibilidade da enfermeira para atender a grávida e responder
às suas necessidades. Esta disponibilidade configura quase um compromisso que é
assumido pela enfermeira especialista perante a grávida que acompanha. Deste
modo, um espaço temporal afetivo ou relacional é necessário para que a
enfermeira possa estar disponível para responder às suas dúvidas ou para a
ajudar na resolução de problemas diversos. A confiança une numa solicitude
recíproca e num pacto mútuo(11). Eis alguns exemplos:
Ainda na quarta-feira tinha uma dúvida sobre os exames, falei com ela
[enfermeira]. Tudo bem que a minha médica é uma excelente
profissional, mas sinto-me mais segura com a enfermeira Susana [nome
fictício]. Ela põe-nos à vontade. Diz para quando o bebé nascer lhes
telefonarmos. Se surgir algum problema ou dúvida, posso telefonar-
lhe. Isso ajuda-nos bastante e temos mais confiança. É uma
profissional competente. (E5)
Houve uma altura que estive com gripe e a enfermeira, mesmo não me
conhecendo de lado nenhum, deu-me o seu número de telemóvel
particular, para, se fosse preciso alguma coisa, lhe ligar... acho
que é muito importante ter esse tipo de ajuda... É assim. Eu também
nunca tive grandes complicações, mas, quando fiquei com febre, não
telefonei para mais ninguém a não ser para a enfermeira. (E6)
É graças ao apoio constante que a enfermeira especialista é vista como uma
pessoa sábia (n=17) detentora, não só de competências técnico-científicas, mas
também conhecedora de diversos assuntos. É uma pessoa com experiência
profissional que tem, de facto, muitos conhecimentos e que os transmite
eficazmente. Embora esta dimensão tenha sido descrita por mulheres dos três
concelhos, curiosamente, foi no Centro de Saúde das Áreas Predominantemente
Rurais que este facto foi mais referido.
Ela tem muito conhecimento. As enfermeiras parteiras sabem muito. Já
viveram muito. Já assistiram a muitos partos. (E7)
Agora que estou com a Enfermeira Especialista, porque comecei há
pouco o Curso [preparação para o parto], ela fala-me de tudo um
pouco: dos cuidados, da alimentação e isso. (E11)
(...) Aqui, qualquer coisa, perguntamos à enfermeira (...) Ela é
importante tanto no informar como no ensinar. Também nos ensina a
prática. Os exercícios. A gente às vezes não se lembra de certas
coisas, mas vimos minimamente preparadas. (E10)
Outro aspeto a considerar, tem a ver com a importância atribuída pela
enfermeira especialista ao bem-estar da grávida que está relacionada com a
imagem da Enfermeira especialista: pessoa com uma atitude de empowerment
(n=20). Na opinião de algumas mulheres, a parteira permitiu a sua participação
ativa no processo de gravidez. Estas mulheres participaram todas em aulas de
preparação para o parto, tanto em Centros de Saúde do meio rural como do meio
urbano, tendo conseguido estabelecer uma relação de confiança com a parteira. O
estabelecimento de uma relação está sempre associado a uma partilha de ideias,
de impressões ou de informações.
Ainda foi no dia que eu vim ao médico e soube que tinha o tal vírus,
ele explicou-me, mas eu não fiz grandes perguntas. Depois comecei a
pensar e a "magicar". Foi logo no dia seguinte à enfermeira e ela
esteve mais de meia hora comigo a conversar. Pôs-me mesmo à vontade.
E ela tinha lá mais pessoas para atender, mas como eu estava nervosa,
ela explicou-me tudo. Foi mesmo incansável. Foi espetacular. (E8)
A enfermeira é uma pessoa muito importante. Porque ela ajuda-nos a
sentir à vontade. A gente sente-se mesmo à vontade para decidir.
(...) Se eu fosse parteira seria como ela. Teria que pôr a grávida à
vontade, para lhe explicar basicamente aquilo que ela queria saber
para viver bem a sua gravidez e para colaborar melhor comigo.
