Asbesto (amianto) e doença: revisão do conhecimento científico e fundamentação
para uma urgente mudança da atual política brasileira sobre a questão
Introdução
O presente trabalho constitui-se numa revisão do estado atual do conhecimento
científico sobre os efeitos da inalação de fibras de asbesto (amianto) na saúde
humana, bem como acerca da possibilidade de sua prevenção em bases seguras e
sustentáveis do ponto de vista ético, político e tecnológico. Tem por
finalidade principal fundamentar cientificamente a discussão que se faz
atualmente em nosso país, visando a imediata modificação da política
governamental de manejo da questão do asbesto (amianto), adotada pelo Brasil,
substituindo-a por uma política que priorize a defesa da vida, da saúde e do
meio ambiente.
O trabalho inicia com uma breve nota sobre alguns aspectos tecnológicos e
econômicos do asbesto (amianto), com destaque para a crisotila. Aprofunda, em
seguida, a tarefa de revisão bibliográfica crítica, sobre o "estado da
arte" relativo ao conhecimento dos efeitos das fibras de asbesto (amianto)
sobre a saúde, partindo da evolução do conhecimento científico internacional,
para depois tentar avaliar o grau de conhecimento dos problemas do asbesto
(amianto) no Brasil. Introduz, a seguir, o debate concernente à nocividade da
variedade crisotila, ainda extraída, industrializada, comercializada e também
exportada pelo Brasil. São, em seguida, identificadas e discutidas as respostas
da comunidade internacional ao problema da nocividade do asbesto (amianto) e a
mobilização pelo seu banimento (proibição total e completa). Na última parte do
trabalho, discute-se a inadequação e não-sustentabilidade do atual
posicionamento brasileiro sobre o problema e a necessidade urgente de sua
revisão.
Alguns aspectos tecnológicos e econômicos sobre o asbesto (amianto), com
destaque para a crisotila
Asbesto e amianto são nomes comerciais de um grupo heterogêneo de minerais
facilmente separáveis em fibras. Apresentando composições químicas e
cristalográficas diversas, essas fibras têm usos e classificações comerciais
que variam muito de um mineral para outro. Listam-se mais de 350 minerais com
estrutura fibrosa, encontrados como minerais essenciais ou acessórios nas
rochas magmáticas e metamórficas (Becklake, 1998; Scliar, 1998).
Os amiantos ou asbestos pertencem a dois grupos de minerais: a crisotila
(asbesto branco), representando a variedade fibrosa do grupo das serpentinas, e
os minerais fibrosos do grupo dos anfibólios: crocidolita (asbesto azul),
amosita (asbesto marrom), antofilita, actinolitae tremolita (Brasil, 1991;
Scliar, 1998).
A crisotila(silicato hidratado de magnésio) apresenta-se na forma de fibras
flexíveis, finas e sedosas, com comprimento que varia de menos de 1 até 40
milímetros. Resiste ao calor e caracteriza-se por ser facilmente tecida. Um
quilograma de fibra pode produzir até 20 mil metros de fio. Dos cerca de
quarenta países que têm reservas naturais de crisotila, 25 extraem-na e cerca
de sete são atualmente responsáveis por cerca de 95% da produção mundial:
Canadá (Quebec, British Columbia e Newfoundland), Rússia (Montes Urais), Brasil
(Canabrava, Goiás), Casaquistão, China (Província de Szchwan), Zimbábue e
África do Sul (Pigg, 1994; Crowson, 1996; Becklake, 1998; IPCS, 1998; Scliar,
1998).
A produção mundial de asbesto é atualmente representada, em mais de 98%, pela
variedade crisotila, a qual, no Brasil, representa 100% do amianto atualmente
minerado. Entre 1964 e 1973, a produção mundial de asbesto aumentou cerca de
50%, tendo alcançado o pico de cinco milhões de toneladas/ano em meados da
década de 70. Desde então passou a cair, até atingir um nível estimado hoje na
ordem de 2,6 milhões de toneladas/ano. O declínio que permanece e propende a
acentuar-se está diretamente associado à cronologia das crescentes restrições
de extração e importação do amianto, que tendem a ampliar-se, no mundo em
função de sua nocividade.
No Brasil - quinto produtor mundial de crisotila - há jazidas de amianto
(crisotila e anfibólios) nos estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia e Piauí. A
primeira mineração de asbesto-crisotila no país, utilizando técnicas modernas,
foi desenvolvida pela SAMA - S.A. Mineração de Amianto, na Mina de São Félix,
no Município de Poções, na Bahia, a partir de 1940, permanecendo ativa até
1967, quando suas reservas se esgotaram. Atualmente, a totalidade do amianto
crisotila é minerada e processada na Mina de Cana Brava, em Minaçu, Goiás
(Nunes, 1988).
Com as restrições ao asbesto nos países da Europa Ocidental e nos Estados
Unidos, o mercado internacional de venda de fibras de asbesto-crisotila e de
produtos de fibrocimento vem crescentemente se dirigindo aos países que ainda
não introduziram as restrições ao asbesto, isto é, os grandes países asiáticos
que não mineram em seu território - Japão (maior consumidor de asbesto e de
produtos de asbesto do mundo), Índia, Taiwan, Coréia -, aos países do Sudeste
Asiático (principalmente Tailândia e Malásia), países latino-americanos
(principalmente México, Argentina, Chile, Uruguai e países centro-americanos) e
países africanos (principalmente Nigéria e Angola) (Lemen & Bingham, 1994;
Frank, 1995b; IPCS, 1998; U. S. Department of the Interior, 1998; Collegium
Ramazzini, 1999a, 1999b; Maltoni, 1999).
Os usos do asbesto-crisotila têm variado com o tempo, como bem mostram diversos
estudos tecnológicos e mercadológicos, de modo que o perfil das exposições
ocupacionais também evoluiu no correr da história do amianto de modo
significativo. De mais de três mil finalidades de uso que se atribuía ao
amianto no passado, elas estão atualmente concentradas em relativamente poucas,
onde os produtos de cimento-amianto ou fibrocimento representam cerca de 85% do
consumo destas fibras. Estima-se que os materiais de fricção consumam cerca de
19% da produção de crisotila; a fabricação de produtos têxteis cerca de 3%; a
produção de juntas de vedação e gaxetas cerca de 2%; e os restantes 1% têm
outros usos (Pigg, 1994; Becklake, 1998; IPCS, 1998; Scliar, 1998).
Em relação aos produtos de cimento-amianto ou fibrocimento, estima-se que sua
produção, desenvolvida em mais de cem países, alcance entre 27 a 30 milhões de
toneladas por ano. Estes produtos contêm, em média, 10 a 15% de asbesto
(amianto). Correspondem a cinco tipos principais de produtos: placas onduladas
para telhados; placas planas para divisórias, revestimento de interiores ou
exteriores; caixas d'água; canos para água em baixa pressão; canos ou tubos
para alta pressão (Pigg, 1994; Fernandez Jr., 1999).
Em decorrência das crescentes restrições aos usos do amianto em razão de sua
elevada nocividade para a saúde humana, buscam-se, no mundo inteiro, produtos
alternativos, naturais ou sintéticos, que substituam os seus usos e que, ao
mesmo tempo, não acarretem riscos tão elevados à saúde humana. A lista de
substitutos do amianto é muito grande, e alguns destes produtos atendem
plenamente as especificações tecnológicas e, de modo satisfatório, as
especificações de proteção da saúde humana, enquanto outros estão sendo
desenvolvidos e avaliados em seus riscos (Gibbs, 1994; INSERM, 1998; Foà &
Basilico, 1999).
Evolução do conhecimento científico sobre os efeitos da inalação das fibras de
asbesto (amianto) sobre a saúde
As observações sobre os efeitos nocivos da inalação de poeiras de asbesto sobre
a saúde humana são tão antigas quanto os multiformes usos destas fibras. Mais
recentemente, já no advento da Medicina dita científica, deve-se ao médico
inglês H. Montagne Murray, a descrição, publicada em 1907, da asbestose, doença
responsável pela morte de um trabalhador exposto ao asbesto em atividades de
fiação. A comprovação anatomopatológica obtida na necropsia revelava a essência
do processo pneumoconiótico, caracterizada pela presença de extensas áreas
cicatriciais nos pulmões. Descrições como a de Murray sucederam-se nas décadas
seguintes tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, na Alemanha, na França,
na Itália e no Canadá (Algranti, 1986; Mendes, 1986, 1987; Gottlieb, 1989;
Becklake, 1998).
Cooke, em 1924, foi o primeiro a estabelecer claramente, mediante quadro
clínico do paciente e achados de necropsia, a correlação entre ocupação e
doença grave, por ele denominada, em 1927, "fibrose pulmonar", na
verdade, o mesmo tipo de pneumoconiose grave - asbestose - nome com que passou
a ser conhecida esta doença (Cooke, 1927).
Em 1930, Merewether e Price apresentaram detalhado relatório ao parlamento
britânico, enfocando estudos epidemiológicos referentes às doenças causadas
pelo asbesto e chamando a atenção aos métodos de prevenção e controle com base
na supressão e eliminação de poeiras. Este estudo resultou na adoção de medidas
de segurança que deveriam ser postas em prática nos locais de trabalho e que
seriam objeto de inspeções médicas. Em 1934, o médico Thomas Legge, grande
propulsor da inspeção médica de fábricas na Inglaterra, propôs a inclusão da
asbestose na lista de doenças profissionais então vigente (Gottlieb, 1989).
Em 1935, Gloyne, patologista britânico, descreveu o potencial carcinogênico do
asbesto. Suas descrições pioneiras apontavam para a associação entre carcinoma
pulmonar de células escamosas à presença de asbestose (Gloyne, 1935).
Publicações norte-americanas do mesmo ano confirmavam tais achados de câncer de
pulmão relacionados à exposição ao asbesto (Lynch & Smith, 1935).
Em 1949, Merewether, no Reino Unido, em seu Relatório Anual da Chefia da
Inspeção das Fábricas, relativo ao ano de 1948, informava haver observado que
cerca de 13% dos pacientes com asbestose haviam falecido por câncer de pulmão
(Gottlieb, 1989; Becklake, 1998).
Coube ao epidemiologista britânico Richard Doll, em 1955, estabelecer
definitivamente a associação causal entre a exposição ocupacional ao asbesto e
câncer de pulmão. Em trabalho que veio a tornar-se paradigma metodológico
clássico em Epidemiologia, Doll demonstrou que a freqüência de câncer pulmonar
em trabalhadores da indústria têxtil expostos ao asbesto durante vinte anos, ou
mais, era dez vezes a esperada na população geral (Doll, 1955). Pesquisadores
do Mount Sinai Hospital e da respectiva Faculdade de Medicina, em Nova York,
ampliaram os estudos acerca desta associação, demonstrando, de modo
irrefutável, o excesso de mortes por câncer de pulmão, em 17.800 trabalhadores
de isolamento térmico: mais de 20% dos expostos vieram a falecer de câncer de
pulmão (Selikoff et al., 1964, 1979; Selikoff & Lee, 1978).
