Mortalidade em pacientes psiquiátricos: revisão bibliográfica
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Introdução
O mais antigo estudo sobre mortalidade psiquiátrica (citado por Singer, 2001)
foi escrito em 1841 pelo Dr. William Farr para o encontro da Statistical
Society of London. Avaliando os óbitos ocorridos em pacientes internados nas
instituições psiquiátricas de Londres, Farr concluiu que foram maiores em
homens do que em mulheres, em indigentes mais do que em pacientes de níveis
sociais mais elevados, em pacientes que viviam em casas licenciadas mais do que
no Asilo Hanwel ou que viviam em pequenas moradias.
Desde essa época, os estudos indicam que o índice de mortalidade em pacientes
psiquiátricos é maior do que na população geral. Vários estudos têm avaliado os
efeitos da diminuição dos leitos psiquiátricos e sua relação com a mortalidade
de pacientes com transtornos mentais (Salakongas et al., 2002; Hansen et al.,
2001; Lawrence et al., 2000; Currier, 2000; Chen et al., 1996; Hannerz et al.,
2001; Crisanti e Love, 1999; D'Avanzo et al., 2003).
O objetivo desta revisão é avaliar as informações referentes às taxas de
mortalidade em pacientes psiquiátricos publicadas na literatura científica.
Métodos
Foi realizada uma revisão da literatura nas bases de dados Medline, SciELO e
LILACS, utilizando como palavras-chave: transtornos mentais, mortalidade,
psiquiatria, revisão; e como key words: mental disorders, mortality,
psychiatry, review. Foram incluídos os estudos que avaliaram as seguintes
dimensões: caracterização sociodemográfica, co-morbidades clínicas, tempo de
tratamento, diagnósticos e mortalidade. Não foram estabelecidos períodos
específicos de publicação nem restrição quanto ao delineamento do estudo. Foram
selecionados artigos originais em português, inglês e espanhol.
Mortalidade psiquiátrica e hospitalização
Salokangas et al. (2002) estudaram 4.338 pacientes esquizofrênicos que
receberam alta de hospitais psiquiátricos na Finlândia entre os anos 1982 e
1994. Durante esse período o número de leitos psiquiátricos decresceu de 3,8
para 1,3 por mil habitantes. Nos três anos seguintes 226 pacientes (5,2%) foram
a óbito, sendo a mortalidade maior nos homens do que nas mulheres. O aumento da
mortalidade por causas naturais foi predito por idade,saúde física e tempo de
internação, enquanto a mortalidade por causas não-naturais (suicídio e
acidente) foi predita por prescrição de drogas psicoativas, número de
hospitalizações e menor tempo de doença. Os autores acreditam que as reduções
de leitos psiquiátricos não estão associadas ao crescimento da mortalidade em
pacientes com esquizofrenia crônica.
Através do Registro Central de Óbitos no período de 1980 a 1992, Hansen et al.
(2001) examinaram a taxa de mortalidade de pacientes psiquiátricos que foram
desinstitucionalizados e cruzaram essa taxa com idade, gênero, tempo de
internação e diagnóstico psiquiátrico. Pacientes com transtornos psiquiátricos
orgânicos apresentaram mortalidade significativamente maior, independentemente
da causa do óbito. Mortes por câncer e suicídio foram mais freqüentes em
mulheres e em homens, respectivamente; óbitos por causas não-naturais foram
mais freqüentes após os primeiros anos de alta hospitalar. Comparando os
períodos de 1950-1962 e 1963-1974, houve crescimento da taxa-padrão de
mortalidade por doenças cardiovasculares (DCV) e suicídio em ambos os sexos. Os
autores concluíram que a desinstitucionalização parece ser um risco relativo de
óbitos por DCV e causas não-naturais para ambos os gêneros, contudo maior para
o sexo masculino.
