Eficácia e segurança dos antipsicóticos atípicos nas demências: uma revisão
sistemática
noshade">
Introdução
A demência é uma síndrome caracterizada por declínio persistente em múltiplos
domínios cognitivos. Associa-se a esse comprometimento cognitivo uma ampla gama
de sintomas psiquiátricos, como alucinações, delírios, ansiedade,
agressividade, agitação, comportamento excessivamente desinibido ou passivo,
distúrbios do sono e/ou do humor, conhecidos como sintomas psicológicos e
comportamentais das demências(SPCD) (McKeith e Cummings), 2005; Finkel et al.,
1996; Cohen-Mansfield e Billing, 1998). Os SPCD ocorrem em 60% a 90% dos idosos
com demência (Hope et al., 1999; Lyketsos et al., 2002).
O impacto negativo dessas alterações evidencia-se na piora da capacidade
funcional e da qualidade de vida dos pacientes e por sofrimento e estresse dos
familiares e cuidadores. Além disso, os SPCD contribuem para maior número de
intervenções médicas, elevação dos custos (Helmels et al., 2001) e
institucionalização prematura (Cohen et al., 1993).
Dentro do espectro dos SPCD destacam-se delírios, alucinações e comportamento
agitado ou agressivo, que acometem 18%, 11% e 30% dos idosos com demência,
respectivamente (Lyketsos et al., 2002). Para o manejo desses sintomas são
utilizadas estratégias não-farmacológicas (Teri et al., 2002) e farmacológicas
(Tariot et al., 2001). Entre essas, os antipsicóticos são os fármacos mais
estudados (Herrmann, 2001; AGS/AAGP, 2003; Alexopoulos et al., 2004).
Até meados de 1990, os antipsicóticos típicos eram os fármacos mais empregados.
Uma metanálise de sete ensaios controlados com placebo (Schneider et al., 1990)
demonstrou eficácia de 18%. Não se encontrou diferença em meio aos diversos
antipsicóticos clássicos avaliados. Entre eles, o haloperidol foi o mais
estudado e sua ação restringiu-se ao controle da agressividade (Lonergan et
al., 2002). Além da modesta eficácia, os antipsicóticos típicos associaram-se a
relevante incidência de sintomas extrapiramidais, discinesia tardia e efeitos
anticolinérgicos.
Na última década, os antipsicóticos atípicos têm sido amplamente usados no
tratamento dos SPCD (Alexopoulos et al., 2004; Lee et al., 2004; Sink et al.,
2005; Carson et al., 2006), em virtude da menor incidência de sintomas
extrapiramidais e discinesia tardia (Jeste et al., 1999a; Jeste et al., 1999b;
van Iersel et al., 2005). Apesar da rápida aceitação clínica, evidências
relativas à sua eficácia e à sua segurança em SPCD são ainda limitadas.
Particularmente, a possível associação entre o uso desses agentes e maior risco
de mortalidade e eventos cerebrovasculares em idosos com demência tem sido alvo
de discussões na comunidade médica. Este estudo é uma atualização sobre o tema
e suas implicações na prática clínica.
Métodos
Foi realizada uma revisão da literatura indexada nas bases de dados MEDLINE,
LILACS e da Biblioteca Cochrane no período de janeiro de 1996 a junho de 2006.
Foram utilizados os seguintes termos de busca: dementia, neuropsychiatric
symptomse atypical antipsychotics. Foram incluídas metanálises e ensaios
clínicos randomizados (ECR) controlados com placebo que avaliassem
antipsicóticos atípicos (aripiprazol, clozapina, olanzapina, quetiapina,
risperidona e ziprasidona) para terapêutica de SPCD.
Resultados
Foram encontradas três metanálises que avaliaram ECR, publicados e não-
publicados. Duas metanálises, a de Ballard envolvendo dez ECR e a de Schneider
envolvendo 15 ECR (Ballard e Waite, 2006 e Schneider et al., 2006a), avaliaram
a eficácia e os eventos adversos dos antipsicóticos atípicos no tratamento de
agressividade, agitação e sintomas psicóticos associados às demências. A
terceira metanálise (15 ECR) (Schneider et al., 2005) enfocou o risco de morte
associado ao uso de antipsicóticos atípicos no tratamento de SPCD.