Por sua vez, foram-se acumulando, a partir da década de 30, evidências
sugestivas da associação causal entre exposição ao asbesto e desenvolvimento de
tumores da pleura e/ou peritônio extremamente malignos, os mesoteliomas
(Gloyne, 1933). Trabalhos científicos da década de 40 e de 50 apontavam para
esta possibilidade de associação causal, o que foi confirmado pelos estudos
realizados por Wagner et al. (1960) na África do Sul. Estes autores publicaram
o estudo relativo a 33 casos de mesotelioma, 32 dos quais haviam trabalhado em
minas de asbesto (à época, com a variedade crocidolita) e/ou residido perto das
minas onde se extraíam fibras deste minério. Deste estudo advieram as
observações - hoje confirmadas - respeitantes à possibilidade de
desenvolvimento de mesotelioma maligno mesmo após curtas exposições ou de
exposições em baixas doses, mas, via de regra, após longo tempo de latência. Em
Londres, Newhouse & Thompson (1965), com base em estudo de 76 casos e
utilizando metodologia epidemiológica elegante, confirmaram a forte associação
causal entre mesotelioma de pleuraouperitônio e exposição pregressa a asbesto,
quer de natureza ocupacional, quer pela proximidade das residências às plantas
industriais que o processam.
Descreveram-se também casos de mesotelioma maligno de pleurae/ouperitônio após
períodos de latência extremamente longos - em torno de 30 a 35 anos, ou mais -,
bem como casos em crianças expostas a fibras de asbesto nas proximidades das
fábricas. Foram também narrados casos em mulheres e em crianças que, no
interior de seus domicílios, foram expostas a fibras de asbesto trazidas na
roupa de cônjuges-trabalhadores ocupacionalmente expostos. Estes achados, por
sua peculiaridade e extrema gravidade, serviram para reforçar a aparente não-
dependência de dose-resposta na relação causal entre asbesto e mesoteliomas
(IARC, 1977; Selikoff et al., 1979; Mendes, 1986, 1987; Gottlieb, 1989;
Becklake, 1998).
Ainda em relação aos mesoteliomas malignos, é conhecida a predominância da
localização pleural - cerca de 81% de todos os casos -, seguida da localização
peritonial, estimada em 15% de todos os casos. As outras localizações -
pericárdio, ovários e bolsa escrotal -, juntas, representam cerca de 4% de
todos os casos (Gottlieb, 1989).
Diversos trabalhos científicos mostram que a incidência destes tumores
altamente malignos, outrora extremamente raros, vem aumentando aceleradamente
em inúmeros países do mundo, ao que tudo indica, em decorrência da exposição
ocupacional e/ou ambiental ao asbesto (Hinds, 1978; Javholm et al., 1990;
Cullem & Baloyi, 1991; Bégin et al., 1992; Musk et al., 1992; Englund,
1995; Frank, 1995b; Huuskonen et al., 1995; Lemen, 1995; Richter et al., 1995;
Karjalainen et al., 1997).
Outras neoplasias malignas têm sido associadas à exposição ao asbesto, tais
como o câncer de laringe, câncer de orofaringe, câncer de estômago, câncer
colo-retal, e câncer de rim, localizações aparentemente menos influenciadas
pelo tabagismo. Destas, a descrita com mais freqüência é alaringe (Gottlieb,
1989; Becklake, 1998; Goodman et al., 1999).
Conhecimento dos problemas causados pelo asbesto no Brasil
O conhecimento dos problemas de saúde causados pelo asbesto no Brasil advém da
detecção de casos de doenças - em especial, da asbestose - enquanto doença
profissional, específica e clássica, e do mesotelioma maligno de pleura, na
qualidade de doença epidemiologicamente "relacionada com o trabalho"
(Costa et al., 1983; Algranti, 1986, 1988; Mendes, 1986, 1987; Nogueira, 1988a,
1988b; Bedrikow, 1989; De Capitani, 1994; Algranti et al., 1995).
Três, basicamente, têm sido as abordagens e as estratégias para detecção da
asbestose: (a) estudos de prevalência, com base em radiografias pulmonares
realizadas em trabalhadores sabidamente expostos; (b) casuísticas de serviços
especializados em Pneumologia, Pneumologia Ocupacional ou Doenças Profissionais
em geral; (c) busca ativa de casos em grupos de trabalhadores sintomáticos -
respiratórios ou com outras doenças pulmonares concorrentes evolutivas ou que
mascaram a asbestose.
No caso do mesotelioma de pleura - por sua relativa raridade até o momento e em
virtude de sua longa latência no que diz respeito à exposição ao asbesto que o
induz -, a experiência brasileira é ainda constituída de casos avulsos,
detectados em serviços de Pneumologia, onde o antecedente de exposição
ocupacional ao asbesto é recuperado pela história profissional. Ao contrário de
outros países, em nosso meio não se conhecem resultados de estudos de
seguimento de longo prazo de "coortes de expostos", com tempo
suficiente para que estas se extingam pela mortalidade, e que esta seja
analisada segundo sua causa básica. Aliás, a extremamente elevada letalidade
dos mesoteliomas malignos faz com que seu estudo se confunda com estudos de
mortalidade, abrindo, neste caso, outra alternativa de abordagem metodológica.
Isto posto, vale o registro de que, ao que tudo indica, a primeira referência
no Brasil sobre as doenças relacionadas ao asbesto está registrada no Boletim
no 98, do Departamento Nacional da Produção Mineral, publicado em 1956, sob o
título Higiene das Minas - Asbestose, monografia elaborada pelos médicos Carlos
Martins Teixeira e Manoel Moreira. Trata-se de estudo realizado nas minas de
asbesto da FAMA (Eternit), no Município de Nova Lima, Minas Gerais e na usina
de beneficiamento do minério. Após efetuarem minucioso estudo clínico e
radiológico de oitenta trabalhadores, os autores identificaram seis casos de
fibrose nas bases pulmonares compatíveis com formas iniciais de asbestose
(Departamento Nacional da Produção Mineral, 1956).
Passados quase vinte anos, o Prof. Diogo Pupo Nogueira e colaboradores
publicaram na literatura médica, sob o sugestivo título "Asbestose no
Brasil: Um Risco Ignorado", um caso de asbestose proveniente da indústria
de cimento-amianto, onde o paciente trabalhara por 22 anos, inicialmente como
simples operário mas, progressivamente e através dos anos, como encarregado,
contramestre e chefe geral. Após discutirem, de modo detalhado, as alterações
clínicas, radiológicas e funcionais, os autores chamaram a atenção para a
importância da anamnese ocupacional, ensinada primeiramente por Bernardino
Ramazzini (1633-1714), ainda tão poucas vezes posta em prática no exercício da
profissão médica (Nogueira et al., 1975). Assim, a propósito deste caso de
asbestose detectado, os autores expressavam sua opinião de que "é,
obviamente, impossível que casos semelhantes não existam, no Brasil, em
trabalhadores expostos ao asbesto. Portanto, deve-se acreditar que numerosos
outros casos, semelhantes ao presente, estejam sendo examinados e rotulados
como portadores de outras patologias" (Nogueira et al., 1975:420).
Em 1976, o Dr. Manoel Ignácio Rollemberg dos Santos - cirurgião de tórax e
médico do trabalho - descreveu com um colaborador mais três casos de asbestose
relacionados com diferentes ambientes profissionais: fábrica de tintas, fábrica
de isolantes térmicos e moinho de beneficiamento de amianto (Santos &
Machado, 1976). Mais tarde, o mesmo autor publicava trabalho sugestivamente
intitulado "Asbestose, a Verdade dos Diagnósticos" (Santos, 1979;
Santos & Mendes, 1980).
Tem-se conhecimento de mais quatro casos de asbestose todavia não publicados,
apresentados em reunião científica da Associação Paulista de Medicina, em 1976,
pelo Dr. Pedro Augusto Zaia, do Serviço Social da Indústria (SESI) de São Paulo
(comunicação pessoal).
Em 1980, o Prof. Reynaldo Quagliato Júnior, do Serviço de Pneumologia da
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
publicou comunicação científica relativa a um caso de asbestose proveniente da
indústria de cimento-amianto, onde o paciente havia trabalhado por 12 anos
(Quagliato Jr., 1980).
Lyra, em 1982, publicou um estudo sob o título "Inquérito Preliminar de
Risco de Asbestose em uma Indústria de Lona de Freios", relatando
resultados de avaliação médica e ambiental. Entre os trabalhadores examinados,
foram encontrados quatro casos prováveis de asbestose pulmonar, inclusive um
caso demesotelioma (Lyra, 1982).
Seguem-se os estudos do Prof. José Luiz Riani Costa - da Faculdade de Ciências
Médicas da UNICAMP à época de seu estudo -, que foi procurar casos de asbestose
em registros de segurados da Previdência Social afastados por
"pneumopatias crônicas". Sua Dissertação de Mestrado, apresentada em
1983, enfocou os resultados desta metodologia de trabalho, os quais mostraram
que, em 86 trabalhadores da indústria de cimento-amianto, da região de Leme,
São Paulo, com mais de dez anos de exposição, foram detectados 14 casos de
asbestose (16,3%) (Costa, 1983, 1984; Costa & Ferreira, 1984; Ferreira Jr.,
1986).
Entre os trabalhos que se seguiram do mesmo grupo de pesquisadores, um deles,
na forma de estudo do "estado-da-arte", intitulado "Asbesto e
Doença: Introdução ao Problema no Brasil", concluía que "o número de
expostos está crescendo rapidamente em nosso país. No momento atual, estima-se
em aproximadamente vinte mil o número de trabalhadores expostos. A população
não ocupacionalmente exposta (e portanto sujeita ao risco de mesotelioma) é
incalculável, mas certamente é várias vezes maior do que o número de
trabalhadores expostos. Considerando-se os dados acima e o fato de que as
atividades ligadas ao asbesto já existem no Brasil há cerca de 30 anos, é
lícito supor que haja considerável número de casos de asbestose, mesotelioma e
câncer relacionado a asbesto, que não estão sendo devidamente
diagnosticados" (Costa et al., 1983:20).
O Prof. Diogo Pupo Nogueira - confirmando seu alerta de 1975 ("Asbestose
no Brasil: Um Risco Ignorado") e vinculando-o aos achados de 1983 -
escrevia o Editorial do número da Revista da Associação Médica Brasileira que
publicou o trabalho de Costa et al. (1983), intitulando-o: "Asbestose:
UmGraveRiscoAindaIgnorado no Brasil". (Nogueira, 1983) (Grifos nossos).
Em 1986, o Comitê de Estudos do Amianto(CEA) - com o apoio da Secretaria de
Segurança e Medicina do Trabalho do Ministério do Trabalho, Fundação Jorge
Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro),
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI), Confederação
Nacional da Indústria (CNI), Serviço Social da Indústria/ Departamento Nacional
(SESI/DN) e Associação Brasileira do Amianto (ABRA) - realizou em Brasília,
Distrito Federal, no mês de julho, o "Seminário Nacional Sobre Exposição
Ocupacional ao Asbesto", que contou com a presença de 180 inscritos, além
de convidados e conferencistas. Os 12 trabalhos apresentados nesse evento
constituíram número inteiro da Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, vol.
16, n. 63 (1988), dos quais citam-se alguns trabalhos publicados que se
tornaram mais conhecidos, como os de Algranti (1988), Amâncio et al. (1988),
Giannasi (1988), Giannasi et al. (1988), Moniz-de-Aragão et al. (1988),
Nogueira (1988a, 1988b), entre outros.
