Estruturas de governança interna e a capacidade de inovação em pequenas firmas
brasileiras de torrefação e moagem de café
1. INTRODUÇÃO
A inovação é um fator-chave na competitividade de uma firma, bem como no
processo de crescimento e transformação da economia. Observa-se, no entanto,
que muitos estudos sobre inovação (e empreendedorismo) realizados pelas teorias
organizacionais e econômicas se limitaram, durante anos, à descrição de
situações reais ocorridas ou foram críticas descritivas e normativas ao modelo
tradicional de competição (RUMELT, 1987). Abordagens mais recentes avançam no
sentido de verificar como e por que as inovações surgem e se desenvolvem, e de
que forma as estruturas organizacionais das firmas podem auxiliar no processo
de inovação (BARBIERI e ÁLVARES, 2004; COOMBS e METCALFE, 2005; GRANDORI e
FURNARI, 2008 e 2010). Essa última questão será o foco principal desta
pesquisa, na qual se investigam a relação entre as estruturas de governança
escolhidas pela firma e a capacidade de inovar em seu produto, atribuindo à
firma o papel de protagonista das inovações.
Ao relacionar as estruturas de governança escolhidas pela firma e a inovação,
questiona-se o mito criado ao redor do tema, pois muitas pessoas acreditam que
as inovações resultam de uma ideia produzida por um estalo luminoso na mente de
gênios ou por grandes organizações, sendo absolutamente novas e concebidas já
em sua forma final (BARBIERI e ÁLVARES, 2004; SWANN, 2009). Entretanto, por
tratar-se de um processo essencialmente humano, a invenção ou a ideia pode até
ser gerada pelo acaso ou sorte, por meio de uma visão diferenciada de um agente
econômico (BARNEY e CLARK, 2007); porém, a inovação requer a organização de
diferentes atividades a serem executadas por diferentes agentes, o que
dificilmente será resultado de um trabalho solitário, sendo, pois, considerado
um processo interpessoal (METCALFE, 1995; BARBIERI e ÁLVARES, 2004). De acordo
com Gundling (2000), em The3Mway to innovation, a inovação seria um processo
que engloba ideias novas mais ações ou implementações que resultem em
melhorias, ganhos ou lucros. Assim, as novas ideias e invenções geradas
precisam ser aperfeiçoadas e confrontadas com outras ideias ou conhecimentos,
que foram desencadeados ao longo do processo, para que possam ter condições de
ser incorporadas no mercado e nas operações das organizações (BARBIERI e
ÁLVARES, 2004). Em outras palavras, as invenções e novas ideias precisam ser
transformadas em novos produtos, serviços, processos, negócios (BARBIERI e
ÁLVARES, 2004; ARBIX, 2007), práticas de marketing e métodos organizacionais
(OCDE, 2005), de modo a adicionar valor econômico à empresa e aos clientes.
Dessa forma, as firmas atuam nesse processo como facilitadoras e promotoras
desse processo, desenvolvendo estruturas de governança e estratégias ex ante
que permitam trocar e absorver conhecimentos, informações e recursos gerados
nos ambientes interno e externo, de modo a originar de forma contínua mudanças
significativamente novas em seus produtos e manterem-se competitivas. Em outras
palavras, o processo de inovação necessita de uma organização formal que possa
lidar com a inovação, desde o incentivo à inovação, e a identificação de
melhorias ou novas ideias e projetos em potencial, até sua implementação.
Nessa linha de argumentação, os trabalhos de Grandori e Furnari (2008; 2010),
que têm como base a nova economia institucional e as abordagens
organizacionais, mostram que existe uma relação entre as estruturas de
governança interna e a inovação. Os autores observam que as firmas italianas
mais inovadoras combinam diferentes tipos de estruturas de governança interna
assim caracterizadas:
• mercado (incentivos monetários ' pagamento por desempenho);
• burocrática(autoridade ' regras e planos, divisão de trabalho);
• comunitária (divisão de conhecimento, valores, cultura).
Com base nisso, Grandori e Furnari (2008) elaboraram uma abordagem preditiva
denominada abordagem combinatória do design, a qual destaca as combinações de
estruturas de governança interna que geram melhores resultados, tanto para a
inovação quanto para a eficiência.
Aliado à relação entre inovação e estrutura, outro grande debate na literatura
é o tamanho da firma e a capacidade de inovar. De acordo com a lógica
decorrente da teoria clássica e da visão schumpeteriana
(2)
(SCHUMPETER, 1954; RUMELT, 1987), a inovação ' de novos produtos, serviços,
processos e forma de gestão (ARBIX, 2007) ' só seria compatível com estruturas
concentradas. Isso ocorre porque o risco e o custo da inovação não se dariam de
forma voluntária sem a possibilidade de ganhos compensatórios. Nota-se,
entretanto, que o tamanho da firma pode apresentar vantagens e desvantagens
para o processo de inovação, o que não significa dizer que a capacidade de
inovar esteja restrita a determinado porte de firma (RUMELT, 1987) ou estrutura
de mercado (KNIGHT, 1921).
Inspirada nessas abordagens e tendo como base a nova economia institucional, a
presente pesquisa tem como objetivo investigar quais combinações de estruturas
de governança interna permitem mais possibilidades de inovações nas pequenas
firmas brasileiras. A hipótese subjacente deste trabalho é de que a capacidade
de inovação não está restrita a grandes organizações ou a mercados
concentrados, mas consiste em um processo interpessoal relacionado à
configuração de estruturas de governança interna à firma (COOMBS e METCALFE,
2005). Assim, a seguinte questão de pesquisa poderá contribuir de forma tanto
teórica quanto empírica para as teorias organizacionais e econômicas e as
estratégias da firma, ao destacar quais estruturas de governança poderiam ser
enfatizadas ex ante pelas firmas, principalmente as pequenas, no sentido de
influenciar positivamente a capacidade de inovação.
Para desenvolver o tema de pesquisa, é importante destacar que a literatura
sobre inovação é extensa e apresenta um grande mosaico de tipos e formas,
relevantes para as firmas. Contudo, devido à complexidade do tema, neste
trabalho não se buscará reproduzir tal mosaico, tendo como foco somente as
inovações em produtos voltadas para a demanda, ou seja, inovações que impactem
no mercado, em termos locais, regionais ou mundiais. As inovações em produtos
podem ocorrer com a introdução de novos produtos que exigem novas tecnologias
para a empresa; com a introdução de versões levemente modificadas de produtos
já desenvolvidos, buscando completar o espaço existente no mercado, situação
conhecida na economia como proliferação de produtos (SWANN, 2009); além de
haver a possibilidade de introdução de novos usos para produtos já existentes
(OCDE, 2005).