Foram identificados nove ECR controlados com placebo, sendo quatro estudos com
risperidona (De Deyn et al., 1999; Katz et al., 1999; Brodaty et al., 2003;
Mintzer et al., 2006), dois com olanzapina (Street et al., 2000; De Deyn et
al., 2004), um com risperidona e olanzapina (Debert et al., 2005), um com
quetiapina (Ballard et al., 2005) e um com aripiprazol (De Deyn et al., 2005).
Todos os ECR identificados foram incluídos nas metanálises, e suas
características estão descritas na Tabela_1.
Sintetizamos a seguir as evidências relativas à eficácia e à segurança dos
antipsicóticos atípicos.
Eficácia dos antipsicóticos atípicos
Risperidona
Há cinco ECR publicados e incluídos nas metanálises de Ballard e Waite (2006) e
Schneider et al.(2006a). Foram avaliados 1.141 pacientes em uso de risperidona
versus755 com placebo por período de oito a 12 semanas de tratamento. Dos cinco
ECR, dois (Katz et al., 1999; Brodaty et al., 2003) demonstraram eficácia da
risperidona.
Katz et al.(1999) avaliaram a eficácia de doses fixas de risperidfona (0,5; 1
ou 2mg/dia) em 625 idosos com demência, institucionalizados, com sintomas
psicóticos ou comportamentais. Após 12 semanas, 45% dos pacientes que receberam
risperidona 1mg/dia (p= 0,02) e 50% dos que receberam risperidona 2mg/dia (p=
0,002), comparados com 33% no grupo placebo, tiveram redução > 50% na pontuação
total da escala Behavioural Pathology in Alzheimer's Disease (BEHAVE-AD). A
dose de 2mg/dia foi igualmente eficaz à dose de 1mg/dia de risperidona e
resultou em efeitos colaterais mais freqüentes, como sonolência e sintomas
extrapiramidais.
No ensaio duplo-cego de De Deyn et al.(1999) com duração de 12 semanas,
envolvendo 344 idosos institucionalizados, a risperidona (doses flexíveis: 0,5
a 4mg/dia; dose média: 1,1mg/dia) não apresentou resposta superior à do
haloperidol (doses flexíveis: 0,5 a 4mg/dia; dose média: 1,2mg/dia) ou à do
placebo na avaliação primária de eficácia (redução > 30% BEHAVE-AD).
Brodaty et al.(2003) avaliaram os efeitos da risperidona (doses flexíveis: 0,5
a 2mg/dia) no tratamento de 345 idosos institucionalizados e com comportamento
agressivo significativo, por período de 12 semanas. A risperidona (dose média:
0,95mg/dia) apresentou eficácia superior ao placebo (p< 0,001) na redução na
pontuação da subescala de agressividade da Cohen-Mansfield Agitation Inventory
(CMAI).
Em 2005, Debert et al.compararam a eficácia da risperidona (dose média: 1mg/
dia; n= 196) versusolanzapina e placebo no controle de sintomas psicóticos de
494 idosos com demência, por período de dez semanas. Não houve diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos na redução na soma dos itens
alucinações e delírios da escala Neuropsychiatric Inventory (NPI) e da Clinical
Global Impression/Severity of Psychosis (CGI-S Psychosis).
Em estudo recente, Mintzer et al.(2006) avaliaram a eficácia e a segurança da
risperidona (doses flexíveis: 1 a 1,5mg/dia) no tratamento de sintomas
psicóticos na doença de Alzheimer (DA) (n= 473) por oito semanas. Não houve
diferença estatisticamente significativa entre risperidona (dose média: 1,03mg/
dia) e placebo na redução na subescala de sintomas psicóticos da BEHAVE-AD e na
Clinical Global Impression of Change (CGI-C).
