Orçamento público no Brasil: a utilização do crédito extraordinário como
mecanismo de adequação da execução orçamentária brasileira
1. INTRODUÇÃO
Devido à necessidade de ajustes na programação financeira, bem como em
decorrência do descompasso existente entre o período de elaboração do orçamento
e a sua efetiva execução, podem ocorrer situações que não foram previstas na
elaboração da proposta orçamentária e que devem ser absorvidas no orçamento do
exercício. Tais situações são descritas por Pires (2002) como omissões e erros,
e, para corrigi-los, é necessário lançar mão dos chamados mecanismos
retificadores do orçamento. Dentre esses mecanismos, destaca-se o instrumento
denominado crédito extraordinário.
Esse tipo de crédito está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde
1850, quando a Lei n. 589, de 9 de setembro de 1850 estabeleceu as primeiras
diretrizes sobre a sua abertura. Segundo aquele dispositivo, o governo, sem
prévia autorização do legislativo, poderia abrir créditos extraordinários
apenas no caso de epidemia ou qualquer outra calamidade pública, sedição,
insurreição, rebelião e outros dessa natureza. Apesar dessas restrições, em
1892, o parlamento da época já via a utilização do crédito extraordinário como
uma forma de burlar autorizações orçamentárias ordinárias (Perezino, 1999).
Passados mais de 160 anos, e apesar das restrições constitucionais e legais
impostas, o crédito extraordinário passou a ser utilizado de maneira
generalizada. Nesse sentido, levando-se em consideração o período de 1995 a
2010, o Governo Federal abriu aproximadamente R$ 304 bilhões em créditos
extraordinários. Dessa forma, pode-se discutir se a excepcionalidade que
deveria marcar a utilização do crédito extraordinário está, ou não,
acontecendo. No período mencionado, o montante de despesa aberta por esse tipo
de crédito passou de R$ 350 milhões (em 1995) para R$ 35,31 bilhões (em 2010),
tendo atingindo o pico em 2007, com a abertura de R$ 60,72 bilhões. Em termos
práticos, o volume de recursos nesse tipo de crédito parece, pois, contrastar
com o entendimento de Kohama (2003) de que, na hipótese de existência de um
processo de planejamento e orçamento integrado, devidamente formulado por meio
de Orçamento por Programas, como praticado no Brasil, a existência de créditos
adicionais tenderia a reduzir-se ao mínimo ou ser de uso excepcional. Assim,
são formuladas as seguintes questões de pesquisa:
• Quais razões e principais fatores que têm levado o Governo Federal
a utilizar sistematicamente o crédito extraordinário?
• Os requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência
estão sendo observados pelo Poder Executivo ao editar medidas
provisórias que abrem créditos extraordinários?
Baseando-se em tais questionamentos, os objetivos nesta pesquisa foram
identificar e analisar as razões e os principais fatores que levam o Governo
Federal a utilizar sistematicamente o crédito extraordinário, bem como levantar
o entendimento existente quanto ao significado dos pressupostos constitucionais
da imprevisibilidade e da urgência, além de avaliar a aderência dos créditos
extraordinários abertos a esses pressupostos.
No que se refere à organização, ressalta-se que além da introdução, o trabalho
está estruturado em mais quatro seções. Na seção 2 apresentam-se os principais
conceitos que deram suporte à pesquisa. Na seção 3 descrevem-se os caminhos
trilhados para seu desenvolvimento. Na seção 4 apresentam-se os resultados
encontrados e as análises efetuadas e, por fim, na seção 5, apresentam-se as
considerações finais e sugestões para trabalhos futuros.
2. REVISÃO DA LITERATURA SOBRE ORÇAMENTO PÚBLICO
O orçamento público tem sido um campo fértil de pesquisas nos últimos 70 anos,
mormente por refletir uma arena em que atores com interesses difusos buscam a
satisfação de suas demandas. Podem-se citar os estudos de Key Jr. (1940),
Lindblon (1959), Rubin (1993), Peters (1995), Wildavsky (2002), Caiden e
Wildavsky (2003) e Schick (2006). No Brasil, encontram-se os estudos de Abrucio
e Loureiro (2004), Giacomoni (2005) e Matias-Pereira (2007). Ponto de
entendimento comum entre esses estudiosos é que o Estado não possui recursos
suficientes para suprir todas as necessidades da sociedade e, por consequência,
tem de escolher em quais demandas alocará os recursos escassos provenientes dos
seus tributos financiadores. Entretanto, escolher em quais demandas os recursos
serão aplicados não é tarefa simples.
Nesse sentido, Key Jr. (1940) já alertava para a inexistência de uma teoria
capaz de responder como se poderia basear a decisão de se alocar recursos em
uma Atividade X em vez da Atividade Y. Segundo aquele autor, dada a ausência de
padrões de avaliação, a utilização mais vantajosa dos recursos públicos tornar-
se-ia uma questão de preferência de valores entre fins que não têm um
denominador comum. Nesse sentido, Rubin (1993), por exemplo, indaga como se
podem comparar os benefícios de prover abrigo para sem tetos com comprar mais
helicópteros para a marinha.
