Espiritualidade na formação do administrador sob a ótica dos professores: um
estudo de caso na Faculdade Gamma
1. INTRODUÇÃO
Desde a segunda metade do século XX, muito se tem discutido sobre os reflexos
da industrialização e da economia de mercado sobre os indivíduos, a sociedade e
o meio ambiente (Ramos, 1983; Ramos & Cardoso, 1989; Aktouf, 1996; Chanlat,
1996; Enriquez, 1997; Dejours, 1999; Random, 2000; Secretan, 2002).
Tais discussões intensificaram-se nos últimos anos que fecharam o século XX e
nos primeiros anos do século XXI, revelando que, apesar dos avanços científicos
e tecnológicos sem precedentes, que marcam os tempos atuais, tanto no nível
macroscópico quanto no microscópico, o mundo pós-moderno, sob a égide da
dominante sociedade de mercado, tem dado mostras de seus efeitos nocivos, não
só no campo individual, mas também no social e no ambiental. Entre esses
efeitos, destaca-se a degradação ambiental de todo o planeta, marcada por
repercussões climáticas irreversíveis, pela extinção de espécies animais e
vegetais, pela escassez de água potável e pela produção e acúmulo crescentes de
lixo químico etc. No campo social e político, por sua vez, o quadro não é muito
diferente: há guerras e conflitos pelo poder, corrupção, fome, pobreza crônica,
crimes, violência etc. No campo pessoal ocorre sensação de vazio, ausência de
propósito, depressão, perda de valores, uso de drogas, entre outros. Aliás, a
necessidade de encontrar sentido para a vida chega a ser considerada como a
força motivacional primária dos tempos atuais, marcados por uma sensação de
vazio e frustração, também conhecida como "vácuo existencial"
(Frankl, 1991). Zohar e Marshall (2002) confirmam essa informação ao sinalizar
que diversos pensadores afirmam que a falta de um sentido mais profundo na vida
é o problema nevrálgico de nossa época. A inquietação em busca do preenchimento
desse vazio existencial é revelada pelos recordes de venda alcançados pelos
livros denominados de autoajuda, bem como pela busca, cada vez maior, por
seitas, igrejas, filosofias de vida etc.
No universo corporativo, esse vazio decorre tanto de um trabalho fragmentado e
destituído de importância, no que diz respeito ao todo, como de relações
interpessoais destruídas pelo isolamento e pela competitividade (em que vencer
significa derrotar um adversário, fazendo com que haja sempre um perdedor) ou,
ainda, da inexistência de uma relação intrapessoal, na medida em que o
indivíduo não se (re)conhece.
Por essa razão, nos últimos 25 anos, as teorias administrativas vêm sofrendo
uma série de críticas, sobretudo quanto ao seu caráter instrumental (Santos,
2007). Como consequência, muitos têm sido os esforços empreendidos na busca de
modelos alternativos e menos instrumentais de gestão. Sob a influência de
diversas áreas do conhecimento, tais como a Sociologia, a Psicologia, a
Antropologia e a Filosofia, ao longo desses anos surgiram novas correntes de
pensamento (inspiradas pelo paradigma transdisciplinar e holístico) que têm
incitado importantes reflexões dentro dos estudos organizacionais. Entre elas,
merecem destaque a busca pela humanização das organizações (Aktouf, 1996;
Vergara & Branco, 2001), o movimento pela qualidade de vida no trabalho
(Rodrigues, 1994) e a busca de sentido no trabalho (Morin, 2001).
Dentro desse contexto, criou-se a expectativa de que as organizações possam
criar e manter um ambiente organizacional em que haja uma relação mais saudável
com seus funcionários, com a sociedade, com o meio ambiente, enfim, com o
planeta como um todo. Em outras palavras, o desafio passou a ser o de
considerar o trabalho como parte de algo que, para além dos aspectos materiais,
contempla também as dimensões psíquica, social e espiritual inerentes ao ser
humano.
Como possível resposta a esse desafio, na década de 1980 do século passado,
iniciaram-se as discussões que se intensificaram na década de 1990 sobre a
temática da espiritualidade nas organizações. Cavanagh (1999), por exemplo,
argumenta que o movimento de espiritualidade nos negócios ajuda as pessoas a
tornarem-se mais centradas nas coisas importantes da vida, tais como Deus, as
pessoas, a família e um planeta que possa ser deixado como herança para as
gerações futuras.
Todavia, apesar do crescente interesse pelo tema nos Estados Unidos (Butts,
1999; Tischler, 1999; King & Crowther, 2004) e em outros países, a revisão
de literatura acadêmica revela que, no Brasil, são quase inexistentes os
estudos sobre esse assunto. São ainda mais raras as pesquisas que tratem da
formação do administrador contemplando a questão da espiritualidade.
Assim, diante do desafio que se apresenta às organizações de considerar o
trabalho como parte de algo que, para além dos aspectos materiais, também
contemple as dimensões psíquica, social e espiritual do ser humano e da lacuna
na teoria sobre a relação entre a formação do administrador e a temática da
espiritualidade, o objetivo neste estudo foi entender como tem acontecido a
formação do administrador no que tange aos princípios da espiritualidade.
Além desta parte introdutória que representa a primeira seção, este artigo está
dividido em mais quatro seções, de forma a atingir-se o objetivo proposto para
o estudo. Na segunda seção apresenta-se o referencial teórico que sustenta a
investigação. Na terceira seção, dedica-se à metodologia do trabalho, que se
caracterizou pela adoção de uma abordagem qualitativa e uma estratégia de
estudo de caso simples para levar a cabo o objetivo deste estudo. Na quarta
seção, contemplam-se os resultados provenientes da análise do material
empírico. Finalmente, na quinta seção, são abordadas as conclusões e as
implicações da pesquisa.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Críticas e desafios à formação do administrador
A maior parte das críticas feitas ao modelo convencional de formação do
administrador está dirigida ao seu caráter excessivamente instrumental, e vem
sendo realizada ao longo de décadas (Burkhard & Moggi, 2009). Algumas
propostas surgem como alternativas, por exemplo: uma formação baseada também no
uso de uma razão substantiva (Ramos, 1983; Fischer, 1984; Ramos & Cardoso,
1989; Motta, 1997); uma formação baseada no desenvolvimento de um pensamento
crítico (Aktouf, 1996; Goffee & Hunt, 1998; Saccol & Munck, 2003); uma
formação pautada em princípios humanistas (Aktouf, 1996; Vergara & Branco,
2001); uma formação baseada em valores humanos para o despertamento da
consciência nas organizações (Barreto & Leal, 2003); uma formação que
contemple a questão espiritual (Santos, 2007).
