Atração e desligamento voluntário de jovens empregados: um estudo de caso no
setor jornalístico
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a indústria de mídia vem passando por uma série de
transformações, muitas delas decorrentes das inovações tecnológicas que
trouxeram novas possibilidades para o consumo de informação – desde o
surgimento da Internet, passando pelo fenômeno das redes sociais e pelo
lançamento dos e-readers e tablets. Muitos debates têm sido realizados em torno
desse assunto, especialmente em relação à mídia impressa. Seriam os jornais
capazes de reinventar-se e de sobreviver? Meyer_(2007) afirma que as novas
tecnologias tiveram um impacto significativo sobre o modelo de negócios dos
jornais, colocando em risco a té mesmo empresas consagradas do setor. Do ponto
de vista mercadológico, emergem questões estratégicas para os jornais
impressos: como responder rapidamente às novas formas de consumo de informação?
Como competir com os novos concorrentes? Como buscar inovação e modelos de
negócios rentáveis?
Igualmente importante é compreender a cultura organizacional como fator
estratégico. Para Schein_(1982), as pessoas são os alicerces da cultura de uma
empresa e, por influência do ambiente e das relações internas e externas, podem
mantê-la ou conduzir processos de mudança. Sob a perspectiva da cultura
organizacional, também surgem questões fundamentais: Como criar um ambiente
interno propício à mudança? Como construir uma cultura organizacional orientada
para os novos desafios do negócio?
Tendo esse contexto como pano de fundo, o presente estudo de caso foi
desenvolvido numa grande empresa do setor jornalístico que tem buscado fomentar
uma mudança de cultura organizacional e renovar seu quadro funcional,
investindo na atração de jovens. Os dois objetivos centrais do trabalho foram
investigar fatores de atração e compreender aspectos que influenciaram o
desligamento voluntário de jovens profissionais. Para tanto, foram realizadas
17 entrevistas em profundidade com ex-empregados pertencentes à geração Y que
optaram por deixar a empresa após um período de pelo menos um ano de trabalho.
Grande tem sido o interesse – tanto no meio acadêmico quanto no ambiente
corporativo – pela dificuldade de retenção de jovens da geração Y. Visando
contribuir com as pesquisas nacionais em torno do tema, neste estudo de caso
apresenta-se um problema real de atração e rotatividade desse tipo de
profissional em uma empresa brasileira. Do ponto de vista prático, destaca-se a
relevância deste trabalho, cuja proposta é elucidar possíveis causas da
rotatividade, de forma a orientar o desenvolvimento de políticas mais efetivas
de retenção.
2. CONTEXTO
Como o estudo de caso foi desenvolvido numa empresa do setor jornalístico,
inicia-se esta seção com um panorama e o atual contexto dessa indústria. Em
seguida são detalhadas as características da empresa estudada, com foco na
questão da rotatividade voluntária de jovens da geração Y.
2.1. Uma indústria em transformação
Neste primeiro bloco, traça-se um panorama da indústria de mídia impressa, na
qual a empresa-alvo deste estudo está inserida.A mídia impressa é considerada
uma mídia tradicional e tem perdido espaço para as chamadas mídias emergentes,
que incluem Internet, celular, games, tocadores digitais de áudio e vídeo e
tablets (Coulter_&_Sarkis,_2005). Segundo Beckett_(2008), houve um tempo em
que a difusão de textos, sons e imagens era atividade exclusiva de grandes
empresas capazes de arcar com altos custos de produção, impressão, filmagem,
gravação e distribuição. Nos últimos anos, blogs, página s pessoais e
ferramentas de compartilhamento de dados fizeram de qualquer usuário da
Internet um produtor de conteúdo em potencial. Ocorreu, assim, uma quebra de
monopólio, que forçou as empresas de mídia a repensar o relacionamento com seus
leitores, espectadores e ouvintes, hoje marcado por uma aproximação cada vez
maior.
Essas e outras transformações evidenciam uma mudança de paradigma na indústria
midiática. Jenkins_(2009) explora o conceito de convergência para representar a
mudança no modo como são encaradas as relações com as mídias. Para o autor, a
convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica e,
portanto, não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que possam
ser. Aconvergência ocorre nos cérebros de consumidores individuais e em suas
interações sociais com outros. Se o paradigma da revolução digital presumia que
as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente paradigma da convergência
presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais
complexas (Jenkins,_2009).
Nesse sentido, a atual revolução tecnológica implica de safios e oportunidades
para a mídia tradicional. O volume e a atualização de informações na Internet,
por exemplo, não têm paralelo, mas isso não significa o fim da relevância dos
jornais. Os jornais em papel continuam sendo um importante veículo para
divulgar eventos do cotidiano, mas a convergência exige que as empresas de
mídia repensem antigas suposições. O acesso às mídias emergentes – notadamente
mais interativas – democratizou-se e o usuário passou de espectador passivo a
leitor ativo, responsável pelo fomento do conteúdo, do debate e da pluralização
do conhecimento.
Outro fator que preocupa os executivos da indústria de jornais após o
surgimento da Internet é a perda de receitas publicitárias. Segundo Chimenti_
(2010), a ascensão da propaganda on-lineimpactou a publicidade como um todo,
pondo em xeque modelos de negócio consolidados e levando ao surgimento de novas
formas de aferição e remuneração. Se, por um lado, os jornais alcançam mais
consumidores em seus sites de notícia, por outro, o crescente movimento em
direção ao consumo on-line de notícias ainda não se converteu, da mesma
maneira, em geração de receitas.