Dessa forma, o Estado ao efetuar suas escolhas está, na verdade, estabelecendo
preferências, ou melhor, está tomando a decisão entre satisfazer uma demanda ou
outra e, nesse contexto, surgem os conflitos de interesses entre os diferentes
grupos de pressão para ver suas demandas satisfeitas. Como se pode perceber, a
concepção do orçamento público é marcada por disputas nas quais os diferentes
atores (agências governamentais, políticos, empresas, servidores públicos,
grupos sociais, dentre outros) buscam maximizar a satisfação de suas
necessidades. Essas disputas, entretanto, tornam-se mais acirradas pelo fato de
inexistir metodologia capaz de dar contorno mais objetivo ao processo de
decisão na alocação de recursos orçamentários, bem como pelo caráter perpétuo
que gozam determinados programas ou despesas incluídos no orçamento
em determinado exercício. Como lembra Peters (1995), embora as decisões sobre a
alocação de recursos devessem ser tomadas em bases racionais, as decisões entre
as burocracias que competem por orçamento são inerentemente políticas.
De outro lado, como afirma Wildavsky (2002), os orçamentos dificilmente são
revistos como um todo, pois em vez de se considerar o valor dos programas
existentes em comparação com todas as alternativas possíveis, o orçamento de um
ano baseia-se no orçamento do ano anterior, com especial atenção para uma
pequena variação de aumentos e diminuições e, assim, a maior parte do orçamento
é o produto de decisões anteriores.
Por essa perspectiva, Wildavsky (2002) entende o orçamento como um modelo
incremental. Para ele, o orçamento incremental acaba ocorrendo em função da
complexidade de cálculo envolvido na elaboração do orçamento, em contradição ao
princípio da racionalidade limitada pela qual o homem atua. O homem, segundo
esse princípio, vê através de um vidro escurecido e, por consequência, a sua
habilidade para calcular é severamente limitada. Some-se a isso a escassez de
tempo, o grande número de questões a serem consideradas e o fato de se ter de
avaliar méritos de programas diferentes para diferentes pessoas cujas
preferências variam em natureza e intensidade. Tudo isso faz com que os
elaboradores do orçamento optem por processos mais simples.
Ainda segundo Wildavsky (2002), o orçamento incremental tende a ser praticado
em países ricos, pois faltam aos países pobres as estabilidades política e
econômica capazes de conferir previsibilidade ao processo de orçamentação.
Assim, os países pobres acabam praticando o que se denominou de
orçamento repetitivo. Segundo essa teoria, o orçamento é feito e refeito
durante todo o ano, continuamente. O ambiente de incerteza existente nesses
países faz com que eles reprogramem seus recursos rapidamente a fim de
ajustarem-se às variações constantes de cenários (Caiden & Wildavsky,
2003).
Caiden e Wildavsky (2003) afirmam ainda que a falta de estabilidade, aliada ao
lapso temporal compreendido entre a elaboração e a execução do orçamento, faz
com que o orçamento aprovado se transforme em uma peça irreal, necessitando de
repetidas alterações. Tais alterações normalmente são feitas por meio da
transferência de recursos entre categorias de despesas e pelo aumento das
dotações existentes via créditos suplementares.
Caiden e Wildavsky (2003, p. 75-77) apontam, ainda, algumas consequências
derivadas da prática do orçamento repetitivo, destacando que:
• todo o processo orçamentário sofre atraso excessivo;
• pode gerar falta de zelo na elaboração das estimativas de despesas,
visto que praticamente ninguém leva o orçamento a sério;
• a aprovação do orçamento torna-se evidentemente mais política;
• a prática do orçamento repetitivo supostamente favorece a
corrupção;
• os investimentos acabam sendo prejudicados, pois eles podem ser
adiados;
• na existência de problemas de fluxo de caixa, as despesas e os
programas obrigatórios acabam prevalecendo;
• favorece a existência de constantes lutas internas por recursos;
• o atraso na liberação dos recursos faz com que os órgãos
dificilmente utilizem a sua dotação até o término do exercício.
Em suma, o orçamento pode ser entendido como um instrumento de alocação de
recursos a fim de satisfazer os propósitos humanos. Dessa relação, surge o
trade-off entre a limitação dos recursos e as necessidades humanas ilimitadas.
A resposta para tal conflito poder-se-ia extrair do orçamento, uma vez que ele
deveria espelhar as prioridades e as metas estabelecidas por um dado governo.
No Brasil, como exposto nas seções seguintes, o orçamento federal é ajustado ao
longo do exercício por meio da utilização do crédito adicional e em especial
pelo crédito extraordinário, o que tem provocado discussões entre os principais
grupos de pressão a ele relacionados.
2.1. Aspectos conceituais e legais dos créditos adicionais
Crédito adicional é gênero do qual são espécies o crédito suplementar, o
crédito especial e o crédito extraordinário. Segundo a Lei no 4.320/64, de 17
de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para
elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos
Municípios e do Distrito Federal, créditos adicionais são as autorizações de
despesas não computadas ou insuficientemente dotadas na Lei do Orçamento.
Cada espécie de crédito adicional possui função e características próprias.
Assim, o crédito suplementar é aquele destinado a reforçar a dotação
orçamentária existente, em razão do subdimensionamento da despesa fixada; o
crédito especial é aquele destinado a modificar a lei orçamentária em vigor,
por acrescer-lhe despesas para as quais não haja dotação orçamentária
específica previamente fixada; e, por fim, o crédito extraordinário destina-se
a cobrir despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra,
comoção interna ou calamidade pública.
Segundo Giacomoni (2005), os créditos adicionais prestam-se a resolver duas
situações clássicas do orçamento: a imprevisão na elaboração orçamentária
(insuficiência de dotação para fazer face à despesa já prevista no orçamento) e
a inexistência de crédito orçamentário (para atender às despesas a serem
realizadas). Para a primeira situação, o remédio é o crédito suplementar. Já
para a segunda, o remédio pode tomar a forma de crédito especial ou de crédito
extraordinário.