No que diz respeito a uma formação baseada no uso de uma razão substantiva,
busca-se amenizar o desequilíbrio entre a racionalidade funcional do modelo
tradicional de formação e a racionalidade substantiva. Ramos (1983, p23) aponta
a incapacidade de a formação tradicional vigente oferecer diretrizes para a
criação de espaços sociais em que os indivíduos possam participar de
"relações interpessoais verdadeiramente auto-gratificantes" e
emancipatórias. Para Ramos e Cardoso (1989, p. xi), a forma pela qual o modelo
dominante é ensinado é "ilusória e desastrosa" por não admitir,
explicitamente, sua limitada utilidade funcional, trazendo consequências tanto
para o homem como para o planeta.
No que tange à proposta para a formação de um administrador que seja capaz de
pensar de forma crítica, em oposição ao simples uso de ferramentas de gestão
importadas e, muitas vezes, dissociadas da realidade vivenciada por ele, Goffee
e Hunt (1998) apontam que esse profissional deve ser educado a refletir sobre
cada situação específica para não procurar respostas universais e sim respostas
válidas para cada contexto. Saccol e Munck (2003, p. 85), por sua vez, apontam
que, em geral, os métodos tradicionais do ensino de administração ensinam aos
alunos o que devem pensar, ficando o "aprender a aprender" ausente do
discurso de boa parte dos professores, os quais se comparam a
"adestradores". Isso conduz, de acordo com Saccol e Munck (2003), a
um ensino superficial, baseado na reprodução do conhecimento. Como possível
alternativa para o resgate do pensamento crítico, eles sugerem a utilização do
método socrático - a Maiêutica - no ensino de Administração.
Quanto à preocupação com uma formação pautada em valores humanistas, Aktouf
(1996, p. 228) aponta que a condição imprescindível para o desempenho positivo
da empresa com empregados "mais bem formados, mais felizes, mais serenos,
menos doentes, menos frustrados, mais cooperativos, mais responsáveis, menos
ausentes, mais criativos" é o respeito à dignidade do ser humano, o qual
deve "orientar toda escolha social para que esteja à altura da consciência
moral da humanidade". Ao propor o que chama de Administração Renovada,
Aktouf (1996) critica a formação marcadamente tecnicista e defende uma
perspectiva que enfatiza outros saberes essenciais, tais como a ética, a
confiança e a colaboração, capazes de melhor preparar o administrador para
lidar com problemas complexos e mais abrangentes.
Por seu turno, uma formação baseada em valores humanos para o despertamento da
consciência nas organizações tem o objetivo de formar o ser humano em sua
totalidade, aliando o desenvolvimento de competências técnico/científicas
com o conhecimento de si mesmo (Barreto & Leal, 2003). Assim, considerando-
se o relevante papel das organizações e dos administradores para a sociedade
moderna, Barreto e Leal (2003) destacam a necessidade de uma formação mais
filosófica, antropológica e psicológica para os administradores. Segundo eles,
tal formação seria capaz de propiciar, ao administrador, uma visão sistêmica e
uma prática administrativa pautada em valores humanos como concentração,
observação, visão interior, sensibilidade e criatividade, os quais assumem um
papel preponderante na compreensão dos fenômenos organizacionais, fazendo com
que a própria qualidade da gestão seja consequência de ações elevadas,
centradas nesses valores.
No que tange a uma formação que contemple a questão espiritual, tal ideia é
fortemente influenciada pela perspectiva holística que resgata e insere uma
dimensão humana há muito afastada da ciência positivista: a espiritual
(Burkhard & Moggi, 2009). Sobre isso, Barnett, Krell e Sendry (2000) dizem
que não parece muito adequado que faculdades de negócios ensinem técnicas
profissionais que negligenciem importantes questões históricas, sociais, éticas
e espirituais que as envolvem. Portanto, esses autores reconhecem que o
movimento de espiritualidade nas organizações tem sérias implicações para
educadores de escolas de negócios, não lhes sendo possível evitar, por muito
tempo, o confronto com a necessidade do ensino que contemple a espiritualidade
em seus cursos.
Diante desses motivos apresentados, novas formas de educar e formar
administradores baseadas em modelos que contemplem a perspectiva espiritual têm
sido encontradas na literatura internacional. De fato, alguns autores - e
até mesmo universidades - passaram a adotar uma prática pedagógica
diferenciada, na qual as questões relativas à espiritualidade exercem um papel
preponderante (Neal, 1997; Barnett et al., 2000; Harlos, 2000; Schmidt-Wilk,
Heaton & Steingard, 2000).
2.2. Conceitos de espiritualidade
Schmidt-Wilk et al. (2000) dizem que as definições de espiritualidade variam de
acordo com três correntes: uma define espiritualidade em termos de uma
experiência interior pessoal; outra foca em princípios, virtudes, ética,
valores, emoções, sabedoria e intuição; e, finalmente, a terceira engloba as
duas primeiras e define espiritualidade em termos da relação entre a
experiência interior pessoal e suas manifestações em comportamentos externos,
princípios e práticas.
Para Bradley e Kauanui (2003, p. 458), espiritualidade é "o desejo,
inerente a cada pessoa, por plenitude, por encontrar o significado e propósito
último da vida".
Por sua vez, Bell e Taylor (2001) dizem que a espiritualidade pode se
relacionar a um sentido de totalidade, criatividade e interdependência,
estimulado por uma interpenetração multicultural de diferentes tradições
religiosas, e também incluir uma preocupação holística, não necessariamente
relacionada à noção do Divino.
Kinjerski e Skrypnek (2004) apontam que a espiritualidade pode ser descrita por
uma perspectiva tanto religiosa como metafísica ou, ainda, humanística. Na
perspectiva religiosa, o foco está na conexão com Deus. Na metafísica, a
espiritualidade é vista como uma crença numa força maior que si mesmo e, na
perspectiva humanística, o interesse está na busca pelo significado de
experiências fora do ponto de vista religioso e mais no campo das interações
humanas.
Por sua vez, outros autores (Boff, 2001) relacionam espiritualidade a um estado
de espírito pessoal ou a uma maneira de ser que pode estar vinculada a
determinados adjetivos do espírito humano capazes de trazer felicidade tanto
para a própria pessoa quanto para outrem.
