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BrBRCVHe0034-71672016000100079

BrBRCVHe0034-71672016000100079

variedadeBr
ano2016
fonteScielo

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Avaliação da implantação do programa de assistência às pessoas com hipertensão arterial INTRODUÇÃO As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são hoje responsáveis pela maior carga de morbimortalidade em muitos países, e representam um dos principais desafios de saúde para o desenvolvimento global nas próximas décadas(1). Entre elas, a Hipertensão Arterial (HA) tem despertado a atenção da saúde pública mundial(2), por apresentar múltiplos fatores de risco, elevada prevalência e curso clínico assintomático e progressivo, o que dificulta seu controle(13).

Quando não tratada adequadamente, leva ao surgimento de complicações renais e doenças cardíacas e cerebrovasculares, acarretando elevados custos médicos e socioeconômicos(4).

Entre os diversos desafios gerados pela alta prevalência da HA e seus agravos, destaca-se a falta de estrutura adequada para atender às necessidades individuais e integrais dos pacientes na maior parte dos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS). Além disso, as estratégias de intervenção diante da doença deveriam estar associadas à melhoria dos indicadores de processo (classificação de risco, tomada de decisões baseadas em evidências, solicitação de exames complementares e prescrições medicamentosas) e de resultados (adesão ao tratamento, melhoria do controle pressórico e maior satisfação dos usuários). Para tanto, são essenciais a vinculação dos pacientes à Estratégia Saúde da Família (ESF) e a realização de atividades de promoção para a saúde, dentre outros.

Assim, mesmo com a implantação da ESF (1994), do Plano de Reorganização da Atenção à Hipertensão Arterial e ao Diabetes Mellitus (2001) e do Pacto em Defesa da Vida (2005), que juntos ampliaram o acesso dos indivíduos ao diagnóstico, às consultas médicas e aos medicamentos, ainda são poucos os serviços voltados às atividades de promoção para a saúde, pois o aparato biomédico não permitiu modificar os condicionantes e determinantes mais amplos desse processo, operando um modelo de assistência e cuidado centralizado nos sintomas(5). No caso do Brasil, existem outros fatores que, sobremaneira, agravam e dificultam a implantação de programas públicos de prevenção e controle da HA, como a dimensão continental do país, a desigualdade social, a diferença na distribuição e alocação de recursos financeiros e materiais e a ausência de recursos humanos capacitados e sensibilizados para uma atuação eficaz e resolutiva(6).

Desta forma, diante dos entraves que dificultam a implantação e manutenção de programas de saúde pública no Brasil, a avaliação e identificação de pontos que fragilizam a atuação das equipes da ESF podem representar importante ferramenta de gestão e planejamento. Isso porque, ao identificar-se a ausência e/ou insuficiência de itens necessários para a assistência ao indivíduo com HA, aumenta-se a possibilidade de adequá-los às reais demandas da clientela e, consequentemente, melhorar a assistência dispensada aos pacientes e suas famílias. Portanto, ao se produzir informações sobre os entraves estruturais, assistenciais e organizacionais atinentes à atenção à saúde de pessoas com HA, podem-se elaborar e propor soluções criativas e focadas na construção de serviços mais eficientes.

Na avaliação da implantação do Programa de assistência à HA no município sede deste estudo, constatou-se que ele é incipiente(7). Assim, considerando a importância da atuação sistemática das equipes da ESF no contexto da HA e a escassez de investigações que avaliem detalhadamente as condições de implantação do programa de HA no país(3), o objetivo do estudo foi avaliar a implantação do programa de assistência às pessoas com HA em Maringá-PR.

MÉTODO Pesquisa avaliativa, de desenho transversal, realizada no âmbito da APS em um município de médio porte da região Sul do Brasil, o qual possui população de 367.410 habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano de 0,808, considerado muito alto(8). Desde 1994 a ESF é considerada eixo ordenador da assistência à saúde no município. Em 2013, no período da coleta de dados, existiam 27 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 65 equipes da ESF, uma equipe do Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS) e sete equipes dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF).

A coleta de dados foi realizada no período de abril a junho de 2013, por meio de entrevista com questionário estruturado. Os informantes foram os enfermeiros das equipes da ESF, pois, no referido município, são os profissionais mais envolvidos na gestão da equipe e com menor rotatividade. Na ocasião, dois enfermeiros estavam afastados por licença médica e não participaram do estudo.