Por alterar o orçamento vigente, os créditos adicionais têm sido vistos como
elementos perturbadores da execução orçamentária desde o Brasil Império, vez
que são inseridos no orçamento em vigor para cobrir falhas da fase de
planejamento que surgem durante a execução orçamentária. Tais falhas são
descritas por Pires (2002) como indicadoras de erros ou omissões na elaboração
da proposta orçamentária que devem ser corrigidos por meio dos mecanismos
retificadores do orçamento (créditos adicionais).
Carreira (1980) pondera que o entendimento majoritário entre os estadistas, à
época do Brasil Império, era de que os créditos adicionais eram elementos
perturbadores da regular marcha do orçamento e, por isso, era sempre vantagem
restringi-los ou suprimi-los. Nessa mesma linha, Coelho (1952, p.268) afirma
que "[...] o fato de contribuírem os créditos adicionais para criar ou
aumentar os déficits, tem sido a causa principal de diversas medidas imaginadas
para restringi-los aos casos inevitáveis [...]".
Constata-se, pois, a preocupação em manter os créditos adicionais e, em
especial, o crédito extraordinário no menor nível possível, adstrito, apenas,
às hipóteses previamente previstas na legislação. Escudado nesse entendimento,
o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade contra a Medida Provisória (MP) 405/2007, concedeu medida
cautelar suspendendo os efeitos da Lei no 11.658/2008, desde a sua publicação,
em razão do entendimento de que "[...] nenhuma das hipóteses previstas
pela medida provisória configuravam situações de crise imprevisíveis e
urgentes, suficientes para a abertura de créditos extraordinários"
(Supremo Tribunal Federal [STF-ADI 4.048-1-MC|DF], 2008).
Em relação aos aspectos legais relacionados ao crédito extraordinário,
verifica-se que desde o Brasil Império havia a preocupação em restringir sua
utilização a casos urgentes e excepcionais. Nesse sentido, no Quadro_1 é
apresentada a evolução do tema na legislação.
No que toca à legislação mais recente, verifica-se que a Constituição Federal
de 1988 e a Lei no 4.320/64 são o corpo normativo que atualmente regem o tema.
Importante ressaltar que a referida lei não exige a indicação de recurso para
a abertura de créditos extraordinários, ou seja, eles podem ser abertos
independentemente de haver ou não recursos financeiros para fazer face às novas
despesas. Ainda consoante a lei, os créditos extraordinários são abertos por
decreto do Poder Executivo, que deve dar conhecimento imediato ao Poder
Legislativo, e podem ser abertos em qualquer época do ano, não sendo submetidos
a prazos, diferentemente do que ocorre com as outras modalidades de créditos
adicionais (especial e suplementar).
Já a Constituição Federal de 1988, conforme disposto no art. 166, § 8º, informa
que os recursos que, em decorrência de veto, emenda ou rejeição do projeto de
lei orçamentária anual, ficarem sem despesas correspondentes poderão ser
utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou suplementares, com
prévia e específica autorização legislativa.
A Constituição Federal de 1988, além de citar exemplos de despesas para
servirem de medida ao exercício dessa prerrogativa excepcional (§ 3º, art.
167), traçou os limites e a validade dos créditos adicionais (artigos 166 e
167); a vigência dos créditos especiais e extraordinários (§ 2º do art. 167); a
abrangência das despesas a serem cobertas por tais créditos, bem como os
parâmetros da imprevisibilidade e da urgência, que devem ser elementos
intrínsecos dos créditos extraordinários. Em relação às fontes de recursos do
crédito extraordinário, quando necessário, estão previstas no inciso I do
artigo 148, o qual determina que seu uso é exclusivamente para atender a
despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa
ou sua iminência; já no inciso II do artigo 154, está disposto que a União
poderá instituir tais créditos na iminência ou no caso de guerra externa,
impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária,
os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
2.2. Medida Provisória como instrumento de abertura do crédito extraordinário
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a abertura do crédito
extraordinário passou a ser veiculada por meio de medida provisória expedida
pelo chefe do poder executivo, não mais prevalecendo os mandamentos contidos na
Lei no 4.320/64. Harada (2008, sp.), entretanto, afirma que "[...] lançar
mão de medida provisória para abertura de crédito extraordinário, a fim de
cobrir gastos previsíveis, configura autêntico desvio de finalidade".
De acordo com Amaral Jr. (2004), a doutrina tem entendido que a Constituição
Federal de 1988 adotou a medida provisória como instrumento de abertura dos
créditos extraordinários ao dispor em seu artigo 62 (pp. 214-217) que:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República
poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-
las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1° É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I- relativa a:
[...]
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos
adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3°.
(Grifos acrescidos).
Nesse sentido, Amaral Jr. (2004) assevera que a medida provisória é ato
normativo primário e provisório circunscrito à esfera de competência do
Presidente da República, possuindo, desde logo, força, eficácia e valor de lei.
Em matéria orçamentária a alínea d, do inciso I, § 1°, do art. 62 da
Constituição Federal, somente permite à medida provisória a abertura de crédito
extraordinário que, pela sua própria natureza, tem, na medida provisória, o
veículo legislativo por excelência. Para a abertura desses créditos, há que se
atender aos critérios da imprevisibilidade e da urgência das despesas,
combinado com a urgência e a relevância requeridas para a edição de medidas
provisórias.