Ademais, nesta pesquisa enfatizar-se-ão principalmente as inovações
incrementais, que ocorrem com maior frequência em firmas de pequeno porte e,
particularmente, em países em desenvolvimento (OCDE, 2005), como é o caso do
Brasil. Tais inovações ocorrem com mais frequência porque as condições
econômicas, tecnológicas e sociais desses países inibem a inovação radical e
tornam as mudanças incrementais de fundamental importância para a
competitividade de diversos segmentos industriais (TOLEDO, 1994). Ressalte-se
que as inovações incrementais são aquelas que aperfeiçoam as características e
os custos em produtos existentes ou serviços e dependem da melhor utilização
(exploitation) da tecnologia existente (LEIFER et al., 1994); ou seja, referem-
se ao refinamento ou à expansão de produtos já existentes (FREEMAN e SOETE,
2008).
No entanto, o fato de se encontrar um maior número de inovações incrementais
não significa dizer que não possam ser encontradas inovações radicais em
empresas não líderes de mercado, como tem ocorrido, particularmente, no setor
de alta tecnologia (LANGLOIS e ROBERTSON, 1995). Apesar da enorme importância
que as inovações incrementais apresentam para o crescimento da produtividade e
da firma, seus efeitos nem sempre são notados por todos, por não serem
revolucionários (FREEMAN e PEREZ, 1988). Tal fato não significa dizer que as
inovações incrementais sejam menos importantes do que as inovações radicais.
Primeiramente, porque as incrementais fazem com que as firmas se mantenham
constantemente inovadoras e fornecem base para o planejamento de pesquisa e
desenvolvimento (P&D) (BETZ, 1987). Além disso, as inovações consideradas
radicais podem necessitar de ajustes, correções e mudanças que só são
percebidos pelas firmas após sua comercialização (BARBIERI, ÁLVARES e
CAJAZEIRA, 2009).
Como foco empírico, neste trabalho pesquisar-se-á a indústria de torrefação e
moagem de café. A escolha desse setor se deve ao fato de que tal indústria
congrega número substancial de firmas de pequeno e médio porte (ABIC, 2011).
Esse setor foi regulamentado pelo governo, o qual condicionou a conduta das
firmas nas políticas de preço e produção durante um longo período (SAES, 1997).
Essa regulamentação fez com que firmas de torrefação e moagem não passassem de
meros prestadores de serviço e tornou o produto homogêneo no mercado, o que
limitou a adoção de estratégias particulares de conquista de mercado, como
investimentos na compra de máquinas e equipamentos ou introdução de novos
produtos (segmentação), impedindo ações inovadoras.
Após a desregulamentação dessa indústria, ocorrida nos anos 1990, abriu-se a
possiblidade de estratégias de diferenciação e inovação para suas firmas
(ZYLBERSZTAJN, FARINA e SANTOS, 1993). Essa maior abertura levou as firmas a
terem um papel de importantes protagonistas da inovação ' tipo de bebida,
máquina no processo produtivo, embalagem (SAES, 2009) ', o que torna esse caso
bastante interessante, visto haver quase um consenso de que a inovação
ocorreria apenas no interior das grandes empresas. O setor também é relevante
porque, apesar das vantagens comparativas que ele possui em termos de custo da
matéria-prima, se observa sua pouca inserção no mercado internacional.
Diante desse contexto apresentado nesta introdução, este artigo está
estruturado da seguinte forma: uma discussão teórica envolvendo as estruturas
de governança interna e a capacidade de inovação; a apresentação das estruturas
de governança interna e as variáveis utilizadas neste trabalho; os
procedimentos metodológicos; a análise dos resultados; e as considerações
finais.
2. ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA INTERNA E A CAPACIDADE DE INOVAÇÃO
No âmbito das teorias das organizações, as variáveis que compõem a forma como
as firmas organizam e coordenam suas informações, atividades e recursos
internamente têm sido consideradas como potenciais fontes de inovação. Podem
ser citados alguns autores que destacam a influência das estruturas internas
para a inovação, como Burns e Stalker (1961), Mintzberg (1998), Vasconcellos e
Hemsley (2003), entre outros. Esses trabalhos identificam, com base em uma
avaliação comparativa descritiva, as práticas organizacionais e suas
respectivas estruturas que influenciam a inovação (GRANDORI e FURNARI, 2008).
Algumas práticas que compõem essas estruturas são: maior flexibilidade,
coordenação e equipes multifuncionais, comunicação tanto horizontal quanto
vertical, poder de decisão descentralizado e difuso.
Apesar das contribuições desses trabalhos, eles não permitem uma análise
preditiva que relacione a capacidade de inovação às estruturas de governança
adotadas pelas firmas. Um avanço nesse sentido é a pesquisa de Grandori e
Furnari que, nos artigos "A chemistry of organizations: combinatory analysis
and design" (2008), e "Structural heterogeneity, organizational robusteness and
innovation performance" (2010), descrevem não só as estruturas de governança
interna que permitem melhor desempenho, como também apresentam predições sobre
como essas estruturas podem ser combinadas para gerar resultados superiores em
termos de inovação e eficiência produtiva.
Para a análise das relações entre inovação e estruturas de governança interna,
Grandori e Furnari (2008) elaboraram um instrumento denominado abordagem
combinatória do design. Os autores qualificam as estruturas de governança(3)
interna como elementos organizacionais que incluem uma coleção de práticas
adotadas pela firma. Os elementos de mercado contêm incentivos monetários e de
controle. Os elementos burocráticos incluem regras e planos formais de divisão
do trabalho e os elementos comunitários apresentam divisão de conhecimento,
valores e cultura comum
(4)
.
Para melhor compreender essa abordagem, é importante destacar a origem de seus
principais conceitos, os quais foram embasados em quatro abordagens do design
organizacional: economia dos custos de transação; contingencial estrutural;
baseadas na complementaridade; e configuracional. A economia dos custos de
transação traz duas importantes contribuições para a abordagem combinatória. A
primeira diz respeito à possibilidade de identificar-se o portfolio de
elementos adotados pela firma. A segunda providencia fundamentação para separá-
los e categorizá-los nos diferentes tipos de mecanismos de governança. Os três
principais tipos, apresentados por Williamson e Oushi (1981, apud GRANDORI e
FURNARI, 2008), são mercado, burocracia e clã, refinados por Grandori e Furnari
(2008) para constituírem os elementos básicos da abordagem desenvolvida por
eles.