Com relação ao mercado brasileiro, cumpre registrar que houve aumento no número
de jornais impressos e expressivo crescimento da circulação total diária,
especialmente a partir de 2004 e após um período de contração verificado entre
2000 a 2003. Silva_(2011) observa a importância dos jornais populares no
Brasil, citando como exemplo o jornal mineiro Super Notíciae o carioca Extra,
que alcançaram segmentos sociais de rendas média e baixa, antes praticamente
excluídos desse mercado. Mesmo diante de bons índices de circulação, as
inovações tecnológicas, a mudança no perfil do consumo de informação, o
encolhimento da receita publicitária e o surgimento dos jornais gratuitos têm
exigido uma reorientação estratégica, fazendo com que a empresa-alvo deste
estudo identificasse a necessidade de rever sua cultura, conforme discutido a
seguir.
2.2. A empresa estudada
Para responder aos novos desafios do mercado, a empresa-alvo do estudo de caso
precisou rever não apenas sua missão e estratégia de atuação, como também
aspectos relacionados a sua cultura organizacional. Nesse sentido, ficou clara
a necessidade de mudanças em sua visão sobre o negócio, em processos inter-nos
e em crenças estabelecidas, o que também exigiu a promoção de uma renovação em
seu quadro de funcionários, que se daria pela inserção de profissionais mais
jovens e com diferentes perfis.
A organização – uma das principais empresas de mídia no País – contava com
aproximadamente 2.500 funcionários em 2012. Com relação à evolução do quadro de
funcionários por geração, verifica-se que a participação da geração Y aumentou
em quase 10 pontos percentuais entre 2008 e 2011. A geração X vem perdendo
espaço, enquanto os baby boomers têm se mantido estáveis nos últimos quatro
anos (Tabela_1).
Tabela 1 Evolução do Quadro Funcional por Geração
Geração Data de Nascimento (*) 2008 2009 2010 2011
% % % %
Maduros Antes de 1945 0,3 0,4 0,4 0,2
Baby Boomers Entre 1946 e 1964 21,8 21,3 19,2 18,2
Geração X Entre 1965 e 1978 48,0 46,7 44,7 42,5
Geração Y Entre 1979 e 1994 29,8 31,6 35,7 39,1
Nota:
(*)Com base na classificação geracional proposta por Smola_e_Sutton_(2002).
Outro dado interessante refere-se ao total de desligamentos voluntários e
involuntários por geração, conforme apresentado na Tabela_2. No período
analisado, observa-se que são empregados da geração Y os que mais deixaram a
empresa, chegando a 61% do total de desligamentos em 2011 – dos quais 57% foram
voluntários.
Tabela 2 Distribuição dos Desligamentos por Geração
Geração Data de Nascimento (*) 2008 2009 2010 2011
% % % %
Baby Boomers Entre 1946 e 1964 9,4 13,6 10,8 7,5
Geração X Entre 1965 e 1978 35,5 37,9 30,0 31,1
Geração Y Entre 1979 e 1994 55,1 48,5 59,2 61,4
Nota:
(*)Com base na classificação geracional proposta por Smola_e_Sutton_(2002).
Cumpre ainda destacar que a empresa lançou um novo programa de estágios em
2008, com o objetivo de atrair, selecionar e desenvolver jovens profissionais.
Acada ano,a comunicação do programa tem enfatizado a busca por jovens
conectados, inquietos, curiosos e criativos. O desafio de competir em um
mercado cada vez mais multimídia e a necessidade de renovar seu quadro
funcional são alguns aspectos que fazem com que haja especial interesse na
atração e na retenção de integrantes da geração Y.
3. REFERENCIAL TEÓRICO
A fundamentação teórica para a pesquisa foi dividida em três blocos. O primeiro
é destinado à discussão sobre a chamadageração Y, foco deste estudo, e suas
perspectivas de trabalho e carreira. Em seguida são abordados os desafios que
as organizações enfrentam para atrair e reter profissionais, com ênfase nos
conceitos de marca empregadora (employment brand) e de congruência de valores
ou encaixe pessoa-organização (person-organization fit). No terceiro bloco,
tendo em vista os desafios enfrentados pela empresa pesquisada, são abordados
os conceitos de cultura organizacional e de socialização organizacional.
3.1. Geração Y, trabalho e carreira
Nos últimos anos, a crescente inserção de jovens da chama da geração Y no
mercado de trabalho e os desafios associados a sua atração e retenção (Twenge,
Campbell,_Hoffman,_&_Lance,_2010) têm alimentado a discussão a respeito de
suas atitudes e comportamentos e dos possíveis impactos sobre a dinâmica do
ambiente laboral (Smola_&_Sutton,_2002). No Brasil, Barreto,_Silva,
Fischer,_Dutra,_Veloso_e_Amorim_(2010) apontam que a gestão dessa nova geração
é considerada um dos grandes desafios para a área de recursos humanos nos
próximos anos.
O principal pressuposto dos estudos sobre gerações é o de que os valores de
cada uma delas seriam definidos, em grande medida, pelos eventos históricos e
sociais que marcaram sua fase de amadurecimento. Por causa do poder e da
influência desses eventos compartilhados, cada geração desenvolveria um
conjunto específico de crenças e atitudes que orientaria o comportamento de
seus membros (Smola_&_Sutton,_2002 ; Twenge_et_al.,_2010). No entanto, é
importante ressaltar que há muitos questionamentos à abordagem de que todos os
membros de uma mesma geração experimentam tais eventos da mesma maneira.