Para o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede da ação direta de
inconstitucionalidade, a utilização de medidas provisórias pelo Presidente da
República para abrir crédito extraordinário deve ocorrer quando existir um
estado de necessidade que obrigue o Poder Público a adotar providências
imediatas de caráter legislativo, inalcançáveis segundo as regras ordinárias de
legiferação, em face do próprio periculum in mora que fatalmente decorreria do
atraso na concretização da prestação legislativa. Segundo o STF, o que legitima
o Presidente da República a antecipar-se, cautelarmente, ao processo
legislativo ordinário, editando medidas provisórias pertinentes, é o fundado
receio, por ele exteriorizado, de que o retardamento da prestação legislativa
cause grave lesão, de difícil reparação, ao interesse público (STF [STF - ADIMC
293|DF, 1990], 1993).
3. PROCEDER METODOLÓGICO
A fim de atingirem-se os objetivos delineados, utilizaram-se as seguintes
estratégias de pesquisa: pesquisas bibliográfica, documental e de campo. Por
meio da pesquisa bibliográfica, foi realizado estudo que contemplou referências
originárias de artigos, livros, legislação comentada, entre outras. A pesquisa
documental foi desenvolvida a partir da análise de documentos oficiais, tais
como leis, decretos, entre outros. Realizou-se, também, pesquisa de campo com o
objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca do problema
pesquisado.
Quanto aos meios de coletas de dados, utilizou-se a entrevista estruturada
contendo dez perguntas abertas, previamente formuladas. Os entrevistados
responderam às mesmas questões, o que permitiu comparar as respostas dos
diferentes participantes.
Os entrevistados foram selecionados a partir de consulta aos organogramas das
instituições abrangidas pela pesquisa, disponíveis nos respectivos sítios na
internet. Por esse critério, o roteiro de entrevista foi aplicado a uma amostra
selecionada por conveniência e, portanto, não é representativa da população,
embora possa representar um recorte real do objeto estudado, já que abrangeu
integrantes das diferentes instituições. Inicialmente, havia a intenção de
realizar 18 entrevistas, divididas igualitariamente entre os integrantes de
três instituições. Entretanto, devido à dificuldade de agenda de alguns dos
entrevistados, foram realizadas 17 entrevistas.
Essas entrevistas foram aplicadas individualmente a um conjunto de atores que
formulam políticas orçamentárias, analisam e emitem pareceres acerca da
conformidade ou não de despesas amparadas por crédito extraordinário em relação
aos pressupostos da imprevisibilidade e da urgência. Também foram entrevistados
especialistas que militam na área de orçamento público e contabilidade pública.
Assim, as entrevistas foram respondidas por integrantes da Comissão Mista de
Planos, Orçamento Público e Fiscalização (CMO), do Congresso Nacional; da
Secretaria de Orçamento Federal (SOF); do Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão (MPOG); por Consultores de Orçamento da Consultoria de Orçamento,
Fiscalização e Controle do Senado Federal (CONORF), por Consultores de
Orçamento da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara de
Deputados (COFF) e por Especialistas da área de Orçamento e Contabilidade
Pública da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP).
As entrevistas foram agendadas previamente por telefone e/ou e-mail. Antes de
iniciar cada entrevista, foi entregue um roteiro contendo as questões
formuladas, precedidas de um texto motivador, além de instruções de como a
entrevista iria transcorrer. Também, nesse momento, o entrevistado era alertado
quanto à garantia do sigilo acerca de seus nomes.
As entrevistas transcorreram em clima de cordialidade e foram realizadas no
lugar, dia e horário de preferência do entrevistado. Antes de proceder às
perguntas, informou-se aos entrevistados que a entrevista seria conduzida de
forma não diretiva, com pouca interferência do entrevistador. Esse modo de
condução visou minimizar a influência pesquisador-pesquisado, buscando maior
rigor à pesquisa. Assim, os entrevistados foram estimulados a apresentar suas
opiniões de maneira franca e aprofundada, sem a interrupção do pesquisador,
salvo para esclarecimento de eventuais dúvidas. As respostas dos entrevistados
foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Essas operações resultaram em
mais de sete horas de gravação e 109 páginas transcritas, buscando-se, dessa
forma, a integridade das informações.
Para examinar as respostas colhidas por meio das entrevistas, utilizou-se a
técnica de análise de conteúdo. Nesse sentido, primeiramente se agruparam as
respostas por temas e, em seguida, utilizou-se da categorização a fim de
classificar os dados em unidades de registros sobre um título genérico e com
características comuns.
No que se refere aos temas, para a análise dividiu-se a pesquisa em quatro
itens: Tema 1 - utilização sistemática de crédito extraordinário; Tema 2
- entendimento quanto aos pressupostos constitucionais de
imprevisibilidade e urgência; Tema 3 - indícios de disfunções na
elaboração e execução do orçamento ordinário; e Tema 4 - consequências da
utilização de créditos extraordinários no Brasil. No que tange às categorias
utilizadas na pesquisa surgiram naturalmente da análise das entrevistas,
levando-se em consideração as características comuns identificadas entre as
diferentes respostas. A utilização da categorização teve como objetivo fornecer
uma representação simplificada dos dados brutos.
A fim de complementar as informações obtidas por meio das entrevistas, também
foram coletados dados sobre crédito extraordinário disponíveis na internet, no
Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi); no sistema Siga Brasil,
no sítio do Congresso Nacional (CN); e no sítio da Presidência da República.
Com o objetivo 0de afastar a possibilidade do cômputo em dobro que pode
decorrer dos créditos extraordinários, optou-se por considerar os valores
desses créditos como abertos e utilizados dentro do mesmo exercício financeiro.
