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BrBRCVHe0047-20852006000400005

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variedadeBr
ano2006
fonteScielo

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Estudos de associação entre transtorno obsessivo-compulsivo e genes candidatos: uma revisão

Introdução Os sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são descritos na literatura médica desde o século XIX, mas provavelmente sempre acompanharam o ser humano. Também muito se percebe que o TOC teria um componente familiar, que possivelmente seria hereditário. Pierre Janet, por exemplo, na sua descrição sobre a psicastenia, em 1903, observou uma freqüência de 28% dessa condição entre os genitores dos pacientes (Pauls et al., 1991).

Hoje muitas evidências provenientes de estudos de epidemiologia genética, particularmente estudos familiares e com gêmeos, de que o TOC não apenas se agrega em famílias, mas também que seria, pelo menos em parte, geneticamente determinado (Pauls e Alsobrook, 1999; Nestadt et al., 2000; van Grootheest et al., 2005).

A partir dessas evidências, estudos têm sido realizados com o objetivo de se determinar qual, ou, mais provavelmente, quais seriam os genes associados ao TOC. Duas principais estratégias são usadas para esse propósito: os estudos de escaneamento genômico global e os de associação.

Na primeira abordagem, objetiva-se identificar ligações existentes entre TOC e marcadores genéticos em famílias com múltiplos indivíduos afetados e, assim, encontrar regiões cromossômicas onde possam existir genes de suscetibilidade para esse transtorno. Esses estudos são mais raros e, recentemente, foi publicado o maior deles, que encontrou como candidatas as regiões cromossômicas 1q, 3q, 6q, 7p e 15q (Shugart et al., 2006).

A segunda abordagem, muito mais comum no TOC, são os chamados estudos de associação ou estudos com genes candidatos. Nesse tipo de estudo, as freqüências dos diferentes alelos de um determinado gene candidato são comparadas entre um grupo de casos e um grupo-controle. Esses genes candidatos são geralmente escolhidos por codificarem proteínas que, do ponto de vista neurobiológico, ou a partir de considerações teóricas sobre a fisiopatologia do TOC, podem estar associadas a esse transtorno. Significativo número de estudos utiliza também os chamados métodos baseados em famílias, ou seja, o método de risco relativo de haplótipos (HRR) e o teste de desequilíbrio de transmissão (TDT) (Thapar et al., 1999). No HRR, para determinado marcador, compara-se a freqüência dos alelos parentais transmitidos ao filho afetado com a freqüência dos alelos parentais não transmitidos. o TDT, um teste de ligação, avalia a segregação dos alelos. Qualquer que seja a freqüência nos pais, a chance de transmissão de cada alelo é de 50%. Portanto verifica-se ligação quando uma distorção dessa segregação, ou seja, transmissão preferencial de um dos alelos parentais.

Nesta revisão narrativa, nosso objetivo foi descrever e avaliar criticamente os estudos de associação entre polimorfismos de genes candidatos e TOC publicados até o momento.

Métodos Realizamos uma busca na base de dados Medline utilizando os seguintes termos de procura: obsessive-compulsive disorder (OCD) e/ou gene(s), polymorphism(s), genetic(s). Consideramos artigos nas línguas portuguesa, inglesa, espanhola, italiana, francesa e alemã até agosto de 2006. Também realizamos uma revisão suplementar da literatura a partir das referências citadas pelos artigos selecionados.

Com base nos resultados obtidos, 59 artigos foram selecionados para esta revisão. Desses, 42 apresentaram metodologia baseada na comparação entre casos e controles, e 22 trabalhos com famílias utilizando o TDT e/ou HRR.