Em estudo anterior, Hansen et al. (1997) investigaram todos os pacientes em um
hospital psiquiátrico da Noruega acompanhados desde a primeira admissão
(período: 31 de julho de 1980 a 31 de dezembro de 1992) e compararam seus
óbitos com os da população geral. A taxa de mortalidade foi maior do que a da
população geral em todos os grupos diagnósticos e mais alta (ambos os sexos)
durante os cinco primeiros anos após a admissão e em homens. Como esperado, ela
aumentou com a idade em ambos os sexos.
Em um estudo prospectivo de cerca de nove anos, Crisanti e Love (1999)
avaliaram se os pacientes admitidos involuntariamente em internações
psiquiátricas teriam maior risco de mortalidade quando comparados àqueles
admitidos voluntariamente. A pesquisa envolveu 2.142 pacientes, sendo 1.064
hospitalizados involuntariamente e 1.078, voluntariamente. Durante o período de
seguimento, 107 pacientes (5%) foram a óbito (58 internados involuntariamente e
49, voluntariamente), o que está em acordo com as taxas esperadas para a
população psiquiátrica; não houve diferenças significativas entre os dois
grupos.
Uma estimativa da expectativa de vida em diferentes grupos diagnósticos de
pacientes internados em clínicas psiquiátricas na Suécia foi desenvolvida por
Hannerz et al. (2001). Participaram desse estudo pacientes com idade > 18 anos
e que no dia 1º de janeiro de 1983 estavam vivos. Esses pacientes foram
monitorados durante todo o ano de 1983 de acordo com o diagnóstico principal
recebido na última alta, foram divididos em nove grupos diagnósticos e
avaliados em termos de expectativa de vida, gênero e grupos diagnósticos. A
expectativa de vida foi significantemente menor em ambos os gêneros e em oito
grupos diagnósticos.
Em estudo anterior, Hannerz e Borga (2000) avaliaram a mortalidade de todos os
pacientes psiquiátricos (17.878 homens e 23.256 mulheres) com psicose funcional
(oitava revisão da Classificação Internacional de Doenças [CID-8]) inseridos no
Registro de Alta do Hospital Nacional da Suécia entre 1978 e 1982 e
acompanhados no período de 1983 a 1985. Em comparação com a população geral,
esse grupo apresentou diminuição da expectativa de vida em ambos os sexos. No
grupo etário de 20 a 49 anos a alta taxa de mortalidade foi devida a suicídio e
acidentes, enquanto no grupo de 50 a 89 anos, a maior causa foram doenças
cardiovasculares.
Entre os fatores protetores estudados está o fato de que os hospitais
psiquiátricos oferecem maior segurança ao paciente, pois o protegem dos riscos
de suicídio, homicídio e acidentes. Kamara et al. (1994) acreditam que a
implantação de protocolos de controle de suicídio nas instituições do estado
americano de Oregon entre 1988 e 1992 ajudou a reduzir as causas de morte não-
naturais.
Currier (2000) estudou a redução de leitos psiquiátricos públicos e privados
(de 4/mil em 1960 para 1,3/mil em 1994) em sete cidades americanas
industrializadas e verificou que a proporção de mortalidade aumentou de 5,7/100
mil pacientes em 1979 para 15,5/100 mil em 1994, concluindo então que a
hospitalização protege os pacientes com transtornos graves.
Estudo de acompanhamento de um grupo de pacientes internados num hospital
psiquiátrico na Itália Central, em 1978, foi realizado por Valenti et al.
(1997). Foi exatamente no período da reforma psiquiátrica, quando a Lei
Italiana nº 180 determinava o fechamento dos hospitais psiquiátricos. Os
autores compararam a mortalidade dos pacientes dispensados dos hospitais com a
daqueles não dispensados. O objetivo foi determinar a sobrevida dos grupos de
pacientes, analisar os fatores de risco para óbito e as diferenças nas taxas de
mortalidade entre os pacientes psiquiátricos e a população geral. A duração da
internação e a alta hospitalar foram variáveis de elevado risco de mortalidade,
mas foi maior para aqueles que não receberam alta hospitalar. Altas taxas de
mortalidade foram encontradas em ambos os sexos por doenças circulatórias,
respiratórias, indefinidas e em pacientes jovens (20 a 29 anos). Para os
autores, longos períodos de internação e ausência de alta hospitalar aumentaram
o risco de óbitos em pacientes psiquiátricos.
