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BrBRCVHe0047-20852006000100007

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variedadeBr
ano2006
fonteScielo

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Mulheres encarceradas em São Paulo: saúde mental e religiosidade

Introdução Na tradição judaico-cristã é freqüente atribuir à religião um papel determinado junto aos indivíduos que cometem crimes e foram encarcerados. A religião parece prestar-se a dar suporte emocional para homens e mulheres presos diante dos sofrimentos e privações decorrentes dessa situação específica (Oliveira, 1978; Graham, 1990). Muitos exemplos, encontrados em diferentes países e culturas, demonstram transformações importantes, decorrentes de conversão ou envolvimento religioso, nas atitudes de indivíduos que cometeram crimes. Embora esse fenômeno pareça ser bastante freqüente também no Brasil, poucos estudos sistemáticos abordaram o tema, sobretudo em mulheres.

Mulheres presidiárias: a população feminina encarcerada Uma das possíveis conseqüências da escalada da violência em nosso país é o expressivo crescimento do número de pessoas presas. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2000), entre 1993 e 2000 o número de indivíduos presos cresceu cerca de 68% no estado de São Paulo e 53% no Brasil. O estado de São Paulo tinha, em 2002, cerca de 60 mil presos, 3% deles do sexo feminino (Latin American Research Center, 2002). No Brasil as mulheres representam algo em torno de 4% da população carcerária (DEPEN, 2000), sendo tal percentual minoritário encontrado na maior parte dos países (Lemgruber, 1999; Kravitz et al., 2002; Soares e Ilgenfritz, 2002).

várias evidências que indicam uma considerável prevalência de transtornos mentais entre indivíduos encarcerados (Cardoso et al., 2004; Kravitz et al., 2004). Jordan et al. (1996) sugerem que entre um terço e a metade da população carcerária feminina britânica possa apresentar algum tipo de transtorno mental.

Teplin (1996) realizou uma série de estudos sobre a prevalência de transtornos mentais graves em homens e mulheres presos na cidade de Chicago (EUA). Quando em comparação com os dados de saúde mental da população geral, a população carcerária apresentava taxas de transtornos mentais três a quatro vezes superiores às da população geral, entretanto as prevalências são ainda mais altas quando se consideram apenas as mulheres presas (excetuando-se a esquizofrenia). Os transtornos mentais mais encontrados foram depressão, abuso de substâncias psicoativas e transtorno de estresse pós-traumático.

Aproximadamente 81% das mulheres presas em Chicago apresentaram ao menos um transtorno psiquiátrico ao longo da vida, de acordo com os critérios diagnósticos da terceira revisão do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III) (Teplin, 1996).

Existem ainda poucos estudos sobre a saúde mental da população carcerária feminina, principalmente no Brasil. Em pesquisa realizada numa penitenciária feminina em São Paulo, Almeida (1998) encontrou como sintomas mais prevalentes: insônia, ansiedade, somatização, depressão e irritabilidade. Cerca de 77% das presas entrevistadas queixaram-se de uma sensação contínua de mal-estar emocional.

Religiosidade e prisão A religiosidade ocupa um lugar importante na vida de muitas presidiárias e altera de alguma forma a pesada rotina da unidade prisional. Diversos grupos religiosos, de diferentes tradições, fazem seus cultos e estudos doutrinários com as internas. A oferta de cultos, encontros e celebrações não decorre apenas de um direito assegurado por lei, que garante ao preso o atendimento religioso solicitado, mas também da crença generalizada de que a religiosidade e a espiritualidade podem trazer benefícios psíquicos e sociais para os presos e contribuírem para a tranqüilidade da unidade carcerária e a reabilitação de alguns detentos (Oliveira, 1978; Larson et al., 1997; Varella, 2000). A religiosidade, juntamente com outros fatores como trabalho, estudo, possibilidade de manutenção dos vínculos familiares, parece contribuir para um melhor ajustamento do indivíduo à realidade e para a superação de situações difíceis como a experiência do aprisionamento e da vida numa prisão de segurança máxima (Almeida, 1998).

O objetivo deste trabalho foi verificar a prevalência de possível transtorno mental e como a experiência religiosa relaciona-se com tal perfil de saúde mental numa amostra de mulheres encarceradas.