2.3. Dimensões essenciais à formação espiritual de administradores
A partir da revisão da literatura sobre a formação do administrador que
contemple a questão espiritual, identificaram-se três dimensões recorrentes:
Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade; o que possibilitou
a construção do Quadro_1.
A primeira dimensão essencial à formação espiritual do administrador está
diretamente relacionada ao desenvolvimento de uma atitude crítica e reflexiva
nos alunos, visando despertar sua autoconsciência, ou seja, seu
autoconhecimento (Neal, 1997; Schmidt-Wilk et al., 2000; Kinjerski &
Skrypnek, 2004). A ideia é a de que o futuro administrador tenha a oportunidade
de se (re)conhecer plenamente (inclusive em suas dimensões não materiais), bem
como as suas escolhas, e melhor compreender seu papel, tanto como cidadão
quanto como profissional.
Ampliando a reflexão do nível pessoal para o coletivo, a segunda dimensão
essencial refere-se à necessidade de desenvolver nos estudantes o senso de
totalidade e de conectividade, para a integração entre trabalho e
espiritualidade, tanto para indivíduos como para organizações (Kinjerski &
Skrypnek, 2004). Em outras palavras, é fazer com que o futuro administrador
esteja atento ao fato de que as pessoas querem estar envolvidas em um trabalho
que lhes traga propósito para a vida, além de perceber que seu trabalho traz
algum tipo de contribuição para a sociedade (Ashmos & Duchon, 2000).
É desenvolver a capacidade de pensar sobre o papel significativo e construtivo
das empresas na transformação da sociedade, a partir da compreensão de que há
uma base espiritual para a vida e para os negócios (Schmidt-Wilk et al., 2000).
É o reconhecimento de que essa base espiritual está presente em cada indivíduo
e que as organizações também têm uma dimensão espiritual (Marcic, 2000). Essa
dimensão essencial visa dar, ao futuro administrador, uma visão da teia
unificada do todo da vida e do princípio que há por detrás de todas as coisas.
A terceira e última dimensão essencial deriva das duas primeiras. Desenvolver o
senso de comunidade significa compreender que o ambiente de trabalho não deve
isolar nem alienar as pessoas, mas, ao contrário, fazer com que elas se sintam
parte de uma comunidade na qual cada indivíduo está conectado aos demais, num
clima de cooperação e solidariedade (Ashmos & Duchon, 2000), e a algo maior
que si mesmo (Kinjerski & Skrypnek, 2006).
Entende-se, assim, que as três dimensões essenciais devem estar presentes, de
forma integral e complementar, para que se possa identificar se uma determinada
instituição de ensino superior (IES) enfatiza uma formação do administrador que
contemple a questão espiritual.
Essas três dimensões serviram de base para a construção de todo o desenho
empírico-metodológico, inspirando as categorias analíticas, o protocolo de
entrevistas e a análise de todo o material empírico.
3. METODOLOGIA: ABORDAGEM QUALITATIVA E ESTUDO DE CASO SIMPLES
A pesquisa aqui relatada é qualitativa de caráter exploratório-descritivo, em
que se utilizou o estudo de caso simples como estratégia metodológica. A opção
pelo estudo de caso ocorreu, basicamente, por três fatores, conforme apontado
por Yin (2005): pelo fato de esse método ser indicado para questões focadas no
como; pela possibilidade de utilizar, entre outras técnicas, a observação
direta, bem como uma série de entrevistas; e, finalmente, pela sua indicação em
casos de fenômenos contemporâneos e ainda não totalmente estudados.
3.1. Escolha da unidade de análise empírica
Nos estudos exploratório-descritivos, os procedimentos de amostragem (sobretudo
numa abordagem qualitativa) são flexíveis, ao contrário do que ocorre em
estudos quantitativo-descritivos e experimentais, os quais são caracterizados
pela precisão e controle estatísticos (Lakatos & Marconi, 2006). Sendo
assim, a delimitação do universo a ser estudado levou em consideração dois pré-
requisitos: (1) ser uma IES particular, localizada na Bahia, e que possuísse
(2) o seu curso de Administração tendo alcançado a nota máxima em, no mínimo,
cinco avaliações promovidas pelo Ministério da Educação nos últimos dez anos. O
primeiro pré-requisito diz respeito à conveniência dos pesquisadores. Ambos
residiam no estado da Bahia. Esse critério tinha o objetivo de facilitar o
processo de investigação da unidade de análise. O segundo pré-requisito teve o
propósito de selecionar um curso com um histórico de excelência ao longo do
tempo, do que se presume uma maior qualidade na formação do administrador. Como
decorrência dos critérios anteriormente apontados e justificados, fez-se uso do
tipo não probabilístico de amostra intencional e racionalmente selecionada, o
que permitiu chegar à Faculdade Gamma.
De acordo com as informações disponíveis em seu site,a Faculdade Gamma foi
fundada em 1989, a partir de sua mantenedora. Seu primeiro concurso vestibular
ocorreu no ano seguinte ao da fundação e ofereceu vagas para os cursos de
Administração e Tecnologia em Processamento de Dados. Nos anos subsequentes, a
instituição optou por uma estratégia de crescimento contida, sem se expandir
para uma estrutura multicampi, e, a partir de 1998, passou a oferecer, além da
graduação em Administração, as opções de Bacharelado em Ciência da Computação,
Psicologia, Direito e Sistemas de Informação. Além disso, a Faculdade Gamma
instituiu, a partir de 1999, cursos de pós-graduação, incrementando as
atividades de ensino, a pesquisa e a extensão. Atualmente, a IES conta com 11
cursos de pós-graduação, sendo cinco cursos de especialização na área de
Administração (MBA), além de quatro cursos relacionados à área de Informática e
duas opções em Psicologia.
3.2. Etapas preliminares ao estudo empírico
Uma vez obtido o consentimento da IES para a execução da pesquisa, foi
realizada uma reunião com o coordenador do curso de Administração, com o
intuito de identificar os potenciais entrevistados da pesquisa. Vale ressaltar,
nesse sentido, que já se sabia que o público-alvo das entrevistas seriam os
professores, haja vista a relevância do papel do educador para o processo de
ensino-aprendizagem e, em especial, para a inclusão da perspectiva espiritual
na formação de administradores. Assim, contando com a decisiva contribuição do
coordenador, tendo em vista seu conhecimento da estrutura geral do curso e do
perfil das disciplinas, foi analisada a matriz curricular, além do plano de
ensino das disciplinas e da lista de professores responsáveis por elas. A
partir dessa análise, foi identificado um conjunto de nove grandes áreas do
conhecimento, das quais duas se revelaram mais apropriadas aos objetivos do
estudo: humano-sociais e teorias organizacionais (Quadro_2).