No estudo desenvolvido em trêsindústrias de cimento-amianto no Estado de São
Paulo - produtoras de telhas, caixas d'água etc. -, a presença de asbestose em
5,8% dos trabalhadores da produção foi detectada mediante o estudo de 507
radiografias. Somando os casos suspeitos com os já reconhecidamente doentes, a
prevalência foi estimada pelos autores em 10,1% (Amâncio et al., 1988;
Bonciani, 1993). Trabalho simultâneo, realizado em outras empresas que
processavam cimento-amianto, detectou condições ambientais de trabalho
equivalentes, sem incluir, contudo, a avaliação radiológica, a qual, na opinião
dos autores, mostraria níveis de prevalência de asbestose e de outras
alterações pulmonares e/ou pleurais não muito distintos dos encontrados em três
das nove empresas abordadas (Giannasi et al., 1988).
Durante o 5o Congresso de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro, realizado
em 1995, foi apresentado estudo de trabalhadores da indústria naval do Estado
do Rio de Janeiro. Teriam sido encontrados 15 casos de asbestoseentre os
trabalhadores expostos (Ferreira, 1995).
Ainda em relação à asbestose, a experiência brasileira, relativamente sólida,
pode também ser vista sob outro ângulo, ou seja, pelos casos enviados a
ambulatórios especializados em doenças profissionais. Especificamente, no
Ambulatório de Pneumopatias Ocupacionais da Fundacentro, em São Paulo, entre
1984 e 1994, a asbestose foi diagnosticada em 16 pacientes, entre 394
diagnosticados com pneumopatias ocupacionais. Todos os casos de asbestosevieram
da indústria do amianto (fibro-cimento e freios), mas os de doença pleural pelo
asbesto (11 casos) tiveram procedências variadas (indústria do amianto,
metalúrgicas, fundições, cerâmicas e vidro), sendo que muitos deles tinham
dificuldade em lembrar-se da exposição ao asbesto, que não era a principal
matéria-prima utilizada no ambiente de trabalho (Mendonça et al., 1994).
Em artigo de revisão sobre as doenças do aparelho respiratório associadas ao
amianto está relatada a presença de quatro casos de asbestose, diagnosticados
no Ambulatório de Doenças Ocupacionais da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de
Janeiro (Castro & Gomes, 1997).
Finalmente, mencionam-se os dados coletados por Giannasi, segundo a qual, a
revisão da bibliografia brasileira mostrava "menos de uma centena de casos
de doenças atribuídas ao amianto no Brasil neste século. São 56 casos de
asbestose, dois de câncer de pulmão e quatro de mesotelioma, que foram
apresentados em congressos ou em publicações médicas. A maioria destes não
tiveram reconhecimento oficial" (Giannasi, 1996:58). Provavelmente, vários
destes casos são os mesmos que foram apresentados ou publicados em distintos
eventos ou publicações, e aqui já mencionados.
Quanto aos mesoteliomas de pleura - raros e graves tumores malignos que se
dizia não ocorrerem em nosso meio -, acredita-se que o tempo de latência de 30,
35 ou mais anos, normalmente requerido de acordo com a experiência estrangeira,
esteja se completando, e os casos de mesotelioma malignocomecem agora a
aparecer. Sua raridade combinada com sua forte associação com a exposição ao
asbesto transformaram-nos em doença maligna que sinaliza exposição ao asbesto e
um forte indicador epidemiológico de exposição a estas fibras.
Nesta direção, a literatura científica brasileira, embora ainda extremamente
escassa neste assunto, já traz o registro de três casos clínicos de mesotelioma
maligno de pleura com associação etiológica a asbesto, detectados no Hospital
das Clínicas da UNICAMP, pelo Prof. Eduardo Mello De Capitani e colaboradores.
Os casos ocorreram na região de Campinas, São Paulo, em um período de dois
anos, e foram detalhadamente investigados do ponto de vista clínico,
laboratorial, anatomopatológico, além de por minuciosa investigação anamnésica
ocupacional e ambiental. Um dos três casos havia sido exposto ao asbesto por
período muito curto (cerca de um ano); outro, teve exposição doméstica durante
sua infância a partir do asbesto trazido do ambiente de trabalho pelo pai; e o
terceiro caso teve contaminação ocupacional indireta (De Capitani et al.,
1997).
Concluindo esta seção dedicada ao estudo dos problemas causados pelo asbesto no
Brasil, torna-se evidente, por um lado, que, apesar de uma série de limitações
metodológicas e analíticas, a asbestose, enquanto doença profissional grave,
está há cerca de 45 anos suficientemente documentada em nosso país, tanto a
partir de estudos radiográficos em trabalhadores expostos, onde a prevalência
média está ao redor dos 10%, como em casuísticas de serviços de pneumologia.
Por outro lado, a incidência de mesoteliomas de pleura apenas começa a
despontar, com sérios indícios do crescimento epidêmico de sua incidência
quando os diagnósticos incluírem, de modo correto, a anamnese ocupacional e
ambiental, ao mesmo tempo em que o período de latência requerido por este tumor
maligno for se completando, em função da evolução histórica do crescimento da
exploração do asbesto, da industrialização do cimento-amianto e de outros usos
do asbesto no Brasil.
Acredita-se que o câncer de pulmão relacionado ao asbesto está relativamente
"escondido" ou "mascarado" por outros fatores de risco dada
a sua inespecificidade clínica, radiológica e anatomopatológica, ainda que já
existam evidências - não apenas epidemiológicas, mas também físicas - de seu
nexo causal com o asbesto em nosso meio (Algranti et al., 1989; De Capitani,
1994; Wünsch Filho, 1995a, 1995b).
Percebe-se assim que todas as doenças descritas em outros países (asbestose,
mesotelioma e câncer de pulmão etc.) estão registradas na literatura médica
brasileira, algumas há quase cinqüenta anos.
Debate sobre a nocividade do asbesto-crisotila
Embora haja relativo consenso no que concerne às várias expressões da
nocividade dos asbestos sobre a saúde humana, muito se tem discutido acerca da
patogenicidade supostamente distinta das diferentes variedades de fibras de
asbestos sejam as serpentinas (crisotilaou asbesto branco) sejam os anfibólios,
isto é, a actinolita (asbesto marrom), a antofilita, a crocidolita (asbesto
azul), a tremolita ou as misturas de fibras e seus contaminantes. Alguns
pretendem demonstrar a relativa inocuidade da crisotila, em particular, no que
se refere ao potencial carcinogênico, ou seja, à capacidade produzir câncer de
pulmão e/ou mesoteliomas malignos (Wagner, 1986; McDonald et al., 1989, 1993,
1999; Case, 1991; Becklake, 1998; McDonald, 2000). Para Nicholson & Raffn
(1995:393), "o extenso e freqüentemente indigesto debate sobre a
carcinogenicidade da crisotila é liderado primariamente pela indústria
canadense do asbesto, sediada em Quebec, que mantém importantes mercados desta
variedade de asbesto na América do Sul, na América Central e na África".
Alguns pesquisadores canadenses e britânicos vêm defendendo a tese de que a
carcinogenicidade do asbesto-crisotila seria devida à "contaminação"
da crisotila por fibras de anfibólios, em especial, fibras de tremolita
(Wagner, 1986; McDonald et al., 1989; Case, 1991), tese que seria válida tanto
para o mesotelioma malignoquanto para o câncer de pulmão, extensível também
para o processo de fibrogênese (McDonald et al., 1999).
A "hipótese dos anfibólios" teria nascido da observação de que, em
pulmões necropsiados, predominaria a retenção tecidual de anfibólios
(crocidolita, amosita, tremolita, antofilita, actinolita etc.), quando
comparado com a retenção de crisotila, o que levou à hipótese de que a
nocividade e carcinogenicidade das fibras de asbestos seriam proporcionais e
devidas ao grau de retenção no pulmão (McDonald et al., 1989; Mossman et al.,
1990; Churg, 1991). No caso do Canadá, McDonald et al. (1980, 1989, 1993)
entenderam que a tremolita seria provavelmente a fibra responsável pela maioria
dos casos de mesotelioma na região mineira de Quebec (Liddell et al., 1997).
Na verdade, todas as análises de efeitos sobre a saúde causados pela crisotila
são virtualmente complicadas pela contaminação dos principais minérios de
crisotila com outras fibras minerais. Fibras de tremolita, actinolita ou
antofilita podem contaminar o minério extraído das minas de Quebec; a tremolita
contamina o minério de Chipre; a balangeroíta contamina os corpos minerais da
Itália, e assim por diante. Nestes e em outros casos já estudados, o nível de
contaminação tem sido inferior a 1%, e as fibras de asbesto não-crisotila são
extraídas dos minérios transportados a partir das respectivas minas. Esta
contaminação prossegue após o processamento industrial. Contudo, "a
análise dos diversos tipos de estudos sobre efeitos adversos sobre a saúde
mostra fortemente que os efeitos da exposição à crisotila comercial são devidos
à crisotila, e não a outras fibras eventualmente associadas" (Nicholson
& Raffn, 1995:408).
Em argumentação contrária à suposta inocuidade da crisotila, os autores citam
dois tipos de achados. Em primeiro lugar, o estudo realizado em pacientes com
placas pleurais (Churg, 1982), nos quais se observou que as fibras não-
comerciais presentes nas placas são mais grossas e mais curtas que as de
crocidolita comercial ou de outras fibras de anfibólios, sugerindo que as
fibras que contaminam a crisotila podem ser menos carcinogênicas que os
anfibólios comerciais. Em segundo, os autores citam o trabalho de Bégin et al.
(1992), que identificaram 49 casos de mesotelioma de pleura em trabalhadores de
mineração e de processamento industrial no Canadá, a partir dos registros do
Seguro de Acidentes do Trabalho e Doenças Profissionais (Workman's Compensation
Board). Vinte destes casos eram de trabalhadores da cidade que tem por nome
"Asbestos", Província de Quebec, e 29 casos eram originários das
minas de Thetford, na mesma Província. A incidência de mesoteliomafoi
aproximadamente proporcional à quantidade de asbesto extraída ou processada em
ambas as comunidades. Contudo, a razão das proporções de tremolita/crisotila no
ar de ambas as comunidades mostrou que na comunidade de "Asbestos"
ela tinha sido 7,5 vezes inferior à proporção tremolita/crisotila encontrada
nas minas de Thetford. Assim, argumentam Nicholson & Raffn (1995), se a
etiologia de mesoteliomas estivesse vinculada ao teor de tremolita (e não ao de
crisotila), seria de esperar que a incidência deste tumor maligno fosse muito
mais baixa em "Asbestos" do que em Thetford.
Quanto ao câncer de pulmão, Nicholson & Raffn (1995), após revisarem
exaustivamente 13 estudos sobre mortalidade por tumor maligno, relacionando-
a ao tipo predominante de fibra de asbesto presente na exposição ocupacional,
os autores concluíram pela existência de uma relação de dose-dependência
acumulada no tempo para a exposição a crisotila, tendo estimado o risco na
faixa de 1,0 a 4,0% por fibra-ano/mL na indústria têxtil. Em outras atividades
industriais, a estimativa não é muito distinta da de 1% por fibra-ano/mL.