As firmas podem adotar diferentes estratégias para organizar sua produção
interna, seja combinando os três tipos de elementos ' de mercado, burocrático e
comunitário ' denominados por Grandori e Furnari (2010) de forma multimodal,
seja adotando um conjunto de práticas de apenas uma dessas categorias, que é
chamado pelos autores de forma unimodal. Por exemplo, as formas unimodais de
elementos organizacionais burocráticos são um conjunto de mecanismos compostos
somente por uma das estruturas de governança ' planejamento, comando e
formalização (GRANDORI e FURNARI, 2010). Já as formas multimodais
compreenderiam combinações de estruturas, como uma combinação de regras
(elementos burocráticos), com programas de treinamento e equipe (elementos
comunitários) e incentivos monetários, como pagamento por desempenho (elementos
de mercado). Assim, a modalidade estrutural refere-se, de acordo com os
autores, à predominância de um ou mais tipos de estruturas de governança na
organização interna da firma.
Grandori e Furnari (2008; 2010) ressaltam, entretanto, que no caso de formas
multimodais tanto a economia dos custos de transação como a teoria da
contingência estrutural advogam ser a forma multimodal uma arquitetura não
eficiente (coerente), pois tais teorias consideram adequadas somente as
combinações de práticas similares, assegurando que a firma deveria optar por
apenas uma das estruturas de governança, aquela que minimizaria custos de
transação. No entanto, essas abordagens não explicam, empiricamente, por que
soluções organizacionais híbridas ou combinadas estão cada vez mais presentes
nas firmas (GRANDORI e FURNARI, 2008; 2010). Ademais, no caso da inovação, é
comum encontrar nas firmas relações internas multimodais: pagamento por
desempenho (estrutura de mercado) e autoridade por meio de mecanismos de
controle (estrutura burocrática).
Dessa forma, ao contrário das abordagens citadas, as quais defendem que a
complementaridade provém da similaridade e que a menor variedade de tipos de
prática em um mesmo sistema seria o melhor (WILLIAMSON, 2004), Grandori e
Furnari (2008; 2010) apresentam como pressuposto básico que as combinações
entre tipos diferentes são eficientes. Elas representam não a falta de
coerência das estratégias organizacionais das firmas, mas sim que a
heterogeneidade entre as estruturas pode levar a uma combinação que resulte no
desempenho desejado pela firma. A coerência ocorre, pois as formas
organizacionais, de acordo com os autores, deveriam ser compreendidas como
sistemas interconectados de atributos ou práticas; defendem, assim, a ideia de
que a combinação de várias estruturas de governança apresentaria melhores
resultados para as firmas.
Essas considerações estão embasadas na abordagem baseada na complementaridade e
nas abordagens configuracionais, as quais correlacionam as combinações entre
uma ampla coleção de atributos organizacionais (como regras formais e políticas
nos processos orçamentais ou na gestão de pessoas, trabalho em equipe e
comitês, monitoramento de procedimentos ambientais, unidades centrais de
pessoal, uso de capital próprio, entre outros) com indicadores de desempenho.
Ademais, a abordagem baseada na complementaridade origina-se da economia
organizacional e destaca a complementaridade entre os componentes
organizacionais; assim, a aplicação de uma prática eleva o valor da outra
prática empregada. Esse critério de designé complementar, porque considera como
o mais importante o ajuste sistêmico, entendido como a interação multivariada
de características estruturais e múltiplo contexto de variáveis que afetam o
desempenho das firmas. Ressalta-se, entretanto, que, apesar das contribuições
teóricas, tal abordagem não consegue explicar e predizer quais práticas
organizacionais seriam complementares a outras.
As abordagens configuracionais, compreendidas com uma evolução teórica das
abordagens contingenciais estruturais, admitem que mais de uma combinação de
características (atributos) pode ser eficaz sob a mesma circunstância,
enfatizando o conceito de equifinalidade. Além disso, aceitam a possibilidade
de relações não lineares e a combinação entre diferentes atributos
organizacionais. No entanto, o lado fraco dessa abordagem está, também, no que
se refere a sua capacidade de predizer quais combinações são mais eficazes e em
que circunstâncias.
Defendendo, assim, as formas multimodais como indutoras de inovação e de
desempenho superior, Grandori e Furnari (2008) criaram leis para combinar os
elementos organizacionais e predizer ex ante as melhores combinações, a saber:
• lei de diferenciação estrutural e da variedade do core
organizacional ' a complementaridade e a combinação das três
diferentes estruturas de governança tendem a gerar alto desempenho
(tanto para a inovação quanto para a eficiência) em qualquer nível e
circunstâncias;
• lei da equifinalidade e lei da heterogeneidade estrutural' um
resultado com a mesma eficácia pode ser obtido por diferentes
combinações de estruturas de governança. No caso da capacidade de
inovação, combinações compostas principalmente por elementos
comunitários e/ou mercado também tenderiam a apresentar melhores
resultados.
As evidências empíricas apresentadas pelos autores corroboram suas proposições
a respeito das leis combinatórias, destacando que as combinações compostas por
estruturas de mercado, burocráticas e comunitárias (multimodal) apresentam alto
desempenho para inovação e eficiência.
Os resultados sugerem ainda que as estruturas de mercado e as comunitárias não
são mutuamente exclusivas nem estritamente complementares na governança da
inovação. Na verdade, esses elementos parecem comportar-se mais como
substitutos. Em outras palavras, fórmulas organizacionais que geram alta
capacidade de inovação podem ser compostas por elementos tanto de mercado como
comunitários ou de ambos sem que os resultados sejam alterados. Dessa forma, as
combinações ricas em estruturas de mercado ou comunitária, ou ambas, podem
gerar maior capacidade de inovação. Já as estruturas burocráticas apresentaram
maior relevância para os resultados que visam à eficiência.
Grandori e Furnari (2010) constataram outras combinações
(5)
relevantes, entre as quais se destacam:
• a forma bimodal caracterizada por estrutura de mercado e
comunitária apresentou-se eficaz para alcançar, simultaneamente, a
eficiência e a inovação em grandes empresas;
• a forma bimodal composta pelas estruturas de mercado e burocrática
é capaz de gerar alto desempenho de inovação com baixa complexidade e
incerteza. Esse resultado é interessante do ponto de vista de
Grandori e Furnari (2010), pois mostra que as atividades de inovação
e a organização intensivamente comunitária são mais relevantes em
condições de maior incerteza e complexidade. Tal evidência pode
ratificar que ' nos momentos em que a inovação começa a entrar na
rotina, para firmas que não operam em indústrias de alta tecnologia e
que não têm grande número de pessoal qualificado para governar ' a
arquitetura superior deveria ser primeiramente intensificada em
regras e incentivos, em vez de equipe e outros elementos
comunitários;
• a forma unimodal é eficaz dependendo do contexto. Ela corrobora a
predição das teorias clássicas da contingência. Combinações mais
enriquecidas de estrutura de mercado são mais adequadas para alcançar
eficiência sob condições de complexidade ou incerteza; as formas de
estrutura comunitária são mais eficazes para alcançar a inovação sob
complexidade e incerteza; já nas de estrutura burocrática, a firma
apresenta melhores resultados de eficiência em condições de baixa
incerteza.