Resultados Estudos envolvendo a via serotoninérgica A observação de que a clomipramina apresenta bons resultados no tratamento do TOC foi a primeira indicação de que a serotonina poderia exercer papel nesse transtorno. A clomipramina tem grande afinidade pelo sítio de recaptura de serotonina (5HT) e baixa afinidade pelo sítio correspondente da noradrenalina (NA). Porém seu metabólito desmetilclorimipramina inibe predominantemente a recaptura de NA. Logo, a clomipramina não pode ser considerada verdadeiro inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) quando administrada cronicamente (Zohar et al., 1988). Contudo outras evidências fortalecem a hipótese da mediação serotonérgica na ação farmacológica anti-TOC. Por exemplo, alguns estudos demonstraram que antidepressivos com maior ação noradrenérgica são menos eficazes que a clomipramina no TOC. Essa diferença contrasta com a equivalência da ação terapêutica de drogas predominantemente serotoninérgicas e noradrenérgicas no transtorno depressivo unipolar. Posteriormente, os ISRSs, como fluoxetina, fluvoxamina e sertralina, que, mesmo apresentando metabólitos sem ação na recaptação de NA, mostraram eficácia no tratamento do TOC (Zohar et al., 1992).

Gene do transportador de 5HT O gene do transportador de serotonina é de particular interesse, pois se postula que a magnitude e a duração da atividade serotoninérgica sejam reguladas pelo transportador de serotonina (5HTT), que controla a recaptura de serotonina na fenda sináptica. O gene codificador do 5HTT está localizado no cromossomo 17 (17q11.1-q12) e tem uma seqüência de 31 kb, que é organizada em 14 éxons (Lesch et al., 1996). Na região promotora desse gene duas variantes alélicas, uma longa (L) e outra curta (S), que diferem entre si por 44 pares de base. Essa mutação leva a alterações funcionais, tendo sido demonstrado que a variante longa do transportador capta cerca de duas vezes mais serotonina do que a curta (Collier et al., 1996).

A maioria dos estudos tem obtido resultados negativos, visto que apenas quatro trabalhos demonstraram associações estatisticamente significativas entre casos e controles (Tabela_1).

Outra abordagem adotada é a procura de associações, não apenas com o diagnóstico de TOC, mas com características clínicas específicas desse transtorno. Ao se correlacionar a resposta à fluvoxamina e ao genótipo do paciente, achados significativos foram encontrados apenas no subgrupo constituído por pacientes sem tiques (Di Bella et al., 2002). No mesmo ano, em um subgrupo de pacientes com tiques, encontrou-se associação entre os genótipos L/L, com maiores escores para rituais de contagem e repetição pela escala Y- BOCS (Cavallini et al., 2002). Posteriormente observou-se que o alelo L está relacionado a sintomas das esferas religiosa e somática (Kim et al., 2005), e que o alelo S e o genótipo S/S estão relacionados a obsessões de simetria e compulsões de contagem, repetição e arrumação (Hasler et al., 2006). Diferenças entre os sexos também foram observadas, com os casos do sexo feminino apresentando maior freqüência do alelo S (Denys et al., 2006).

Genes dos receptores 5HT Nos últimos anos, uma enorme quantidade de informações sobre a identificação e a função dos receptores serotoninérgicos foi produzida. Até o momento foram identificadas sete classes de receptores 5HT (5HT-1 a 5HT-7), perfazendo um total de 15 subtipos (por exemplo, 5HT-2A e 5HT-2C) (Graeff, 1997). O papel dos genes dos receptores 5HT2A, 5HT2C, 5HT1Db e 5HT1B no TOC foi estudado, mas os resultados são inconclusivos (Tabela_2).

Assim, como observado nos estudos envolvendo o gene do 5HTT, existem evidências correlacionando alguns polimorfismos com determinadas diferenças clínicas: • maior gravidade da doença (Tot et al., 2003; Levitan et al., 2006); • maiores escores de obsessões pela Y-YBOCS (Camarena et al., 2004); • início precoce dos sintomas e história familiar positiva (Denys et al., 2006); • distinção pelo sexo (Lochner et al., 2004).