Destaca-se que, em estudos de natureza avaliativa, é salutar a participação dos trabalhadores desde o início da elaboração do modelo lógico de avaliação. Com isto, maior probabilidade de que o modelo construído seja mais próximo da realidade de execução prática do programa. Contudo, não foi possível utilizar esta estratégia de construção neste estudo, não pela questão tempo, mas também pelo fator operacional. Deste modo, e considerando a experiência de outros pesquisadores(3), o instrumento utilizado para a coleta de dados foi elaborado de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde para a assistência primária ao indivíduo com HA(9), e em seguida validado, utilizando- se a técnica Delphi. O instrumento constituiu-se de 121 questões, distribuídas em três dimensões: estrutural, práticas assistenciais e organização da atenção.

A dimensão estrutural está constituída por 79 questões referentes à área física, materiais e equipamentos, materiais para educação para a saúde, insumos, exames complementares, medicamentos e recursos humanos. A dimensão práticas assistenciais constitui-se por 25 questões, divididas em promoção para a saúde e atendimento individual, e a dimensão organização da atenção está alicerçada em 17 questões.

As entrevistas foram agendadas por telefone e realizadas em local reservado, na própria UBS. Os dados foram digitados e compilados no programa Excel for Windows ®. Em seguida, as variáveis de cada dimensão foram analisadas quanto à frequência de respostas negativas (ausência ou insuficiência) e à presença dos itens necessários para a implantação do programa de assistência ao indivíduo com HA. Posteriormente, utilizou-se o método dos Intervalos Quantílicos baseado em três intervalos equiprováveis (tercis) (10), para selecionar apenas as variáveis com frequências de respostas negativas contidas no segundo (33% a 66%) ou terceiro tercil (66% a 99%), ou seja, valores superiores a 33%. As variáveis foram apresentadas em tabelas de frequência absoluta e relativa.

O estudo foi desenvolvido em consonância com a Resolução 446/12 do Conselho Nacional de Saúde e com o projeto aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá. Todos participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

RESULTADOS O tempo de trabalho na ESF dos 63 enfermeiros entrevistados variou de nove meses a 13 anos, com média de 6,3 anos. A maioria (82,5%) trabalhava na mesma equipe da ESF mais de três anos. De acordo com eles, diversos aspectos necessários para a assistência primária ao indivíduo com HA estavam ausentes e/ ou eram insuficientes. Em relação à área física, por exemplo, mais de 50,0% das UBS não possuíam consultórios destinados ao acolhimento e à consulta de enfermagem e quase 40,0% não possuíam sala para os ACS e o desenvolvimento de atividades de grupo.

No concernente aos materiais e equipamentos, os enfermeiros destacaram a ausência de carro para atividades externas sempre que necessário (96,8%); esfigmomanômetro para obeso no consultório de enfermagem (85,7%) e médico (66,7%); materiais para realização de educação para a saúde (81,0%); computador (66,7%) e impressora (58,7%). Ainda, a capacitação dos recursos humanos para o adequado atendimento, tanto às situações de urgência hipertensiva quanto para a assistência contínua ao indivíduo com HA não ocorreu em uma parcela elevada dos profissionais (Tabela_1).