Dessas duas áreas, foram eleitas nove disciplinas, cujos conteúdos
programáticos e objetivos guardavam uma maior proximidade com o tema da
pesquisa: Administração de Recursos Humanos, Análise Organizacional,
Antropologia e Realidade Brasileira I e II, Filosofia, Gestão Empresarial,
Motivação e Liderança, Psicologia Aplicada à Administração e Sociologia
Aplicada à Administração. Depois de eleitas as disciplinas de interesse, foram
identificados os sete professores que deveriam ser entrevistados, além do
próprio coordenador do curso.
3.3. Coleta do material empírico
No presente estudo, buscou-se a obtenção de informações por meio de questões
abertas, de modo a permitir o aprofundamento de determinados assuntos que
emergiram durante a entrevista e que estavam ligados à problemática do estudo,
caracterizando-se, assim, como uma entrevista semiestruturada. O protocolo de
entrevistas utilizado foi dividido em três partes, inspirado nas três dimensões
essenciais à formação espiritual do administrador apresentadas no referencial
teórico (Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade). Na
primeira parte do protocolo tratou-se de examinar o quão importante os
informantes consideram o autoconhecimento dos alunos, para formação do
administrador, bem como a sua percepção do quanto (e como) esse
autoconhecimento tem sido estimulado (Vida Interior). Na segunda parte,
procurou-se obter dos entrevistados o quanto (e como) eles têm estimulado, nos
alunos, reflexões acerca do papel construtivo dos negócios e do significado do
trabalho (Trabalho Significativo). Finalmente, na terceira parte buscou-se
perceber o quanto (e como) os entrevistados têm fomentado, nos alunos, a
aceitação da diversidade e da individualidade (Senso de Comunidade). Além
disso, buscou-se identificar a existência de ações institucionais relacionadas
a cada uma das dimensões trabalhadas pelas três partes anteriormente descritas.
Vale ressaltar que o objeto de que trata cada uma das partes do protocolo de
entrevistas foi abordado de diferentes formas, pelas distintas perguntas que
compunham cada parte, o que permitiu o alcance de níveis significativos de
profundidade compreensiva, a partir da extrapolação e da comparação das
respostas dadas a cada formulação do objeto. Todas as entrevistas foram
realizadas face a face pelos autores da pesquisa, que buscaram conferir a elas
um clima de informalidade e conversação, visando maior conforto psicológico aos
entrevistados e, consequentemente, maior naturalidade de sua parte. Foram
realizadas oito entrevistas, com uma média de 60 minutos de duração (cada),
envolvendo sete professores e o coordenador do curso. Exceto esse último, todos
os demais entrevistados eram professores horistas. As entrevistas foram
realizadas entre os meses de outubro e novembro de 2007.
Dos oito entrevistados, cinco eram do sexo feminino e três, do masculino. No
que diz respeito à experiência docente, dois tinham entre dois e cinco anos de
experiência docente, dois eram docentes entre cinco e oito anos e, finalmente,
quatro tinham mais de oito anos de experiência docente. No que tange ao tempo
de trabalho na IES, dois tinham entre dois e cinco anos, três possuíam entre
cinco e oito anos e, por fim, três já trabalhavam há mais de oito anos. A lista
dos entrevistados obedeceu ao seguinte detalhamento: P1 - Professor de
Filosofia; P2 - Professor de Motivação e Liderança e Psicologia Aplicada
à Administração; P3 - Professor de Análise Organizacional, Motivação e
Liderança e Psicologia Aplicada à Administração; P4 - Professor de
Antropologia e Realidade Brasileira I e II e Sociologia Aplicada à
Administração; P5 - Professor de Gestão Empresarial; P6 - Professor
de Administração de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas I; P7 -
Professor de Análise Organizacional; e C - Coordenador do Curso.
Cabe ressaltar que algumas das disciplinas selecionadas como de interesse para
a pesquisa estavam sob a responsabilidade de mais de um professor. Da mesma
forma, alguns professores entrevistados eram responsáveis por mais de uma
disciplina dentre as selecionadas. Isso possibilitou a comparação de discursos
relacionados a uma mesma disciplina. Além disso, embora o coordenador não
estivesse exercendo função docente no semestre letivo da entrevista, pode-se
considerar relevante a participação dele na pesquisa, tendo em vista sua
privilegiada visão geral do curso. Nesse sentido, o protocolo de entrevistas
mereceu uma pequena adaptação quando da entrevista com ele, de modo a tirar
melhor proveito de sua condição.
Paralelamente às entrevistas semiestruturadas, fez-se o uso da observação. O
caderno de campo foi utilizado de forma que todos os eventos julgados de
interesse para a pesquisa fossem devidamente registrados no momento em que
ocorriam, seja durante as entrevistas, seja nas conversas informais após a
entrevista, seja ainda durante o trânsito pelas áreas de interações sociais,
sala dos professores, salas de aula etc.
Finalmente, o acesso aos documentos mostrou-se de grande relevância para a
pesquisa. Entre os documentos analisados, destacaram-se trechos do siteda
Faculdade Gamma, documentos relacionados aos projetos pedagógicos do curso de
Administração, bem como o ementário das disciplinas. Um exemplo da importância
da interação com tais documentos foi o fato de que, antes mesmo da realização
das entrevistas, a análise da matriz curricular do curso e das ementas das
disciplinas permitiu a seleção das disciplinas a serem estudadas e,
consequentemente, determinar os professores a serem entrevistados.
4. RESULTADOS DA PESQUISA
Para esta análise, partiu-se do pressuposto de que a formação espiritual do
administrador depende da presença das três dimensões essenciais mencionadas
anteriormente: Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade
(Figura_1).
![](/img/revistas/rausp/v48n4/a05fig01.jpg)
No caso da Faculdade Gamma, a análise dos dados permitiu a constatação de que,
das três dimensões, apenas Senso de Comunidade foi contemplada pelo curso. Tal
fato se deu devido à presença de alguns inibidores da ocorrência de estímulo
aos aspectos relacionados às outras duas dimensões (Vida Interior e Trabalho
Significativo). Esses inibidores emergiram das falas dos entrevistados, quando
da análise das entrevistas, ou das anotações no caderno de campo e dos
documentos.