Desse modo, a partir da análise destes 13 estudos de mortalidade, os autores
demonstraram que o risco de câncer de pulmão é similar para a crisotila,
amosita e crocidolita, quando analisado na perspectiva quantitativa do número
de fibras presentes no ambiente de trabalho. Quanto ao mesotelioma, os autores
concluíram, com base em 40 estudos que relacionam este tumor e o tipo
predominante de fibra, que acrisotilae aamositaparecem produzir iguais riscos
de ocorrência deste tumor. No caso da crocidolita, o risco seria de quatro a
dez vezes o da crisotila (Nicholson & Raffn, 1995). Por conseguinte,
completam os autores, "estes estudos não permitiram estabelecer um Limite
Permitido de Exposição que assegure a inexistência de risco decorrente da
exposição ocupacional a qualquer tipo de fibra de asbesto"(Nicholson &
Raffn, 1995:408).
Na mesma linha está o estudo realizado por Stayner et al. (1997) em coortes de
trabalhadores expostos a crisotila nos Estados Unidos, quando conclui que
"foi absolutamente impossível determinar um limite de tolerância para os
modelos matemáticos desenvolvidos para interpretar as relações exposição-
resposta, tanto para o câncer de pulmão, quanto para a asbestose.Somente se
conseguiu um limite de exposição segura, na concentração zero.Portanto, nossas
análises não conseguem dar suporte aos argumentos a favor de um limite seguro
para a exposição à crisotila, quer em termos de câncer de pulmão, quer em
termos de asbestose" (Stayner et al., 1997:651) (Grifo nosso).
Com efeito, um dos mais elevados riscos de adquirir câncer de pulmão
relacionado com o asbesto-crisotila foi observado e estudado em trabalhadores
de produção de tecidos de asbesto, na Carolina do Sul, nos Estados Unidos, onde
a fibra de asbesto utilizada era inteiramente crisotila (Dement, 1991; Dement
& Brown, 1993; Dement et al., 1994; Stayner et al., 1997).
Aliás, esta coorte de trabalhadores da indústria têxtil de asbesto-crisotila,
na Carolina do Sul, Estados Unidos, também conhecida como "coorte do
NIOSH", constitui-se - juntamente com a coorte dos trabalhadores da
mineração e processamento de Quebec, no Canadá - em uma das mais completas e
longas coortes de ex-expostos à crisotila, de onde muitos trabalhos científicos
sobre a nocividade desta variedade de amianto têm saído (Dement, 1991; Dement
& Brown, 1993; Dement et al., 1994; Stayner et al., 1997). Historicamente,
as fibras de crisotila para esta fiação/tecelagem de asbesto-crisotila na
Carolina do Sul eram importadas do Canadá (Quebec e British Columbia) e do
Zimbábue.
Outrossim, revisando a patogenicidade do asbesto-crisotila, principalmente no
que se refere ao risco de câncer de pulmão, Stayner et al. (1996), do Instituto
Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional (NIOSH), dos Estados Unidos, são
enfáticos ao afirmarem que "...estudos toxicológicos e epidemiológicos
fornecem fortes evidências de que a crisotila está associada com um risco
aumentado de câncer de pulmão e de mesotelioma. Para induzir os mesoteliomas, a
crisotila poderia ser menos potente que determinados anfibólios, mas existem
pouquíssimas evidências indicando risco de indução de câncer pulmonar mais
baixo [do que o dos anfibólios]" (Stayner et al., 1996:184).
Por conseguinte, não seria correto associar a etiologia dos efeitos malignos do
asbesto, ao tipo de fibra retida no tecido pulmonar - fundamento da
"hipótese dos anfibólios", que leva a inocentar a crisotila. Como
explicam Nicholson & Landrigan (1994), da Mount Sinai School of Medicine,
em Nova York, a aerodinâmica e o comportamento das fibras de crisotila no
interior do aparelho respiratório diferem por seu comprimento e formato do que
ocorre com anfibólios, fato que explicaria a diferença entre sua presença no
pulmão e sua verdadeira nocividade e carcinogenicidade, amplamente confirmadas
em estudos experimentais (Frank, 1995a; Smith & Wright, 1996; Frank et al.,
1998). Aliás, já se demonstrou que a fragmentação completa de uma fibra de
crisotila é capaz de formar mais de mil fibrilas extremamente finas, invisíveis
à microscopia eletrônica de tecido pulmonar (Wagner et al., 1973).
Na verdade, como há estudos que demonstram, em casos de mesotelioma de pleura,
a presença exclusiva de fibras de crisotilano tecido pulmonar (e não de outras
fibras), a maior parte dos autores tende atualmente a concluir ser incorreto
tentar correlacionar a etiologia do tumor com o conteúdo e a natureza das
fibras detectadas no pulmão por ocasião da necropsia. Cabe lembrar que os
estudos de microscopia de fibras de asbesto no tecido pulmonar incluem apenas
as fibras maiores de 5 mm de comprimento, subestimando ou excluindo deste tipo
de análise as fibras e as fibrilas de crisotila, sabidamente mais curtas. Por
sua vez, o mecanismo fisiopatogênico da ação carcinogênica, sobretudo com
carcinógenos de longa latência, desenvolve-se independentemente da retenção das
fibras no tecido pulmonar durante o período de tempo que permeia entre sua
inalação e o momento da necropsia. A eventual correlação, na verdade, dar-se-ia
mais corretamente com o número de fibras e fibrilas de crisotila retidas na
pleuraparietal (e não no tecido pulmonar) e que são de difícil visualização por
seu pequeno tamanho (Dement, 1991; Smith & Wright, 1996).
Cabe destacar que muitos trabalhos científicos recentes confirmam a
carcinogenicidade das fibras de crisotila, mesmo puras e não contaminadas com
outras fibras de anfibólios, demonstrada pela produção de mesoteliomas malignos
de pleura (Mancuso, 1988; Harington, 1991; Huncharek, 1994; Nicholson &
Landrigan, 1994; Nicholson & Raffn, 1995; Smith & Wright, 1996; Frank
et al., 1998).
Nos Estados Unidos, por exemplo, as análises de mortalidade de trabalhadores de
isolantes térmicos que foram expostos unicamente a crisotila antes de 1937 e a
crisotila e amosita a partir de então, indicam que a crisotila tem potencial
para produzir mesotelioma similar ao da amosita (Lemen, 1995; Nicholson &
Raffn, 1995; Nicholson, 2000).
Outro estudo com base na razão entre mesoteliomas e cânceres do pulmão
realizado naquele país, envolvendo 38 estudos disponíveis na literatura
científica e em outros informes, indicou que a potência da crocidolita para a
produção de mesotelioma é 2 a 4 vezes a potência da amosita ou da crisotila e
que ambas têm potências carcinogênicas de produzir mesotelioma similares (U. S.
Environmental Protection Agency, 1986 apud Nicholson, 2000).
Entre os muitos estudos que confirmam a carcinogenicidade da crisotila, per se,
pode ser citada a casuística italiana de mesoteliomas de pleura ocorridos em
trabalhadores ferroviários e em trabalhadores de refinarias de açúcar expostos
predominantemente ao asbesto-crisotila (Maltoni et al., 1991, 1995a, 1995b).
Outrossim, estudos epidemiológicos desenvolvidos com uma coorte de
trabalhadores da maior fábrica de cimento-amianto da Itália, em Casale
Monferrato, onde operou de 1907 a 1986, confirmam também os achados de
malignidade - tanto câncer de pulmão quanto mesotelioma de pleura e de
peritônio - associados à exposição ocupacional predominantemente à crisotila
(Magnani et al., 1996). Aliás, segundo Addison (1999), as minas italianas de
Balangero eram consideradas produtoras de crisotila "pura", sem
qualquer contaminação por tremolita ou, no máximo, muito escassa.
Observações de mesma natureza foram registradas no Zimbábue, onde se diz serem
as fibras de asbesto-crisotila extremamente "puras", isto é, não
contaminadas por anfibólios. No entanto, os autores - contrariando a cultura
prevalente nas empresas e defendidas por seus médicos - foram capazes de
encontrar, por meio de estratégias de busca ativa de casos, dezenas de casos
"novos" de asbestose, de placas pleurais e outras manifestações de
doença pleural, de câncer de pulmão e de mesotelioma de pleura em trabalhadores
expostos exclusivamente à crisotiladita doméstica (Cullem & Baloyi, 1991).
Diz-se também que as fibras de crisotilaextraídas na China são igualmente
"puras", isto é, não contaminadas com anfibólios, o que explicaria a
existência "tão somente" de asbestose e câncer pulmonar, ao lado de
uma extrema raridade de casos de mesotelioma de pleura (Hillerdal, 1999).
Mesmo no Canadá (Província de Quebec), onde a "hipótese dos
anfibólios" foi desenvolvida e ainda vem sendo defendida por alguns,
investigação realizada com trabalhadores da indústria, de isolantes térmicos,
de construção de navios e da construção civil - cuja exposição primária deveu-
se predominantemente à crisotila, e os anfibólios tiveram importância
secundária - detectou e analisou, de modo criterioso, mais de setenta casos de
mesotelioma maligno de pleura (Bégin et al., 1992).
Aliás, os estudos pioneiros realizados por McDonald & McDonald (1980) já
mostravam casos de mesotelioma de pleura em crianças, filhos de mineradores de
crisotila. Do mesmo modo, Sanden et al. (1992), revisando extensas casuísticas
de mesotelioma de pleura, identificaram oito casos deste tumor maligno
associados à exposição à poeira de asbesto-crisotila ocorrida no ambiente
domiciliar. Com efeito, após citarem esses trabalhos - entre muitos outros -
Smith & Wright, pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade da
Califórnia em Berkeley, não tiveram dúvida em concluir que "os dados acima
demonstram que a exposição a crisotila, mesmo em níveis relativamente baixos
para os esperados no interior de domicílios, pode causar mesotelioma
maligno" (Smith & Wright, 1996:261)
A propósito, estes autores - após revisarem mais de cem trabalhos científicos e
analisarem, de modo detalhado e crítico, 25 estudos epidemiológicos de coortes,
que enfocam a ocorrência destes tumores malignos e sua associação com exposição
ao asbesto - foram extremamente enfáticos ao concluírem que:"(1) o
asbesto-crisotila é uma potente causa de mesotelioma pleural; (2) a imensa
maioria dos mesoteliomas é atribuível à exposição ao asbesto; e (3) as fibras
de asbesto-crisotila têm sido as fibras predominantemente utilizadas.Baseados
nesta evidência, concluímos que o asbesto crisotila é de longe o mais
importante contribuidor para a etiologia dos mesoteliomas pleuraisnos Estados
Unidos e em outros países onde a crisotila é a fibra de uso predominante"
(Smith & Wright, 1996:262) (Grifo nosso).
Por outras palavras, eis as dos pesquisadores do NIOSH, dos Estados Unidos:
"dadas as evidências de um significante risco de câncer de pulmão, a falta
de evidências conclusivas a favor da 'hipótese dos anfibólios', e o fato de que
trabalhadores estão geralmente expostos a uma mistura de fibras, concluímos
queé prudente tratar a crisotila, virtualmente com a mesma preocupação como se
fossem asbestos na forma de anfibólios" (Stayner et al., 1996:184) (Grifo
nosso).