Tabela 1 Distribuição das equipes de saúde da família, segundo a ausência/ insuficiência de itens da dimensão estrutural (N = 63) referida por enfermeiros, Maringá, Paraná, Brasil, 2013  Itens avaliados Ausente/ Insuficiente Dimensão: Estrutural n % Área Física Área coberta e com assentos fora da UBS 28 44,4 Sala de espera com número satisfatório de assentos 22 34,9 Consultório para acolhimento 32 50,8 Consultório para consulta de enfermagem 32 50,8 Sala para atividades coletivas 24 38,1 Sala para ACS compatível com número de agentes/atividade22 34,9 Materiais e equipamentos Esfigmomanômetro (obesos) no consultório médico 42 66,7 Esfigmomanômetro (obesos) no consultório de enfermagem 54 85,7 Esfigmomanômetro (infantil) no consultório médico 22 34,9 Esfigmomanômetro (infantil) no consultório de enfermagem40 63,5 Disponibilidade de computador por equipe 42 66,7 Impressora 37 58,7 Linha telefônica suficiente 32 50,8 Carro para atividades externas sempre que necessário 61 96,8 Materiais para educação para saúde Materiais para realização de educação para a saúde 51 81,0 DVD 28 44,4 Projetor multimídia 35 55,6 Capacitação para atendimento ao indivíduo com HA Médico 51 81,0 Enfermeiro 47 74,6 Auxiliar de enfermagem 50 79,4 Agente Comunitário de Saúde 49 77,8 Treinamento dos profissionais para atendimento às 36 57,1 urgências Notas: ACS: Agente Comunitário de Saúde; HA: Hipertensão Arterial Na Tabela_2, a qual apresenta os resultados relacionados à dimensão "práticas assistenciais", constata-se, conforme os enfermeiros, que as equipes da ESF não realizavam periodicamente estratégias para o diagnóstico precoce da HA na população geral e em grupos com diferentes fatores de risco, ou mesmo para estimular a modificação do estilo de vida entre aqueles diagnosticados. Em relação ao atendimento realizado junto aos indivíduos com HA, evidenciou-se que a grande maioria das equipes não utilizava a escala de Framingham (93,6%) para a determinação do grau de risco e nem direcionavam a terapêutica conforme este risco (93,6%). Muitos profissionais revelaram que não são realizadas visitas domiciliares aos não aderentes ao tratamento (47,6%) e aos casos novos (42,8%), e nem é sistematizado um plano de cuidados para a família do indivíduo com HA (85,8%).

Tabela 2 Distribuição das equipes de saúde da família, segundo a ausência/ insuficiência de itens da dimensão prática assistencial (N = 63) referida por enfermeiros, Maringá, Paraná, Brasil, 2013  Itens avaliados Ausente/ Insuficiente Dimensão: Práticas assistenciais n % Periodicidade na realização de estratégias de promoção da saúde para: Identificar indivíduos com HA entre maiores de 15 anos 56 88,9 Identificar indivíduos com HA na população geral 60 95,2 Identificar indivíduos com HA entre pessoas obesas 59 93,6 Identificar indivíduos com HA entre diabéticos 55 87,3 Identificar indivíduos com HA entre fumantes 58 92,0 Identificar indivíduos com HA entre maiores de 40 anos 61 96,8 Identificar indivíduos com HA entre sedentários 60 95,2 Identificar indivíduos com HA entre alcoolistas 61 96,8 Estimular caminhadas entre indivíduos com HA 40 63,5 Estimular alimentação saudável entre indivíduos com HA 41 65,1 Atendimento Individual Consulta médica sistematizada segundo protocolo 25 39,7 Utilização da escala de Framingham 59 93,6 Decisão terapêutica conforme risco do paciente 59 93,6 Consulta de enfermagem conforme protocolo 43 68,3 Visita domiciliar a pacientes não aderentes 30 47,6 Plano de cuidados sistematizado e por escrito para hipertensos em VD* 44 69,8 Plano de cuidados sistematizado e por escrito para a família do 54 85,8 hipertenso Rastreamento de casos novos em visita domiciliar 27 42,9 Nota: *VD: Visita domiciliar; HA: Hipertensão Arterial Com relação à dimensão "organização da atenção à saúde", a maior parte dos enfermeiros referiu que suas equipes não utilizavam o HIPERDIA para planejamento e avaliação do programa (58,7%), bem como não dispunham de contra- referência para encaminhamento ao cardiologista (95,2%) e para a realização de exames especializados (87,3%). Ainda, segundo os enfermeiros entrevistados, nenhuma equipe realizava consulta médica semestral para os pacientes sem lesão em órgão alvo, bimestral para os pacientes com lesão em órgão alvo e mensal para pacientes sem o adequado controle da doença (Tabela_3).