No tópico a seguir, serão apresentados os resultados relativos à dimensão Senso
de Comunidade, em virtude de ela ter sido considerada como contemplada pelo
curso. Mais adiante, tratar-se-á de explorar, mais intensamente, as razões que
explicam o fato de as dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo não
terem sido consideradas como contempladas pelo curso, apontando-se os
inibidores à sua existência.
4.1. Dimensão Senso de Comunidade: fomento à aceitação da diversidade e da
individualidade
A análise dos dados relativos à dimensão Senso de Comunidade revelou que são
recorrentes os estímulos (inclusive institucionais) à busca da equidade e da
justiça na relação com os outros, ao respeito e à aceitação da diversidade e da
individualidade, bem como a não utilização de uma postura impositiva para
expressar ou compartilhar pressupostos pessoais.
No que se refere aos estímulos institucionais, muitas foram as ações da
Faculdade Gamma que tiveram o objetivo de estreitar o relacionamento dela como
um todo com as comunidades vizinhas locais, mencionadas pelos entrevistados.
Dentre elas, as mais citadas foram: a Internet Comunitária; os Cursos
Livres; as atividades do Núcleo de Esportes, Cultura e Lazer (NECLA); o Balcão
de Justiça e Cidadania; e o Núcleo de Aprendizagem e Desenvolvimento Cognitivo.
Além desses exemplos institucionais, diversas práticas e recursos didáticos
cotidianos foram apresentados como viabilizadores desses estímulos, dentre eles
os próprios trabalhos interdisciplinares semestrais. Esses, especificamente,
foram o recurso mais apontado para estimular os aspectos relacionados aos
elementos essenciais da dimensão Senso de Comunidade, tendo em vista a sua
dinâmica de envolver momentos distintos, tais como a formação das equipes, a
distribuição das tarefas individuais para a construção do trabalho e a
apresentação. De acordo com os relatos, cada uma das etapas para a consecução
dos trabalhos interdisciplinares semestrais representa uma rica oportunidade de
desenvolvimento do senso de comunidade. Na formação das equipes, por exemplo,
alguns professores, quando necessário, chegam a interferir, no sentido de
evitar ações preconceituosas e formação de panelinhas. Nas outras fases a
descoberta e o aproveitamento da diversidade de habilidades e competências
entre os membros de cada equipe acabaram oportunizando o desenvolvimento de tal
senso.
Muitos entrevistados afirmaram, ainda, que o fato de não adotarem uma postura
de donos da verdade serve como exemplo de não utilização de uma postura
impositiva para expressar ou compartilhar pressupostos pessoais, além de
contribuir para a aceitação da diversidade e para a geração de um clima de
cooperação (entrevistados P2, P3, P4, P5 e P7). Outros exemplos incluem os
debates e discussões em sala de aula, decorrentes do uso dos painéis simples e
integrados como recurso didático, em que os professores atuam como mediadores
(entrevistados P1, P5 e P7).
Assim, diante dessas evidências, quanto à existência de estímulos aos aspectos
relacionados à dimensão Senso de Comunidade, foi possível concluir que essa
dimensão é contemplada pelo curso. O mesmo não se pode dizer, entretanto, das
dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo, para as quais a análise dos
dados revelou o caráter desafiador de tratar o tema espiritualidade na educação
de administradores, conforme mostra-se na seção seguinte.
4.2. Dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo
Verificou-se, na fala dos entrevistados, uma série de aspectos inibidores à
ocorrência de estímulos às dimensões Vida Interior e Trabalho Significativo.
Quatro desses inibidores são comuns a ambas as dimensões, existindo, ainda, um
quinto inibidor ligado, especificamente, à dimensão Trabalho Significativo,
conforme consta no Quadro_3.
Antes da apresentação dos quatro inibidores comuns a ambas as dimensões, é
importante considerar que, no caso específico da dimensão Trabalho
Significativo, a análise dos dados revelou que a metade dos professores não crê
numa das dimensões essenciais para uma formação do administrador que contemple
a espiritualidade, qual seja, a de que as pessoas estão buscando sentido para
as suas vidas por meio de seus trabalhos e que, além disso, estão preocupadas
com a contribuição de seus trabalhos para a sociedade. Na opinião de P4, por
exemplo, as pessoas "não conseguem perceber o trabalho como uma dimensão
maior que aquela relacionada ao dinheiro, [...] fora do plano do
concreto". Para P1 e P5, o trabalho representa tão somente uma condição de
sobrevivência, enquanto que, para P6, se trata apenas de uma forma de manter o
padrão de vida.
Com base nessas afirmações, não se pode pretender alcançar a formação
espiritual de administradores num contexto em que o próprio professor não
acredita nas bases essenciais para tal formação. Assim, esse fato, por si só,
já implicaria na impossibilidade do desenvolvimento da dimensão Trabalho
Significativo e, consequentemente, da inclusão da questão espiritual na
formação do administrador, uma vez que, como visto, as três dimensões precisam
ser integralmente contempladas para que haja a ocorrência da formação
espiritual do administrador.
Contudo, independentemente desse inibidor, especificamente relacionado à
dimensão Trabalho Significativo, ainda foram observados outros quatro
inibidores ou limitadores que, além de relacionarem-se com a dimensão Trabalho
Significativo, também diziam respeito à dimensão Vida Interior. Esses
inibidores estão afeitos: ao perfil tecnicista do curso; à postura do aluno de
resistência à questão da espiritualidade; à atitude do docente de receio em
tratar da questão da espiritualidade; e à estrutura física e à concepção
pedagógica da IES. Além disso, tais inibidores agem de forma conjunta e
concomitante, fazendo com que a ação de um gere ou reforce a ação do outro,
potencializando seus efeitos.
4.2.1. Inibidor 1: perfil tecnicista do curso de Administração
O primeiro inibidor está relacionado a algumas características do curso e traz
um conjunto de implicações. Como visto no referencial teórico, a formação
tradicional do administrador sempre teve uma perspectiva muito pragmática,
baseada, sobremaneira, na racionalidade instrumental. No caso da Faculdade
Gamma, há indícios de que ela siga a mesma orientação, uma vez que, apesar da
sensibilidade em relação ao tema e do engajamento demonstrado pelos
professores, eles próprios reconhecem que o curso tem um perfil tecnicista.