Métodos Amostra Os dados deste trabalho provêm de uma pesquisa original com mulheres presas que cumpriam pena na Penitenciária Feminina da Capital (PFC). Esse presídio de segurança máxima está localizado na zona norte da cidade de São Paulo (SP) e integra o Complexo Penitenciário do Carandiru. Os dados foram levantados entre março de 2003 e dezembro de 2004.

De um total inicial de 405 pessoas disponíveis, concordaram em participar e foram inclusas neste estudo 358 mulheres (88,4%) condenadas pela prática de pelo menos um ato considerado ilegal e passível de pena de reclusão.

Instrumentos Foi utilizado um questionário geral (QG) de autopreenchimento (com auxílio posterior à entrevistada) elaborado especificamente para este estudo. Esse instrumento teve o objetivo de obter informações sobre essa população, nos seguintes aspectos: a) levantamento de dados sociodemográficos; b) religiosidade (atual e anterior ao aprisionamento); c) saúde mental; d) perfil criminal e questões legais. Quanto aos aspectos relacionados à religiosidade, o QG investigou qual a importância atribuída naquele momento à religiosidade em sua vida (as internas, para esta questão, optaram por uma das seguintes alternativas: 1. muito religiosa; 2. religiosa; 3. pouco religiosa; 4. sem religiosidade); a existência de práticas religiosas anteriores à prisão; a filiação religiosa anterior à prisão e a freqüência com que participava dos cultos e celebrações religiosas de seu grupo religioso.

Com relação à religiosidade no período após o aprisionamento foram questionados: 1. filiação religiosa atual; 2. freqüência atual a esse culto ou igreja; 3. filiação religiosa atual do grupo familiar (pais, irmãos, marido e filhos); 4. práticas religiosas atuais e a freqüência com que são efetuadas (prática da oração ou reza, leitura da Bíblia, e a quem recorre para obter ajuda espiritual). Perguntou-se ainda, de forma aberta, se a entrevistada havia vivenciado a experiência da conversão religiosa e, em caso afirmativo, solicitou-se uma breve descrição.

Com relação à saúde mental, o QG recolheu as seguintes informações: 1. quem desempenhou as funções parentais; 2. ocorrência ou tentativa de fuga de casa; 3. ocorrência de violência não-sexual durante a infância ou a adolescência; 4.

ocorrência de violência sexual durante a infância ou a adolescência; 5.

comportamentos de auto-agressão (ideação suicida e tentativas de suicídio).

Também foram levantados dados sobre aspectos jurídicos e criminais: 1. data da prisão (atual); 2. artigos do Código Penal nos quais a presidiária foi enquadrada; 3. total da pena recebida; 4. tempo cumprido da pena; 5.

reincidência criminal; 6. motivos existentes para o envolvimento com o crime praticado pela presidiária.

Para os aspectos referentes à saúde mental foi utilizado o General Health Questionnaire (GHQ-12), que permite rastrear possíveis transtornos mentais não- graves e detectar sintomas psicopatológicos (depressivos, ansiosos, somáticos e inespecíficos). Foi também aplicado o item de transtorno de personalidade anti- social (TPAS) do Mini-International Neuropsychiatric Interview (MINI).

Procedimentos A aplicação de ambos os instrumentos foi feita em grupos de dez pessoas nas dependências da escola da penitenciária. Os grupos foram constituídos pelo Setor de Saúde, havendo a preocupação de incluir pessoas de diferentes pavilhões, oficinas e outros setores. Embora não tenha sido possível obter uma amostra aleatória (por condições inerentes às exigências das autoridades do presídio), esse procedimento permitiu o contato com os mais variados perfis de pessoas que formavam a população da PFC naquele momento.

Após a aplicação dos questionários e seu recolhimento, fez-se uma entrevista individual; o material escrito pelas presas era conferido (devido a respostas incompletas ou desconexas, dificuldades na leitura do material escrito), havendo a possibilidade de se levantarem novas informações e se complementarem outras.

Aspectos éticos O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.

As detentas foram informadas sobre os objetivos da pesquisa, sendo-lhes garantido o sigilo sobre as respostas e as informações dadas. Considerando a quase absoluta falta de autonomia que o sistema carcerário impõe ao indivíduo preso (Goffman, 1961; Thompson, 1976), enfatizou-se a não-obrigatoriedade da participação, sendo assegurado que a participação também não traria qualquer benefício material ou legal. Todas as participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes que qualquer procedimento de investigação fosse iniciado.