Nas metanálises de Ballard e Waite (2006) e de Schneider et al.(2006), a
risperidona (1 e 2mg/dia) apresentou eficácia global nas subescalas de sintomas
psicóticos e agressividade. Em todos os ECR houve elevadas taxas de resposta
(33%-66,2%) no grupo placebo.
Olanzapina
Existem três ECR publicados. No total foram avaliados 876 pacientes em uso de
olanzapina e 270 pacientes com placebo, por período de seis a dez semanas. Em
apenas um ECR (Street et al., 2000) a olanzapina apresentou eficácia superior à
do placebo. Street et al.(2000) avaliaram a eficácia da olanzapina em 206
idosos com DA, por seis semanas. Doses de 5 e 10mg/dia, e não 15mg/dia, foram
significativamente superiores ao placebo na redução de pelo menos 50% na
pontuação da soma de três sintomas nucleares (agitação/ agressividade,
alucinações e delírios) da Neuropsychiatric Inventory/Nursing Home version
(NPI/NH).
De Deyn et al.(2004) avaliaram a eficácia de doses fixas de olanzapina (1; 2,5;
5 ou 7,5mg/dia) no tratamento de sintomas psicóticos de 652 idosos durante dez
semanas. Não houve diferença entre os grupos olanzapina e placebo.
No ensaio de Debert et al.(2005) foi comparada a eficácia de doses flexíveis de
olanzapina (dose média: 5,2mg/dia; n= 204) versusrisperidona e placebo no
controle de sintomas psicóticos em 494 idosos durante dez semanas. Não houve
diferença de eficácia entre os grupos.
Na metanálise de Schneider et al.(2006a) foram incluídos os três ECR citados.
Entre esses ensaios, não foi encontrada eficácia global após análise combinada
nas escalas NPI e Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS). Entretanto na
metanálise de Ballard e Waite (2006) foram incluídos os três ECR citados e um
ECR não-publicado, cujo resultado era positivo. Após análise combinada dos
dados segregados em subescalas, a olanzapina (5 a 10mg/dia) demonstrou eficácia
na redução da agressividade. Em todos os ensaios houve elevada resposta (33% a
66,2%) com placebo.
Aripiprazol
Há um ECR publicado. De Deyn et al.(2005) compararam aripiprazol (2 a 15mg/dia)
com placebo no tratamento de sintomas psicóticos em idosos com DA em 208
pacientes durante dez semanas. O aripiprazol foi similar ao placebo (p= 0,17)
na medida de eficácia primária (redução na subescala de psicose da NPI).
Na metanálise de Ballard e Waite (2006), o ECR citado foi o único incluído.
Schneider et al.(2006a) incluíram em sua metanálise o estudo de De Deyn et al.
(2005) e dois ECR não-publicados. Esses ensaios utilizaram desenhos similares e
analisaram idosos com DA e sintomas psicóticos por período de dez semanas. O
aripiprazol (2 a 15mg/dia) demonstrou eficácia global significativa, sem
eficácia no controle específico de sintomas psicóticos.
Quetiapina
Há um ECR publicado. Ballard e Waite (2005) investigaram a eficácia da
quetiapina e da rivastigmina no controle da agitação associada à DA e avaliaram
suas repercussões também no desempenho cognitivo (n= 80; duração: 26 semanas).
Nem a quetiapina (doses flexíveis: 50 a 100mg/dia) nem a rivastigmina (doses
flexíveis: 6 a 12mg/dia), em comparação com o placebo, resultaram em melhora
significativa. A quetiapina associou-se a declínio cognitivo superior ao
placebo.
Na metanálise de Ballard e Waite (2006), o ECR citado foi o único incluído. Não
houve dados suficientes para avaliação de eficácia. Schneider et al.(2006a)
incluíram em sua metanálise o estudo de Ballard et al.(2005) e dois ECR não-
publicados, também sem diferença significativa entre quetiapina e placebo. Em
virtude da heterogeneidade dos ECR, não foi possível a análise combinada dos
resultados de eficácia.