Co-morbidades clínicas e mortalidade psiquiátrica
Harris e Barraclough (1998) revisaram 152 artigos da língua inglesa sobre
mortalidade em pacientes com transtornos mentais. Aqueles com doenças
psiquiátricas maiores apresentaram alto risco de óbito prematuro, seja por
causas naturais, ou não-naturais, e o risco de óbito por causas não-naturais
foi mais alto nos transtornos funcionais, particularmente depressão maior e
esquizofrenia. Os óbitos por causas naturais foram maiores em transtornos
mentais orgânicos, retardo mental e epilepsia.
Brown (1997), em revisão de literatura, concluiu que a mortalidade em
esquizofrenia teve crescimento significativo por causas naturais e não-
naturais: 38% por suicídio e 12% por acidente. Os demais óbitos tiveram causas
semelhantes às da população geral, evidenciando assim que a esquizofrenia está
associada a grande aumento da mortalidade por suicídio e moderado crescimento
da mortalidade por causas naturais.
Kamara et al. (1998), em revisão de 179 pacientes psiquiátricos que foram a
óbito por causas naturais no Hospital Estadual de Washington entre 1989 e 1994,
encontraram mais casos de demências (e outros transtornos mentais orgânicos),
mais doenças circulatórias e respiratórias, além de pacientes mais idosos. A
correlação entre óbitos de pacientes psiquiátricos e co-morbidades clínicas tem
sido amplamente investigada na última década.
Assim é que Lyketsos et al. (2002), em estudo com 950 pacientes admitidos no
Serviço de Psiquiatria do Hospital Johns Hopkins, encontraram co-morbidades
clínicas graves em 15% dos pacientes e em 12% daqueles que receberam alta
hospitalar. As co-morbidades estavam correlacionadas com aumento de sintomas
psiquiátricos, dano funcional e tempo de internação. Felker et al. (1996)
relacionaram pacientes que faziam uso abusivo de substâncias (independentemente
da presença de co-morbidade clínica) com outros transtornos mentais e
concluíram que co-morbidade clínica aumentava o risco de óbitos prematuros.
Em estudo recente, Ceilley et al.(2005) determinaram a prevalência de doenças
clínicas e o impacto delas no tempo de internação de pacientes psiquiátricos
com co-morbidade de transtornos de abuso de substância. A amostra consistiu de
87 pacientes admitidos em um hospital psiquiátrico universitário. Entre as
doenças mais encontradas, estavam osteoartrites, hepatite C e doença pulmonar
obstrutiva. Os autores concluíram que os pacientes com transtornos
psiquiátricos e co-morbidade de abuso de substância possuem alta incidência de
doenças clínicas.
Muitos estudos avaliaram óbitos por causas não-naturais, isto é, suicídios,
homicídios, etc. Hiroeh et al. (2001) concluíram que pacientes psiquiátricos
têm maior risco de morte por homicídio ' esse risco tem crescido nos últimos
anos ' e que os pacientes hospitalizados têm menor risco, pois a internação os
protege.
Outro estudo avaliando mortes por causas naturais e nãonaturais foi
desenvolvido por D'Avanzo et al. (2003) tomando como base o fechamento dos
leitos psiquiátricos na Itália. Os autores estudaram uma amostra de 2.915
pacientes de 12 hospitais psiquiátricos no período de 1994 a 1996 com
seguimento até junho de 2000. Foram observados 714 óbitos versus291 esperados.