Explicar o que era melhor para ela e para o seu filho. Fazer com que
ela se sentisse segura. Ajudar mais no que pudesse e fazer com que
ela colaborasse comigo. (E9)
Quanto a profissionais de saúde, recorri apenas à enfermeira. Ela
ajudou-me muito. Com ela melhorei muito. Se não fosse ela, deixava de
dar a mama porque eu estava mesmo com aquela coisa de .... Entrei
mesmo em estresse e ela ajudou-me a ver as coisas melhor. (E12)
DISCUSSÃO
Atualmente em Portugal, ao contrário do que acontecia até aos anos setenta do
século XX, a mulher grávida é precocemente acompanhada por profissionais de
saúde, onde se destaca a intervenção da enfermeira especialista em saúde
materna e obstétrica, também conhecida por parteira, que a acompanha, aconselha
e, não raras vezes, lhe ministra formação adequada para viver de forma
equilibrada e saudável este período da sua vida.
Da análise dos discursos sobressai que a enfermagem especializada, como prática
social, se integra nas práticas dos demais trabalhadores em saúde, enquanto
grupo que responde pela produção de cuidados nesta área do saber. Nesta
perspetiva, esta profissão tem a necessidade de se colocar diante da construção
de um trabalho interdisciplinar, contribuindo com a sua especificidade. É assim
que esta profissão vem construindo ligações e articulações permanentes com a
população e com os demais profissionais, potenciando as perspetivas de
intervenções transformadoras no campo da saúde e da educação. As grávidas
concebem a representação da enfermeira especialista como uma imagem
multifacetada, o que, certamente, estará relacionado com questões individuais,
culturais e sociais. É importante salientar que todas as mulheres denominam a
enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica por "Enfermeira" e não
por "Parteira" ou por "Enfermeira Especialista", embora consigam ver nesta
profissional de saúde competências mais específicas do que uma enfermeira de
cuidados gerais.
Os dados revelam que a vigilância pré-natal deve ser sempre efetuada pelo mesmo
profissional, na medida em que pode facilitar uma comunicação eficaz permitindo
ainda depositar uma confiança total na pessoa que habitualmente lhe dedica
cuidados. Pestana recorda que, com base na comunicação e na confiança, a mulher
prefere ser atendida sempre pela mesma enfermeira(12). As mulheres
entrevistadas consideram que a enfermeira especialista lhes transmitiu uma
sensação de bem-estar e de segurança porque se sentiram apoiadas. Neste
sentido, para transmitir segurança a enfermeira recorre aos seus conhecimentos,
à sua experiência e à argumentação racional traçada a partir de dados clínicos
(13).
Para cuidar torna-se necessário estabelecer uma relação interpessoal e a troca
de conhecimento, como forma de suprir as necessidades físicas e emocionais do
ser cuidado, sem, no entanto, esquecer de respeitar as suas potencialidades e
as suas limitações. O respeito torna-se obrigatório para que haja uma relação
interativa, onde a enfermagem visualiza o ser cuidado como Ser Humano que é.
Independentemente de viverem na aldeia ou na cidade, as grávidas necessitam
desta relação para se sentirem bem e aderirem, com maior facilidade, às
orientações dadas pelas enfermeiras especialistas que, no caso presente, foram
contempladas como "um importante recurso e um suporte social". A dimensão
enfermeira especialista: elemento com qualidades relacionais foi a que
concentrou maior número de opiniões (42 grávidas). Como mencionámos
anteriormente, são vários os teóricos de enfermagem que descrevem a enfermagem
como um processo de interação. Não podemos esquecer a definição de enfermagem
de Meleis que dá ênfase à interação entre o enfermeiro e a utente que vive uma
fase de transição. Na opinião desta teórica de enfermagem, o conceito de
interação é, ao mesmo tempo, um contexto onde todos os cuidados ocorrem
revelando-se ainda como potencial terapêutico(14). Antes de mais, é importante
mencionar que das observações efetuadas, verificámos que todas as enfermeiras
interpelam as grávidas pelo seu nome e, consequentemente, as utentes também
conhecem o nome da enfermeira que a segue. No âmbito deste relacionamento, esta
profissional é admirada como uma pessoa cuidadosa, atenciosa, carinhosa,
dedicada e disponível. Estas qualidades permitem à grávida estar mais à
vontade, sentir-se em segurança e confiar nas intervenções realizadas pela
enfermeira. Todo este cenário permite criar laços de confiança. A "promoção de
confiança" possibilita a resposta a uma série de sentimentos, designadamente, o
medo, a insegurança, a angústia e a ansiedade.