Tabela 3 Distribuição das equipes de saúde da família, segundo a ausência/ insuficiência de itens da dimensão organização da atenção à saúde (N = 63) referida por enfermeiros, Maringá, Paraná, Brasil, 2013  Itens avaliados Ausente/ Insuficiente Dimensão: Organização da atenção à saúde n % Utilização do HIPERDIA para planejamento e avaliação do 37 58,7 programa Sistema de contra referência para cardiologista 60 95,2 Sistema de contra referência para exames especializados 55 87,3 Protocolo de agendamento com garantia da consulta e hora 42 66,7 marcada Controle de faltosos às consultas agendadas 40 63,3 Busca ativa dos pacientes faltosos 38 60,3 Periodicidade de agendamento das consultas médicas 62 98,4 Semestral para pacientes controlados sem lesão de órgãos 63 100,0 alvo Bimestral para pacientes controlados com lesão de órgãos 63 100,0 alvo Mensalmente para pacientes sem controle da hipertensão 63 100,0 DISCUSSÃO Os resultados do estudo apontam os aspectos que inexistem ou são insuficientes, relacionados com a implantação e manutenção do programa de assistência aos indivíduos com HA em um município da região Sul do Brasil, podendo comprometer em maior ou menor grau a assistência prestada. Algumas limitações metodológicas, como o fato de não ter sido avaliado os resultados do programa sob a perspectiva dos usuários, bem como não terem sido incorporados os trabalhadores no processo de construção do instrumento de avaliação, circunscrevem os achados desta pesquisa aos componentes da estrutura e do processo, que estão pautados em um modelo ideal preconizado por protocolos.

Ainda, é importante ratificar que os entrevistados deste estudo foram os enfermeiros, o que torna os achados de ausência ou inexistência de recursos necessários à implantação do programa relativos às suas percepções.

Isto, no entanto, não dirime o valor científico dos resultados encontrados, pois percebeu-se que a escolha do profissional enfermeiro para ser o respondente deste estudo foi acertada, visto que os dados mostraram que o tempo médio de atuação deste profissional nas equipes da ESF do município era superior a seis anos, o que reforça a fidedignidade das informações coletadas e permite inferências consubstanciadas nas práticas profissionais.

Em relação à dimensão estrutural, identificou-se a ausência de um espaço físico específico para o acolhimento (50,8%), o consultório do enfermeiro (50,8%) e sala dos ACS (39,4%), bem como a inexistência de estrutura para o desenvolvimento de atividades de grupo (38,1%). Isto mostra que, apesar do município ter a ESF como modelo de atenção à saúde desde 1994, ele ainda não incorporou totalmente as bases teórico-práticas deste modelo, as quais priorizam a atenção contínua, promoção para a saúde, os atendimentos em grupo e o trabalho comunitário dos ACS na equipe mínima.

Estudo realizado com enfermeiros da ESF em uma capital do Centro-Oeste brasileiro apontou deficiências na estrutura física das UBS e falta de insumos, como materiais educativos, que estimulassem a realização de atividades junto aos indivíduos com HA. Isto comprometia suas práticas, por restringir a atuação às ações impostas pela estrutura física, que privilegiava consultórios suficientes apenas para a equipe médica, e, portanto, atendendo apenas ao modelo biomédico. Por outro lado, eles ainda revelaram que que se conviver cotidianamente com cobranças dos gestores(11). Deste modo, observa-se que, por vezes, as falhas se encontram na dimensão estrutural, fugindo do controle direto dos profissionais de saúde. No entanto, a cobrança por práticas diferentes daquelas hegemônicas, consonantes com protocolos e manuais, continua recaindo sob os profissionais.

No concernente à subdimensão "materiais e equipamentos", os enfermeiros destacaram negativamente que grande parte das equipes da ESF não possui veículo disponível para realização de atividades externas sempre que necessário. Apenas a equipe rural dispunha de carro todos os dias, uma única equipe do perímetro urbano duas vezes por semana e as demais apenas uma vez por semana, e em meio período (manhã ou tarde). É atribuição da equipe realizar assistência integral no domicílio e em outros espaços comunitários, bem como ações de vigilância e promoção para a saúde fora das unidades de saúde(9). Contudo, além da ausência de meio de transporte, outros fatores interferem para que esta atividade não alcance seus propósitos. Pesquisa qualitativa realizada junto a dez enfermeiras da ESF observou que a ausência dos profissionais na comunidade justificava-se também pelo grande número de atendimentos realizados dentro das unidades de saúde, pela falta de tempo e pelo excesso de serviços burocráticos (12).