Fatores como raça, etnia, gênero e classe social tam bém interferem
significativamente nas experiências de vida edeveriam ser levados em
consideração (Rocha-de-Oliveira,_Piccinini_&_Bitencourt,_2012). Outro
problema diz respeito à divergência sobre os limites que definem cada geração
(Smola_&_Sutton,_2002 ; Veloso,_Dutra_&_Nakata,_2008).
Além disso, pesquisas sobre gerações, conduzidas no campo da administração,
possuem importantes limitações. Muitas evidências são baseadas unicamente em
estudos qualitativos e, nas pesquisas quantitativas, predominam as de caráter
transversal, dificultando a separação dos efeitos geracionais daqueles
associados à idade e/ou ao estágio da carreira (Twenge,_2010). No caso
brasileiro, não há registro de estudos longitudinais sobre os valores das
diferentes gerações e, além disso, os trabalhos conduzidos com amostras
nacionais têm utilizado definições e delimitações desenvolvidas nos Estados
Unidos, o que também tende a ser problemático (Cordeiro,_2012; Rocha-de-
Oliveira_et_al.,_2012).
A despeito dessas questões de ordem teórica e metodológica, alguns pontos vêm
sendo destacados quanto às características da geração Y. Veloso_et_al.(2008),
por exemplo, ressaltam que essa é primeira geração totalmente imersa na
interatividade e no mundo digital e que, por isso, seus representantes parecem
lidar mais naturalmente com as rápidas mudanças no ambiente e nos meios de
comunicação. Para Lombardia,_Stein_e_Pin_(2008), os jovens da geração Y não
desenvolveram a paciência e a laboriosidade, sendo voltados para a ação e o
curto prazo. Num estudo longitudinal com estudantes do ensino médio dos Estados
Unidos, abrangendo três diferentes gerações, Twenge_et_al.(2010) encontraram
evidências de que essa nova geração, relativamente às duas anteriores, tende a
preferir atividades profissionais que permitam maior equilíbrio com a vida
pessoal – aspecto também identificado por Smola_e_Sutton_(2002).
Outro ponto que tem sido destacado diz respeito às transfor mações ocorridas no
ambiente de trabalho (Cappelli,_1999) e sua influência sobre a perspectiva dos
jovens, que parecem tercada vez mais consciência da necessidade de estar sempre
atualizados (Oliveira,_2011). Com relação à aspiração de carreira desses
jovens, Cavazotte,_Lemos_e_Viana_(2012) identificaram uma combinação de novas
perspectivas – busca por prazer e desafios profissionais, além de maior
flexibilidade e melhor equilíbrio vida-trabalho – com anseios também
compartilhados pelas gerações anteriores, tais como a segurança no trabalho, a
valorização de recompensas extrínsecas e o desejo de crescimento vertical na
hierarquia organizacional. O interesse pela construção de uma carreira nos
moldes tradicionais – valori zação do emprego formal e do crescimento vertical
– também foi identificado por Oliveira_(2011).
O discurso empresarial tem destacado que esses jovens seriam mais inquietos e
difíceis de permanecer na empresa. No entanto, e em linha com Cavazotte_et_al._
(2012), Twenge_(2010) traz evidências de que os integrantes da geração Y seguem
valorizando a estabilidade, mas, por outro lado, tendem a ser mais receptivos a
novas oportunidades profissionais. Rocha-de-Oliveira_et_al._(2012) propõem que
tal inquietação seria uma resposta à desinstitucionalização do emprego, na
medida em que incerteza, desemprego, vínculos precários e falta de identidade
coletiva podem implicar ausência de perspectivas em relação ao trabalho.
Em estudo realizado por Corseuil,_Foguel,_Gonzaga_e_Ribeiro_(2013), a partir de
dados do mercado de trabalho formal brasileiro, evidencia-se que os jovens, de
fato, mudam de emprego com maior frequência do que os mais velhos,
considerando-se as demissões voluntárias e involuntárias. Os autores revelam
que aproximadamente sete em cada dez jovens trabalhadores desligam-se de seus
postos de trabalho ao longo de um ano, taxa que entre os adultos fica em torno
de 40%. No estudo, também se aponta que a maior parte desses desligamentos é
involuntária, ou seja, por decisão da empresa, mas que os desligamentos
voluntários são mais frequentes entre os jovens do que entre os trabalhadores
adultos (Corseuil_et_al.,_2013). Cumpre ainda observar que, para o conjunto dos
trabalhadores formais brasileiros, o tempo médio de emprego tem se reduzido ao
longo do tempo e atingiu o patamar de 3,9 anos em 2009, resultado que aponta
para maior instabilidade nas relações de trabalho (Dieese, 2011).