As dimensões do empowerment apontam para a necessidade dos profissionais de
saúde desenvolverem uma comunicação eficaz com os utentes, de forma a encorajá-
los à participação, aprendizagem e desenvolvimento do sentido de controlo da
sua doença/problema de saúde(15). O papel da enfermeira especialista é
suscetível de promover a mudança individual da grávida, proporcionando-lhe
informações sobre recursos e competências que poderão usufruir para modificar
os seus comportamentos.
Assim, podemos questionar: como construir uma adequada imagem pessoal e
profissional? Na nossa perspetiva, o recurso ao marketing pessoal seria uma
opção ajustada para que esta profissional pudesse apoderar-se de novos espaços
e transmitir uma imagem de profissionalismo. No entanto, asseguramos que esta
imagem não pode englobar somente aspetos relativos ao saber-estar ou ao saber-
vestir, mas abarca, de igual modo, a confiança total na enfermeira especialista
para vender o produto que se pretende, neste caso a saúde. A melhor marca
pessoal é aquela que a utente percebe como tal e a melhor publicidade
caracteriza-se pelo teor das palavras transmitidas pelos clientes após terem
recebido os cuidados. Para isso, torna-se primordial a demonstração das
competências profissionais o que, necessariamente, inclui competências (skills)
para estabelecer e manter relacionamentos positivos.
As enfermeiras especialistas em saúde materna e obstétrica, no decorrer das
suas práticas, são responsáveis por terem um olhar alargado sobre os contextos
emaranhados e exclusivos que abrangem cada utente e ajustar as estratégias e a
linguagem que melhor se adequem à cultura e às vivências, no sentido de
facilitar a comunicação, tornando-se a aprendizagem mais significativa,
pertinente e relevante para a utente(16).
CONCLUSÕES
Podemos assumir, tendo por base a perspetiva das entrevistadas, que a parteira
ou a enfermeira especialista, independentemente do lugar onde desempenha
funções, é encarada como uma amiga, uma guia e um suporte fundamental,
disponível para a ajudar na vivência de todo o processo inerente ao nascimento.
Intrinsecamente associadas a esta profissional estão determinadas qualidades,
designadamente, as competências científicas, que incluem os conhecimentos e as
competências humanas, que abarcam as relações. No entender das mulheres
entrevistadas, a escuta e o envolvimento da grávida no seu cuidado por parte da
enfermeira, foram aspetos considerados primordiais. Neste âmbito, salientamos o
desenvolvimento por parte da enfermeira da sua competência social definida como
a capacidade de relacionamento humano. Foi assim que a enfermeira, perante a
mulher grávida, efetuou ações que possibilitaram o seu crescimento, auxiliando-
a no processo de adaptação às transformações transitórias da saúde,
encaminhando-a e favorecendo cada uma das etapas do processo de resolução do
"problema", sem, contudo, tomar decisões por ela nem a substituindo. Através do
seu "saber" e "saber fazer" tornou-se num ator importante na implementação das
intervenções de saúde que permitiram a mobilização dos seus conhecimentos e
habilidades para produzir cuidados de qualidade. Todavia, nem todas as
entrevistadas referiram estes aspetos, valorizando mais o papel do médico ou da
família. Tendo em conta a opinião das grávidas sobre a imagem que a parteira
lhe transmite, podemos compreender melhor a sua adesão aos conselhos
transmitidos pelos familiares. Assim, pensamos que o envolvimento e a
colaboração da grávida no processo de conceção, execução e avaliação das
práticas, são fundamentais. Contudo, tendo em conta a observação efetuada, nem
todas as profissionais atuaram com igual empenho.
As representações sociais relacionam-se com as experiências práticas dos
atores. A sociedade atual exige, cada vez mais, que as enfermeiras
especialistas sejam capazes de executar o processo de cuidados com maior
eficácia, com um maior nível de conhecimentos, bem como com uma maior
capacidade de resposta às necessidades da grávida. De acordo com as reflexões
realizadas ao longo deste artigo, julgamos que este estudo pode, de algum modo,
constituir um singelo contributo para um incremento da qualidade dos cuidados a
prestar ao longo da gravidez.