Consistentemente, a comissão internacional de especialistas reunidos pelo
Programa Internacional de Segurança das Substâncias Químicas (IPCS), após
revisar exaustivamente a literatura internacional, e discutir largamente com
representantes da comunidade científica internacional, concluiu que "a
exposição ao asbesto crisotila acarreta riscos aumentados para a asbestose,
câncer do pulmão e mesotelioma, de maneira dose-dependente. Não foram
identificados limites permitidos de exposição para os riscos de
carcinogênese" (IPCS, 1998:144).
Conclui-se que, com tantas evidências idôneas de natureza experimental,
anatomopatológica e, principalmente, de natureza epidemiológica demonstradas ao
longo de tanto tempo e em tantos lugares diferentes, e por tantos diferentes
pesquisadores e estudiosos, não sobrevivem os argumentos em defesa da
inocuidade doasbesto-crisotila.
Pelo contrário, esta fibra mineral "pura" ou "contaminada"
- canadense, russa, chinesa, italiana ou brasileira -, tal como seus
anfibólios-irmãos, causa igualmente asbestose, câncer de pulmão, mesotelioma de
pleura ou de peritônio, afora outras tantas doenças. Trata-se de substância
química cancerígena confirmada no ser humano de forma ampla e
desnecessariamente redundante.
Respostas da comunidade internacional ao problema da nocividade do asbesto e a
mobilização pelo seu banimento
Conforme levantamento realizado recentemente, o asbesto já havia sido banido
nos seguintes países (dispostos em ordem alfabética): Alemanha, Arábia Saudita,
Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Inglaterra, Itália,
Noruega, Nova Zelândia, Polônia, República Checa, Suécia e Suíça (Giannasi,
1988; Collegium Ramazzini, 1999a, 1999b; Lemen, 2000). Na Europa, a Holanda, a
Suécia, a Noruega e a Dinamarca foram os primeiros países a implementar o
banimento total do asbesto. Na década de 90, a mesma decisão foi tomada pela
Alemanha, Finlândia e, mais recentemente, pela França (Karjalainen, 1997).
Na Suécia, as primeiras regulamentações sobre a utilização do asbesto são de
1964, tendo sido, desde então, seguidas por uma série de normas e recomendações
que incluíram o banimento completo da crocidolita, em 1976; o banimento quase
completo - com poucas exceções - de todas as formas de asbesto, em 1986; a
proibição do uso de lonas e pastilhas de freios em automóveis e motocicletas
novos, a partir de 1o de janeiro de 1987, e a comercialização de automóveis
usados, com freios contendo asbesto, a partir de 1o de julho de 1988. As poucas
exceções que ainda eram temporariamente permitidas na Norma Sueca de 1986
(National Swedish Board of Occupational Safety and Health, Ordinance AFS 1986:
2, concerning Asbestos, de 23 de janeiro de 1986) estavam sujeitas a estrito
controle fiscalizatório e dependiam de permissão prévia do Conselho Nacional
Sueco de Saúde e Segurança Ocupacional (Peters & Peters, 1988).
Nos Estados Unidos, as medidas para assegurar a redução da exposição e, depois,
a proibição progressiva do asbesto (phase out) têm tido longa trajetória, tanto
por meio da agência governamental federal que trata das questões de Saúde e
Segurança no Trabalho (Administração de Saúde e Segurança Ocupacional - OSHA),
como pela agência governamental federal que trata da questões de proteção
ambiental (Agência de Proteção Ambiental - EPA).
Assim, a OSHA, órgão do Departamento do Trabalho (DOL), criado em 1970, baixou
o limite permitido de exposição (PEL) de 5 fibras/cm3de ar, para 2 fibras/cm3
de ar em 1976; o PEL da OSHA foi reduzido em 10 vezes, em 1986, sendo definido
em 0,2 fibra/cm3 de ar; em 1994, o PEL foi novamente reduzido à metade do valor
anterior, isto é, a 0,1 fibra/cm3 de ar (TWA ou Valor Médio Ponderado no Tempo,
para 8 horas), com a observação de "risco de câncer" e com um valor
teto para 30 minutos de 1,0 fibra/cm3 (U. S. Department of Labor, 1994).
Cabe lembrar que o valor de 0,1 fibra/cm3 de ar já era o Limite Recomendado de
Exposição Definido por Razões de Saúde (REL), estabelecido pelo NIOSH e também
o Limite de Tolerância (TLV), estabelecido pela Conferência Americana de
Higienistas Industriais Governamentais (ACGIH), a qual agrega ao valor do TLV a
observação de "carcinogênico humano confirmado" (ACGIH, 1999).
Por sua vez, a EPA daquele país vem, desde o início da década de 80, batalhando
pelo banimento do asbesto nos Estados Unidos, com base em estudos
epidemiológicos a respeito da extrema nocividade dessa fibra que foram
considerados suficientemente convincentes (U. S. Department of Labor, 1986;
Percival et al., 1996).
Assim, em 1989, com base na Lei de Controle das Substâncias Tóxicas (TSCA), a
EPA estabeleceu a proibição total, em etapas sucessivas, da produção,
importação, processamento e comercialização de quase todos os produtos contendo
asbesto, o que significaria uma redução de 94% do consumo de asbesto nos
Estados Unidos, segundo a própria estimativa da EPA. O banimento do asbesto foi
vinculado ao que a EPA chamou de "risco injustificado para a saúde humana
e para o meio ambiente" (U. S. Department of Labor, 1986:22780).
A decisão da EPA de estabelecer o banimento do asbesto em seu ciclo completo de
vida foi baseada nos seguintes argumentos:
·A importância e a gravidade dos efeitos sobre a saúde humana, refletida em
mortes precoces e dolorosas devidas a mesotelioma de pleura, câncer de pulmão,
câncer gastrointestinal e outros cânceres, assim como a asbestose e outras
doenças: "estudos mostram que o asbesto é um carcinógeno altamente potente
e que efeitos muito graves sobre a saúde humana podem ocorrer após exposições,
mesmo de curta duração, mas de elevado nível de concentração, ou após longo
tempo em concentrações baixas. A exposição ao asbesto é compatível com um
modelo linear de dose-resposta para câncer de pulmão, sem um limite seguro de
exposição" (Percival et al., 1996:571).
·Ubiqüidade da exposição: "As pessoas estão freqüentemente expostas ao
asbesto sem o saber e raramente estão em posição de se protegerem a si
próprias. As fibras de asbesto geralmente são invisíveis, sem odor, muito
duráveis ou persistentes, e altamente aerodinâmicas. As fibras podem se
deslocar por grandes distâncias e permanecem no meio ambiente por tempo muito
longo. Portanto, a exposição pode ocorrer muito tempo após a liberação da fibra
de asbesto, e em local muito distante da fonte de liberação" (Percival et
al., 1996:572).
·Aumento da carga poluidora e dos expostos: "adições ao atual estoque de
produtos contendo asbesto teriam contribuído para aumentar a carga de asbesto
no meio ambiente. Isto acarretaria um possível aumento do risco da população
geral (...) e um risco para as gerações futuras, tendo em vista a longa
longevidade do asbesto" (Percival et al., 1996:572).
·Número de pessoas expostas no ciclo de vida das fibras: "as atividades
que podem produzir a liberação de fibras de asbesto em seu longo ciclo de vida
incluem a mineração, o processamento de fibras em produtos industrializados, o
transporte, a instalação, o uso, a manutenção, a reparação, a retirada, e a
disposição final dos produtos contendo asbesto" (Percival et al., 572).
A EPA estimou o número potencial de expostos ocupacionalmente (alguns milhares,
nos Estados Unidos) e, através de estudos de modelagem, estimou os milhões de
pessoas da população geral que acabam se expondo no ciclo completo de vida a
estas fibras.
·A liberação das fibras, a partir de produtos que as contêm: mesmo respeitando
os limites permitidos de exposição estabelecidos pela OSHA (à época, 0,2 fibra/
cm3 de ar), a EPA entendia que muitos milhares de trabalhadores expostos não
estariam cobertos pelas normas da OSHA no que se refere às medidas de
engenharia requeridas e à proteção individual. Assim, "o fato de os
asbestos serem potentes cancerígenos, picos de exposição episódica incontrolada
acarretam significativo risco" (U. S. Department of Labor, 1986:22782).
·A existência de pessoas desprotegidas contra os riscos do asbesto em seu ciclo
de vida completo e que estão fora da jurisdição de agências como a OSHA e de
outras medidas de controle já existentes.
·A utilização contínua do asbesto no mercado norte-americano apesar da
existência de outros produtos alternativos seguros ou de risco mais baixo, que
não têm sido utilizados: "As evidências apoiam a conclusão de que
substitutos do asbesto já existem ou estarão logo disponíveis, para todos os
usos do asbesto. Ao escalonar o banimento do asbesto, a EPA levou em conta a
disponibilidade de substitutos que não contêm asbesto (...) adiando o banimento
para umas poucas utilizações, muito específicas e limitadas, que ainda dependem
destes produtos" (Percival et al., 1996:573).
·Estimativas de mortes evitáveis que poderão resultar do banimento completo do
asbesto (a EPA estimou estes números, para o caso de mortes por câncer).
·Insuficiência ou inadequação de outras medidas que não o banimento completo,
escalonado: "outras opções de controle ou falham em importantes fases do
ciclo de vida do asbesto ou dos produtos que o contêm, ou são
injustificadamente onerosas. A EPA conclui, portanto, que as ações tomadas com
o ato da proibição total constituem os meios menos onerosos de reduzir os
riscos devidos ao asbesto, em seu ciclo de vida completo" (Percival et
al., 1996:574).
A indústria norte-americana do asbesto entrou com ação judicial contra a EPA,
em 1991, questionando vários dos argumentos acima listados. A Corte julgou
procedente a argumentação empresarial da época, o que levou à suspensão
temporária do ato de proibição, que foi posteriormente substituído por outros
atos de banimento setorial.
Na Finlândia - que já foi o maior produtor e exportador de asbesto-antofilita
do mundo -, a mineração desta fibra foi desativada em 1975, enquanto a
industrialização de fibras de amianto foi desativada em 1988. A produção,
venda, importação e uso de asbesto e de produtos que o contêm foi proibida a
partir de 1o de janeiro de 1993, por decisão do Conselho de Estado daquele
país, com poucas exceções relacionadas às operações de demolição de obras e
desmantelamento de instalações (Huuskonen et al., 1995; Karjalainen et al.,
1997).
Tanto na Finlândia como na Suécia, o atual número de mortes prematuras causadas
por mesotelioma de pleura relacionado ao asbesto já é superior ao número de
acidentes do trabalho fatais no mesmo período de tempo, estimando-se que a
epidemia atinja seu pico por volta do ano 2010 (Jarvholm et al., 1990; Englund,
1995; Huuskonen et al., 1995).