Eventos adversos comuns e abandonos
Nos ensaios, os eventos adversos foram relatados heterogeneamente e de forma
incompleta. Sonolência, quedas, lesões (sem especificação), síncope, sintomas
extrapiramidais, hematomas (equimoses, púrpuras e contusões), edema e infecções
do trato urinário foram os mais freqüentemente mencionados (van Iersel et al.,
2005; Ballard e Waite, 2006; Schneider et al., 2006a).
Segundo metanálise de Schneider et al.(2006a), os sintomas mais freqüentes dos
fármacos estudados foram sonolência (dose-dependente) (odds ratio[OR] = 2,84;
IC 95%: 2,25-3,58), infecção do trato urinário e incontinência urinária (OR =
1,51; IC 95%: 1,07-2,12) e sintomas extrapiramidais (OR = 1,51; IC 95%: 1,2-
1,91).
Entre todos os antipsicóticos atípicos, a risperidona associou-se mais
fortemente a sintomas extrapiramidais (OR = 1,8; IC 95%: 1,35-2,42).
Risperidona e olanzapina associaram-se mais comumente a anormalidades de marcha
(OR = 3,42; IC 95%: 1,78-6,56). Declínio cognitivo associouse
significativamente ao uso de antipsicóticos atípicos em comparação ao placebo
(p< 0,0001).
Um total de 1.079 (32,2%) pacientes nos grupos em tratamento e 551 (31,4%)
pacientes no grupo placebo abandonou os estudos por causas diversas, embora com
significativa heterogeneidade entre os ensaios (Schneider et al., 2005).
Risco de eventos cerebrovasculares e mortalidade
O estudo de Brodaty et al.(2003) foi o primeiro a relatar aumento na incidência
de eventos cerebrovasculares e maior mortalidade entre idosos com demência
tratados com risperidona. Nesse ensaio, 16,8% dos pacientes em uso de
risperidona (versus8,8% no grupo placebo) apresentaram eventos adversos graves,
incluindo cinco acidentes cerebrovasculares e um ataque isquêmico transitório.
Dez pacientes faleceram: seis (3,6%) no grupo da risperidona e quatro (2,4%) no
do placebo. As causas mais freqüentes foram pneumonia (três com risperidona e
um com placebo) e acidente vascular cerebral (AVC) (dois com risperidona).
Revisão de ECR não-publicados, conduzida pela Food and Drug Administration
(FDA) e Health Canada, também apontou maior mortalidade associada ao uso de
antipsicóticos atípicos em SPCD (FDA Public Health Advisory, 2005). Esses
órgãos analisaram retrospectivamente 17 ECR que envolveram 5.106 idosos
portadores de demência em uso de placebo ou de um dos quatro atípicos
(olanzapina, risperidona, aripiprazol e quetiapina), por período de até dez
semanas de tratamento. Os dados demonstraram aumento de 1,7 vez no risco
relativo de morte, com risco absoluto de 1,9% entre os idosos em uso de
antipsicóticos de segunda geração (Singh e Wooltorton, 2005). A maioria das
mortes relatadas deveu-se a eventos cardíacos (morte súbita e insuficiência
cardíaca) ou a infecções (principalmente pneumonia).
Desde então a constatação desses eventos adversos graves em estudos similares
com risperidona e olanzapina justificou a divulgação de alertas de segurança
(Wooltorton, 2002 e 2004).
Consubstancia esses dados a metanálise realizada por Schneider et al.(2005) com
15 ECR (nove não-publicados) para avaliar o risco de morte associado ao uso de
antipsicóticos atípicos em demência. Esses estudos, com duração de oito a 12
semanas, evidenciaram pequeno aumento no risco de mortalidade, 3,5% de mortes
com antipsicóticos atípicos e 2,3% com placebo (OR = 1,54; IC 95%: 1,06-2,23).
O risco só pôde ser identificado quando os resultados foram combinados.