3.1.1. Atração, retenção e rotatividade
Tendo em vista esse cenário de maior fragilidade nas relações de emprego
(Cappelli,_1999), as empresas se veem diante de importantes desafios relativos
à atração e à retenção de empregados, especialmente num contexto de escassez de
mão de obra qualificada e de crescente importância das pessoas na obtenção de
vantagens competitivas (Burke_&_Ng,_2006 ; Guthridge,_Komm_&_Lawson,
2008). Enquanto a atração refere-se à capacidade de a organização contratar
profissionais com as competências necessárias à execução do trabalho (Breaugh,
2008), a retenção envolve a permanência de empregados na empresa, minimizando
custos associados à rotatividade. Segundo Cascio_e_Boudreau_(2010), a
rotatividade é definida como a saída definitiva de empregados da empresa e pode
ser voluntária, quando o empregado opta por sair, ou involuntária, quando a
empresa decide pelo desligamento do empregado. Os custos da rotatividade podem
ser diretos, relativos ao desligamento e à reposição do trabalhador; ou
indiretos, associados à redução da produtividade e dos negócios perdidos, tendo
em vista o período de tempo em que a vaga fica em aberto, o treinamento do novo
empregado e possíveis diferenciais de desempenho (Cascio_&_Boudreau,_2010).
Nos debates sobre os temas de atração e retenção, o conceito de marca
empregadora (employment brandou employer brand) tem recebido crescente atenção,
inicialmente no mundo empresarial (CLC, 1999; SHRM, 2008) e, mais recentemente,
também no meio acadêmico (Edwards,_2009; Kim,_Jeon,_Jung,_Lu,_&_Jones,
2012). De acordo com o Corporate_Leadership_Council(CLC,_1999), a competição
pelos melhores talentos torna crucial a construção de uma marca empregadora
forte, amparada por uma proposta de valor para o empregado (employee value
proposition) atraente, diferenciada e alinhada aos objetivos estratégicos da
organização. Ainda segundo o CLC (1999), a proposta de valor para o empregado,
quando adequadamente desenvolvida e praticada, permite que a empresa adquira
reputação como um bom lugar para trabalhar, contribuindo para a construção de
sua marca empregadora. Uma vez estabelecida, a marca empregadora passa a
transmitir sinais para o mercado sobre o tipo de empregado que a empresa deseja
atrair e reter, facilitando a condução desses processos.
Erickson_e_Gratton_(2007) destacam que as organizações que se sobressaem sabem
o que verdadeiramente são e expressam abertamente aquilo que as torna únicas.
Compreendem com clareza seus atuais empregados, contratam pessoas que se
encaixam em seu jeito de ser e, portanto, são capazes de cultivar uma força de
trabalho mais comprometida. Nesse sentido, a compreensão daquilo que torna a
empresa única, e dos atributos mais valorizados pelo tipo de profissional que
deseja atrair e reter, é essencial ao desenvolvimento de uma marca empregadora
que contribua para o sucesso do negócio (CLC, 1999). Por outro lado, o
desalinhamento entre a proposta de valor comunicada e a efetivamente entregue
pode implicar aumento da rotatividade, altos custos com recrutamento e
treinamento, desengajamento e baixa produtividade dos em pregados (SHRM, 2008).
A literatura que trata do encaixe entre a pessoa e o ambiente (person-
environment fit) – com destaque para os encaixes pessoa-trabalho e pessoa-
organização – também tem um importante papel no entendimento dos fenômenos da
atração e da retenção (Cable_& Judge,_1996;Cable_& Parsons,_2001). De
acordo com essa linha de investigação, baseada na perspectiva da psicologia
interacionista, características individuais – como personalidade, valores e
expectativas – interagem com aspectos do ambiente – como normas e sistemas de
incentivos – e influenciam atitudes e comportamentos do indivíduo em dado
contexto (O’Reilly,_Chatman_& Caldwell,_1991).
Pesquisas empíricas têm mostrado que a satisfação e o comprometimento do
empregado, bem como sua permanência na empresa, dependem, em grande medida, de
ele sentir-se competente e desafiado em suas atividades, além de possuir um
sistema de valores que seja congruente com o da organização (Verquer,_Beehr
& Wagner,_2003 ; Kristof-Brown,_Zimmerman_& Johnson,_2005). Da mesma
forma, o interesse de um candidato por uma empresa pode ser parcialmente
explicada pela percepção de alinhamento de seus valores e interesses com o que
a empresa é e/ou com o que o trabalho pode oferecer (Cable_& Judge,_1996;
Carless,_2005 ; Kristof-Brown_et_al.,_2005). Carless_(2005), por exemplo, obteve
suporte às hipóteses de que a percepção de encaixe pessoa-trabalho e pessoa-
organização influencia a atratividade em diferentes fases do processo seletivo.
Cable_e_Judge_(1996), por sua vez, encontraram evidências de que a intensão de
aceitar uma proposta de emprego tinha relação com a percepção de encaixe
pessoa-organização, mas não com o encaixe pessoa-trabalho. Considerando-se a
importância da congruência de valores, na próxima seção discute-se o tema da
cultura organizacional e o papel da socialização no processo de transmissão de
valores e na adaptação do empregado à organização.
3.1.2. Cultura e socialização organizacional
Cultura organizacional pode ser definida como o modo habitual de pensar e agir,
aprendido, aceito e compartilhado pelos empregados de uma empresa (Aktouf,
1994). Hofstede_(1998) acrescenta que a cultura de uma organização é holística,
determinada historicamente, construída socialmente e difícil de mudar. Outro
ponto importante na definição desse construto refere-se aos diferentes níveis
culturais. Schein_(2009) explica que nível é o grau pelo qual o fenômeno
cultural é visível ao observador e aponta a existência de três níveis:
artefatos visíveis, crenças e valores, e pressupostos inconscientes ou
suposições básicas fundamentais.