Os enfermeiros revelaram que as UBS, em sua maioria, não possuíam esfigmomanômetro para a verificação da Pressão Arterial (PA) em pacientes obesos e crianças, especialmente nos consultórios da equipe de enfermagem. A ausência de esfigmomanômetro para obesos igualmente foi evidenciada no estudo realizado em uma capital do Nordeste(3). Isto é preocupante, pois os manuais ressaltam a importância do manguito ser compatível com a circunferência do antebraço do paciente(13). Assim, a ausência de equipamentos apropriados suscita dúvidas quanto à qualidade do atendimento prestado nas unidades de saúde pelo país, bem como em relação aos dados de prontuários e sistemas de informação, principalmente pela constante associação entre HA e obesidade.

Nestes casos, ou a PA não está sendo verificada ou está sendo de modo incorreto.

Ainda em relação a materiais e equipamentos, chama a atenção o fato de mais da metade das UBS não disponibilizar um computador por equipe, ou até mesmo impressora. Cabe destacar que o município estava em processo de informatização do prontuário eletrônico e esta não é a realidade de hoje. No entanto, se uma mesma UBS comportava duas, três e até quatro equipes da ESF, é inconcebível que não existisse ao menos um computador por equipe, pois disto depende a atualização dos dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), HIPERDIA, dentre outros sistemas de informação.

Em relação à subdimensão "materiais para educação para a saúde", 51 (81%) enfermeiros apontaram que suas equipes não dispunham de folhetos explicativos e vídeos que abordassem, especificamente, o tema da HA. É provável que essa falta decorra de falha no processo organizacional e de planejamento das equipes atuantes, que os demais enfermeiros apontaram a presença do material, o que indica, no mínimo, que eles são disponibilizados pelo município. Esta situação reveste-se de importância, visto que a relação entre a educação, a saúde e suas práticas são condicionadas por estruturas multideterminadas e complexas na busca da criação de vínculos entre a ação médica e o pensar e fazer cotidiano da população(14).

Nessa perspectiva, estudo realizado na China com 360 indivíduos com HA evidenciou que, após dois anos de acompanhamento profissional por meio de oficinas interativas de educação para a saúde, pôde-se verificar melhora significativa no conhecimento dos pacientes sobre a doença e diminuição nos fatores de risco clínicos para a prevenção de complicações relacionadas à HA (15). Portanto, o desenvolvimento de atividades de educação para a saúde torna- se um fator importante de estímulo para a aderência ao tratamento da doença.

No que se refere à capacitação dos profissionais, observou-se que a maioria não havia recebido treinamentos para o manejo adequado do paciente com HA.

Destarte, atualmente, grande parte das atividades desenvolvidas no âmbito da APS está voltada a problemas agudos e às necessidades mais urgentes dos pacientes(1). O incremento da atenção às pessoas com doenças crônicas requer um enfoque na aderência e no acompanhamento em longo prazo(16). Embora a culpa pelo não seguimento dos esquemas terapêuticos prescritos seja imputada aos pacientes, a não adesão constitui fundamentalmente também uma falha do sistema de saúde. A atenção à saúde (que fornece apoio, monitoramento constante e, principalmente, informação oportuna) aumenta o conhecimento dos pacientes e melhora a aderência ao tratamento(17). Esta lógica de assistência reduz o número de complicações da doença e proporciona melhor qualidade de vida aos indivíduos e suas famílias(18), sobretudo se os profissionais de saúde forem engajados em práticas de formação continuada.

Do mesmo modo, mais da metade dos enfermeiros afirmou que os profissionais de sua equipe não receberam treinamento para atendimento às urgências, quando não é incomum a chegada nas UBS de pacientes com crise hipertensiva grave ou em situação de parada cardiorrespiratória, trazidos pelos próprios familiares. A UBS, em geral, é o serviço de saúde mais próximo da residência e por isto os familiares buscam o atendimento imediato. Deste modo, as lacunas na capacitação dos profissionais de saúde para atuarem frente às condições crônicas e emergenciais precisam ser superadas, e as práticas de formação continuada adequadas às novas óticas de atendimento em saúde, visto que um modelo de atenção às condições crônicas na APS, pautado no acolhimento extensivo, na estratificação de risco e na gestão da clínica por meio do autocuidado apoiado e da gestão de caso tem sido proposto no cenário brasileiro(19).