Na França, o banimento completo de todas as formas de asbesto foi anunciado
pelo governo em 3 de julho de 1996, tornando-se efetivo a partir de 1o de
janeiro de 1997 (Asbestos Institute, 1997). A decisão política do governo
francês de proibir a importação e venda de produtos que contêm asbesto,
incluindo cimento-amianto, deu-se logo após a divulgação do estudo elaborado
por um grupo de pesquisadores convidados pelo Instituto Nacional de Saúde e
Pesquisa Médica (INSERM), a pedido da Direção de Relações de Trabalho
(Ministério do Trabalho) e da Direção Geral de Saúde (Ministério de Assuntos
Sociais), do governo francês. O estudo foi desenvolvido de agosto de 1995 a
maio de 1996, e divulgado em junho de 1996, na forma de um Relatório, de mais
de quinhentas páginas, intitulado "Effects sur la Santé des Principaux
Types d'Exposition a l'Amiante" (INSERM, 1997). Pela gravidade dos dados
analisados e das estimativas de dano futuro, o banimento de todas as formas de
asbesto constituiu a alternativa técnica recomendada pelos pesquisadores, e, em
seguida, adotada pelo governo.
Na verdade, o movimento contra o amianto naquele país tem longa trajetória, em
que o movimento social atuou marcantemente. Avanços legais já haviam ocorrido
no mesmo ano de 1996, como, por exemplo, os Decretos 96-97 e 96-98, referentes
à proteção da população geral e dos trabalhadores contra o amianto, primeiro,
em prédios e edificações (Decreto 96-97) e, em seguida, em ambientes de
trabalho (Decreto 96-98), quando, entre outras medidas, passou a ser adotado o
valor de 0,1 fibra/cm3 de ar, como Limite de Tolerância para a crisotila
(France, 1996).
Antes, contudo, as denúncias na mídia, ocorridas em julho de 1994, sobre a
ocorrência de casos de câncer de pulmão em professores e em trabalhadores que
haviam trabalhado em prédios contendo material isolante à base de asbesto,
haviam mobilizado a opinião pública. Em outubro de 1994, a constatação da
presença de asbesto em materiais para isolamento nos prédios da Universidade
Jussieu mobilizou segmentos acadêmicos, estudantis e sindicais, ocasião em que
foi criado, naquela Universidade, o "Comitê Anti-Asbesto". Em abril
de 1995, o Comitê organizou um evento intitulado "Asbesto: Um Problema de
Saúde Pública". Em junho de 1995, a revista Sciences et Avenir denuncia a
presença de asbesto em prédios, associando-o ao que denominou "epidemia
mortal", ao mesmo tempo em que acusava o governo francês por omissão. Com
base nesta matéria, a televisão apresentou um programa intitulado "asbesto
mortal", que provocou grande consternação no país. Em outubro de 1995,
anunciaram-se novos aperfeiçoamentos na legislação referente ao asbesto. Em
fevereiro de 1996, foi criada a "Associação das Vítimas do Amianto"
(ANDEVA) que, entre muitas outras atividades, acionou judicialmente
funcionários e dirigentes do governo francês, a Indústria do amianto, assim
como médicos e cientistas que se opunham à eliminação das fibras nocivas,
inclusive da Academia Nacional de Medicina, que em maio do mesmo ano, se
pronunciara de forma conservadora (Asbestos Institute, 1997).
Não é difícil imaginar a reação de países produtores e exportadores de
crisotila, liderados pelo Canadá, traduzida por intenso trabalho junto a
cientistas e fóruns científicos, bem como junto a fóruns do comércio bilateral
(França-Canadá) e do comércio internacional (a Organização Mundial do Comércio
- OMC -, por exemplo), onde não faltaram ameaças de retaliação violenta
decorrentes da perda substancial de mercados exportadores. Outros países
europeus já haviam proibido a importação e, mais recentemente, a União Européia
posicionou-se do mesmo modo. Para os defensores do amianto, o Informe do INSERM
e a imediata decisão pelo banimento total não teriam levado em consideração as
diferenças que existem entre os distintos tipos de fibra de asbesto, teriam
deixado de incluir os estudos que mostram ausência de efeitos em trabalhadores
expostos exclusivamente à crisotila e, por último, teriam subestimado os riscos
à saúde causados pelos substitutos do asbesto (Asbestos Institute, 1997).
Na União Européia, a recente Diretiva da Comissão das Comunidades Européias
1999/ 77/EC, datada em 26 de julho de 1999, proibiu a venda e a utilização de
certas fibras de amianto ainda autorizadas, notadamente a do tipo crisotila. A
decisão, aplaudida pelos adversários do amianto na Europa, facilitará a
aplicação do chamado "princípio de precaução", tendo em vista os
estudos epidemiológicos que estimam em cerca de 250 mil o número de futuras
vítimas de mesotelioma de pleura. Segundo o artigo 2o da nova Diretiva da
Comissão das Comunidades Européias, os Estados Membros europeus deverão adotar
esse novo texto a partir de 1o de janeiro de 2005 (Commission of the European
Communities, 1999; O Estado de São Paulo, 1999).
A Comissão levou em conta a necessidade de um período de ajustamento para
eliminar a venda e a utilização do amianto crisotila e dos demais produtos que
contêm esse tipo de mineral, fixando a data de 1º de janeiro de 2005 como
limite máximo para entrar em vigor o banimento completo em todos os países da
União Européia. Já a partir da entrada em vigor desta Diretiva, os países não
podem mais autorizar a introdução de novas aplicações do amianto crisotila em
seus territórios. A Comissão lembra a existência, hoje, de produtos de
substituição que não são considerados cancerígenos, oferecendo risco muito
menor (Commission of the European Communities, 1999; O Estado de São Paulo,
1999).
Na África do Sul, a exportação de amosita havia cessado totalmente em 1993,
assim como a de crocidolita havia caído a cerca de 5% do que se exportava em
1970. A partir de 1996, a produção de crisotila também sofreu forte queda,
caindo a 37% de sua produção habitual, com previsão de encerramento total da
exportação de crisotila em poucos anos. Como dizem os autores,
"finalmente, após 40 anos do estabelecimento da associação entre exposição
a crocidolita e mesotelioma, na África do Sul(Wagner et al., 1960), toda a
comercialização desta fibra chega a um fim" (Harington & McGlashan,
1998 apud Harington & McGlashan, 2000:229)
Na Austrália, a empresa de extração e exportação de crocidolita, instalada em
1937, foi encerrada em 1966, após haver produzido milhares de casos de
mesotelioma, considerado como "a modern industrial disaster" (Musk et
al., 1992).
No entanto, tal como ocorre com outros produtos tóxicos ou perigosos proibidos
ou banidos nos países mais desenvolvidos (Castleman, 1995), com o fechamento
dos mercados de importação das fibras de asbesto dos países mais
industrializados, vem se acentuando a tendência de deslocamento do eixo do
comércio internacional na direção dos assim chamados "países em
desenvolvimento", ou "países do terceiro mundo", onde vem-se
dando o consumo destas fibras nocivas, principalmente em produtos de cimento-
amianto (Levy & Seplow, 1992; Frank, 1993; Lemen & Bingham, 1994; Chen
& Huang, 1997; Giannasi & Thébaud-Mony, 1997; Karjalainen, 1997; Ladou,
1999; Castleman, 2000).
Por este motivo, o movimento internacional pela defesa da vida e da saúde, no
que concerne aos efeitos nocivos das fibras de asbesto sobre a saúde humana,
vem convocando cientistas e profissionais de saúde e de áreas correlatas - além
de políticos e tomadores de decisão - para um esforço universal na direção do
banimento deste produto.
Com este propósito, o Collegium Ramazzini, por exemplo, entidade acadêmica
internacional sediada em Bolonha, na Itália, que reúne cerca de 180 cientistas
de trinta distintos países, por decisão tomada na reunião anual de seus
membros, realizada em Carpi, na Itália, em 24 de outubro de 1998, vem
publicando, nas principais revistas científicas de Saúde & Trabalho no
mundo, uma mensagem de convite ou convocatória para uma ação internacional
coordenada, intitulada "Call for an International Ban on Asbestos"
(convocatória, chamada, por um banimento internacional do asbesto) (Collegium
Ramazzini, 1999a, 1999b; Maltoni, 1999).
A convocatória do Collegium Ramazzini provocou e vem provocando, na forma de
"cartas ao editor" das revistas científicas que a publicaram, uma
série de manifestações de apoio e aplauso emitidas por vários cientistas e
profissionais que defendem a proibição total do asbesto-crisotila (banimento)
(Castleman, 2000; Greenberg, 2000; Lemen, 2000; Maltoni, 2000), ao lado da
reação de outros, que continuam a defender a inocuidade da crisotila e a
suposta eficácia de seu "uso controlado" (McDonald, 2000).
Inadequação do atual posicionamento brasileiro sobre o problema e a necessidade
de sua revisão urgente
No Brasil, apesar de alguns avanços no tratamento da questão do asbesto
ocorridos nos últimos vinte anos - como se verá adiante - a opção pela tese do
"uso seguro" do amianto consolidou, de certa forma, não apenas uma
posição política e tecnologicamente insustentável nos médio e longo prazos,
como acabou colocando o país numa posição de explícita defesa da crisotila, na
contramão da História, e para prejuízo da saúde, da vida e do meio ambiente.
Na verdade, o conjunto de medidas legais direcionadas ao manejo da questão do
asbesto (amianto) no Brasil, apesar de estas terem sido adotadas há pouco tempo
- na década de 90 -, já estava superado, de certa forma, posto que teve
instrumentos internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
concebidos no início da década de 80 como paradigma, os quais, por sua vez,
também nasceram antigos e enviesados na sua forma de lidar com questões da
complexidade do asbesto (amianto) (Giannasi & Thébaud-Mony, 1994, 1997;
Thébaud-Mony, 1995).
O conjunto de medidas legais ou normativas adotadas pelo Brasil, disposto em
ordem cronológica, pode ser assim resumido:
·Resolução nº 7 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que regulamenta
a rotulagem do asbesto e produtos que o contêm, de 16 de setembro de 1987
(Atlas, 1999);
·Decreto Executivo nº 126, que promulga a Convenção nº 162, da OIT, sobre a
"utilização do asbesto em condições de segurança", 22 de maio de 1991
(Brasil, 1991);
·Portaria nº 1, do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalhador, do
Ministério do Trabalho e Previdência Social, que alterou o Anexo 12 da Norma
Regulamentadora (NR) nº 15, estabelecendo "limites de tolerância para
poeiras minerais - asbestos", 28 de maio de 1991 (Atlas, 1999);
·Lei nº 9.055, que "disciplina extração, industrialização, utilização,
comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham,
bem como das fibras naturais ou artificiais, de qualquer origem, utilizadas
para o mesmo fim e dá outras providências.", 1º de junho de 1995 (Atlas,
1999);
·Decreto nº 2.350, que "regulamenta a Lei nº 9.055, de 1º de junho de
1995, e dá outras providências" 15 de outubro de 1997 (Atlas, 1999).
O estudo exaustivo e crítico deste arcabouço legal e de seus antecedentes
poderia confirmar as observações relativas a seu obsoletismo nato e ao viés
ideológico que permeia estes diplomas. Não sendo esta a finalidade precípua
deste trabalho, serão apenas listados alguns exemplos e aspectos relacionados
com a gênese destes instrumentos.
Assim, por exemplo, no que se refere à informação ao público em geral e aos
trabalhadores acerca da natureza e gravidade dos riscos do amianto, a Resolução
nº 7 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 16 de setembro de 1987,
que regulamentou a rotulagem deste produtos cancerígenos, estabeleceu os
seguintes dizeres: "Cuidado! Este produto contém fibras de amianto. Evite
a geração de poeira. Respirar poeira de amianto pode prejudicar gravemente sua
saúde. O perigo maior é para os fumantes" (Teixeira et al., 1988; Atlas,
1999).