Análise estatística Para a análise estatística dos dados coletados foram feitas análises descritivas das variáveis categóricas. Na comparação dos escores obtidos no GHQ-12 com relação às variáveis categóricas foi utilizado o teste qui-quadrado.

Para verificação das variáveis que influenciaram nos escores do GHQ-12 (possível caso x possível não-caso) foi utilizada a análise de regressão logística multivariada para respostas dicotômicas.

Resultados Na amostra de 358 presidiárias, a idade média foi 30,7 anos ± 8,5 e a mediana, 29 anos. Essa população é composta em grande parte por mulheres brancas (48,5%), solteiras (52%) e mães de 2,1 ± 1,7 filhos com mediana de dois filhos.

Quanto ao número de anos de estudo com sucesso, foi encontrado o tempo médio de 5,9 anos ± 2,9 e a mediana de cinco anos. Nasceram no estado de São Paulo 68,5% da amostra. A Tabela_1apresenta dados sociodemográficos mais específicos da amostra como estado civil, número de filhos, anos de estudo com sucesso e profissões exercidas antes do aprisionamento.

Na Tabela_2são apresentados os tipos de crime praticados, especificando-se o que foi considerado violento, não violento, relacionado ao tráfico de drogas e combinados. Nessa tabela apresentam-se também a pena imposta (em anos) e o tempo durante o qual a mulher está presa.

Em relação à religiosidade, identificou-se que antes do aprisionamento 257 (72%) presas tinham práticas religiosas, 151 (42%) eram evangélicas, 94 (26%) eram católicas e 95 (26%) não tinham religião. Um terço delas tinha freqüência assídua a cultos, um terço a tinha irregular e outro terço não freqüentava reuniões religiosas. Cinqüenta e sete por cento das presas referiram ter tido uma experiência de conversão religiosa em suas vidas. Quanto à intensidade da religiosidade no momento, 86% declararam-se muito religiosas ou religiosas.

A Tabela_3mostra os dados de afiliação religiosa das presas no momento atual (após o aprisionamento) e a comparação entre a afiliação religiosa das presas e a de suas famílias, permitindo que se percebam as relações entre histórico familiar e transformações vivenciadas pelas internas depois que foram encarceradas.

A Tabela_4traz informações sobre a saúde mental das internas, mostrando os resultados obtidos com o GHQ-12 e informações sobre a prevalência do TPAS.

Na Tabela_5é apresentada a relação entre a intensidade de envolvimento religioso (como a pessoa se considera em relação à vida religiosa) e o escore obtido no GHQ-12, que indica se o sujeito é um possível caso de transtorno mental.

Finalmente, realizaram-se análises de regressão logística bivariada e multivariada que investigaram todas as variáveis colhidas e a sua influência sobre os escores do GHQ-12. Nas análises de regressão logística bivariada, as únicas variáveis que se associaram significativamente a um escore acima de 3 no GHQ-12 (possível caso) foram: ter perdido o sono ultimamente(odds4,12; IC: 2,39-7,8; p< 0,001), ter menor intensidade do envolvimento religioso(odds2,47; IC: 1,22-5,01; p< 0,05), ter tido idéias suicidas no passado(odds1,85; IC: 1,15-2,98; p< 0,05) e ter tido uma tentativa de suicídio no passado(odds1,86; IC: 1,1-3,14; p< 0,05). Também revelaram tendência à significação estatística as variáveis ter sofrido agressão sexual na infância(odds1,67; IC: 0,97-2,9; p= 0,06) e família não freqüentar a igreja(odds1,79; IC: 0,96-3,34; p = 0,07).

Na regressão logística multivariada apenas se mantiveram no modelo final ter perdido o sono ultimamente(odds4,44; IC: 2,547,76; p< 0,001) e ter tido uma tentativa de suicídio no passado(odds 2,12; IC: 1,21-3,71; p < 0,001).

Discussão Os dados apresentados neste trabalho concordam com a evidência, demonstrada pelas literaturas nacional e internacional, da importância da religiosidade na vida de sujeitos encarcerados; no presente trabalho 86% das presas afirmaram ser muito religiosasou religiosas.