Aliás, todos os entrevistados concordam (alguns, veladamente) que há a
necessidade de romper com essa realidade e contrapor uma perspectiva mais
substantiva à formação em Administração, uma vez que tal perfil representa,
segundo eles, uma das dificuldades de trabalhar questões e assuntos menos
convencionais (entrevistados P3, P4, P5, C, P6 e P7).
Algumas declarações são ilustrativas dessa percepção, tais como "a gente
esbarra sempre nessa visão, digamos, extremamente instrumental, que a gente vai
encontrar na maioria dos livros: a razão, o predomínio dessa racionalidade
econômica [...]" (P3); ou ainda "eu acredito que existe, pelo menos,
uma tentativa de a gente pensar dessa forma, mas numa formação cartesiana e
positivista tão rigorosa é um pouco mais difícil" (P2). Além dessas,
outras falas corroboram e confirmam a percepção quanto ao perfil tecnicista do
curso. Por exemplo, o próprio coordenador, ao falar sobre os objetivos do
curso, o dividiu em quatro grandes áreas, das quais apenas uma
(Gestão de Pessoas) dizia respeito ao elemento humano nas organizações. E mais,
ainda se referiu às disciplinas "Antropologia, Sociologia e outras
mais" como tendo um caráter complementar.
Essa característica do curso acaba trazendo consequências que limitam o alcance
(e, até mesmo, a existência) dos estímulos pretendidos na formação espiritual
de administradores, tanto no contexto das disciplinas, individualmente, como do
curso como um todo. P2, por exemplo, ao reconhecer a importância do
autoconhecimento para a formação do administrador, afirma: "sempre que
possível, eu acho importante trazer esse aluno à autoconsciência de que é um
ser humano [...] que tem uma dimensão sagrada, importante para ele entrar em
contato com ele mesmo". Contudo, ao responder sobre os estímulos aos
alunos, no sentido de levá-los à reflexão sobre si mesmos e sua dimensão
espiritual, P2, com ar de pesar, desabafa: "o espaço que a gente tem
dentro da instituição é muito pequeno para a gente estar trazendo muitas
impressões a respeito disso (sic)". Outra possível consequência do perfil
tecnicista do curso é a necessidade, percebida e apontada por alguns
professores, de aumentar o número de disciplinas que trabalhem uma perspectiva
mais substantiva e menos pragmática, de forma que essa abordagem não fique
restrita a apenas algumas poucas disciplinas (P2, P4 e P7). No entanto, mesmo
quando questões menos pragmáticas e racionais são abordadas em alguma
disciplina, há, ainda, certa limitação, em termos de profundidade e abrangência
do plano de ensino de cada uma delas, em relação aos estímulos pretendidos para
uma significativa formação espiritual do administrador. A esse respeito, P1
sinaliza: "acho que a gente não pode contar que ela [a disciplina] tenha
essa capacidade de resolver ou despertar alguém acerca da sua própria
essência". Nesse sentido, uma análise do plano de ensino da disciplina
Psicologia Aplicada à Administração, por exemplo, revela limitações quanto à
abrangência de seus conteúdos para que se possa trabalhar a dimensão espiritual
do aluno. Nele estão previstos conteúdos e indicações de leitura que contemplam
a dimensão emocional (inteligência emocional), mas nada apresenta, por exemplo,
sobre a inteligência espiritual, ou ainda, sobre a Psicologia transpessoal,
apesar de já haver referências em língua portuguesa sobre ambos os assuntos, os
quais estão afeitos à temática da Espiritualidade nas Organizações.
Assim, na opinião de alguns professores, essa questão do perfil tecnicista do
curso (e todas as suas consequências) parece possuir conexão com os fatores
relacionados ao segundo inibidor (postura do aluno, que será vista mais
adiante) e, mais especificamente, àquilo que o aluno está buscando ao se
matricular no curso.
Um exemplo pode ser extraído da entrevista de P5, que já foi coordenador do
mesmo curso, ao falar sobre o perfil do curso: "é um perfil pragmático, é
um perfil tecnicista. O mercado... as empresas acabam importando...". E
justifica: "[...] o próprio aluno, ele quer ver ferramenta em
aplicação". Esse pensamento é confirmado por P7 quando diz:
Num curso de Administração [...], geralmente quando a pessoa vai
fazer, tá mais pensando em empresas, em resultados, em lucros, né?
[...] É isso o que a gente identifica. Não pode generalizar, né? Mas,
de uma maneira geral, [...] muitas vezes, eles vão com essa
necessidade e muito daquilo o que a gente trabalha, também, às vezes,
reforça essa questão desse pragmatismo, desse quantitativismo [...],
porque o aluno tá querendo se posicionar no mercado (sic).
Há, portanto, o indício de uma relação entre esse aspecto instrumental e
tecnicista que marca o perfil dos cursos de Administração em geral (e o da
Faculdade Gamma, em especial) e as razões que levaram o aluno para o curso,
conforme mostra o item que segue.
4.2.2. Inibidor 2: postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade
De acordo com a fala dos entrevistados, existem alguns fatores relacionados à
postura do aluno enquanto aspecto inibidor das dimensões Vida Interior e
Trabalho Significativo. O primeiro deles diz respeito às razões que levaram
esse aluno a escolher o curso de Administração. Como visto, alguns professores
têm o entendimento de que o aluno está buscando ferramentas técnicas para
atender às necessidades do mercado, de que ele quer assegurar seu futuro no
mercado profissional e está interessado em status social e profissional por
meio do curso (P5). As opiniões, entretanto, são diversas. Na perspectiva de
P1, por exemplo:
Em torno de 20% querem ascensão profissional [...], 40% são alunos
cujos pais são empresários e precisam desse menino para assinar
projetos [ou] documentos na JUCEB, ou já pensam na cadeia sucessória
[...]; a outra parte resolve fazer Administração por conta do pai ou
da mãe, ou ainda algum parente ser administrador.
Por sua vez, P3 afirma que, com base em suas observações, "a maioria das
pessoas que estão cursando o primeiro semestre de Administração não escolheu
tal profissão como primeira opção". Levando-se em consideração essa
observação e associando-a à afirmação de que "esses alunos não sabem muito
bem o que eles querem" (P4), um outro fator relacionado à postura do aluno
vem à tona: a imaturidade.