Por sua vez, a Portaria nº 1 do Ministério do Trabalho estabeleceu a
obrigatoriedade da rotulagem com os seguintes dizeres: "Atenção: contém
amianto. Respirar poeira de amianto é prejudicial à saúde. Evite risco: Siga as
instruções de uso" (Atlas, 1999).
Como visto anteriormente, o potencial carcinogênico do asbesto já era conhecido
e comprovado há mais de 25 anos, de sorte que rotulá-lo do modo como ambas as
normas oficiais o fizeram foi, no mínimo, leviano. Os termos que haviam sido
propostos ao Ministério do Trabalho incluíam no rótulo a advertência:
"Risco de câncer e doença pulmonar se inalado" (Teixeira et al.,
1988). Na Portaria nº 1, de 1991, o risco de câncer e de doença pulmonar
desapareceu; aliás, foi transferido para o leitor do rótulo: "Evite
risco" (Atlas, 1999).
O segundo exemplo diz respeito aos "limites de tolerância"
estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, no cumprimento do Art. 200 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Entre outras providências de indicação
óbvia, a Portaria nº 1 reduziu à metade o então "limite de
tolerância" para fibras respiráveis de asbesto-crisotila, isto é, de 4,0
para 2,0 fibras/cm3, valor que nascia completamente obsoleto, posto que dez
vezes superior ao então utilizado em outros países e 20 vezes superior ao valor
já então recomendado por razões de saúde (Atlas, 1999).
Muitos exemplos poderiam ser mencionados aqui e merecem ser estudados em outro
momento.
O que chama a atenção, na verdade, é que tanto a Resolução nº 7 do Conama, de
1987, como a Portaria nº 1, de 1991, expressavam a intenção brasileira de tomar
a Convenção nº 162 da OIT, que trata da "utilização do asbesto em
condições de segurança", com sua correspondente Recomendação nº 172, ambas
de 1986, como escudo e paradigma para um posicionamento político e técnico que,
na esteira de uma suposta proteção da saúde e segurança dos trabalhadores,
preservasse o espaço da crisotila no Brasil.
Nessa direção, o Seminário Nacional sobre Exposição Ocupacional ao Asbesto,
promovido pelo Comitê de Estudos do Amianto (CEA), com o apoio da Secretaria de
Segurança e Medicina do Trabalho do Ministério do Trabalho, Fundacentro, CNTI,
CNI, SESI/DN e ABRA, realizado em Brasília, Distrito Federal, no mês de julho
de 1986, fez parte dessa mobilização em prol da imediata adoção da Convenção nº
162 da OIT pelo Brasil, como pode ser visto pelo teor das Conclusões e
Recomendações desse evento.
Com efeito, a ratificação brasileira da Convenção nº 162 foi depositada na OIT
em 18 de maio de 1990 e promulgada em 22 de maio de 1991, através do Decreto
Executivo nº 126, publicado no Diário Oficial da União, de 23/5/91. A Portaria
nº 1, datada de 28/5/91, foi justificada pela "necessidade de se
regulamentar a Convenção nº162, da Organização Internacional do Trabalho que
trata da 'utilização do asbesto em condições de segurança' - 1986"
(Scliar, 1998; Atlas, 1999).
A ênfase que se dá, nesta seção, à questão da Convenção nº 162 da OIT, tal como
a sua ratificação pelo Brasil, pareceria sem sentido e, mesmo,
contraproducente, se não existissem tantas evidências sobre a forte influência
de lobbies de países produtores e exportadores de asbesto-crisotila, liderados
pelo Canadá e apoiados pelo Brasil, no longo processo de elaboração interna e
discussão dos textos da Convenção e da Recomendação, até sua adoção pela
Conferência Internacional do Trabalho, em junho de 1986. De uma única vez, e em
âmbito internacional, alcançava-se a dupla façanha de proibir a extração,
exportação, industrialização e utilização dos asbestos-anfibólios (amosita,
crocidolita, tremolita, antofilita, etc.), já então banidos ou abandonados na
maioria dos países, ao mesmo tempo em que se protegia a crisotila, atribuindo-
lhe suposta inocuidade de efeitos deletérios à saúde e à vida, quando utilizada
em condições ditas "seguras". Em outras palavras, conseguia-se
arrefecer o ânimo pelo banimento completo e imediato do asbesto, dirigindo-o ao
que já era banido e/ou desinteressante do ponto de vista comercial, e garantir
uns anos mais de sobrevida aos negócios da crisotila, com a legitimação
internacional e tripartite estabelecida em fórum do prestígio da OIT. Daí,
também, o zelo e a pressa manifestados pela Indústria brasileira, para que o
Brasil fizesse o mesmo, sem perda de tempo, ao ratificar um instrumento
internacional desta importância.
Como se disse no começo desta seção, o Brasil, no bojo de um suposto
aperfeiçoamento da proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, tomou a
Convenção nº 162 e seus complementos como escudo e legitimação da defesa da
crisotila.
De fato, tanto a Lei 9.055, de 1995, como o Decreto 2.350, de 1997 (Atlas,
1999), da forma como foram redigidos, proíbem a extração, produção,
industrialização, utilização e comercialização de outras formas de asbesto, que
não a crisotila, e permitem - na verdade, instituem - a extração,
industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto da variedade
crisotila, extraída no Brasil e de nosso país também exportada.
Para tanto, ambos os diplomas legais criam barreiras à importação do asbesto-
crisotila, bem como à produção de fibras naturais e artificiais de qualquer
origem - na família das quais estão os substitutos da crisotila, conhecidos ou
potenciais, de nocividade mais baixa. Aliás, estabelece o Artigo 6º do Decreto
2.350/97, que "as fibras naturais e artificiais que já estejam sendo
comercializadas ou que venham a ser fabricadas deverão ter a comprovação do
nível de agravo à saúde humana avaliada e certificada pelo Ministério da Saúde,
conforme critérios a serem por ele estabelecidos, no prazo de noventa
dias"(Atlas, 1999:554).
Ora, não se tem conhecimento nem de que o Ministério da Saúde costumasse
avaliar ou certificar alguma "comprovação do nível de agravo à saúde
humana" de minérios, materiais de construção ou de produtos químicos,
sintéticos ou naturais, que não sejam produtos domissanitários, medicamentos,
vacinas, sangue e hemoderivados ou produtos de uso em campanhas de Saúde
Pública nem, muito menos, de que este Ministério tenha feito para o asbesto-
crisotila, exatamente o que se pede que faça para fibras naturais ou
artificiais que a possam substituir em função de eventual nocividade inferior à
do asbesto.
A política de defesa da crisotilatorna-se ainda mais evidente na forma da Lei
tentar direcionar a pesquisa científica e tecnológica, já que o Art. 9º
determina que "os institutos, fundações e universidades públicas ou
privadas e os órgãos do Sistema Único de Saúde promoverão pesquisas científicas
e tecnológicas no sentido dautilização, sem riscos à saúde humana, do asbesto/
amianto da variedade crisotila, bem como das fibras naturais e artificiais
referidas no Art. 2ºdesta lei", agregando, em seu parágrafo único, que
"as pesquisas referidas no caput deste artigo contarão com linha especial
de financiamento dos órgãos governamentais responsáveis pelo fomento à pesquisa
científica e tecnológica" (Atlas, 1999:555) (grifo nosso), o que, aliás,
já vem ocorrendo.
Neste tema, a questão da pesquisa e seu financiamento seria política e
eticamente mais bem administrada, se fosse direcionada para o desenvolvimento
de fibras alternativas comprovadamente não agressivas à saúde. Não é justo que
o Setor Público financie a pesquisa sobre a utilização da crisotila, sobretudo
quando o dispositivo legal que estabelece tal distorção embute, em seu texto, a
falácia do uso da crisotila "sem riscos à saúde humana".
Vale lembrar o princípio universal de que no manejo de substâncias
cancerígenas, com o potencial de malignidade que a crisotila comprovadamente
tem, a garantia da ausência de riscos para a saúde humana somente é alcançada
com a exposição zero, o que significa sua proibição, como já ocorre no Brasil
com outras substâncias cancerígenas listadas no Anexo 13 da NR-15 (Atlas,
1999).
Assim, pelos breves exemplos que foram citados, torna-se claramente visível
que, no referente à questão do asbesto, o atual posicionamento brasileiro é
extremamente inadequado e inaceitável, no caso de a saúde humana, a vida e o
meio ambiente constituírem, para a sociedade, valores preciosos a serem
defendidos tenazmente e se esta defesa conformar efetivamente ancoradouro
supremo de todas as políticas públicas de nosso país.
Em que aspectos, portanto, a atual política brasileira sobre o amianto é
equivocada e insustentável?
Com o risco de repetição ou redundância, mas com a vantagem da sistematização e
síntese, identificar-se-ão, no quadro a seguir, alguns dos problemas críticos:
·Pouca valorização da natureza, da gravidade e da magnitude dos problemas de
saúde acometem trabalhadores expostos ao asbesto, no Brasil - Assim como foi
amplamente documentado em inúmeros países do mundo ditos
"desenvolvidos", também no Brasil todas as doenças relacionadas com o
asbesto/amianto - em particular, asbestose, mesotelioma maligno de pleura e
câncer de pulmão - já foram detectadas no país, algumas já há anos, e sua
incidência tende a crescer em decorrência das exposições acumuladas e do tempo
de latência habitual para estas entidades mórbidas. Ao contrário do que se
tenta propalar, não há como inocentar a crisotilabrasileira da gênese destes
graves problemas de saúde que acometem trabalhadores, posto que a incidência
destas doenças vem-se dando nos mais diferentes setores e atividades que expõem
trabalhadores a este minério nocivo, principalmente trabalhadores da indústria
do cimento-amianto. Em outras palavras: trabalhadores - centenas ou milhares -
estão adoecendo e morrendo por doenças perfeitamente evitáveis, a maioria delas
de extrema gravidade tanto pela incapacidade e sofrimento que produzem, como
por sua irreversibilidade e insuscetibilidade a tratamento e alta proporção de
letalidade, e isto não tem sensibilizado suficientemente os governantes,
legisladores, políticos, empreendedores, empregadores, cientistas e outros
atores sociais.
·Cultivo da ilusão ou falácia de que os problemas do amianto são de natureza
meramente ocupacional, restringindo-se "apenas" a trabalhadores
expostos - Assim como vem sendo documentado em inúmeros países, também no
Brasil já estão sendo registrados casos de mesotelioma maligno de pleura em
crianças filhos de trabalhadores e em mulheres cônjuges de trabalhadores
expostos ao asbesto. Além da óbvia gravidade do fato, o equívoco principal
reside na ilusão ou na falácia de que o problema da exposição ao amianto é
meramente ocupacional. Ao contrário, como corretamente foi salientado em outra
publicação, "não é verdade o que se afirma, pois o amianto é um problema
de Saúde Pública, já que pode causar danos não somente aos trabalhadores, como
também a seus familiares, vizinhos às instalações e populações não-
ocupacionalmente expostas e sequer monitoradas, e ao meio ambiente, na medida
em que os resíduos com amianto não podem ser destruídos, já que uma de suas tão
decantadas propriedades é o fato de ser incombustível (asbesto) e incorruptível
(amianto), daí vindo a origem grega e latina de seu nome, respectivamente"
(Giannasi, 1994:20).