Parece ser consenso entre os autores que estudam a situação carcerária brasileira que a maior parte dessa população é formada por indivíduos oriundos principalmente dos segmentos sociais marcados pela exclusão social, política e econômica (Palma et al., 1996; Lemgruber, 1999). A presente pesquisa encontrou que grande parte das internas nessa penitenciária procede das camadas menos favorecidas da sociedade, o que pode ser constatado pela baixa escolaridade, pelo predomínio de ocupações de baixa qualificação e salários proporcionais, por históricos de vida marcados pela precariedade material, educacional e afetiva e por acontecimentos traumáticos como perda precoce do amparo parental, violência física e sexual, evasão do lar, entre outros.

Quanto à afiliação religiosa, cerca de 56% das internas declarou participar das igrejas evangélicas, especialmente das neopentecostais que atuam na PFC, como a Igreja Apostólica Renascer em Cristo (Renascer) e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Esse dado difere bastante do encontrado para a população geral.

De acordo com o Censo 2000 (Jacob et al., ), 15,6% da população brasileira total declarou-se filiada a igrejas evangélicas.

Pesquisas anteriores haviam revelado que, na população carcerária brasileira, os percentuais de afiliação a igrejas evangélicas variava entre 25% e 30% (Oliveira, 1978; Lemgruber, 1999; Latin American Center Research, 2002). Assim, os dados de 42% (antes da prisão) e de 56% (no momento da pesquisa) de afiliadas a igrejas evangélicas encontrados no presente trabalho são, de certa forma, surpreendentemente altos.

Essa diferença talvez possa ser explicada por alguns fatos como dupla afiliação religiosa (igrejas evangélicas e igreja católica, igrejas evangélicas e grupos kardecistas, etc.) ou pela vigorosa, crescente e permanente atuação das igrejas neopentecostais tanto fora (nos segmentos mais pobres e excluídos da sociedade brasileira) quanto dentro da penitenciária, em especial a IURD, a Renascer (igreja evangélica mencionada mais vezes durante o período em que a pesquisa foi feita) e a Comunidade da Graça. Em particular, dentro da penitenciária feminina de São Paulo, a Renascer tem uma intensa ação social e proselitista.

Para Pierucci e Prandi (1996) as religiões de conversão, notadamente as neopentecostais, crescem na pobreza e na marginalidade social. Anteriormente O'Dea (1969) e D'Epinay (1970) apontaram o crescimento da religiosidade pentecostal entre as classes mais pobres. Entendiam, a partir de uma perspectiva sociológica, que a adesão às igrejas evangélicas ' especialmente as pentecostais ' era uma maneira de indivíduos que tinham sido obrigados a abandonar um tipo de sociedade mais tradicional (rural ou agrária) e se deslocar para outras áreas (urbanas ou mais modernas) se organizarem e se adaptarem a uma nova realidade. Berger (1995) também entende a religião como uma defesa importante contra a anomia sociale também como poderosa força de reprodução social. Para Rolim (1981) a vinculação do pentecostalismo (clássico) às camadas populares desprivilegiadasfaz parte da história e da própria identidade dessa corrente protestante.

Um dado original e mesmo surpreendente deste trabalho foi a constatação de que o envolvimento com as igrejas evangélicas muitas vezes é anterior ao aprisionamento, encontrando-se um mero significativo de famílias de mulheres presas que se declaram evangélicas: 49,2% das famílias das entrevistadas são evangélicas pentecostais, havendo a possibilidade de que diversas presidiárias tenham sido criadas freqüentando algumas dessas igrejas. Assim, a hipótese difundida pelo senso comum de que nos bolsões de miséria da sociedade brasileira a afiliação a igrejas evangélicas protegeriacontra o envolvimento criminal parece ser questionada pelos dados do presente trabalho. É possível que nos meios populares de grande adversidade socioeconômica e cultural ocorram, de fato, negociações simbólicas muito mais complexas do que o aparente moralismo rígido da religiosidade evangélica faz supor e o senso comum registra: negociações que integrem a necessidade de religiosidade, valores flexíveis e mutantes relacionados a normas e transgressão, assim como formas de constituir a subjetividade e a identidade e se adaptar às contingências da vida.