4. RESULTADOS E ANÁLISES
A análise aqui apresentada está organizada de acordo com o eixo temático
exposto na seção anterior e abarca os quatro grandes temas da pesquisa de
campo: Tema 1 - utilização sistemática de crédito extraordinário; Tema 2
- entendimento quanto aos pressupostos constitucionais de
imprevisibilidade e urgência; Tema 3 - indícios de disfunções na
elaboração e execução do orçamento ordinário; e Tema 4 - consequências da
utilização de créditos extraordinários no Brasil.
4.1. Tema 1 - Utilização sistemática de crédito extraordinário
No Tema 1, foram identificados as razões e os principais fatores que levam o
Governo Federal à utilização sistemática de crédito extraordinário. Com relação
a essas razões, identificaram-se sete categorias de respostas: Celeridade;
Efetividade; Ausência de contraditório; Abrangência dos objetivos dos créditos
extraordinários; Demora na tramitação no Congresso Nacional (CN); Deficiência
no planejamento; e Falta de flexibilidade.
Pelas respostas obtidas, em relação a esse grupo de categorias, a utilização
contumaz do crédito extraordinário possui mais aspectos negativos do que
positivos. Como positivos, o crédito extraordinário foi descrito como um
mecanismo de ação rápida e tempestiva com que conta o Governo Federal para
promover alterações no orçamento e liberar recursos de maneira mais célere.
Também foi visto como um instrumento dotado de efetividade, uma vez que, aberto
por medida provisória, já pode ser imediatamente executado, ou seja, já é
possível realizar o gasto.
Todavia, pela ótica negativa, a abertura sistemática de crédito extraordinário
foi vista como elemento que impede a discussão no parlamento acerca da alocação
de recursos, vez que a execução imediata desses créditos independe da opinião
do Congresso Nacional. Com a crescente utilização desse tipo de crédito, houve
uma banalização desse instrumento, o que proporcionou, em razão de sua
utilização em situações mais amplas, uma fuga dos objetivos constitucionais
inicialmente previstos.
De outro lado, o uso sistemático do crédito extraordinário acaba evidenciando a
deficiência do Governo Federal em planejar suas ações futuras. Em razão disso,
há necessidade de alterar-se o orçamento diversas vezes no curso de sua
execução, seja por meio de créditos extraordinários, que lhe é mais
conveniente, seja por meio dos créditos suplementares e especiais. Aliás, essas
características encontram amparo tanto na teoria do orçamento repetitivo quanto
na do orçamento incremental descrita por Wildavsky (2002) e Caiden e Wildavsky
(2003), apesar de não mais viver o Brasil no nível de incerteza e instabilidade
descritas por aqueles autores.
Identificou-se, ainda, que o uso sistemático do crédito extraordinário pelo
Governo Federal é potencializado em função da demora da tramitação de outras
modalidades de crédito (especial e suplementar) que são veiculados por projeto
de lei. A inexistência de rito abreviado, até mesmo quando se trata de MP, é
outro argumento utilizado para o uso mais acentuado do crédito extraordinário.
Outra razão desse uso contumaz repousa no fato de o orçamento brasileiro ser
excessivamente detalhado e de baixa flexibilidade na sua fase de execução. Por
essa visão, caso o orçamento federal possuísse autorizações orçamentárias mais
amplas, que permitissem ao gestor realizar a transposição de recursos de uma
área para outra, de acordo com o andamento de cada programa, não haveria
necessidade de recorrer-se ao mecanismo da medida provisória para abrir crédito
extraordinário. No Quadro_2 encontra-se o resumo sobre o Tema 1.
Com relação aos principais fatores causadores da abertura de crédito
extraordinário pelo Governo Federal, identificaram-se sete categorias de
respostas: Facilidade e conveniência; Baixa resistência no Congresso;
Motivações políticas; Falta de flexibilidade; Deficiência do planejamento;
Demora da tramitação no Congresso Nacional; e Redefinição de prioridades
(Quadro_3).
Da análise desses fatores, apontados pelos entrevistados, infere-se que o
crédito extraordinário é um instrumento conveniente e de fácil utilização pelo
gestor, que pode utilizá-lo a qualquer tempo, permitindo discricionariedade
- a decisão de aplicação dos recursos só depende de quem edita a medida
provisória - e execução imediata. É, também, o crédito extraordinário
utilizado para cumprir acordos, como aumento de salário de servidores (despesa
previsível por natureza), e para fazer frente a despesas de interesse do
governo.
Conta o crédito extraordinário, ainda, com amplo respaldo político, talvez por
permitir acomodação de pressões políticas que terminam viabilizando
entendimentos positivos entre os atores envolvidos, ainda mais nos casos em que
o chefe do Poder Executivo tem maioria frágil no Congresso Nacional. A falta de
flexibilidade foi descrita pelos entrevistados como sendo fruto do excessivo
detalhamento do orçamento e da baixa flexibilidade gerencial, percebidos desde
o Plano Plurianual (PPA), que deveria ser um plano estratégico e acaba por
definir até o nível de ação, além de fixar valores para um período de quatro
anos. Segundo eles, esse engessamento força o Governo Federal a buscar
instrumentos que permitam ajustes rápidos do orçamento. Nesse caso, o crédito
extraordinário, vez que não necessita de aprovação a priori do Congresso
Nacional.
Ainda segundo os entrevistados, a facilidade em utilizar esse tipo de crédito
acaba por deixar transparecer a incapacidade do governo em planejar suas ações
futuras. Essa utilização ampla e frequente aponta para a necessidade de se ter
rito diferenciado, mais ágil, para aprovação dos demais tipos de créditos
orçamentários (especial e suplementar), para que o Poder Executivo não veja no
crédito extraordinário uma solução prática para todos os seus problemas
orçamentários.