Entre as patologias não-psiquiátricas mais encontradas estavam pneumonia,
doença obstrutiva crônica pulmonar (DOCP), doença cardíaca isquêmica, além de
alguns casos de câncer (pulmonar em homens e de mama nas mulheres). A
incidência de óbitos também foi maio em adultos jovens e idosos acima de 60
anos. A taxa de suicídio foi superior em homens. Os índices de mortalidade
foram de 2,66 antes da alta e de 2,09 após alta, mas os autores não atribuíram
essa diferença ao fechamento de leitos psiquiátricos.
Um estudo em pacientes com diagnósticos de transtornos mentais orgânicos pela
CID-9 (categorias 290, 293, 294 e 310) que necessitavam de internação foi
realizado em 1995. Foram estuda dos 1.821 pacientes de sete hospitais
psiquiátricos na Alemanha no período de 2,5 anos. Cento e quarenta e sete
pacientes morreram de causas naturais durante a internação. O índice de
mortalidade, se considerados a idade e o sexo, cresceu 7,5 vezes quando
comparado à população geral. Entre os diagnósticos clínicos mais prevalentes a
pneumonia ocupou o primeiro lugar.
Frisoni et al. (1999) e Korten et al. (1999) verificaram crescimento da
mortalidade entre indivíduos idosos com diminuição da capacidade cognitiva em
comparação com aqueles sem problemas cognitivos. Korten et al. (1999)
estabeleceram que os preditores significativos de mortalidade são sexo
masculino, saúde física precária e funções cognitivas empobrecidas. Entre as
possíveis razões para explicar a associação de déficit cognitivo com
mortalidade prematura estão a diminuição da capacidade de autocuidado, higiene
pessoal, alimentação, riscos do meio ambiente, funções corporais, etc.
Em uma avaliação da efetividade da integração dos tratamentos psiquiátrico e
clínico de transtornos alimentares maiores, De Filippo et al. (2000) avaliaram
147 pacientes femininas com anorexia nervosa (restritiva ou bulímica) atendidas
no Departamento de Medicina Clínica e Experimental da Universidade de Nápoles
no período de janeiro de 1994 a dezembro de 1997. Os autores concluíram que a
integração dos tratamentos psiquiátrico e clínico é um procedimento efetivo e
reduz a mortalidade e as admissões devidas a complicações clínicas.
O tempo de internação também foi relacionado com o índice de mortalidade.
Rasanen et al. (2003) estudaram a mortalidade em 253 pacientes psiquiátricos
tratados sem interrupção por um período de seis meses, de 1992 a 2000, e a
compararam com a da população geral, concluindo que o número de pacientes
psiquiátricos com longo tempo de internação que foram a óbito por causas
naturais foi igual ao da população geral.
Goldman (2000) acredita que a doença psiquiátrica seja um fator de risco para o
desenvolvimento de problemas clínicos. O autor aborda práticas de saúde geral e
acesso ao sistema de saúde, cuidados clínicos, psicoterapias e interações
medicamentosas. Em uma revisão de literatura, Goldman (1999) estabelece a
relação entre a doença física e a esquizofrenia e aponta para o risco crescente
de certas doenças como artrite reumatóide, alergias, abuso de substâncias e
polidipsia. Cerca de 50% dos pacientes com esquizofrenia apresentam co-
morbidades clínicas, que muitas vezes são mal diagnosticadas ou mesmo não
identificadas.
Estudos epidemiológicos sobre mortalidade psiquiátrica
Esses estudos são de grande utilidade nas definições de políticas de saúde,
além de influenciar de forma indireta os fatores ambientais. Dessa forma,
Jenkins (2001) propõem estudos em larga escala sobre mortalidade psiquiátrica,
pois as políticas deveriam ser direcionadas às necessidades da população; as
informações sobre uma área geográfica específica devem registrar os serviços
existentes, estimar suas necessidades e medir os resultados dos tratamentos.
Além disso, informações sobre prevalência e fatores de risco auxiliam o
desenvolvimento de modelos de prevenção.