Com relação ao processo de transmissão da cultura, Harrison_e_Carroll_(1991)
destacam que recrutamento e seleção, socialização e rotatividade seriam três
mecanismos importan tes. Robbins_(2009) aponta, ainda, o papel dos dirigentes
daempresa que, por meio do que dizem e pela forma como se comportam, impactam a
cultura organizacional. No processo de recrutamento e seleção, além de avaliar
a capacidade do candidato para o bom desempenho da função, também é importante
a empresa identificar a aderência entre os valores do indivíduo e os valores da
organização, visando à contratação de empregados que se encaixem na cultura
organizacional vigente ou desejada (Harrison_&_Carroll,_1991).
O processo de socialização, por sua vez, permite que comportamentos, papéis e
valores organizacionais sejam transmitidos, sedimentados e perpetuados junto
aos novos membros da organização (Feldman,_1981; Baker_&_Feldman,_1991 ;
Schein,_2009). Pesquisa conduzida por Cable_e_Parsons_(2001) mostrou que os
empregados que experimentaram maior adequação a suas respectivas empresas foram
aqueles que passaram por táticas de socialização altamente institucionalizadas.
Em teoria, oferecer as primeiras experiências no ambiente de trabalho de forma
estruturada reduz a ambiguidade e incentiva os empregados a aceitarem mais
facilmente os papéis estabelecidos. De forma análoga, evidências mostram que um
processo de socialização inadequado pode levar novos empregados a deixar a
organização, resultando na perda de grande parte dos investimentos envolvidos
em recrutamento, seleção e treinamento desses trabalhadores (Allen,_2006).
Robbins_(2009) entende o processo de socialização como composto das fases de
pré-chegada, encontro e metamorfose, em linha com as proposições de Feldman_
(1976). A pré-chegada refere-se a todo o aprendizado ocorrido antes que o novo
membro faça parte da organização. No estágio do encontro,o empregado recém-
chegado vê como a empresa é de fato e confronta suas expectativas – sobre o
trabalho, os colegas, o chefe e a empresa de maneira geral – com a realidade.
Isso significa passar por mudanças e, portanto, o terceiro estágio é chamado de
metamorfose. O processo de socialização completa-se quando o novo membro se
sente plenamente confortável com o trabalho e a organização ou, em outras
palavras, quando passa a conhecer, compreender e aceitar as normas da empresa e
de seu grupo de trabalho. Se bem-sucedida, a metamorfose tende a ter impacto
positivo sobre a produtividade, a satisfação e o comprometimento (Feldman,
1976; Jones,_1986). Por outro lado, a rotatividade voluntária pode ser
entendida como evidência de problemas nos processos de seleção ou de
socialização (Allen,_2006).
Segundo Kim,_Cable_e_Kim_(2005), quando um novo empregado se junta à
organização, ele geralmente experimenta um choque de realidade e isso ocorreria
por três razões. A primeira é que o novo funcionário precisa lidar com as
diferenças entre suas expectativas e a realidade. Além disso, os novatos ainda
não se sentem confortáveis para interagir e prever as respostas dos outros. Por
fim, as contribuições esperadas do novo empregado não ficam claras no início.
Essa natural dificuldade de adaptação, além dos custos associados à perda de
novos empregados, parece ter estimulado a pesquisa sobre táticas de
socialização, definidas como diferentes métodos que facilitam a integração dos
recém-contratados (Feldman,_1981; Allen,_2006). Em estudos, tem sido
demonstrado que táticas de socialização influenciam a rotatividade por meio de
três diferentes mecanismos: ao impactarem a satisfação e o comprometimento do
empregado, atitudes consideradas antecedentes da rotatividade; ao influenciarem
o ajuste do novo empregado ao seu trabalho e ao ambiente; ao impactarem a
percepção de encaixe pessoa-organização (Allen,_2006). Schein_(2009) também
chama atenção para a importância do feedback fornecido pelos membros antigos
aos novos, tendo em vista que a cultura é resultante de um processo de
aprendizagem acumulada.
4. MÉTODO
Neste estudo de caso, os objetivos foram investigar fatores de atração e
compreender aspectos que motivaram o desligamento voluntário de jovens
empregados de uma grande empresa do setor jornalístico. Essa organização teve,
durante várias décadas, seu negócio focado na produção de um único jornal
impresso e, mais recentemente, tem buscado diversificar seus produtos e
consolidar um novo posicionamento estratégico para responder à nova dinâmica do
consumo de informação e garantir sua competitividade. Impulsionada por esse
novo cenário, a empresa vivencia a necessidade de renovar seu quadro de
funcionários e tem enfrentado o desafio de atrair e reter jovens profissionais.
Em linha com os objetivos propostos, optou-se pela realização de um estudo de
caso de natureza exploratória, adequado ao entendimento da dinâmica de eventos,
fenômenos complexos e situações com grande riqueza de detalhes (Yin,_2005). O
estudo foi conduzido a partir de conceitos desenvolvidos por Yin_(2005),
incluindo a orientação no sentido da busca pela convergência de evidências,
coletadas por meio de dados primários (entrevistas em profundidade
semiestruturadas) e secundários (dados sobre a empresa).
4.1. Instrumento de coleta
A elaboração do roteiro teve como base as etapas do modelo de socialização
discutido por Robbins_(2009), assim, acompanhou-se a trajetória profissional de
cada indivíduo desde o momento anterior à entrada (pré-chegada) até sua saída
da empresa.