Outro fator destacado foi a necessidade de redefinição de prioridades no
orçamento por parte dos atores envolvidos. O crédito extraordinário acaba por
transformar-se em remédio encontrado para compatibilizar as novas prioridades
com o orçamento em execução, no menor tempo possível. Esse fator, entretanto,
acaba por ressaltar a dificuldade de elaboração de planejamento criterioso pelo
governo, além de sugerir a tibieza do Congresso Nacional ao aceitar ficar à
margem das discussões das políticas públicas.
4.2. Tema 2 - Entendimento quanto aos pressupostos de imprevisibilidade e
urgência
No Tema 2, procurou-se identificar o entendimento entre os entrevistados acerca
do significado das expressões constitucionais imprevisibilidade e urgência,
necessários à abertura do crédito extraordinário, bem como o grau de aderência
das medidas provisórias que abriram créditos extraordinários nos últimos anos a
esses pressupostos constitucionais.
Com relação ao significado das expressões constitucionais imprevisibilidade e
urgência, pressupostos constitucionais à abertura do crédito extraordinário,
verificou-se que podem ser agrupadas em duas categorias, vez que foram
descritas pelos entrevistados com o sentido de Inesperado e excepcional e de
Imediato.
Nas duas primeiras acepções, a expressão imprevisibilidadesignificaria um
evento que foge à capacidade humana de prever. Uma situação anômala,
excepcional e inesperada. Entretanto, um dos entrevistados ressaltou que o
campo semântico das expressões imprevisibilidade e urgência, como postas na
Constituição Federal, não deixou margem para necessidades econômicas
inesperadas.
Quanto à expressão urgência, o seu significado foi descrito como uma
necessidade de ação rápida e imediata do Estado para fazer frente a despesas
inadiáveis, ou seja, nas palavras de um dos entrevistados: "urgente é a
possibilidade de se abrir o crédito hoje e gastá-lo ontem, na pior das
hipóteses, amanhã". No Quadro_4 encontra-se o resumo sobre o Tema 2.
Com relação ao grau de aderência aos pressupostos constitucionais da
imprevisibilidade e da urgência das medidas provisórias que abriram créditos
extraordinários, identificaram-se três categorias: Muitas desobedecem, Poucas
desobedecem, e Não há como medir, resumidas no Quadro_5.
Para 70,59% dos entrevistados, os requisitos constitucionais de
imprevisibilidade e urgência não são obedecidos pelo Governo Federal ao abrir
créditos extraordinários. Apenas um entrevistado afirmou que a abertura dos
créditos extraordinários obedece aos requisitos constitucionais de
imprevisibilidade e urgência, enquanto para 17,65% dos entrevistados não há
como medir se os requisitos constitucionais de imprevisibilidade e urgência são
obedecidos ou não pelo Governo Federal ao abrir créditos extraordinários.
Com base nas respostas obtidas dos entrevistados e condensadas no Tema 2,
levantaram-se todas as medidas provisórias que abriram créditos extraordinários
no período de 1995 a 2010. Após esse levantamento, classificou-se cada crédito
aberto segundo o entendimento de imprevisibilidade e urgência demonstrado pelos
entrevistados (Tabela_1).
Como se pode verificar, os resultados apontam para a desobediência aos
pressupostos constitucionais. Salvo os anos de 2000 e de 2009, em que os
percentuais de despesas consideradas imprevisíveis e urgentes ficaram em 18% e
10%, nos demais casos, de maneira geral, 100% dos créditos extraordinários
abertos por medida provisória, no período compreendido entre janeiro de 1995 e
dezembro de 2010, não obedeceram aos requisitos constitucionais da
imprevisibilidade e da urgência.
Esses dados também confirmam a preocupação do STF de que os pressupostos da
imprevisibilidade e da urgência não estariam sendo observados na abertura de
créditos extraordinários. Como demonstrado, praticamente 100% dos créditos
extraordinários abertos nos últimos 16 anos não obedeceram aos ditames
constitucionais, o que poderia configurar crime de responsabilidade, conforme
assevera Harada (2008).
4.3. Tema 3 - Indícios de disfunções na elaboração e execução do
orçamento ordinário
No Tema 3, identificaram-se disfunções na elaboração e na execução do orçamento
e no processo de aprovação dos créditos extraordinários. Em relação a essas
disfunções, foi possível agrupar as respostas dos entrevistados em duas
categorias: Existência de Orçamento Paralelo e Possibilidade de Contratação de
Empresas sem Licitação. Essas duas categorias foram, ainda, subdivididas, o que
permitiu colher respostas do tipo dicotômico sim e não, e do tipo tricotômico,
sim, não, e não sabe, resumidas no Quadro_6.
Para 64,70% dos entrevistados, a abertura de crédito extraordinário cria uma
espécie de orçamento paralelo, na medida em que se abrem créditos vultosos sem
a participação a priorido Congresso Nacional, enquanto para 23,53% dos
entrevistados não há que se falar em orçamento paralelo. Quanto à Possibilidade
de Contratação de Empresas sem Licitação, para 35,29% dos entrevistados a
utilização crescente do crédito extraordinário pode ensejar a contratação de
empresas sem licitação, enquanto para 41,17% dos entrevistados a simples
abertura do crédito extraordinário não seria suficiente para a contração por
dispensa de licitação. Já 23,53% dos entrevistados não souberam opinar ou
simplesmente deixaram de emitir opinião.