Estudos envolvendo a enzima triptofano-hidroxilase Outro candidato é o gene que codifica a enzima triptofano-hidroxilase, a qual a biossíntese da serotonina (Delorme et al., 2006). Estudos de caso-controle com os polimorfismos T1095C (Han et al., 1999; Frisch et al., 2000) e R441H (Delorme et al., 2006) foram negativos, assim como um estudo de família com polimorfismo de nucleotídeo simples (SNP) (rs1800532) (Walitza et al., 2004). O único resultado positivo foi em um estudo familiar com dois SNPs (rs4570625 e rs4565946), mostrando significativa transferência do haplótipo G-C entre os casos (Mossner et al., 2005). Portanto percebe-se que, dos poucos estudos que avaliaram o gene da enzima triptofano-hidroxilase, não se estabeleceu claramente um alvo genético definido.

Estudos envolvendo a via dopaminérgica O sistema dopaminérgico apresenta pelo menos cinco subtipos de receptores, os quais se expressam em quantidades variáveis nessas vias (conhecidos como D1 a D5 ou DRD1 a DRD5) (Frisch et al., 2000).

várias evidências de que alterações genéticas, as quais determinam disfunção dopaminérgica nos núcleos da base, possam estar envolvidas na etiologia de sintomas obsessivos-compulsivos (Tabela_3). Essas alterações reforçam a relação clinicofamiliar entre o TOC e a síndrome de Tourette (Graybiel e Rauch, 2000).

De fato, o grupo de indivíduos afetados por TOC e tiques deve representar um subtipo genético mais dopaminérgico e diferente daqueles que não apresentam tiques (Nicolini et al., 1996; Cruz et al., 1997; Nicolini et al., 1998; Millet et al., 2003).

Estudos envolvendo a enzima catecol-O-metiltransferase A catecol-O-metiltransferase (COMT) está envolvida na metabolização de catecolaminas, como a dopamina e a noradrenalina. duas formas dessa enzima: uma solúvel encontrada em vários tecidos, e outra ligada à membrana plasmática.

A forma solúvel apresenta atividades enzimáticas diferentes devido à substituição de um nucleotídeo (uma citosina por uma adenina) na posição 158 do gene que a codifica. Essa substituição nucleotídica acarreta mudança de aminoácido, uma valina (alta atividade enzimática ' alelo H) por uma metionina (baixa atividade ' alelo L), na estrutura protéica dessa enzima (Karayiorgou et al., 1997).

Os trabalhos têm sido quase unânimes ao escolherem esse polimorfismo para se investigarem associações com o TOC, com vários resultados positivos baseados na distinção dos pacientes por sexo (Tabela_4).

Somente um trabalho avaliou um polimorfismo diferente (substituição C/T na região promotora do gene adjacente ao ERE6), mas sem encontrar associações estatisticamente significativas (Kinnear et al., 2001).

Estudos envolvendo a enzima monoamina oxidase A A monoamina oxidase (MAO) é uma enzima que degrada uma série de aminas biogênicas, entre elas a serotonina, a adrenalina, a noradrenalina e a dopamina. Os subtipos A e B podem ser distinguidos de acordo com suas propriedades bioquímicas e farmacológicas (Karayiorgou et al., 1999).

Em relação ao polimorfismo EcoRV não foram observadas diferenças significativas entre casos e controles (Camarena et al., 2001; Hemmings et al., 2003; Lochner et al., 2004). No entanto, ao distinguir os pacientes por sexo, resultados positivos foram observados (Camarena et al., 2001; Lochner et al., 2004). Além disso, houve associação estatisticamente significativa entre o polimorfismo Fnu 4H1 no éxon 8 do gene da MAO-A (vinculado ao aumento de sua atividade enzimática) e pacientes do sexo masculino com co-morbidade e transtorno depressivo maior (Karayiorgou et al., 1999).

Estudos com outras vias de neurotransmissão Outras vias têm sido estudadas com resultados incertos para se estabelecer o seu verdadeiro papel na fisiopatologia do TOC, apesar de serem considerados alvos promissores de futuros estudos (Tabela_5).