O roteiro foi dividido, portanto, em três blocos. No primeiro, relativo à fase
de pré-chegada, buscou-se explorar os fatores de atração e as expectativas
iniciais de cada jovem em relação à empresa e sua carreira. O segundo bloco,
que corresponde à etapa do encontro, foi destinado a explorar as impressões do
jovem em relação à empresa, percepções sobre a cultura organizacional e
aspectos mais e menos valorizados no trabalho. Por fim, o terceiro bloco
abordou o processo de metamorfose e a decisão de sair.
4.2. Procedimentos de coleta e tratamento de dados
A seleção de sujeitos contemplou profissionais da geração Y que ingressaram na
empresa por meio do programa de estágio ou de oportunidades profissionais para
cargos de analista júnior ou repórter júnior. Essa delimitação da pesquisa foi
intencional por haver uma comunicação institucional muito explícita e uma
abordagem claramente direcionada aos jovens universitários ou recém-formados.
Também foi levada em consideração a faixa etária de 18 a 33 anos, com base na
classificação geracional proposta por Smola_e_Sutton_(2002). Os entrevistados
trabalharam na empresa pelo período mínimo de um ano e voluntariamente optaram
por deixá-la. Cumpre ainda destacar que, na escolha dos participantes,
buscaram-se intencionalmente pessoas oriundas de diferentes áreas da empresa,
tendo em vista a possível existência de subculturas associadas à
departamentalização e visando captar aspectos da cultura amplamente
compartilhados.
Para avaliar a adequação do roteiro, foi realizada uma entrevista de pré-teste
que não apontou a necessidade de mudanças relevantes. Em seguida, foram
realizadas 17 entrevistas pessoais, com duração média de 45 minutos. O contato
com os jovens para participação na pesquisa foi feito por e-mail ou por
mensagens particulares no Facebook. Todas as entrevistas foram gravadas, com a
devida autorização dos entrevistados, e posteriormente transcritas. Os trechos
transcritos foram submetidos a análise e avaliados transversalmente, permitindo
a identificação e o agrupamento das categorias de análise.
4.3. Perfil dos participantes
Dos 17 jovens entrevistados, 11 foram mulheres e seis, homens. A média de idade
foi de 26 anos. O entrevistado maisnovo tinha 23 anos e o mais velho 31. Apenas
três entrevistados eram casados; e os demais, solteiros. As formações
acadêmicas eram distintas, com predominância da graduação em jornalismo. Com
relação aos cargos iniciais, 11 entrevistados começaram como estagiários, seis
deles foram efetivados e os demais deixaram a empresa ainda no período de
estágio. Todos os estagiários efetivados saíram ocupando a posição de analista
júnior e apenas uma entrevistada saiu como analista pleno. Do grupo de
participantes, dois estão atualmente investindo em seus próprios negócios, dois
estão se dedicando ao mestrado e 13 estão trabalhando em empresas privadas,
sendo dois deles como trainees. Para dar mais fluência ao texto apresentado na
análise e na discussão dos resultados, optou-se por tratar os entrevistados
pelos nomes, que foram devidamente trocados para preservar sua
confidencialidade.
5. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados são apresentados e discutidos em cinco blocos. No primeiro são
abordados os fatores de atração, anteriores à entrada do jovem na organização.
A etapa do encontro (Robbins,_2009) foi discutida nas três seções seguintes,
que tratam respectivamente das primeiras impressões sobre a empresa, percepções
sobre a cultura e aspectos valorizados pelos participantes. No quinto e último
bloco são abordados o processo de metamorfose e a decisão de sair da empresa.
5.1. Fatores de atração
Para melhor compreender os fatores que motivaram a decisão de trabalhar na
empresa-alvo deste estudo, os entrevistados foram classificados em três grupos,
de acordo com os cargos iniciais que passaram a ocupar quando foram
contratados. Sendo assim, dos 17 entrevistados, verificou-se que 11 começaram
como estagiários, três como repórteres e outros três como analistas. Na Figura
1 resumem-se os principais motivadores de cada grupo, que são discutidos em
seguida.
Figura 1 Fatores de Atração por Grupo
Analistas Estagiários Repórteres
Identificação com a área dLocalizaçãTrabalho na redação de um jornal
atuação
Oportunidade de aprendizado
Estrutura e porte da empresa
Reputação da empresa e prestígio da marca do jornal
Para o grupo de analistas, a identificação com a área de atuação e a
oportunidade de aprendizado foram levadas em consideração na escolha da
empresa. Vale ressaltar que, por tratar-se de posições iniciais, o cargo não
foi citado como importante na decisão de ingressar na empresa.
O que me atraiu foi primeiro estar próximo de uma área de negócios,
uma área que gera resultado para a empresa. Isso foi o principal.
[...] E a parte financeira também, porque na época eu estava
duplicando o meu salário praticamente. Aí eu fiquei bem interessado.
(Daniel)
Embora o salário tenha sido destacado por Daniel, a questão financeira nem
sempre foi determinante, tanto na decisão de entrar na empresa, quanto na de
sair. A reputação da empresa e o prestígio de seu principal jornal, que é
bastante conhecido e valorizado no mercado, foram citados pelos analistas como
importantes fatores de atração e de valorização para seus currículos – aspectos
que se mostraram relevantes para os três segmentos.