Em relação ao processo de aprovação dos créditos extraordinários,
identificaram-se três categorias de respostas: Aprovação Inócua pelo Congresso
Nacional; Rito Ordinário de Tramitação; e Decisão Política. Com base nessas
respostas, pôde-se inferir que, em decorrência da possibilidade de execução
imediata do crédito extraordinário, a partir da edição da MP, a deliberação
a posteriori do parlamento é vista como inócua, pois a MP passa a produzir
efeitos imediatos e as despesas já podem ser prontamente realizadas. Assim, na
decisão para abertura desse tipo de crédito pelo Poder Executivo, em sua
maioria os aspectos técnicos acabam sendo sobrepujados pelos aspectos
políticos. Ainda segundo os entrevistados, o Presidente da República, em última
análise, é quem avoca para si a responsabilidade pelas características
constitucionais da medida provisória. O mesmo tratamento político repete-se no
Poder Legislativo ao aprovar a MP. As Notas Técnicas elaboradas pelos
Consultores de Orçamento não emitem opinião conclusiva, exatamente em razão da
precedência dos aspectos políticos sobre os aspectos técnicos. As respostas dos
entrevistados parecem corroborar o entendimento exposto por Peters (1995), de
que as decisões sobre a alocação de recursos acabam sendo inerentemente
políticas, ficando a racionalidade à margem do processo de alocação de
recursos.
Em complemento ao Tema 3, procurou-se saber o que poderia ser feito para
melhorar o controle e o acompanhamento da abertura dos créditos
extraordinários, isto é, o que poderia ser feito para aperfeiçoar esse
instrumento. As respostas dadas pelos entrevistados foram agrupadas em três
categorias: Restringir o uso de medida provisória (MP) e Tornar a legislação
mais clara; Aperfeiçoar o rito de análise no Congresso Nacional; e
Flexibilidade.
Em síntese, apontou-se que uma possibilidade de controle e aperfeiçoamento da
utilização dos créditos extraordinários seria restringir-lhe o uso aos casos
previstos na Constituição, bem como editar a Lei Complementar, prevista no
artigo 163 da CF de 1988, para regular, de forma mais clara, as situações de
imprevisibilidade e de urgência nas quais caberia a abertura de crédito
extraordinário. Outra medida que poderia surtir efeito seria o melhor uso da
fase de admissibilidade da MP pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, seria
analisado inicialmente o atendimento dos pressupostos da imprevisibilidade, da
urgência e da relevância. Essa análise deveria ser feita o mais rápido
possível, dentro de 24 ou 48 horas. Outra providência importante seria tornar o
trâmite dos créditos especiais e suplementares mais céleres, a fim de
transformá-los em instrumentos eficazes a prover os ajustes orçamentários que
se fizerem necessários.
Também seria necessário instituir um modelo de planejamento que viabilize menor
detalhamento e seja capaz de dar tratamento adequado e flexível a despesas que,
embora sem as características da imprevisibilidade e da urgência, necessitam
ser realizadas. No caso dos investimentos que ultrapassem um exercício social,
a plurianualidade orçamentária, por exemplo, poderia corrigir os problemas
causados pela não aprovação tempestiva do orçamento pelo Congresso Nacional. As
informações encontram-se resumidas no Quadro_7.
4.4. Tema 4 - Consequências da utilização de créditos extraordinários no
Brasil
No Tema 4, foram identificadas as principais consequências positivas e
negativas da utilização frequente de créditos extraordinários, bem como a
possibilidade da existência de elementos que possam complicar ou facilitar a
elaboração e a execução do orçamento ordinário. Quanto às consequências da
utilização frequente do crédito extraordinário, identificaram-se cinco
categorias, que, dada a natureza das respostas, foram subdivididas em
categorias positivas e negativas.
A Categoria negativa foi subdividida em: Ausência de discussão no Congresso
Nacional; Deficiência no planejamento; Perda de oportunidade; e Desequilíbrio
entre os poderes; ou seja, quatro categorias negativas. Na visão dos
entrevistados integrantes do Poder Legislativo, a abertura frequente de crédito
extraordinário por meio de MP acarreta perda de prerrogativa constitucional do
Congresso Nacional em discutir a alocação de recursos públicos, o que leva ao
enfraquecimento do Poder Legislativo, além de atrapalhar a produção legislativa
como um todo. Entrevistados, tanto do Poder Legislativo quanto do Poder
Executivo, apontaram, ainda, a deficiência no planejamento como uma
consequência da utilização frequente de créditos extraordinários. Para eles, a
deficiência do governo em planejar suas ações futuras acaba levando à
utilização de uma medida que deveria ser excepcional para resolver seus
problemas de planejamento.
Como positivo, identificaram-se somente a possibilidade de execução imediata e
a flexibilidade para ajustar a execução orçamentária. Isso visto apenas pelos
integrantes do Poder Executivo.
Como se verifica, foram identificados mais itens negativos do que positivos.
Segundo os entrevistados, a abertura frequente de créditos extraordinários por
meio de MP, além de atrapalhar a produção legislativa do Congresso Nacional,
subtrai parte das competências do Poder Legislativo e torna o Poder Executivo
formulador e executor das políticas públicas. Esse uso irrestrito do crédito
extraordinário como instrumento de reformulação do orçamento evidencia, de
certa forma, a fragilidade do sistema de planejamento do Governo Federal que,
ao modificar sistematicamente o orçamento, acaba por distorcer as programações
que foram discutidas e aprovadas pelo Poder Legislativo.