Expressos em risco de morte por paciente, esses resultados significam que os
antipsicóticos atípicos potencialmente causam uma morte a cada 85 pacientes
tratados e, se extrapolados em mortes de pessoas por ano de tratamento,
significam uma morte a cada 12 pacientes por ano de tratamento (Schneider et
al., 2006b).
Maior risco de mortalidade também parece se associar ao uso de antipsicóticos
típicos comparativamente aos atípicos, conforme o estudo de Wang et al.(2005).
Esses autores conduziram estudo de coorte retrospectivo com 22.890 indivíduos
(> 65 anos) que iniciaram uso de antipsicóticos convencionais ou atípicos entre
1994 e 2003. Foram comparados os riscos de mortalidade em diferentes intervalos
em até 180 dias de terapia com antipsicóticos. Os antipsicóticos convencionais
se associaram a risco ajustado significativamente maior de morte em comparação
aos atípicos para todos os intervalos estudados, com riscos maiores logo após o
início da terapia (< 40 dias) e com doses mais altas dos fármacos.
Quanto ao risco de eventos cerebrovasculares, con-forme metanálise de Schneider
et al.(2006a), há evidências de que os antipsicóticos atípicos (1,9%) associam-
se a maior risco em comparação ao placebo (0,9%) (OR = 2,13; IC 95%: 1,2-3,75).
Maior risco de eventos cerebrovasculares parece se associar similarmente ao uso
de antipsicóticos típicos (Gill et al., 2005; Percudani et al., 2005), embora
os ensaios iniciais tenham apresentado evidências controversas e não-favoráveis
a esse potencial risco (Herrmann et al., 2004; Herrmann et al., 2005; Liperoti
et al., 2006).
Discussão
Na maioria dos ECR foram avaliados idosos em sua oitava década de vida, do sexo
feminino, portadores de DA (estágio moderado a grave), institucionalizados, por
período médio de dez semanas de tratamento. As evidências demonstram eficácia
modesta global da risperidona (1mg/dia) e específica no controle da
agressividade e sintomas psicóticos associados às demências. A olanzapina (5 a
10mg/dia) mostrou eficácia apenas em agressividade e o aripiprazol (2 a 15mg/
dia) apresentou redução global de sintomas, entretanto sem melhora de sintomas
psicóticos. Para a quetiapina, as evidências são limitadas e não demonstraram
eficácia superior à do placebo. Não há estudos controlados sobre o emprego de
clozapina ou ziprasidona em SPCD.
Na interpretação dos resultados sobre eficácia devem ser consideradas algumas
limitações metodológicas. Em primeiro lugar, há de se considerar a inclusão de
diversos tipos de demência, em diferentes fases de evolução, com pacientes
institucionalizados ou ambulatoriais, e a gama de sintomas psiquiátricos
envolvidos. Além disso, diferentes estudos empregam distintas escalas (e/ou
subescalas) e critérios para avaliar a eficácia dos tratamentos. Alguns ensaios
abordam escores totais de escalas que abrangem diversos SPCD; outros avaliam
alguns sintomas específicos como agitação, agressividade ou sintomas
psicóticos. Essa heterogeneidade torna difícil a interpretação dos ensaios
individualmente e sua combinação em estudos de metanálise. É possível que a
dificuldade de evidenciar atividade antipsicótica de típicos e atípicos em
pacientes com demência possa ser atribuída a esses problemas metodológicos.
Outro problema é a transposição da significância estatística para efeitos
clinicamente significativos.
Aspecto importante é a elevada resposta ao placebo observada (33%-66,2%). Esse
fato provavelmente reflete uma significativa taxa de resolução espontânea
desses sintomas e aponta para um possível valor das co-intervenções não
farmacológicas.
Os eventos adversos mais comuns com o uso de antipsicóticos atípicos foram
sonolência, sintomas extrapiramidais, incontinência e/ou infecção do trato
urinário. Entre os antipsicóticos atípicos, risperidona foi a mais
freqüentemente associada a sintomas extrapiramidais; e risperidona e
olanzapina, a alterações de marcha. Maior declínio cognitivo associou-se ao uso
de antipsicóticos atípicos. Esses efeitos colaterais demonstraram-se dose-
dependentes (van Iersel et al., 2005), o que sustenta a prática de iniciar os
antipsicóticos em baixas dosagens e progredir com ajustes graduais conforme a
tolerância do paciente.