Os relatos dos entrevistados mostram que são diversas as manifestações de
imaturidade dos alunos. Também revelam que, em geral, os alunos do turno
vespertino apresentam mais manifestações de imaturidade, devido à faixa etária
ser mais baixa (entrevistados P1 e P4). Independentemente disso, um fato
apontado por muitos entrevistados é de que a imaturidade representa um problema
sério nos dois primeiros semestres do curso (P1). Entre as formas de
manifestação da imaturidade está, por exemplo, a resistência e a
insensibilidade a determinados assuntos e/ou atividades (entrevistados P1, P4 e
P6). Sobre esse aspecto, C diz:
apesar de tentar levá-lo à reflexão, muitas vezes, por conta da
imaturidade ou por causa de ele mesmo achar que aquilo não é
importante, a gente não vê retorno disso, não vê resultado ou o
resultado não é o esperado.
Por sua vez, P6 se pergunta:
como quebrar a resistência do próprio aluno, porque, muitas vezes,
ele acha que falar de questões espirituais é baboseira, que é
brincadeira, que o professor não dá aula, [então], quando você coloca
um pouco de responsabilidade na mão dele, ele acha que não está
aprendendo, que ele não está estudando (sic).
E, no que diz respeito à resistência ao próprio autoconhecimento, a mesma
entrevistada desabafa: "alguns, na verdade, não querem se conhecer, alguns
não querem, na verdade, se aprofundar nas suas próprias dificuldades
(sic)".
Na medida em que vão ocorrendo e se repetindo essas atitudes de resistência dos
alunos, diminui (quando não se anula) a disposição do educador em tratar de
determinadas questões ligadas à espiritualidade ou a assuntos relacionados à
temática do autoconhecimento, seja por temor, seja por desconforto.
4.2.3. Inibidor 3: atitude do docente de receio em tratar da questão da
espiritualidade
Outro fator inibidor de uma formação que contemple a espiritualidade na
formação do administrador está relacionado à atitude do docente de receio em
tratar da questão da espiritualidade. Segundo a fala dos entrevistados, o
receio de serem mal interpretados e, até mesmo, acusados de estarem fazendo
proselitismo religioso (P3, P4 e C) tem funcionado com um fator inibidor para
tratar da espiritualidade. Sobre esse aspecto, demonstrando visível
desconforto, C revela:
Eu tive a impressão de que há certo temor, muitas vezes, em relação à
discussão sobre esse tema na sala de aula, porque, muitas vezes, o
professor me parece que tem o receio de ficar parecendo que está,
talvez, induzindo o aluno para algum caminho que, não
necessariamente, é o caminho que o aluno vai escolher e que reação os
alunos vão ter a esse tipo de discussão na sala de aula (sic).
Embora reconheça a relevância do tema, P4 confirma o sentimento presente na
citação anterior ao afirmar:
São questões importantes que, talvez, vão ajudar esse ser humano a se
perceber como participante, como responsável por tudo isso, porque
sai um pouco do concreto, do técnico, indo para outro lado, e esse
outro lado é muito difícil de trabalhar, e sabe qual é o perigo? Cair
no plano do espiritualismo, do religioso. Porque quando você começa a
falar num bem comum, fazer o bem, nós fomos educados pra pensar que
esse bem é um bem religioso (sic).
4.2.4. Inibidor 4: estrutura física e concepção pedagógica da Instituição de
Ensino Superior
O último inibidor de estímulos à aplicação dos princípios da espiritualidade na
formação dos administradores da Faculdade Gamma está relacionado à estrutura
física e à concepção pedagógica da IES. De acordo com P3, a estrutura das salas
de aula é um obstáculo à percepção do próprio corpo físico, seja por conta da
disposição das cadeiras, seja pelos limites impostos pelas paredes. Em suas
palavras:
acho que falta espaço para o corpo e para o espírito [...]. Como é
que a gente pode trabalhar e falar das coisas do espírito, da
espiritualidade, dessa religação com algo maior que nós, se esse
corpo não é respeitado, se esse corpo é aprisionado?
Outro aspecto que inibe uma formação do administrador que contemple a questão
da espiritualidade é a inexistência de uma preocupação com a temática no
projeto pedagógico do curso de Administração. Por meio da análise dos
documentos, percebeu-se que não havia menções na proposta pedagógica sobre a
questão da espiritualidade na formação do administrador. Se houvesse tal
preocupação, talvez ações pedagógicas que contemplassem a perspectiva
espiritual acontecessem de forma mais concreta.
5. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES
Apesar do crescente interesse de estudiosos de diversas áreas do conhecimento
sobre a espiritualidade, essa temática ainda é considerada recente dentro dos
estudos organizacionais. Nesse sentido, justifica-se uma pesquisa em que se
buscou entender como acontece uma formação do administrador que contemple a
questão espiritual. A carência de referencial teórico, no Brasil, foi
determinante para as escolhas teórico-metodológicas da presente pesquisa que
assumiram fortes características descritivo-exploratórias. Por essa razão,
nenhuma hipótese foi inicialmente levantada, buscando-se que os dados falassem
por si sós, na medida em que emergiam.
Assim, ao investigar como tem sido a formação espiritual de administradores,
sob a ótica dos professores e no contexto específico da Faculdade Gamma,
constatou-se que, das três dimensões essenciais à formação espiritual do
administrador (Vida Interior, Trabalho Significativo e Senso de Comunidade),
apenas uma (Senso de Comunidade) pôde ser considerada como contemplada pelo
curso. As outras duas dimensões, por sua vez, não puderam ser assim
consideradas, tendo em vista a presença de alguns inibidores das dimensões
essenciais à formação do administrador que contemple a espiritualidade.
Quatro desses inibidores são comuns a ambas as dimensões, existindo, ainda, um
quinto inibidor ligado, especificamente, à dimensão Trabalho Significativo. Em
relação a esse inibidor, a análise dos dados revelou que a metade dos
professores não crê num dos principais pressupostos da espiritualidade nas
organizações, qual seja, o de que as pessoas estão buscando sentido para as
suas vidas, por meio de seus labores, e, além disso, estão preocupadas com a
contribuição de seus trabalhos para a sociedade. Esse aspecto foi entendido
como um inibidor, pois não se pode pretender alcançar a formação espiritual de
administradores num contexto em que o próprio educador não acredita nas bases
essenciais para tal formação.
Em relação aos quatro outros inibidores identificados, dois estão diretamente
relacionados ao ator IES (perfil tecnicista do curso de Administração e
estrutura física e concepção pedagógica da instituição), enquanto os outros
dois (postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade e atitude do
docente de receio em tratar da questão) estão ligados, respectivamente, aos
atores aluno e professor, embora tais inibidores se influenciem mutuamente.