Aproximadamente 57% das internas afirmaram ter vivido a experiência da conversão religiosa. Entretanto existem várias e diferentes interpretações quanto a natureza, significado e conseqüências do fenômeno, tanto entre os sociólogos quanto entre teólogos e religiosos. Para James (1995) a conversão religiosa é uma experiência profunda, intensa e arrebatadora que possibilita a integração da personalidade, trazendo sentimentos de segurança e bem-estar ao indivíduo. Segundo Alves (1982), o sujeito que se converte passará a dividir sua vida em duas metades: antes e depois da conversão. A consciência de pecado e imperfeição é substituída por sentimentos de renovação, de novidade de vida, um novo nascimento, segundo a linguagem bíblica.

A título de exemplo, reproduzimos aqui duas falas pertinentes que exemplificam as teses desses autores: "Sonho com o dia que eu reencontre o meu Salvador. Sou ingrata com o meu Deus, meu coração pende aos desejos carnais, então às vezes fico com vergonha de Deus porque eu não O mereço. Eu me preparei durante meses buscando a conversão verdadeira, porém depois do batismo eu me rebelei completamente" (GEMF, 31 anos, presa por tráfico de drogas ' Igreja Universal).

"Foi bom [a conversão religiosa], mas como não somos justos e eu sei que sou muito falha, acabei caindo. Não tenho muito mais o que falar. Caí!" (CEM, 28 anos, presa por tráfico de drogas ' Igreja Universal).

Possível transtorno mental entre as presas A aplicação do GHQ-12 identificou 95 pessoas com pontuação igual ou acima de 4, representando 26,6% da amostra. Esse resultado foi próximo (ou um pouco abaixo) dos mencionados por Almeida Filho (1997) e Costa (2001) para a população brasileira em geral e substancialmente inferior aos encontrados para as mulheres presas na Irlanda, em 1999 (WHO, 2000; Kravitz et al., 2002). Nesse país, em 13 prisões foi utilizado o GHQ-12 (nota de corte 3) numa amostra de 800 pessoas de ambos os sexos. Nas prisões irlandesas estudadas, a aplicação do GHQ-12 demonstrou que 48% da população masculina e 75% da feminina foram considerados possíveis casos psiquiátricos. Essas pessoas passaram por entrevistas psiquiátricas posteriores, tendo sido constatado um nível muito elevado de ansiedade e depressão entre os entrevistados, conforme indicado pelo questionário Health in Prisons Project.

Como mencionado anteriormente, Teplin et al. (1996) encontraram que aproximadamente 80% da população estudada teria desenvolvido ao menos um sintoma psicopatológico significativo ao longo da vida.

O item de transtorno de personalidade anti-social do MINI evidenciou uma freqüência de 15,6%. Afreqüência por nós encontrada foi muito inferior às relatadas por outros autores (Rigonatti, 2003).

Os resultados do presente estudo revelando baixa prevalência de possíveis casos psiquiátricosdevem ser analisados com cautela. Deve-se considerar que portadores de transtornos psiquiátricos mais graves não permanecem nas penitenciárias, sendo transferidos para os hospitais judiciários. Isso é feito por força de lei e também porque pacientes psiquiátricos podem causar problemas sérios em um ambiente comumente tenso e agitado. Mas tal procedimento não é exclusividade do sistema carcerário brasileiro e possivelmente também tem sua influência (reduzindo as prevalências) nos estudos mencionados.

Também é necessário considerar a possível influência de uma certa cultura institucionalou ethosda prisão. De acordo com depoimento de psicólogas da penitenciária e também notado claramente por um dos pesquisadores (PACM), em um meio violento como o existente na PFC não espaço ou condições para que as pessoas demonstrem fragilidade ou se exponham excessivamente. O ethos penitenciárioparece exigir que as pessoas sejam ou muito fortes e dominadoras ou extremamente sagazes. E esse ethospoderia ter interferido nas respostas dadas pelas presidiárias.

No modelo de regressão logística multivariado apenas as variáveis ter perdido o sono ultimamentee ter tido uma tentativa de suicídio no passadopermaneceram significativas no modelo final. Esse resultado implica apenas que o sofrimento atual das mulheres que obtiveram pontuação mais alta no GHQ-12 se relaciona com as dificuldades presentes ao longo de suas vidas (tentativas de suicídio no passado). Sendo o sono um dos itens do próprio GHQ 12, o achado é, de fato, redundante.