Ensaios clínicos de curto prazo (oito a 12 semanas) mostraram que o uso de
antipsicóticos atípicos em idosos com demência associa-se a aumento aproximado
de 1,5 vez no risco de mortalidade e de duas vezes no risco de eventos
cardiovasculares. As hipóteses para o aumento de mortalidade são relacionadas
aos efeitos colaterais dos antipsicóticos atípicos, como sedação, sintomas
extrapiramidais e distúrbios de marcha. Esses efeitos colaterais aumentariam o
tempo de permanência do paciente na cama com aumento do risco de infecção e de
problemas respiratórios e cardiovasculares (Schneider et al., 2006a). Os
mecanismos aventados para o maior risco de eventos cerebrovasculares são
efeitos tromboembólicos, alterações cardiovasculares (arritmias e hipotensão
ortostática), sedação excessiva (por resultar em desidratação e
hemoconcentração) e hiperprolactinemia (por promover agregação plaquetária)
(Herrmann et al., 2005). Embora não representem contra-indicação absoluta,
esses dados modificam a análise de riscos e benefícios e reforçam a necessidade
de controle clínico mais vigilante dos fatores de risco para eventos
cardiovasculares nesses pacientes. Ressalte-se que o emprego de antipsicóticos
típicos também está associado ao aumento do risco de mortalidade e eventos
cerebrovasculares.
Na prática clínica, se as alterações comportamentais não se associam a ameaças
sérias imediatas para o paciente ou terceiros, a abordagem desses sintomas
deveria ser baseada principalmente na orientação aos cuidadores e familiares,
em modificações ambientais e intervenções comportamentais, além da avaliação do
estado clínico geral do paciente e tratamento dos problemas clínicos
encontrados. O uso de antipsicóticos atípicos deve ser reservado para pacientes
com agressividade, agitação ou sintomas psicóticos moderados a graves. Quando
indicados, os antipsicóticos atípicos devem ser iniciados em doses baixas e
titulados até a menor dose que seja eficaz e bem tolerada. Espera-se que a
melhora ocorra em um período máximo de dez a 12 semanas, duração usual dos
ensaios clínicos (Schneider et al.,2006a). Caso não ocorra, recomenda-se outra
estratégia terapêutica incluindo intervenções não-farmacológicas. Avaliações
clínicas freqüentes devem ser realizadas para eventuais ajustes de doses,
modificação do fármaco ou para determinar a necessidade de continuar a
medicação (NGSMH, 2006). Um aspecto usual na prática clínica e pouco
evidenciado nos ensaios clínicos é a necessidade freqüente de troca de
medicamentos em virtude da sensibilidade exacerbada desses pacientes ou do
surgimento de efeitos paradoxais.
Conclusão
Sintomas psicóticos, agressividade e agitação associados à demência são
responsáveis por substancial estresse para o paciente e seus cuidadores e são
de difícil tratamento. Há evidências consistentes de que os antipsicóticos
atípicos risperidona, olanzapina e aripiprazol têm eficácia modesta no controle
da agressividade e/ou dos SPCD em geral. Apenas a risperidona demonstrou
eficácia no controle de sintomas psicóticos. A maioria dos efeitos colaterais é
dose-dependente. O uso desses fármacos também se associa a aumento de 1,5 vez
no risco de mortalidade e de duas vezes no risco de eventos cardiovasculares em
idosos com demência. Esse risco potencial indica a necessidade de cuidadosa
avaliação de riscos e benefícios da utilização de atípicos nessa população.
Potenciais conflitos de interesse
O Dr. Fábio L. Rocha participa de ensaios clínicos das indústrias farmacêuticas
Bristol-Myers Squibb Farmacêutica, Laboratórios Servier, GlaxoSmithKline,
Pfizer.