Essa discussão teórica completa as abordagens organizacionais e econômicas na
medida em que destaca a importância de cada prática organizacional e observa a
influência que cada uma apresenta para a estrutura de governança e de que modo
elas contribuem para os resultados das firmas. Ademais, a abordagem
combinatória vai ao encontro da discussão do processo de inovação, pois os
principais elementos destacados como relevantes na literatura para a maior
capacidade de inovação estão presentes também nessa abordagem, como maiores
incentivos aos membros da organização, maior flexibilidade, oportunidades de
comunicação, trabalho em equipe, compartilhamento de conhecimentos, habilidade
e recursos diferenciados.
A partir dessas considerações, pode-se formular a hipótese deste trabalho:
Hipótese 1 (H1) A capacidade de inovação ocorre de modo mais
consistente nas firmas que adotam uma estrutura de governança interna
multimodal (incentivos de mercado e/ou burocrática e/ou comunitária)
do que naquelas com uma estrutura unimodal.
2.1. Estruturas de governança interna e suas variáveis
Com base na abordagem combinatória apresentada, no presente artigo adaptaram-se
as práticas organizacionais para o caso brasileiro, de modo a analisar a
capacidade de inovação nas pequenas firmas de café torrado e moído. As
estruturas de governança interna e as práticas predominantes adotadas na
pesquisa estão dispostas no Quadro_1.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa foi realizada por meio da aplicação de questionários às micro,
pequenas e médias empresas brasileiras da indústria de torrefação e moagem de
café, mediante contato telefônico. A escolha desse instrumento de coleta de
dados deveu-se à necessidade de obter informações impossíveis de serem
coletadas a partir de fontes secundárias. Além disso, as entrevistas por
telefone visaram obter informações de número maior de empresas e com maior
abrangência da área geográfica (RICHARDSON, 1999).
A amostra foi construída a partir da listagem das empresas que são membros da
Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), entidade representativa das
indústrias de torrefação e moagem de café de todo o País, e que possui,
atualmente, 415 empresas associadas. Desse banco de dados foi retirada,
primeiramente, uma amostra intencional ou por julgamento, um dos métodos da
amostragem não probabilística (RICHARDSON, 1999; REA e PARKER, 2000), de micro,
pequenas e médias empresas, tendo como principal critério o número de
empregados. De acordo com o critério de classificação do número de empregados
para a indústria, utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), as microempresas possuem até 19 empregados, as pequenas de
20 a 99 empregados e as médias de 100 a 499 empregados (SEBRAE, 2012).
Após esse procedimento, as firmas foram distribuídas no banco de dados de forma
aleatória e foram escolhidos 30% da amostra para responder ao questionário, o
que totalizou 110 firmas. Devido a missingse configurações inconsistentes
(6)
, alguns casos foram eliminados, obtendo-se uma amostra final de 80 firmas
(7)
. O questionário utilizado na pesquisa tem três grandes blocos: caracterização
dos entrevistados; capacidade de inovação; estruturas de governança interna.
Durante a elaboração do questionário, ocorreram consultas a especialistas do
setor para averiguar a adequação do instrumento de pesquisa à realidade do
setor, bem como apurar a compreensão dos entrevistados às questões
apresentadas. Posteriormente à sua elaboração, o questionário foi submetido a
pré-testes e os ajustes necessários foram realizados.
Com o término da coleta, os dados foram tabulados seguindo a linha dos
trabalhos de Grandori e Furnari (2008; 2010) e analisados com base no método de
análise comparativa qualitativa (Qualitative Comparative Analysis ' QCA) ou
análise comparativa booleana (Boolean Comparative Analysis ' BCA), por meio do
software fs/QCA versão 2.0.
3.1. Método de análise dos dados
A análise comparativa qualitativa (QCA) utiliza a inferência da álgebra
booleana e foi escolhida para a pesquisa aqui apresentada porque permite
relacionar a capacidade inovadora com as estruturas de governança interna
adotadas pelas pequenas firmas. Essa técnica difere das convencionais, como
regressão linear, cluster e fatorial, pois detecta combinações diferentes de
estruturas de governança que são causalmente conectadas a um resultado
específico (RAGIN, 1987 e 2009; GRANDORI e FURNARI, 2008 e 2010; FISS, 2011) e
identifica quais estruturas são necessárias, suficientes ou redundantes
(GRANDORI e FURNARI, 2008). Adicionalmente, o QCA combina métodos de pesquisa
qualitativos e quantitativos (RAGIN, 2008).
Para identificar as estruturas que mais impactam na capacidade de inovação,
esse método identifica conjuntos de firmas com alto desempenho e os associa às
combinações de atributos a partir da álgebra booleana, a qual permite a redução
lógica de numerosas condições causais em um conjunto reduzido de configurações
que levam ao resultado (FISS, 2011). Para realizar essa redução lógica, as
variáveis dependentes e independentes são transformadas em conjuntos de
combinações, construindo-se uma matriz, conhecida como tabela verdade com 2k de
linhas, em que k é o número de condições causais utilizadas na análise
(variáveis independentes) (RAGIN, 1987; FISS, 2011). Cada linha da tabela
verdade representa uma combinação específica de estruturas de governança e a
tabela inteira apresenta todos os casos de combinações possíveis, as quais
podem estar ou não contidas na amostra empírica estudada (FISS, 2011).
Dessa forma, o pesquisador precisa avaliar a pertinência empírica dessas
combinações com base em duas condições: frequência ' número mínimo de casos
necessários para uma solução ser considerada; consistência ' representa a
proporção de casos em cada linha da tabela verdade que exibe o resultado
desejado, ou seja, mostra a quantidade de empresas que apresentaram a
combinação descrita na linha e o resultado desejado. As combinações mais
adequadas seriam, no caso do tamanho da amostra estudada, aquelas com
frequências acima de três casos (FISS, 2011) e consistência acima de 0,75 (ou
seja, mais de 75% das empresas que possuem essas combinações tiveram o
resultado desejado ' inovação) (RAGIN, 2008). Essas etapas devem ser executadas
em conjunto para cada caso.