Aproximadamente 2 mil pacientes psiquiátricos do estado de Massachusetts foram
estudados num período de cinco anos por Dembling et al. (1999). Eles cruzaram
os dados desses pacientes com os do Registro Nacional de Óbitos e os compararam
com os da população geral. Pacientes com transtornos mentais graves tiveram
tempo médio de vida em torno de 8,8 anos menor do que a população geral.
Chen et al. (1996) avaliaram a mortalidade de pacientes psiquiátricos admitidos
no período de um ano (1987-1988) em hospitais psiquiátricos de Taiwan, onde o
sistema de cuidados psiquiátricos é essencialmente hospitalar. Dos 13.385
pacientes estudados (9.309 homens e 4.076 mulheres), 2.049 (1.730 homens e 319
mulheres) foram a óbito no final de 1993 (aproximadamente 15%). Os autores
relacionaram a mortalidade com sexo, idade, causa do óbito, categorias
diagnósticas e tempo de internação. Concluíram que o índice de mortalidade foi
maior em pacientes mais jovens, em mulheres, por causas não-naturais, abuso de
substâncias, e no primeiro ano após admissão. No entanto, houve excesso de
mortalidade por causas naturais em todas as categorias diagnósticas.
Joukamaa et al. (2001) examinaram uma amostra representativa nacional de 8 mil
adultos finlandeses utilizando a versão de 36 itens do Questionário de Saúde
Geral (QSG) e o exame do estado atual, com o objetivo de determinar os casos
com transtornos mentais e acompanhá-los durante um período de 17 anos na
tentativa de determinar o risco de mortalidade. Encontrou-se elevada taxa de
mortalidade associada aos transtornos mentais e risco relativo maior em homens
com esquizofrenia. Homens e mulheres esquizofrênicas apresentaram maior risco
de óbito por doenças respiratórias enquanto homens com depressão neurótica
tiveram maior risco de óbito por DCV. Os autores concluíram que esquizofrenia e
depressão estão associadas a elevado risco de morte por causas naturais e não-
naturais.
Com objetivo de comparar a taxa de mortalidade em pacientes psiquiátricos do
Oeste Australiano, Lawrence et al. (2000) realizaram estudo em um período de
grandes mudanças na política de saúde mental daquele país. A taxa de
mortalidade entre pacientes psiquiátricos foi significativamente maior para
todas as causas e parece estar crescendo por suicídio.
Prior et al. (1996) realizaram estudo populacional envolvendo 16.871 casos
registrados no período entre 1974 e 1984, com idades entre 15 e 89 anos, nos
distritos de saúde de Worcester e Kidderminster, e correlacionaram os dados
sociodemográficos e as causas de óbito com os grandes grupos diagnósticos
psiquiátricos da CID. Encontraram risco elevado de morte acidental em todos
esses grupos. O segundo maior risco foi para as doenças respiratórias entre
pacientes internados e aqueles com diagnósticos de transtornos psicóticos
(especialmente demência). Óbitos por doenças do sistema circulatório foram
encontrados em ambos os sexos. Os autores concluem que os transtornos mentais
estão associados a elevado risco de óbito por causas naturais e que esse risco
está relacionado com a gravidade dos diagnósticos psiquiátricos. Para eles,
esses dados poderão contribuir com o modelo de atendimento e na utilização de
recursos adequados.
Ringback et al. (1998) avaliaram mais de 30 mil pacientes psiquiátricos
dispensados de um hospital do distrito de Estocolmo entre 1981 e 1985 que foram
acompanhados pelo Registro de Óbitos no período de 1986 a 1990. Foi encontrado
alto risco de suicídio, especialmente em mulheres, em comparação com a
população geral. Os autores também apontam os riscos dos efeitos colaterais das
drogas psicotrópicas e intervenções médicas como causas de mortes naturais.