·Subestimação da ubiqüidade da exposição e visão reducionista da
responsabilidade pelo controle da exposição - Como corretamente afirma a EPA,
dos Estados Unidos, "as pessoas estão freqüentemente expostas ao asbesto
sem o saber e raramente estão em posição de protegerem a si próprias. As fibras
de asbesto geralmente são invisíveis, sem odor, muito duráveis ou persistentes,
e altamente aerodinâmicas. As fibras podem se deslocar por grandes distâncias e
permanecem no meio ambiente por tempo muito longo. Portanto, a exposição pode
ocorrer muito tempo após a liberação da fibra de asbesto, e em local muito
distante da fonte de liberação" (Percival et al., 1996:572). O equívoco
principal é cultivar um conceito reducionista e falacioso de que o controle nos
locais de trabalho resolveria o problema da nocividade do asbesto, centrando,
portanto, na esfera do Setor Trabalho, o eixo das políticas e as ações
governamentais de controle. O problema tem de ser enfocado com uma ampla
perspectiva de Saúde Pública e de proteção do Meio Ambiente, muito além,
portanto, das fronteiras dos estabelecimentos de trabalho; da competência da
CLT, das Normas Regulamentadoras de Segurança e Medicina do Trabalho (NRs) e da
fiscalização do trabalho; do âmbito das normas internacionais do trabalho
emanadas da OIT e assim por diante.
·Cultivo e difusão da falsa segurança de que a crisotila é inócua para a saúde,
principalmente a crisotila "brasileira" - Além da bem conhecida
defesa da "importância econômico-social e estratégica do amianto no
contexto brasileiro" (Ferrantini et al., 1988; Nunes, 1988; Scliar, 1998;
Fernandez Jr., 1999), tanto a indústria como determinados órgãos governamentais
e centros de pesquisa em Engenharia e Geologia em nosso país esforçam-se em
demonstrar a suposta "pureza" da crisotila brasileira, isto é, a não-
contaminação por anfibólios (Cassola, 1993; Oliveira, 1996). No presente estudo
demonstrou-se fartamente que a "hipótese dos anfíbólios" não se
sustenta. Infelizmente asbestose, mesotelioma maligno e câncer de pulmão têm
sido provocados em expostos unicamente à crisotila nas mais diferentes regiões
do globo, inclusive no Brasil. Outrossim, todas estas doenças vêm sendo
descritas em países que mineram crisotila de qualidade equivalente à do Brasil,
como é o caso das minas da China e do Zimbábue, conforme comentado
anteriormente (Cullem & Baloyi, 1991; Frank, 1995b; Hillerdal, 1999). A
demonstração experimental da baixa biopersistência de fibras de crisotila
brasileira no interior do pulmão de ratos suíços (Bernstein et al., 1999),
infelizmente não consegue invalidar as evidências epidemiólogicas sobre a
nocividade da crisotila, no Brasil e alhures. (Dement, 1991; Dement &
Brown, 1993; Frank, 1995a; IPCS, 1998).
·Cultivo e difusão do conceito da suficiência do uso do asbesto "em
condições de segurança" - Esta posição ingênua e insustentável tem, como
referência máxima, a Convenção nº 162 da OIT, sobre o uso do asbesto em
"condições de segurança". O respeito a determinados "limites de
tolerância" asseguraria a não-nocividade do asbesto em ambientes de
trabalho. Contudo, até defensores da inocuidade da crisotila admitem e defendem
a posição de que "... apesar do respeito a limites de tolerância muito
restritivos, conseguido por meio de medidas de controle ambiental introduzidas
nos locais de trabalho, casos de doença relacionados com o asbesto continuam a
ocorrer, por razões de suscetibilidade pessoal (como por exemplo, proporções de
retenção de fibra na árvore respiratória, acima da média), ou devido a falhas
nos meios de controle, em determinadas atividades profissionais ou em
determinados processos. (...) Uma não desprezível proporção de locais de
trabalho ainda não respeitam os regulamentos de controle, onde eles existem,
enquanto que em alguns países eles ainda não existem..." (Becklake, 1998:
62).
·Defesa do conceito da existência de um "limite seguro de exposição"
para o asbesto - crisotila - De há muito questiona-se a existência de
"limites seguros de exposição" a determinadas substâncias químicas,
em especial, as cancerígenas. Para o caso do asbesto-crisotila, a Comissão das
Comunidades Européias foi enfática: "até o momento, não foi identificado
qualquer limite permitido de exposição, abaixo do qual a crisotila não oferece
risco de carcinogênese" (Commission of the European Communities, 1999:20).
A avaliação de risco (risk assessment) realizada pela OSHA, nos Estados Unidos,
como parte do processo de revisão dos Limites Permitidos de Exposição (PEL)
ocorridos em 1986 e em 1994, mostraram que a exposição a 2 fibras/cm3 de ar
estava associada a um excesso de 64 mortes por mil trabalhadores expostos ao
asbesto, ao longo de sua vida profissional. Reduzindo de 2 fibras/cm3 para 0,2
fibra/cm3 de ar, este risco cairia para um excesso de 6,7 mortes por mil
trabalhadores. Mesmo com o limite de 0,1 fibra/cm3, permaneceria um excesso de
3,4 mortes por mil trabalhadores. Como diz Lemen (1995:420), "mesmo com o
novo limite estabelecido pela OSHA pode ser claramente visto que o risco de
morrer por câncer nem é zero, nem é muito próximo a ele" (U.S. Department
of Labor, 1986, 1994; Lemen, 1995). Pesquisadores reconhecidos, como o Dr.
Leslie Stayner, do NIOSH, juntamente com seus colaboradores de outras
instituições científicas reconhecidas, após analisarem os achados de uma das
mais completas coortes de trabalhadores que se expuseram à crisotila nos
Estados Unidos, são enfáticos ao afirmarem que "as estimativas de risco
indicam ser apropriado controlar a exposição ao asbesto crisotila, mesmo abaixo
do atual limite estabelecido pela OSHA" (0,1 fibra/cm3), posto que,
"este nível ainda estaria associado a um excesso de 5 mortes por câncer de
pulmão, em cada 1.000 trabalhadores expostos durante sua vida laboral, e 2
mortes por 1.000, decorrentes de asbestose" (Stayner et al., 1997:651).
·Inexistência de produtos similares mais seguros para a saúde humana - Embora
seja compreensível que a indústria do amianto tente divulgar este conceito
impreciso no Brasil e em outros países que mineram e exportam o asbesto-
crisotila (Gibbs, 1994; Asbestos Institute, 1995), já de há muitos anos são
conhecidas alternativas tecnológicas relativamente mais seguras para a saúde
humana e para o meio ambiente (INSERM, 1998; Foà & Basilico, 1999). O
estudo da Comissão das Comunidades Européias que antecedeu a decisão pelo
banimento de todas as formas de asbesto, tomada em 1999, é explícito ao afirmar
que "existem atualmente disponíveis para todas as aplicações e usos
remanescentes da crisotila, substitutos ou alternativas que não são
classificados como cancerígenos e que são considerados menos perigosos"
(Commission of the European Communities, 1999:19). Se as alternativas
tecnológicas de substituição do asbesto forem consideradas insatisfatórias, é
óbvio que mais investimentos em pesquisa tecnológica referida à Biologia e às
Ciências da Saúde fazem-se necessárias. Com razão, o Projeto de Lei nº 2.186/
96 dos deputados Eduardo Jorge e Fernando Gabeira propõe, entre outras
providências relativas ao asbesto, o redirecionamento tanto temático da
pesquisa quanto político de seu financiamento, expressamente distinto do
atualmente estabelecido no Parágrafo Único do Artigo 9º da Lei 9.055/95
(anteriormente criticado), que passaria a ter a seguinte redação: "Os
institutos, fundações e universidades públicas promoverão pesquisa de
desenvolvimento de fibras alternativas comprovadamente não agressivas à saúde
coletiva, e colocarão suas tecnologias gratuitamente à disposição das empresas
interessadas".
·Inacessibilidade econômica às fibras alternativas que podem substituir o
amianto - Este argumento prevalente no meio político, tecnológico e econômico
brasileiro utilizado em defesa da permanência do uso do asbesto-crisotila no
Brasil, não se sustenta ante a necessidade urgente de revisão deste
posicionamento brasileiro em direção à priorização da defesa da saúde, da vida
e do meio ambiente. Ocorre que "até o momento o mercado brasileiro,
dominado pelo lobbies do amianto, tem se ressentido dos custos dos produtos de
substituição, já que a maioria deles ainda é importada e poucas pesquisas foram
realizadas com as fibras naturais abundantes em nosso país (sisal, coco,
cânhamo, juta, bagaço de cana, etc.). As grandes empresas do setor de
fibrocimento chegaram a realizar pesquisas de novas tecnologias 'asbestos-free'
ou 'no-asbestos', que foram totalmente abandonadas. Por outro lado, não se deve
comparar diretamente preços entre amianto e os materiais alternativos, pois as
composições só com amianto, como por exemplo os freios, dependendo do produto,
podem chegar a ter 70%, e quando substituído, já que não há um único material
capaz de fazê-lo em todas as suas propriedades, os diversos materiais de
substituição contribuem na composição com apenas 2% ou 3%, o que no produto
final representam acréscimos da ordem de 20% a 30% em seu custo. Por fim,
poderíamos desmontar a argumentação de baixo custo da matéria-prima nacional,
pois os preços praticados, nos moldes de outros cartéis industriais, têm sido
superiores ao do amianto canadense" (Giannasi, 1994:21).
·Desemprego para os que trabalham atualmente com asbesto-crisotila -
Efetivamente, se um banimento fosse intempestivamente estabelecido, sem a
devida priorização da questão dos empregos, esta possibilidade poderia tornar-
se real, como tem se tornado com a adoção de novas tecnologias em nosso meio.
Contudo, duas medidas poderiam atenuar o eventual impacto. Primeiro: o
estabelecimento de um prazo - por exemplo, 1 (um) ano - para entrada em vigor
da proibição da extração, industrialização e comercialização da crisotila e dos
produtos que a contêm, como está proposto no Projeto de Lei nº 2.186/96, acima
mencionado. Segundo: o mesmo Projeto de Lei já incluiu, entre outras
disposições, a criação, pelo Governo Federal, de mecanismos de incentivos
fiscais às empresas atingidas pelo banimento do amianto, visando garantir-lhes
reconversão tecnológica a outros ramos de atividade. Estabelece também a
organização, pelo Ministério do Trabalho, de programa de treinamento especial
para os trabalhadores afetados com o banimento da utilização do asbesto, de
modo a recolocá-los em outras atividades produtivas.
Conclui-se esta seção com as mesmas palavras que o estudo da Comissão das
Comunidades Européias termina, após analisar outras alternativas e argumentos
não muito distintos dos que acima foram identificados e criticados: "um
caminho efetivo para proteger a saúde humana é o da proibição do uso de fibras
de crisotila e dos produtos que a contém" (Commission of the European
Communities, 1999:20).