Depois disso, um algoritmo baseado na álgebra booleana é usado para reduzir as
linhas da tabela verdade e simplificar as combinações (FISS, 2011). Os
principais operadores booleanos são: AND(*) e OR(+). O primeiro expressa as
relações simultâneas necessárias ou complementares (Z = I*B*C), enquanto o
segundo demonstra as relações substituíveis ou equifinais (Z = I*B*C + I*C)
(GRANDORI e FURNARI, 2008). Há também outro símbolo, Negation (~), que destaca
as condições ausentes (Z = I*B*~C, ou seja, Z = I*B) (RAGIN, 2008). Essa
análise é realizada pelo software fs/QCA versão 2.0, o qual gera três tipos de
soluções: a complexa, a parcial e a intermediária, denominada análise padrão
(RAGIN, 2008). Por exemplo:
Z = A * B *~ C (solução complexa)
Z = A (solução parcial)
Z = A * B + A *~ C (soluções intermediárias)
A * B *~ C----------------A * B / A *~ C -------------------A
De acordo com Fiss (2011), a condição que aparece tanto na solução
intermediária quanto na solução parcial seria considerada condição core, ou
seja, aquela que apresenta forte evidência de relação causal com o resultado de
interesse. As demais condições seriam as periféricas, isto é, aquelas que
evidenciam uma fraca relação causal com o resultado.
Para completar a análise, outras medidas sintéticas de relevância causal das
combinações são destacadas por Grandori e Furnari (2010):
• solução de consistência ' mensura a extensão em que os casos que
compartilham uma dada condição ou combinações de condições também
exibem o resultado desejado (presença);
• solução de cobertura ' define a extensão em que a presença de uma
combinação é causalmente relacionada ao resultado desejado. Essa
medida é equiparada ao chi-quadrado, indicando o número de casos que
apresentam a combinação para chegar ao resultado desejado, e também
avalia a incidência de diferentes combinações causais que podem gerar
determinado resultado. Em outras palavras, avalia o quanto aquelas
combinações explicam da solução como um todo.
Essas medidas serão discutidas também na pesquisa empírica realizada e nos
resultados gerados pelo software fs/QCA versão 2.0 para a amostra estudada.
3.2. As variáveis e suas proxies: caso do café
Para avaliar a capacidade de inovação de produtos, optou-se por avaliar pela
quantidade de marcas lançadas e quantidade de alterações feitas nos produtos,
tais como blend,padrão de torra e moagem e na embalagem nos últimos cinco anos
(8)
e que ainda permanecem no mercado, como demonstrado no Quadro_2.
Quanto à mensuração das três estruturas de governança interna (incentivos
monetários, burocráticas e comunitárias), foram identificadas quatro práticas
organizacionais predominantes, as quais resultam de uma única pergunta ou de
mais, dependendo do nível de complexidade envolvido. Devido à complexidade, a
intensidade da adoção de cada prática organizacional foi mensurada de três
maneiras, inspiradas nos estudos de Grandori e Furnari (2008; 2010). Algumas
práticas organizacionais foram obtidas de forma direta (sim ou não, como, por
exemplo, se a firma apresenta plano de carreira) e as respostas foram
dicotomizadas em variáveis dummies, em que "1" representa a presença da prática
e "0" a sua ausência.
Outras práticas foram questionadas de acordo com a frequência (por exemplo,
frequência de reuniões) ou quais grupos hierárquicos (diretoria, gerência,
equipe de produção, comercial etc.) estão envolvidos (por exemplo, quem faz o
planejamento para o ano seguinte) e foram mensuradas em porcentagem. Essas
escalas também foram dicotomizadas em variáveis dummies. Para isso, os valores
de todas as firmas foram somados e o resultado total dividido pelo número de
entrevistados, considerando "1" para as firmas que apresentaram valores maiores
ou iguais ao valor médio da amostra para aquela prática. Da mesma forma, as
práticas que continham várias subpráticas também foram somadas e divididas pelo
número de entrevistados, gerando uma média da amostra para cada prática que
possuía subpráticas. Depois foram dicotomizadas, considerando "1" para as
firmas que apresentaram valores maiores ou iguais ao valor médio da amostra
para aquela prática.
Após essas etapas, era necessário identificar para cada firma os elementos de
coordenação, ou seja, as estruturas de governança interna. Dessa forma, para
cada estrutura foram realizados os seguintes procedimentos: mensuração da
intensidade de adoção das práticas para cada firma (somada a quantidade de
práticas adotadas); soma da quantidade de práticas adotadas de todas as firmas
e posterior divisão pelo número de entrevistados; comparação das práticas de
cada firma com a média da amostra. As firmas que possuíam valores maiores ou
iguais à média da amostra foram dicotomizadas em "1", pois apresentavam, de
forma predominante (alta intensidade), tal estrutura de governança. Por
exemplo, as estruturas burocráticas têm quatro práticas predominantes (medida
de desempenho, plano de carreira, planejamento estratégico, programa e controle
de qualidade), e a média da amostra foi de 2,14; assim, as firmas que
apresentavam intensidades 3 e 4 foram consideradas portadoras da estrutura de
governança interna burocrática como uma das estruturas predominantes.
4. AS PEQUENAS FIRMAS BRASILEIRAS DE TORREFAÇÃO E MOAGEM DE CAFÉ
4.1. Caracterização dos entrevistados
Das empresas entrevistadas, 52 são microempresas, 22 são pequenas e seis,
médias. No que se refere à localização, 81% estão no Sudeste (sendo as maiores
incidências em São Paulo, com 39%, e Minas Gerais, com 29%). As firmas têm
forte atuação no mercado regional (77%), 13% delas estão no mercado nacional,
9% no local e apenas 1% comercializa no mercado internacional. Com relação ao
tempo de atuação das empresas no mercado, a média da amostra é de 37 anos, e
71% das firmas têm mais de 20 anos de funcionamento. A empresa mais antiga da
amostra foi fundada em 1915. Das empresas entrevistadas, 96% são familiares,
com a administração centralizada, na maior parte dos casos, na família. A
maioria das empresas, 91%, produz 100% de seus produtos em fábrica própria e
possui uma única fábrica, outras 7% produzem uma parte da produção em fábrica
própria e terceiriza a outra.
Os principais tipos de café produzidos em ordem de importância, em termos de
percentual de vendas, estão representados na Tabela_1. Observa-se que o café
tradicional é o mais importante em percentual de vendas para 90% das firmas,
mas outros tipos também apresentam significativa relevância, como o gourmet e o
superior (que ocupam o segundo lugar em termos de vendas para 13% e 16% das
firmas, respectivamente). Além do café, oito firmas produzem e/ou vendem outros
produtos, como alimentos em geral, café verde, filtro de café, máquinas e
insumos.
No que diz respeito às características dos produtos questionados pela pesquisa,
nota-se que 68% possuem entre uma e duas marcas, 83% de um a quatro tipos de
blends, 76% de um a três padrões de torra e moagem de café, 73% de um a três
tipos de embalagens. Quanto ao lançamento de marcas nos últimos cinco anos
(Tabela_2), as pequenas empresas foram as que introduziram o maior número de
marcas no mercado. Já as microempresas lançaram maior número de blends e
embalagens. Outras alterações nas embalagens, como design, cor e materiais,
foram as características que apresentaram mudanças mais significativas, obtendo
maior número de alterações. Tal resultado pode ter ocorrido devido aos custos
dessas alterações serem mais baixos.