O que mais me atraiu foi o nome. Só de ter no currículo [nome da
empresa] já conta muito. Porque salário na época eu não estava
preocupado, morava com meus pais. (Michel)
Você ter a bandeira da [nome da empresa], principalmente do jornal
[nome do jornal] por trás dá um peso legal no teu cartão, no teu
currículo. [...] Eu achava essa coisa da instituição um ponto muito
positivo. (Daniel)
Com relação aos estagiários, estes tipicamente se candidatam a vários programas
de estágio simultaneamente e passampor exaustivas etapas de seleção até serem
aprovados em uma ou mais empresas. Alguns entrevistados afirmaram não ter muito
critério para inscrever-se nos processos seletivos, masque sempre buscavam
empresas com maior porte e reputação, por acreditarem que suas chances de
aprendizado, efetivação e crescimento seriam maiores.
Eu procurei empresas grandes, que tivessem um programa de estágio
legal. Eu estava querendo um lugar onde eu tivesse oportunidade de
ser efetivada. Eu procurei empresas maiores porque eu sabia que
teriam um programa de estágio. Não era aquela coisa “bota o
estagiário num canto e deixa ele se virar”. (Roberta)
A localização da empresa foi outro fator relevante para o estagiário, que busca
reduzir o tempo de deslocamento entre a faculdade, o trabalho e sua residência.
A bolsa de estágio tam bém foi alvo de interesse, mas alguns mostraram-se
dispostos a abrir mão de uma bolsa com valor superior por uma oportunida de
profissional ou empresa com a qual se identificassem mais.
Eu participei de uns quatro processos de estágio, mas eu saí da [nome
da empresa] dizendo que era lá que eu queria. Você percebe o clima da
empresa diferente desde o primeiro minuto. Então, eu escolhia [nome
da empresa] porque o perfil da empresa tem mais a ver com o meu
perfil. (Elisa)
No depoimento, Elisa evidencia a importância da identi ficação do indivíduo com
a empresa, associada ao conceito de encaixe pessoa-organização (O’Reilly_et
al.,_1991; Cable_&_Parsons,_2001). Embora de forma menos frequente, alguns
entrevistados efetivamente expressaram ter tido afinidade e identificação
inicial com a empresa.
Ao participar de dois processos seletivos simultâneos, Elisa descreve alguns
artefatos visíveis (Hofstede,_1998; Schein,_2009) para explicar como foi sua
percepção inicial sobre a empresa-alvo deste estudo e um banco, comparando-os
por meio de seus símbolos culturais e materiais. O depoimento é um bom exemplo
da etapa inicial do processo de socialização, chamado de pré-chegada (Robbins,
2009), relativa ao aprendizado anterior ao ingresso na organização.
A minha entrevista no banco, eles me receberam em uma mesa assim
desse tamanho, enorme, muito grande, com um copo d’água, tudo chique.
E eu falei “não sei se é isso que eu quero, sabe?”. Talvezum dia eu
queira, mas agora eu quero uma coisa mais leve. Aí eu cheguei na
dinâmica da [nome da empresa] e todo mundo era muito simpático. A
dinâmica foi muito leve. Eles te deixavam muito à vontade o tempo
todo. Aí eu achei que tinha muito mais a ver com o meu jeito de ser
do que um lugar todo formalzão, todo cheio de requinte. (Elisa)
Para o grupo de repórteres, trabalhar na redação de um grande e renomado jornal
teve alto grau de importância, rela cionado ao próprio imaginário que é
construído na profissão dejornalista. Dois deles (Bruno e Janaína), inclusive,
já estavam efetivados em outras empresas, mas optaram por ingressar na empresa
em funções temporárias.
Um amigo meu estava no [nome do jornal] e me disse: “Olha tem uma
vaga temporária aqui e eu indiquei o seu nome”. Aí me ligaram e eu
falei: “Ué, por que não? Por que não tentar trabalhar no maior jornal
do país?”. Eu pensei: “Se é para fazer jornalismo, no Rio de Janeiro,
é pra trabalhar no [nome do jornal]”. (Janaína)
Também foi interessante observar que estagiários com formação em jornalismo –
mas aprovados no processo seletivo para estagiar em outras áreas – buscavam, na
verdade, uma oportunidade para atuar na Redação. No entanto, enfrentaram uma
grande dificuldade de mobilidade interna:
O que me atraiu para a empresa é que eu estaria do lado da Redação.
Então, na verdade, seria um atalho, mas isso não aconteceu. (Juliana)
5.2. Primeiras impressões
O segundo momento do processo de socialização, chamado de encontro (Robbins,
2009), ocorre quando o funcionário recém-chegado compreende efetivamente como a
empresa é e confronta a realidade com suas expectativas iniciais, podendo haver
divergência ou não. Nos depoimentos coletados, observou-se que essa etapa do
encontro é marcada por uma alta expectativa e também por grande insegurança.
Com relação à insegurança, Kim_et_al._(2005) explicam que o novo empregado
vivencia um choque de realidade ao juntar-se à organização. Viviane, por
exemplo, utilizou o adjetivo “chocada” para descrever seu primeiro contato com
a empresa.
Eu fiquei assim meio chocada. Sabe chocada positivamente? Eu olhei e
falei assim: “Caramba, isso tudo é verdade? Eu estou aqui dentro!”
(Viviane)
Os autores explicam ainda que esse choque pode ocorrer por três razões.