Quando avaliado o grau de implantação do Programa de Assistência à HA referente à dimensão "práticas assistenciais", observa-se que as equipes se encontravam bastante incipientes. Isso porque mais de 87% delas não desenvolviam estratégias para diagnosticar indivíduos com HA na população geral, sendo que, quando desenvolvidas, estas atividades estavam associadas às dos programas municipais de promoção para a saúde, elaboradas no âmbito da secretaria municipal de saúde. Deste modo, fica evidente que as equipes, em sua maioria, limitavam-se a verificar a PA somente da demanda espontânea, seja em pacientes com alguma queixa ou no acolhimento geral. Situação semelhante foi encontrada no estudo realizado em Recife (PE), em que a captação de novos indivíduos com HA era feita predominantemente por meio da aferição da PA dos usuários da UBS, e apenas 25% das equipes utilizavam outras estratégias para o diagnóstico de casos novos, como a realização de campanhas e mutirões na comunidade(3).

Ainda, em relação às práticas de promoção para a saúde em grupo, constatou-se que a maioria das equipes não estimulava a realização de modificação no estilo de vida por meio da atividade física programada ou por meio de mudanças na alimentação. Estudos apontam que entre os indivíduos acompanhados por programas de HA, aqueles mais assíduos aos encontros na comunidade (atividades de grupo) promovidos pelos profissionais apresentam maior redução dos níveis tensionais (16,20). A presença do paciente nas atividades de grupo parece constituir condição determinante para o adequado manejo do tratamento da HA, talvez por promover motivação individual e gerar atitudes que contribuem para a redução da PA. O paciente, nesse tipo de atividade, identifica-se com outros pacientes com problemas análogos, e aprende a expressar seus medos e expectativas. Desse modo, passa a compartilhar das experiências de todos e a discutir soluções reais para os problemas de saúde que lhe são semelhantes, o que favorece a adesão ao tratamento(16,21).

Cabe salientar que mesmo com a inserção, em 2010, dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) no município, com equipes matriciais de apoio, tendo como eixos de atuação a responsabilização, gestão compartilhada e apoio à coordenação do cuidado nas equipes da ESF, a maior parte dessas equipes não incorporou o desenvolvimento de atividades voltadas à promoção para a saúde e prevenção de agravos, materializado a partir da criação e manutenção dos grupos de estímulo a hábitos saudáveis de vida, como os de caminhadas e alimentação saudável.

Em relação ao atendimento individual, constatou-se que 26 equipes (41,3%) não realizavam consulta médica com anamnese e exame físico completo. O atendimento aos pacientes com HA era realizado em grupos que se reúnem a cada três meses, com o objetivo limitado de verificar a PA e o peso, bem como prescrever e dispensar medicamentos. Nestas ocasiões, não é estratificado e nem diferenciado o atendimento conforme o grau de risco e a necessidade de cada indivíduo. Os pacientes apenas são consultados individualmente pelo médico quando apresentam alguma queixa e espontaneamente procuram a UBS para este fim, inexistindo consultas programadas.

A periodicidade da consulta ao indivíduo com HA varia e depende do controle da doença. Deste modo, segundo a condição clínica de cada pessoa, o retorno pode ser agendado por períodos que variam de uma semana a seis meses para pacientes descompensados e para pacientes estabilizados, respectivamente(9). A padronização de um calendário de consultas para pacientes com HA não é recomendado, uma vez que o plano de cuidados mais adequado e resolutivo é aquele que atende às necessidades e características individuais e evolução de cada caso(22).

Outro problema relacionado ao atendimento individual diz respeito à avaliação e à classificação do risco do paciente segundo a escala de Framingham, pois 93,6% das equipes não utilizavam esta classificação ou outra forma de estratificar o risco individual. Esse procedimento, no entanto, é apontado nos protocolos como imprescindível para a tomada da decisão terapêutica e condução do caso(9,13). A partir da identificação de risco, são recomendadas medidas adequadas sobre os hábitos de vida: alimentação saudável, interrupção do tabagismo, alcoolismo e sedentarismo. Nos casos de risco elevado, a equipe de saúde deve considerar a classificação para definir o tratamento medicamentoso(9,14).