No caso das inovações em processo, 62% das firmas entrevistadas declararam que
fizeram alterações em seu processo de produção nos últimos cinco anos. Dessas
alterações, somente 61% foram consideradas pelas firmas como novas para o
mercado de atuação. Alguns exemplos citados foram: máquinas automatizadas;
torrador antipoluente/ecológico; fecho de embalagem xintai; embalagem
reutilizável; moedor a frio etc. Outras características das firmas
entrevistadas com relação à organização interna serão discutidas a seguir.
4.2. Análise e interpretação dos resultados empíricos
As três estruturas de governança interna analisadas foram: incentivos
monetários, burocrática e comunitária. Nesta seção, após a caracterização geral
das práticas adotadas pelas empresas entrevistadas, será apresentada a análise
da relação entre as estruturas de governança interna e a inovação.
4.2.1. Caracterização das estruturas de governança interna das empresas
entrevistadas
No que se refere às estruturas de incentivos monetários, percebe-se que, das
quatro práticas analisadas, o pagamento por desempenho individual foi a mais
adotada pelas firmas estudadas, e a principal área incentivada é a comercial,
relacionada às vendas. Em seguida, encontra-se a prática de pagamento por
desempenho da firma, a qual está relacionada aos resultados gerais positivos
que a firma obteve ao longo do ano (faturamento, lucro). Portanto, nas firmas
em que essa prática ocorre, geralmente 100% dos funcionários recebem uma
participação do lucro estipulada pela firma. Já o desempenho em equipe é pouco
enfatizado pelas firmas, ocorrendo somente em 2% delas. A contratação de
terceiros para o desenvolvimento de algumas atividades é maior nas áreas
comerciais ou nos serviços em geral (22%) e, em segundo lugar, para o
departamento de P&D (7%). Esse departamento está presente em 59% das firmas
entrevistadas e tem com principal atividade o desenvolvimento de novos blends e
padrões de torra e moagem.
Como a intensidade da prática de pagamento por desempenho individual foi maior,
a forma de mensuração desse desempenho na estrutura burocrática teve maior
relevância do que as outras medidas. Dos entrevistados, 53% indicaram como mais
relevantes as medidas de desempenho individual, sendo a principal delas as
metas individuais dos funcionários. Quanto ao desempenho das firmas, o
faturamento e as metas gerais por elas estabelecidas foram as medidas mais
citadas pelos entrevistados. Já o plano de carreira está presente em 27% das
firmas entrevistadas. Como a maioria delas são pequenas e familiares, muitas
apresentam estruturas de comando mais achatadas (poucos níveis hierárquicos) e
possuem menor nível de formalização de cargos e salários, dificultando o
estabelecimento de um plano de carreira.
Perguntados sobre a formalização dos processos produtivos e das atividades
desenvolvidas pela empresa, 40% dos entrevistados disseram possuir os processos
definidos. Contudo os programas relacionados à qualidade, desenvolvidos pela
ABIC, foram a prática mais adotada na estrutura burocrática, de modo que quase
todos os entrevistados possuíam algum dos programas. O Selo de Pureza
(9)
está presente em 91% das firmas e o Programa de Qualidade do Café (PQC), em
34%. De acordo com alguns entrevistados, o custo para implementar o PQC é muito
alto para pequenas e médias firmas, o que pode ser um dos principais motivos
para seu baixo nível de adesão. Outros programas e certificações foram
destacados por 14% dos entrevistados, como Cafés do Brasil (ABIC para
exportação), Codeagro, ISO 9.000, ISO 22.000, Instituto de Biodinâmica (IBD),
UTZ Kapesh, Associação dos Cafés Especiais, Certificaminas, Fair Trade,
Rainforest Alliance.Já o emprego de pessoas especializadas no processo
produtivo, como degustadores ou consultores (confecção ou manutenção de blends)
e mestres de torra, está presente em 80% das firmas entrevistadas.
A segunda prática com alta intensidade de adoção na estrutura burocrática foi o
planejamento das atividades e estratégias da firma para o ano seguinte (89% das
firmas). A família proprietária da firma é a encarregada, em 79% dos casos, de
planejar as estratégias e atividades. Isso também está relacionado à prática de
compartilhamento das decisões da estrutura comunitária. Observa-se que muitas
das decisões estratégicas das firmas estão centradas na figura dos
proprietários, o que demonstra um baixo nível de compartilhamento das decisões
com os demais funcionários e stakeholders. Tal baixo nível de compartilhamento
pode ainda ser percebido em outra questão, quando os entrevistados foram
questionados sobre quem participa da escolha e desenvolvimento de novos
produtos, marcas, blends e embalagens. Das firmas entrevistadas, 73% delas
responderam que quem toma as decisões referentes a novos produtos são os
membros da família proprietária.
Quanto ao compartilhamento de informações e valores, asproxies utilizadas para
mensurar essa prática e os resultados encontrados foram:
• salas compartilhadas em 76% das empresas entrevistadas;
• área de socialização em 35% das firmas, tais como sala de
descanso, de TV, de lazer (com churrasqueira, jogos), clubes dos
funcionários (campo de futebol, academia), cafeteria;
• confraternizações, a maior parte das empresas entrevistadas
realiza uma vez por ano eventos que envolvem a socialização dos
funcionários.
Outra prática pesquisada foram os canais de comunicação existentes nas
organizações. Das firmas entrevistadas, 52% possuem mural informativo ou jornal
interno com notícias ou informações relevantes e 87% têm algum tipo de sistema
ou forma de comunicação com os funcionários. Nesses sistemas, os funcionários
apresentam suas sugestões de melhorias e novas ideias. Nas firmas de pequeno
porte, as conversas informais diárias ou contato direto com a diretoria e
reuniões com os funcionários foram citadas como frequentes, já que, devido à
informalidade em função do tamanho da firma, os funcionários têm abertura para
manifestar-se e apresentar suas sugestões e ideias.
Com relação aos canais de comunicação com os clientes, as firmas destacaram em
primeiro lugar o telefone de contato disponibilizado pela empresa (0800 e SAC)
ou meio eletrônico (e-mail e site) e, em segundo, o contato entre os promotores
de venda e os clientes em pontos de vendas e degustação dos produtos. No que
tange aos incentivos profissionalizantes, eles são encontrados em 49% das
firmas entrevistadas. Aqueles que mais se destacam são os cursos técnicos
voltados para a área de produção oferecidos por instituições como a ABIC,
Sindicato da Indústria de Café (Sindicafé), Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (Senai), Serviço Social da Indústria (Sesi). Poucos entrevistados
fornecem bolsas de estudos ou ajuda de custo para faculdades e MBA, bem como
para cursos destinados às áreas administrativas.