Osby et al. (2001) avaliaram a mortalidade em 15.386 pacientes com transtornos
afetivo bipolar e unipolar na Suécia, no período de 1973 a 1995, identificados
no Registro Nacional de Óbitos. A taxa de suicídio foi maior em mulheres com
transtorno afetivo unipolar e em pacientes jovens durante os primeiros anos de
tratamento após o diagnóstico inicial, enquanto naquelas com transtorno afetivo
bipolar o óbito se deveu a outras causas que não o suicídio.
Existem poucos estudos avaliando a mortalidade psiquiátrica em novos serviços
de saúde mental, como unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais.
Em um recente estudo, Politi et al. (2002) quantificaram o risco de mortalidade
em pacientes mentais admitidos numa unidade de internação psiquiátrica na
Itália entre 1978 e 1994 e acompanhados por cinco a 21 anos após a admissão.
Elevadas taxas de mortalidade em comparação à população geral, por causas
naturais e não-naturais, foram encontradas em todos os transtornos mentais,
sendo mais elevadas nos homens. Indivíduos com menos de 40 anos apresentaram
maior risco. Vários fatores demográficos e clínicos (sexo, idade, diagnóstico
psiquiátrico entre outros) foram preditores de mortalidade.
Pandiani et al. (2002) examinaram a taxa de mortalidade estadual em pessoas com
transtornos mentais graves atendidas em um sistema de saúde pública de Vermont
e Oklahoma. Em ambos os estados, a taxa de mortalidade foi significativamente
mais alta em serviços de saúde recentes em comparação com aqueles mais antigos.
Concluíram que algumas variações nas duas regiões estudadas, como o número de
pacientes, e outras causas que fogem ao controle das autoridades de saúde
mental pública devem ser consideradas.
Em estudo com todos os pacientes atendidos em serviços psiquiátricos da Itália
no período de 1982 a 1991, Amaddeo et al. (1995) encontraram alta taxa de
mortalidade em homens entre pacientes admitidos em hospitais, no grupo mais
jovem e no primeiro ano após o primeiro registro. O diagnóstico relacionado a
maior risco foi o de dependência ao álcool e a drogas, grupo que apresentou
índice significante de suicídio. As variáveis mais significantemente associadas
com mortalidade foram diagnósticos, modelos de atendimento e intervalo entre os
registros. Os autores concluíram que a taxa de mortalidade em pacientes
tratados em sistemas básicos de saúde foi mais alta do que se esperava, porém
mais baixa quando comparada a outros serviços psiquiátricos. O índice maior de
mortalidade foi encontrado nos primeiros cinco anos após o registro.
Sohlman et al. (1999) realizaram estudo populacional compreendendo todos os
pacientes que receberam alta de hospitais psiquiátricos durante o ano de 1988
(n= 22.940) e acompanhados até 1992. Nesse seguimento, 3.936 (17,2%) pacientes
psiquiátricos morreram, o que representa uma taxa aproximadamente quatro vezes
maior do que a da população geral. Os óbitos por causas não-naturais incluíram
acidentes em grupos mais jovens e especialmente alto índice de suicídio entre
mulheres jovens. Óbitos por causa naturais foram mais prevalentes na população
estudada do que na geral; entre as causas mais encontradas estavam infarto do
miocárdio e pneumonia não-especificada.
Estudos realizados no Brasil sobre mortalidade psiquiátrica
Menezes e Mann (1996) realizaram estudo prospectivo em amostra de 120
internações consecutivas numa região delimitada do município de São Paulo. A
amostra consistiu de indivíduos com diagnóstico clínico de psicose funcional
nãoafetiva, na faixa etária de 18 a 44 anos, e foi seguida por dois anos a
partir da internação psiquiátrica. Após esse período foram acompanhados 116
pacientes (96,7%), dos quais sete faleceram (6% dos 116 que completaram o
estudo), sendo cinco (4,3%) por suicídio. Dos suicídios ocorridos, quatro
aconteceram durante os primeiros 12 meses após a alta hospitalar. Os autores
concluem que as psicoses funcionais não-afetivas estão associadas a uma
expectativa de vida menor que a da população geral.