No presente estudo, observou-se que a assistência prestada aos pacientes não considerava suas necessidades e riscos individuais, sendo estes atendidos de maneira homogênea, pois para a maior parte dos casos o retorno era agendado a cada três meses, sendo realizados atendimentos em grupo e sem exame clínico.

Esses dados são piores do que os relatados por outro estudo, o qual evidenciou que em menos de 50% das equipes os profissionais estratificavam o risco cardiovascular(3). Desta forma, os pacientes que, por motivos diversos, rotineira ou esporadicamente não comparecem às reuniões trimestrais de grupo, obrigatoriamente necessitam entrar na fila da demanda espontânea para ter acesso às consultas médicas e aos medicamentos que, embora disponíveis na UBS, majoritariamente são dispensados durante as reuniões. Esse fato acaba dificultando ainda mais o vínculo do indivíduo com a equipe de saúde e sua aderência ao tratamento da doença crônica.

Ainda em relação ao atendimento individual, constata-se que a consulta de enfermagem é uma estratégia pouco utilizada, pois a maioria dos enfermeiros (68,3%) referiu não realizá-la conforme protocolo, limitando-se a verificar PA e peso durante a atividade em grupo ou somente para a demanda espontânea, não se constituindo como uma rotina do serviço.

Estudo de caso controle realizado na Suécia, junto a 212 hipertensos divididos em dois grupos, evidenciou que no grupo intervenção, o qual recebeu consultas de enfermagem periódicas por dois anos, houve redução significativa na frequência cardíaca, índice de massa corporal, peso, cintura, colesterol de baixa densidade, relação cintura-quadril e stress percebido(23). Na assistência ao indivíduo com HA, é durante a consulta de enfermagem que se verifica a PA, estratifica-se o risco individual, orienta-se sobre a doença e o uso de medicamentos e seus efeitos adversos, avalia-se os sintomas relatados e se fornece orientações sobre hábitos de vida pessoais e familiares, e a não realização desta atividade interfere diretamente na aderência do paciente ao plano terapêutico proposto, seja ele medicamentoso ou não(16).

Tal aderência, além de ser influenciada pela consulta de enfermagem, tem forte associação com o atendimento realizado por meio de visitas e orientações domiciliares(24), o que reforça a importância de se considerar a elevada frequência de equipes que não realizavam visitas domiciliares para os pacientes não aderentes ao tratamento ou para os casos novos. Além disso, as visitas domiciliares podem se constituir em fator de envolvimento familiar no processo terapêutico, o que facilita a adesão ao tratamento da doença(24). Nesta linha, também vale ressaltar a elevada ausência de planos de cuidado dirigidos à família, considerando-se que, quando a assistência à pessoa com HA insere e incorpora a família como unidade a ser cuidada, possibilita uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e das necessidades de intervenções não curativas(25), além de estimular a atuação e participação nos cuidados necessários ao controle da doença.

Em síntese, a análise da dimensão "práticas assistenciais" apontou para um modelo assistencial ainda centrado no atendimento médico, com poucos enfermeiros inseridos na assistência aos pacientes com HA por meio da consulta de enfermagem. E, com base neste modelo biomédico, existe pouco espaço para a escuta qualificada, acolhimento e compreensão do sofrimento, o que se reflete em um cuidado fragmentado ao indivíduo e sua família. Nesta perspectiva, o controle da pressão arterial não se limita apenas à abordagem do corpo doente, sendo necessário considerar a experiência de vida e subjetividade das pessoas como aspectos imprescindíveis no processo de adoecer e de cuidar de si(26).

No que se refere à dimensão "organização da atenção à saúde" verificou-se que todas as equipes possuem um instrumento de registro específico para o cadastro, monitoramento e avaliação das atividades do Programa, o HIPERDIA. No entanto, mais da metade (58,7%) das equipes não utiliza essas informações para o planejamento, avaliação do Programa de Assistência a Hipertensão Arterial e monitoramento dos pacientes acompanhados. Estes resultados se assemelham àqueles encontrados em estudo avaliativo em uma capital do nordeste brasileiro, em que o uso da informação para o planejamento de ações não fazia parte da rotina das equipes estudadas(3). Estes dados permitem inferir que o sistema de informações do programa é visto pela maioria das equipes apenas como um procedimento burocrático de cadastramento dos indivíduos com HA e sua utilização como ferramenta de gestão e acompanhamentos dos pacientes ainda é incipiente.