Quando se abre um crédito extraordinário, em razão da autoexecutoriedade
intrínseca da MP, ele pode ser executado imediatamente, criando obrigações para
o Estado junto a terceiros, mesmo pendente de aprovação por parte do Congresso
Nacional. Essa situação é vista por alguns dos entrevistados como um fator que
compromete seriamente o funcionamento do Congresso Nacional, que termina por
debruçar-se, sem necessidade e de forma absolutamente improdutiva, durante
vários meses sobre matérias que já foram resolvidas antes mesmo de chegarem ao
parlamento.
Por fim, segundo o entendimento de um dos entrevistados, o uso da MP para abrir
crédito extraordinário que não obedece aos requisitos constitucionais sobrepõe
competências do Poder Legislativo, similar à situação vista no período
ditatorial ao qual foi submetido o País por mais de 20 anos. No Quadro_8,
encontra-se o resumo do Tema 4.
Quanto aos efeitos complicadores ou facilitadores para a elaboração e a
execução do orçamento ordinário, em decorrência do uso contumaz do crédito
extraordinário, identificaram-se quatro categorias de análise: Prejudica o
processo de orçamentação; Facilita a execução pelo Executivo; Não facilita, nem
prejudica; e Decisão unilateral do Executivo.
Com base nas respostas obtidas, depreende-se que a abertura contumaz de crédito
extraordinário pelo Governo Federal é vista, por alguns, como elemento
complicador no que se refere ao processo de elaboração e execução do orçamento.
Isso se explica em virtude de as despesas concorrerem com a mesma base de
receita. Em decorrência da prioridade de execução dada ao crédito
extraordinário, ele acaba tornando-se uma espécie de orçamento paralelo ou,
pelo menos, uma forma de despesa privilegiada. Gozando o status de despesa
privilegiada e levando-se em consideração a necessidade de se alcançar e manter
a meta de superávit primário, pode ser necessário cancelar dotações constantes
da Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovadas pelo Congresso Nacional, para que a
meta seja cumprida. Consignar dotações por meio de créditos extraordinários
seria, pois, garantir a execução de determinado programa.
É de se notar, entretanto, que o desvirtuamento na utilização do crédito
extraordinário desmoraliza o orçamento e torna a LOA um processo inócuo, vez
que parte das despesas acaba por ser definida unilateralmente, ou seja, o Poder
Executivo estabelece a prioridade e diz no que vai gastar, em detrimento do que
já constava do orçamento.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme os objetivos propostos para este estudo pode-se constatar que, visto
de uma ótica mais operacional, o governo acaba se utilizando frequentemente do
crédito extraordinário devido, principalmente: à sua celeridade, sendo um
instrumento tempestivo; à sua efetividade, podendo ser executado imediatamente;
à demora da tramitação no Congresso Nacional para aprovar os créditos
suplementares e especiais; e à falta de flexibilidade para se ajustar o
orçamento sem ter que se recorrer ao Poder Legislativo.
Por outro lado, visto de uma ótica mais política e de controle, constatou-se
que a utilização frequente do crédito extraordinário distancia o Poder
Legislativo de parte das decisões na alocação de recursos, ocorrendo, pois,
ausência de contraditório e decisão unilateral por parte do Poder Executivo. Em
relação ao entendimento existente quanto ao significado dos pressupostos
constitucionais da imprevisibilidade e da urgência, apurou-se que o termo
imprevisibilidade estaria relacionado a um evento que foge à capacidade humana
de prever uma situação anômala, excepcional e inesperada. Quanto à expressão
urgência, o seu significado foi descrito como uma necessidade de ação rápida e
imediata do Estado para fazer frente a despesas inadiáveis.
Com base nesse entendimento, apurou-se que praticamente 100% dos créditos
extraordinários abertos por medida provisória entre 1995 e 2010 não obedeceram
aos requisitos constitucionais da imprevisibilidade e da urgência. Apenas nos
anos de 2000 e 2009 é que esse percentual ficou abaixo de 96%. Esse resultado
corroborou o sentimento do STF de que os pressupostos da imprevisibilidade e da
urgência não estariam sendo observados na abertura de créditos extraordinários.
Essa desobediência é preocupante na medida em que pode configurar crime de
responsabilidade praticado pelo Presidente da República por atentar contra a
lei orçamentária, como previsto no artigo 85, inciso VI, da CF de 1988.
Constatou-se, ainda, forte influência política na alocação dos recursos
públicos em detrimento a um processo de escolha que possuísse bases racionais,
bem como indícios da prática do orçamento repetitivo, descritos por Caiden e
Wildavisky (2003) como característica peculiar de países pobres, carentes de
estabilidade econômica e política em contradição, por exemplo, ao orçamento
incremental.
Como limitações da pesquisa, ressalta-se o número de entrevistados, 17, que
pode ser considerado relativamente baixo. Contudo, os atores entrevistados, por
estarem envolvidos no processo de formulação, aprovação e controle das
políticas orçamentárias, são capazes de fornecer um recorte significativo da
realidade. Destaca-se, ainda, a carência de estudos realizados acerca do tema,
a despeito de alguns poucos trabalhos acadêmicos, o que levou a realizar uma
revisão bibliográfica fortemente baseada em normas, mas isso não diminui a
importância da pesquisa.
Sugerem-se, como estudos complementares a esta pesquisa: investigar
empiricamente a possibilidade de o crédito extraordinário estar sendo utilizado
para fugir ao processo licitatório; e utilizar métodos quantitativos para
verificar a possível existência de relacionamento entre variáveis como Produto
Interno Bruto (PIB), dívida pública, superávit primário, período eleitoral,
entre outras, com a variável crédito extraordinário.