Comparando o grau de envolvimento das presidiárias com a religiosidade e a saúde mental, foi encontrada nas análises bivariadas uma associação positiva para esses itens. Na população pesquisada, as mulheres que se declararam muito religiosase religiosasapresentaram menos freqüências de casodo que as pessoas que se declararam pouco religiosas ou sem religião.

Embora esse achado não se tenha mantido no modelo multivariado, pode-se sugerir esteja na mesma linha de achados da literatura internacional (Larson et al., 1997; Koenig e Larson, 2001; Dalgalarrondo, 2004) que indicam ser a religiosidade, de forma geral, um elemento protetor da saúde mental. É possível que a religiosidade contribua para a recuperação da auto-imagem do indivíduo preso. No caso específico da PFC, é possível que a adesão a uma nova forma de religiosidade contribua para a sensação de ter sido perdoado de seus pecados, deixando de se considerar apenas um criminoso para se transformar em filho de Deus. Ocorreria um processo culturalmente sancionado de reconstituição da identidade e de criação de novas perspectivas para a trajetória de vida, pelo menos para algumas das mulheres estudadas.

A religiosidade também pode representar um sentido para a áspera experiência do aprisionamento, o que ajudaria a presa a enfrentar o cotidiano de uma penitenciária.A transcrição a seguir da fala de uma presa objetiva exemplificar como a religiosidade atuou em sua vida. Ela é solteira, analfabeta e mãe de três filhos que no momento da entrevista, moravam em uma favela de São Paulo sob os cuidados de uma amiga. Cumpre observar que a situação dos filhos era motivo de grande preocupação para a entrevistada. Perguntada sobre como a religiosidade interferia no seu cotidiano, respondeu da seguinte forma: "Eu quero ser serva de Jesus. Entrego tudo nas mãos de Deus. Eu não sou neurótica, nunca briguei aqui. (...) Deus alegra a gente. Mas o lugar é triste, muito triste, entristece a gente. Peço para tirar uma palavrana Bíblia. E Deus fala claramente, a gente pede e Ele fala e acalma... Ele coloca a gente num lugar como este pra gente ver que Ele existe. Isto [a penitenciária] é coisa do inimigo [Satanás]... Estou mais calma agora, se Jesus fala [promete], eu vou sair desta vida". (43 anos, presa por tráfico de drogas ' Igreja Universal).

Conclusão O presente trabalho encontrou uma prevalência relativamente baixa de transtornos mentais em mulheres encarceradas no Presídio Feminino de São Paulo.

Verificou também possíveis relações positivas entre religiosidade e saúde mental junto a mulheres presas, concordando em parte com a literatura existente. Observou alta freqüência de presas afiliadas a igrejas evangélicas, embora estas circulem entre as diferentes confissões e cultos existentes na unidade prisional.

É plausível que a conversão religiosa contribua para a reconstrução da auto- imagem e forneça um sentido para a existência do indivíduo, não para a sua situação de encarcerado, mas também para outros aspectos como pobreza e exclusão social, falta de trabalho, desestruturação familiar, entre outros.

Ao contrário do imaginado pelo senso comum, não foram encontrados dados sugestivos de que a religiosidade pudesse evitar o envolvimento com a criminalidade. Assim a suposição de que nos bolsões de pobreza das grandes cidades brasileiras a presença maciça de igrejas pentecostais e neopentecostais inibe comportamentos criminosos não foi evidenciada empiricamente por este trabalho (pois mais de 40% das presas eram evangélicas antes do aprisionamento). Foi encontrado um expressivo interesse religioso anterior ao aprisionamento, questão que mereceria estudos posteriores envolvendo a população geral e estudos etnográficos nas comunidades.

A questão da saúde mental da população carcerária é relativamente pouco estudada no Brasil. O tema é de grande importância por estar relacionado com o crescimento da violência em todo o país, pela importância da religiosidade, sobretudo nas classes populares, e por serem as presidiárias um dos grupos minoritários substancialmente negligenciados por estudos científicos e por ações de reabilitação.


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