Tônus e Melo (2005) realizaram estudo retrospectivo de dez anos de seguimento
após internação na Enfermaria de Psiquiatria do Hospital do Servidor Público
Estadual (HSPE). O objetivo foi avaliar a mortalidade psiquiátrica e a
morbidade somática dos pacientes com diagnósticos de transtornos esquizofrênico
e delirante. A amostra foi constituída de 85 pacientes, sendo a maioria homens
(54,1%), brancos (82,4%), solteiros (63,5%), com bom nível escolar (55,3%),
inativos profissionalmente (69%) e com diagnóstico de transtorno esquizofrênico
(57,7%). Durante o tempo de estudo ocorreram oito óbitos: seis decorrentes de
causas naturais, um por suicídio e um por causa indeterminada. Esse ocorreu num
indivíduo com antecedentes de diabetes mellituse hipertensão arterial.
Um estudo em pacientes internados na Unidade de Internação Psiquiátrica do
Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) está sendo
realizado pelos presentes autores para verificação dos índices e das causas de
mortalidade no período de 1986 a 2004.
Discussão
Há alta mortalidade entre pacientes psiquiátricos e na maioria dos estudos,
apesar das diferentes abordagens e correlações verificadas, essa mortalidade
foi maior do que na população geral. O que aponta para a necessidade de
políticas de saúde direcionadas aos cuidados de saúde geral do indivíduo com
transtornos mentais e melhoria de sua qualidade de vida.
Os estudos realizados nos períodos de mudanças nas políticas de saúde mental de
diversos países indicam a necessidade de cuidados específicos e a criação de
serviços de suporte adequado para os pacientes desinstitucionalizados.
Esta revisão mostra a necessidade de estudos atuais sobre a situação dos
pacientes psiquiátricos dentro dos modelos propostos pela nova política de
saúde mental. No Brasil há poucos estudos sobre mortalidade psiquiátrica, e os
existentes apresentam dificuldades metodológicas e análise inapropriada dos
dados.
Estudos epidemiológicos podem contribuir para políticas gerais voltadas para a
população psiquiátrica, estabelecendo novas propostas de moradia, emprego,
educação, bem como a prevenção de doenças gerais, fatores de risco, tratamentos
efetivos, adequação de serviços de saúde e interpretação dos resultados das
intervenções, além de diminuir a mortalidade psiquiátrica e prevenir óbitos por
causas não-naturais como suicídio e acidente. Por ser maior o risco de morte
por causas não-naturais (suicídio) entre pacientes psiquiátricos no início da
doença, é importante ter um lugar protetor e evitar a alta precoce. Atenção
especial com as co-morbidades clínicas também é necessária para prevenir óbitos
por causas naturais. Essa deve ser uma preocupação não apenas do psiquiatra,
mas de toda a equipe multidisciplinar que desenvolve atividades com esses
pacientes. Orientações básicas sobre cuidados da saúde devem ser dadas aos
pacientes em qualquer tipo de serviço psiquiátrico.
A implementação de práticas para identificar e modificar os fatores de riscos
(por exemplo, síndrome metabólica, com o uso de alguns antipsicóticos atípicos)
e outros efeitos colaterais pode melhorar substancialmente a saúde geral dos
pacientes psiquiátricos e, conseqüentemente, ajudar a reduzir a alta taxa de
mortalidade.
Conclusão
Informações sobre mortalidade em diferentes tipos de população psiquiátrica são
vitais para o desenvolvimento de estratégias de tratamento e programas
preventivos. Essas estratégias devem ser específicas para diferentes grupos de
pacientes, tendo como base idade, gênero, grupos diagnósticos e locais de
atendimento. Há necessidade de programas educacionais, multiprofissionais,
estruturados e sistematizados, especialmente desenvolvidos para pacientes
psiquiátricos, objetivando reduzir a mortalidade excessiva. Esses programas
devem ser implantados nas instituições que cuidam do paciente.