Ademais, o trabalho em equipe ainda é pouco desenvolvido pelos entrevistados,
conforme já descrito na análise do item pagamento por desempenho da equipe. Os
treinamentos e dinâmicas de grupo são oferecidos por 34% dos entrevistados, os
quais investem, em sua expressiva maioria, em treinamento para manuseio de
máquinas e equipamentos de produção, principalmente na implementação de novos
maquinários. Alguns entrevistados, porém, citaram palestras para os
funcionários sobre segurança do trabalho, integração e dinâmicas oferecidas
pelo departamento de recursos humanos e visita à fazenda de café.
Outra proxy utilizada para medir o trabalho em equipe foi a frequência com que
a diretoria, a gerência e a área de produção se encontram para fazer reuniões.
Os entrevistados destacaram que esses encontros acontecem quase que diariamente
nesses três níveis (33% na diretoria, 34% na gerência e 28% na área de
produção) e muitas vezes ocorrem de modo informal, ao longo do dia. A
frequência mensal de reuniões foi citada por 32% dos entrevistados, no caso da
diretoria; e 28%, no caso da gerência. Já a área de produção apresentou uma vez
por semana como a segunda maior frequência de reuniões.
4.2.2. Estruturas de governança interna e a inovação
Após a caracterização das firmas, as três estruturas de governança analisadas
(incentivos monetários, burocrática e comunitária) foram colocadas no
softwarefs/QCA 2.0 para identificar que estrutura(s) de governança ou a
combinação delas possibilita(m) maior capacidade de inovação nas firmas. A
tabela verdade (Tabela_3) gerada pelo software é apresentada a seguir.
Na Tabela_3, cada linha indica uma combinação de estruturas, em que 1 significa
a presença de determinada estrutura de governança na combinação e 0 indica a
sua ausência. A coluna frequência demonstra a quantidade de firmas que
apresentaram as combinações em cada linha e a consistência está relacionada à
capacidade de inovação com as combinações de estruturas de governança, de modo
a indicar aquelas que tiveram maior relevância. Já a coluna CI (capacidade de
inovação) só é preenchida após a ánalise da frequência e da consistência para
gerar a solução final. Observa-se que somente uma combinação obteve
consistência acima de 0,75, depois das frequências abaixo de três terem sido
retiradas. Nas Tabelas_4 e 5 constam as combinações obtidas em cada tipo de
solução.
Com base na Tabela_4, uma única combinação mostrou-se mais consistente para
gerar altas capacidade de inovação. Essa combinação indica:
Capacidade de inovação = ƒ (estruturas de governança de incentivos
monetários *burocrática * comunitária)
Tal resultado corrobora as leis combinatórias de diferenciação estruturale de
variedade do core organizacional das estruturas de governança destacada por
Grandori e Furnari (2008; 2010). Em outras palavras, a capacidade de inovação
ocorre de modo mais consistente nas firmas que adotam uma estrutura de
governança interna multimodal,confirmando a H1. Tal resultado corresponde a 14%
da amostra da amostra total, mas, caso se considerem somente as firmas com alta
capacidade de inovação, essa combinação representaria 44%, conforme destacado
pela solução de cobertura. As firmas com alta capacidade de inovação são
aquelas que apresentam número de inovação de produtos maior do que a média
geral da amostra, como demonstrado no Quadro_2.
Já a solução parcial (Tabela_5) mostra quais estruturas de governança
representaram maior importância para capacidade de inovação comparada com a
solução intermediária (FISS, 2011). Nesse caso, o resultado obtido para a
solução intermediária foi igual à solução complexa. Dessa forma, nota-se que as
estruturas de governança de incentivos monetários e burocrática foram os
elementos que mais influenciaram a inovação. Grandori e Furnari (2010) destacam
que, em firmas com baixa complexidade (pequenas e médias), em setores com baixa
incerteza (tradicional, maduro e pouco intensivo em tecnologia) ' como é o caso
das firmas entrevistadas ', as práticas relacionadas às regras e aos incentivos
de desempenho apresentam-se como mais importantes para a inovação do que as
práticas ligadas à equipe e aos outros elementos comunitários.
A Tabela_3 demonstra ainda outras combinações de estruturas de governança que
também causaram alta capacidade de inovação em algumas firmas, mas que não
apresentam consistência para essa amostra (consistência abaixo de 0,75). Essas
evidências empíricas contribuem para a discussão das leis combinatórias
daequifinalidadee daheterogeneidade estrutural, visto que um resultado pode ser
obtido por diferentes combinações de estruturas de governança. No entanto, as
combinações compostas principalmente por estruturas de incentivos monetários e
burocrática foram as que apresentaram melhores resultados para a inovação.
Ademais, com base nos dados apresentados anteriormente, nota-se que as práticas
comunitárias são menos enfatizadas pelas pequenas e médias firmas de torrefação
e moagem de café que são inovadoras. Apesar de os entrevistados frisarem a
constante comunicação e interações entre os funcionários e a abertura para que
eles deem sugestões e novas ideias, o trabalho em equipe quase não se apresenta
nas firmas e as decisões ainda são centradas na figura dos proprietários. A
capacitação e o treinamento dos funcionários também ocorrem com menos
frequência.
Diante disso, com base no método de análise, o qual destaca as condições
causais conectadas a determinado resultado, pode-se inferir que a combinação de
estruturas de governança interna (incentivos monetários, burocrática e
comunitária) levaram as firmas a apresentarem maior capacidade de inovação.
Ademais, observa-se que as estruturas de governança de incentivos monetários e
a burocrática são aquelas que apresentaram forte evidência causal com a
inovação nas pequenas empresas da indústria cafeeira. Já a estrutura
comunitária evidenciou uma relação causal fraca com a inovação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que motivou a realização deste trabalho foi a pouca relevância que os estudos
econômicos, em geral, atribuem à capacidade das firmas de pequeno porte de
inovarem. Essas firmas representam a maior parte das empresas brasileiras e
respondem por mais de dois terços das ocupações do setor privado (SEBRAE,
2012), principalmente na indústria de torrefação e moagem de café. Dessa forma,
entender essa questão é de fundamental importância, pois a inovação pode
incrementar a competitividade dessas empresas diante da concorrência nos
mercados nacional e internacional. Assim, o objetivo da pesquisa apresentada
foi investigar as combinações de estruturas de governança interna que permitem
mais possibilidades de desenvolvimento das capacidades de inovação das pequenas
firmas.