Discussão O estudo da etiopatogênese do TOC ainda está no início. Mesmo em relação à genética, intensamente investigada nos últimos anos, os resultados são, na maioria das vezes, negativos, sendo contraditórias muitas associações positivas. Dessa forma, nenhum desses genes pode ser considerado necessário ou suficiente para o desenvolvimento do TOC.

Interferências das co-morbidades ou das fenocópias (manifestações semelhantes à doença em estudo, mas com origem não-genética) e da diferença étnica das amostras avaliadas podem conduzir a resultados falsos. Resultados enviesados também podem advir da própria complexidade etiológica da enfermidade, que teria uma heterogeneidade genética, isto é, um mesmo fenótipo resultaria de diferentes genes afetados em diferentes famílias.

Gottesman e Hanson (2005) fizeram a seguinte citação: "um dos obstáculos primários ao progresso em conectar as contribuições genotípicas aos muitos fenótipos humanos é que os traços submetidos a análises genéticas carecem de significado biológico". Eles argumentam que, ao estudarmos o produto de um processo que pode ter levado décadas, "nós freqüentemente temos muito ‘feno' e insuficiente ‘geno' para fazer sentido do traço" (Gottesman e Hanson, 2005).

Como os diagnósticos psiquiátricos são feitos em nível de sintomas clínicos, é provável que o caminho do genótipo/fenótipo seja longo e complexo, com muitos exemplos de convergência e divergência. Dessa maneira, é tentador estudar traços que são intermediários entre a apresentação clínica e seu fundamento genético. Esses traços ou endofenótipos são mais simples do ponto de vista genético, provavelmente por estarem associados a menos lócus genéticos (Gottesman e Gould, 2003). Isso pelo fato de que, ao reduzir a complexidade do marcador, também deverá ser reduzida a complexidade de sua base genética.

Ao invés de se procurar por genes codificando transtornos complexos, a pesquisa de endofenótipos procura por genes de traços simples, idealmente monogênicos, que acompanham as doenças e provavelmente contribuem para sua fisiopatologia.

Se os fenótipos associados a um transtorno são muito restritos e representam fenômenos mais elementares, o número de genes necessários para produzir variações nesses traços pode ser menor do que aqueles envolvidos na produção de uma entidade psiquiátrica complexa (McQueen et al., 2005).

Ao se considerar como base os estudos revisados, nota-se a necessidade de se identificar fenótipos intermediários ou endofenótipos, características essas que podem proporcionar maior objetividade na seleção de genes candidatos na fisiopatologia do TOC. Um passo importante para definir endofenótipos clinicamente relevantes seria a busca de subtipos de TOC. Assim, desde os primeiros estudos realizados no final da década passada, fatores como época de aparecimento dos sintomas (TOC de início precoce vs. tardio), distribuição familiar, presença de tiques e sexo dos pacientes vêm se firmando como subtipos concretos para esse fim. Além deles, estão sendo obtidos resultados significativos em relação à intensidade e às características dos sintomas, com as principais dimensões sintomáticas (contaminação e limpeza; colecionismo; simetria, ordem, contagem e arranjo; sexo e religião; agressão; obsessões e compulsões diversas), aparentando fazerem parte de subtipos clínicos distintos.

Também se deve mencionar que, apesar de haver poucos estudos, características como maior ou menor insight da doença e a presença de outras co-morbidades médicas também podem, no futuro, integrar a lista de subtipos plausíveis nas investigações a respeito da etiologia do TOC.

Conclusão O futuro do estudo da etiopatogênese do TOC envolve, certamente, a definição de possíveis endofenótipos em que a heterogeneidade clínica esteja reduzida. Além disso, são necessárias reproduções dos resultados positivos em amostras de pacientes provenientes de diferentes países antes de se aceitar um agente ambiental e/ou um gene candidato como fator de suscetibilidade.


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