A presente pesquisa aponta três implicações diretamente relacionadas a esses
inibidores. A primeira delas sugere que as IES que desejem contemplar, de forma
integral, as três dimensões da espiritualidade na formação do administrador
deverão criar um contexto que favoreça esse objetivo. Isso pode acontecer por
meio da adoção de uma proposta pedagógica mais completa e que contemple
claramente a questão da espiritualidade como um pilar no desenvolvimento das
competências dos seus estudantes, com uma ação conjunta e coordenada de todos
os três atores do processo de ensino-aprendizagem (aluno, professor e
instituição). Dito de outra forma, todos esses três atores têm um papel
relevante para que se cumpra o objetivo pretendido, sobretudo quando se
tenciona incluir a perspectiva espiritual em tal processo.
A segunda implicação está ligada à primeira e afeita ao inibidoratitude do
docente de receio em tratar da questão da espiritualidade. Como visto, a ação
desse inibidor relaciona-se a alguns aspectos que fragilizam o papel do
educador no processo de ensino-aprendizagem, considerando-se a perspectiva
espiritual: o ceticismo quanto aos pressupostos da espiritualidade, o receio de
ser acusado de fazer proselitismo religioso e a falta de domínio técnico e
conceitual para lidar com o tema. Dessa forma, as IES que desejem proporcionar
uma formação espiritual para os administradores devem buscar educadores
verdadeiramente engajados e comprometidos com seu próprio autoconhecimento
(Neal, 1997; Harlos, 2000) e com a formação integral do ser humano. Além disso,
devem estar dispostos a incluir a perspectiva espiritual em sua práxis
pedagógica, sem a adoção de uma postura impositiva, mas, ao contrário, de forma
isenta, buscando promover um contexto seguro para o aprendizado sobre
espiritualidade, bem como viabilizando um processo de questionamento criativo e
respeitoso, além de não defensivo (Barnett et al., 2000).
Ademais, nesse sentido, as IES devem favorecer e estimular a capacitação desses
educadores, habilitando-os a utilizar ferramentas pedagógicas, tais como
alegorias, dinâmicas, vivências e modelos teóricos que estimulem o
autoconhecimento dos alunos, em suas dimensões física, psíquica e moral-
espiritual (Harlos, 2000; Lewis & Geroy, 2000). Desse modo, os educadores
devem ensinar os alunos a analisar as organizações em sua dimensão moral-
espiritual, bem como a utilizar ensinamentos espirituais no dia a dia das
relações, inclusive para gerir organizações (Lewis & Geroy, 2000; Marcic,
2000).
Por fim, a terceira implicação, ligada às duas primeiras, diz respeito ao
inibidor postura do aluno de resistência à questão da espiritualidade. Como
visto, existem alguns fatores, intimamente interligados, que dizem respeito a
essa postura do aluno: as razões que levaram esse aluno a escolher o curso de
Administração e, mais especificamente, naquela determinada IES; a
imaturidade do aluno; e a visão limitada que o aluno tem quanto ao papel do
professor de mero transmissor de conteúdos técnicos. Ao que parece, uma única
ação institucional poderia eliminar os efeitos desse inibidor: o claro
posicionamento institucional quanto aos objetivos e ao perfil do curso. Em
outras palavras, as IES que desejem contemplar as três dimensões essenciais da
espiritualidade na formação de administradores deverão se posicionar de forma
clara quanto à inclusão da perspectiva espiritual em sua proposta pedagógica,
de modo a atrair estudantes interessados nesse tipo específico de formação mais
holística e menos pragmática. Com isso, espera-se, no mínimo, a redução da
ocorrência dos aspectos relacionados ao inibidor postura do aluno de
resistência à questão da espiritualidade.
Finalmente, é importante considerar que esta investigação apresenta alguns
limites. O primeiro deles refere-se à amplitude da pesquisa no próprio contexto
da Faculdade Gamma. Considerando-se uma concepção mais interacionista, sabe-se
que os docentes não são os únicos responsáveis pelo processo de ensino-
aprendizagem. Assim, esta investigação possui uma limitação ao se explorar a
formação espiritual do administrador apenas sob a ótica dos professores. O
segundo limite diz respeito à abrangência do estudo. Levando-se em consideração
que se trata somente de um estudo de caso simples, esta pesquisa possui apenas
validade interna, não podendo ser generalizada para outras realidades.
Apesar das limitações quanto à amplitude e à abrangência do presente estudo,
acredita-se que o quadro de referência desenvolvido para atrelar as
contribuições teóricas sobre a formação espiritual de administradores com as
três dimensões essenciais propostas por Neal (1997), Ashmos e Duchon (2000),
Barnett et al. (2000), Lewis e Geroy (2000), Schmidt-Wilk et al. (2000) e
Kinjerski e Skrypnek (2004), dentre outros autores, pode ser útil em pesquisas
futuras sobre o tema.
Este trabalho abre espaço para futuras pesquisas sobre a temática da
espiritualidade na formação do administrador. Por exemplo, seria interessante
explorar a formação desse profissional a partir de investigações, dimensões e
tipologias diferentes daquelas discutidas nesta investigação, tais como
as pesquisas recentes de Tombaugh, Mayfield e Durand (2011), Banyhamdan, Harrim
e Al-Qutop (2012), dentre outras. Outros estudos poderiam ampliar a abrangência
deste, buscando explorar a ocorrência da espiritualidade na formação do
administrador a partir da realidade de escolas de Administração de uma cidade,
de um estado ou mesmo de uma região. Outra investigação poderia analisar
exemplos de escolas de negócios que se preocuparam em inserir a temática da
espiritualidade em seus projetos pedagógicos e quais foram as repercussões
dessa opção para a formação do administrador. Outros estudos poderiam, ainda,
explorar a ocorrência da espiritualidade na formação do administrador em
escolas de Administração ligadas a IES confessionais, podendo estabelecer uma
comparação com a realidade encontrada em instituições não confessionais. Essas
são algumas das ideias de investigação que podem ser implementadas com o
objetivo de trazer progressos a uma área de pesquisa ainda bastante embrionária
no Brasil.
Assim, espera-se que este trabalho sirva de estímulo à realização de novas
pesquisas no campo da formação espiritual de administradores e profissionais em
geral, que estejam atentos à necessidade de transformar a realidade
biopsicossocial da humanidade e do planeta.