Reitera-se, mais uma vez, que o modelo assistencial é centrado no atendimento médico, pois ao se identificar que a busca ativa dos pacientes faltosos não é realizada, nem se sequer valorizada pelos demais membros da equipe, apontam-se as disparidades entre as responsabilidades de ACS e enfermeiros, no atinente à busca de usuários faltosos, contrariando o que é previsto como atribuição desses profissionais. A busca ativa, juntamente com o reagendamento de consultas, atende a um dos atributos essenciais da APS e do modelo de assistência aos indivíduos com DCNT, que é a longitudinalidade da atenção, a qual melhora o reconhecimento das necessidades dos pacientes, a redução de custos e de hospitalizações, a prevenção e promoção para a saúde e a satisfação dos usuários. Assim, ao longo do tempo é estabelecida a confiança entre profissional e usuário, deixando este mais confortável para expor seus problemas e discutir suas medidas de autocuidado. Do mesmo modo, quando o profissional, de fato, conhece o usuário e suas necessidades, realiza mais rápida e profunda avaliação do problema(27).

No tocante ao atendimento pautado nas redes assistenciais, ficou evidente que a maioria das equipes apresentava dificuldades para o encaminhamento do indivíduo para médicos e/ ou exames especializados. Os mecanismos de coordenação assistencial pela rede de serviços de saúde são necessários para assegurar a integração entre os níveis de atenção. A assistência às DCNT em particular requer a utilização de recursos que, por sua complexidade tecnológica, não estão localizados apenas na APS, de modo que o acesso aos outros níveis de atenção deve ser coordenado e efetivado pela atenção primária, visto que ela deve ser a porta de entrada dos indivíduos no sistema de saúde(1).

CONCLUSÃO Os resultados do estudo permitiram identificar, na perspectiva dos enfermeiros, os aspectos que têm dificultado a implantação do programa de assistência ao indivíduo com HA, tais como: a ausência ou insuficiência de transporte para atividades externas; equipamentos de trabalho; materiais educativos; capacitação dos recursos humanos; planejamento sistematizado do cuidado junto aos indivíduos e famílias; determinação da terapêutica a partir da classificação do risco e, por fim, a referenciação do paciente para médicos e/ ou exames especializados. Destaca-se também que o trabalho efetivamente realizado não condizia totalmente com aquele proposto pelos protocolos do Ministério da Saúde e nem os elaborados no município. De acordo com os enfermeiros, a consulta médica, por exemplo, não era programada e, em muitos casos, era substituída pelos atendimentos em grupo para distribuição dos medicamentos.

O estudo apontou, ainda, que segundo os enfermeiros, as maiores dificuldades para implantação do programa estão relacionadas às dimensões práticas assistenciais e organização da atenção à saúde, as quais envolvem o processo de trabalho das equipes e de cada profissional individualmente. Nesse sentido, ao realizar o cuidado normatizado o profissional enfrenta algumas condições impostas pelo cotidiano: imprevisibilidade, variabilidades e distorções que inviabilizam o cumprimento das normas e protocolos vigentes, levando-o a criar formas próprias de realizar o atendimento.

Acredita-se que os achados podem sensibilizar os gestores municipais e das unidades a buscarem a garantia de recursos financeiros e representatividade política, além do envolvimento da comunidade na melhora da estrutura para o atendimento e da própria capacitação e motivação dos profissionais, de modo a alcançar o nível avançado de implantação do programa de atenção ao hipertenso no município. Para tanto, destaca-se a necessidade de realizar busca ativa para identificar pessoas com hipertensão conforme fatores de risco, realizar a estratificação de risco e o planejamento sistematizado de cuidados, instituir práticas clínicas avançadas, como o apoio ao autocuidado e a gestão de casos, cumprir os protocolos existentes e desenvolver ações coletivas com base em sistemas de informações.


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