Como objetivo teórico, buscou-se demonstrar a importância das estruturas de
governança interna e a capacidade de inovação, corroborando a abordagem de
Grandori e Furnari (2008; 2010). Além disso, permitiu maior integração entre as
abordagens organizacionais e as abordagens econômicas organizacionais, por meio
da abordagem combinatória do design.
Os resultados empíricos, coletados na indústria de torrefação e moagem de café,
demonstraram que as pequenas firmas também apresentam inovações, muitas delas
de caráter incremental, particularmente mudanças em características das
embalagens e no que diz respeito a novos blends.Essas evidências empíricas vão
ao encontro da discussão de que a capacidade de inovação não está restrita a
determinado porte de firma ou a uma estrutura de mercado.
Ademais, as estruturas de governança interna multimodais foram aquelas que
influenciaram a capacidade de inovação das firmas. As estruturas de governança
multimodais, combinando práticas de incentivos monetários, burocráticas e
comunitárias, foram as estruturas que apresentaram resultados mais consistentes
para a capacidade de inovação. Tal resultado demonstra que a capacidade de
inovação desenvolve-se em firmas que apresentam maior flexibilidade,
comunicação e incentivos aos funcionários, mas também que buscam qualidade nos
processos e que consigam tanto filtrar as novas ideias como gerir todo o longo
processo que a inovação exige, até que as mudanças significativamente novas
gerem resultados positivos para a firma.
No entanto, as estruturas de governança que se apresentam como diferencial para
as pequenas firmas de torrefação foram as de incentivos monetários e
burocrática, pois destacaram-se com condições core para as inovações. Dessa
forma, as práticas como pagamento por desempenho alcançado pelos funcionários,
sistema de avaliação desse desempenho, terceirização, plano de carreira,
planejamento das atividades e estratégias e processo e controle da qualidade
podem influenciar positivamente a capacidade de inovação. Observa-se que tais
práticas estão focadas em incentivos e gestão dos funcionários e processo e
controle de qualidade.
No caso da estrutura comunitária, apesar de as pequenas firmas apresentarem uma
estrutura que permite maior contato entre os funcionários, de modo a facilitar
o compartilhamento de informações, valores e trabalho em conjunto, essas
práticas ainda se apresentam informalmente em seu cotidiano. Ademais, algumas
práticas como a difusão da decisão e a capacitação dos funcionários ocorrem em
menor nível, o que pode fazer com que as funcionalidades que essas práticas
possuem para o processo de inovação sejam menos efetivas, tornando-se condições
periféricas.
Esses resultados são interessantes para as firmas, na medida em que podem
direcionar seus esforços de modo a melhorar a taxa de inovação do setor e
tornar as empresas mais competitivas em seus mercados. Como subproduto, podem
auxiliar na elaboração de políticas públicas e privadas de modo a direcionar as
escolhas de estruturas de governança das organizações. Um exemplo dessa
aplicação seria o desenvolvimento de cursos de capacitação e treinamento que
possibilitem a cada organização analisar seu contexto e implementar os
elementos das estruturas da melhor forma e assim estimular a maior capacidade
de inovação.
Entretanto, os dados empíricos analisados na pesquisa apresentaram limitações.
Entre elas, destacam-se a análise estática das estruturas de governança e o
foco somente em firmas de pequeno porte em um único setor. A análise não foi
probabilística, o que limita a inferência para o setor. Uma sugestão para
futuras pesquisas seria a ampliação desse estudo para outros setores e tamanhos
de firmas. Outra contribuição poderia vir da construção de outros indicadores
de inovação, além do tratado na pesquisa (número de marcas lançadas).
NOTAS
(1) A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp). Os autores agradecem à Fapesp e também à equipe do Centers
for Organization Studies (CORS) que colaboraram no desenvolvimento da pesquisa
apresentada neste artigo (www.cors.usp.br).
(2) Joseph Schumpeter foi um dos primeiros economistas a destacar o papel
central da inovação para o desenvolvimento econômico, de modo a deslocá-la para
o centro do debate e da dinâmica econômica, propondo mudanças na teoria
econômica convencional (BHIDÉ, 1955; FREEMAN e SOETE, 2008).
(3) Vale observar que neste trabalho o termo estrutura de governança
compreende não só a versão da Economia dos Custos de Transação (WILLIAMSON,
1996), na qual uma ordem é estabelecida visando diminuir conflitos potenciais e
comportamentos oportunistas, mas também envolve mecanismos que proporcionem a
coordenação de tarefas complexas (MESQUITA e BRUSH, 2008) e a transferência de
conhecimento e aprendizado (LORENZONI e LIPPARINI, 1999; MESQUITA, ANAND e
BRUSH, 2008).
(4) Além desses três elementos organizacionais, no artigo de 2008 foi
apresentado um quarto elemento, o democrático, que deveria ser considerado como
uma categoria separada. No entanto, seus resultados não foram significativos,
sendo excluído do segundo artigo (2010). Neste trabalho foi considerada somente
uma prática (compartilhamento da decisão) desse quarto elemento, a qual foi
incorporada na estrutura de governança comunitária, devido à sua baixa difusão
nas firmas reais (GRANDORI e FURNARI, 2010) e à dificuldade de mensurar sua
presença.
(5) Essas combinações foram apresentadas por Grandori e Funari no artigo de
2010, em que relacionam os elementos organizacionais e seus resultados (foco na
eficiência e na inovação) com as variáveis situacionais. As duas variáveis
situacionais estudadas foram a incerteza do ambiente e a complexidade da
atividade. A incerteza foi mensurada pela proxy setorial, sendo classificada em
dois grupos: alta incerteza ' setores com intensiva pesquisa e tecnologia;
baixa incerteza ' setores mais tradicionais e maduros, com baixa tecnologia.
Para a complexidade, a proxy utilizada foi o tamanho da firma que representaria
o número e a diversidade de tarefas a serem governadas (firma grande = mais de
250 funcionários; firma pequena = menos de 250 funcionários).
(6) Ver Rihoux e Ragin (2009).
(7) O Qualitative Comparative Analysis (QCA) foi concebido inicialmente como
uma abordagem para pequenas amostras, entre 15 e 40 casos, mas neste trabalho
seguem-se estudos mais recentes que estenderam o QCA para amostras maiores
(GRANDORI e FURNARI, 2008 e 2010; FISS, 2011).
(8) Na pesquisa adotaram-se cinco anos como período de observação para as
questões de inovação, por causa do longo ciclo de vida que o produto estudado
pode apresentar. Tal fato pode levar as empresas a inovarem com menor
frequência (OCDE, 2005).
(9) Certificação da ABIC, lançada em 1989, atestando que o produto não contém
misturas, ou seja, possui 99% de café verde como insumo (ver regulamento no
site da ABIC).