Aprimeira é que o novo funcionário precisa lidar com as diferenças entre suas
expectativas e a realidade. A segunda é que os novatos ainda não se sentem
confortáveis para interagir e prever as respostas dos outros. Nessa relação do
novo integrante com o grupo, foi possível identificar diversos depoimentos em
que os entrevistados afirmaram utilizar o comportamento dos membros mais
antigos como referência e exemplo a ser seguido. A terceira e última razão é
que as contribuições esperadas do novo empregado ainda não estão totalmente
claras no início, havendo uma falta de identificação com o próprio trabalho e
com as atividades que estão acontecendo ao redor (Kim_et_al.,_2005). Esse
problema foi constatado nos três grupos – de estagiários, repórteres e
analistas –, conforme exemplificado no seguinte relato:
No começo, eu fiquei meio assustado porque era muita coisa para
fazer... Fiquei muito perdido no começo, muito perdido mesmo. Até
falei com a menina que me indicou: “Cara, eu estou muito perdido”. Aí
ela falou: “No começo é assim mesmo, porque é uma coisa totalmente
diferente do que você fazia e tal”, mas depois eu fui me acertando.
(Michel)
Ao descrever suas primeiras impressões sobre a empresa, os entrevistados
utilizaram palavras como “encantamento”, “euforia”, “entusiasmo”,
“deslumbramento” e “empolgação” para relatar seus sentimentos diante daquele
ambiente inteiramente novo. Eles foram estimulados a tentar sintetizar em uma
palavra ou em uma imagem sua primeira percepção ao entrar na empresa. A partir
das análises, foi possível fazer um agrupamento em três blocos distintos. No
primeiro, que se refere à empresa em si, foram citadas palavras como
“grandiosidade” e “estrutura” para descrever o tamanho e o porte da empresa. O
segundo bloco refere-se às pessoas. Os entrevistados utilizaram palavras como
“acolhimento”, “receptividade”, “amizade” para descrever a percepção e a
relação com suas equipes de trabalho. O terceiro e último bloco refere-se ao
ambiente de trabalho, em que os entrevistados citam a “informalidade”, a
“descontração” e o “bom clima” da empresa.
Pra mim era uma empresa gigante. [...] Você chegar naquele ambiente
enorme, muita gente, um mundo de coisas pra você aprender, um monte
de áreas que eu nunca tinha visto, nem sabia que existia, sabe?
(Paula)
Eu cheguei na equipe e fui super bem recebida. A equipe era muito
bacana. Pessoas muito diferentes, mas cada uma com o seu jeitinho. A
percepção que eu tive deles foi a melhor possível e eles me ajudaram
muito. (Roberta)
Acho que a empresa tem um clima excepcional. É uma coisa muito
diferente. Hoje eu consigo perceber isso. No meu atual trabalho, as
pessoas estão focadas o tempo inteiro no computador e às vezes não
param para olhar pro lado e falar “bom dia”. (Simone)
Daniel, por exemplo, usou a expressão “me senti muito em casa” para descrever o
momento inicial de sua adaptação e integração à empresa. Na análise das
entrevistas, percebeu-se que a receptividade das pessoas e a informalidade do
ambiente foram dois importantes facilitadores no processo de integração. Essas
características são apontadas com muito peculiares da empresa e percebidas
inclusive em relação aos níveis hierárquicos superiores. Em outras palavras, a
receptividade e a informalidade também apareceram como traços característicos
dos executivos que ocupam cargos mais altos.
Quando você entra num ambiente em que você não conhece ninguém, as
pessoas fazem toda a diferença. Se as pessoas te recebem bem, se elas
estão de braços abertos, se elas passam por você e já falam com você
como se você fosse uma pessoa mais antiga [...]. O ambiente é muito
importante para a integração. (Mariana)
Eu esbarrava com pessoas no elevador e percebia que pareciam amigos
de longa data. As pessoas são muito receptivas. Eu não sabia se eu
estava dando “bom dia” para o diretor ou para outra pessoa. É uma
atmosfera de informalidade, se eu precisar falar com o diretor, eu
posso bater na porta dele. (Sueli)
Embora nem todos os entrevistados tenham tido oportunidade de passar por
processos formais de socialização, constatou-se que aqueles que tiveram essa
vivência a consideraram positiva para sua melhor integração e conhecimento da
empresa, confor me também apontado por Cable_e_Parsons_(2001). Viviane, por
exemplo, diz que, em sua opinião, “todas as empresas tinham que fazer isso” e
que ela não teve essa mesma experiência em seu segundo emprego. Suzana também
reconhece a importância da socialização formal, conforme o relato a seguir.
Tinha gente de todas as áreas, redação, pessoal de administração,
engenharia. Foi legal porque todo mundo conhece a empresa junto e
você mantém uma rede de contatos ali que eu acho muito importante.
Porque a gente sabia exatamente onde a área de um impactava na área
do outro e a gente manteve aquele contato. (Suzana)
O comportamento observado, a partir do exemplo de funcionários que estavam
havia mais tempo na empresa, também parece ter sido essencial para uma
compreensão adequada das regras – explícitas e implícitas – daquele ambiente.
Tanto Hofstede_(1998) quanto Schein_(1982) falam sobre a importância do
aprendizado das práticas organizacionais. Nesse sentido, funcionários mais
antigos eram percebidos como “parceiros” ou “gurus”, na medida em que davam
apoio técnico-funcional, mas principalmente como exemplo a ser seguido. Os
membros mais antigos ajudam, portanto, a minimizar a sensação inicial de
insegurança, como destaca Schein_(2009) ao descrever a importância do feedback
fornecido pelos veteranos aos novatos. Paula, por exemplo, destaca:
No primeiro mês, eu tive muita ajuda, além da minha coordenadora, eu
também tive uma analista que foi muito parceira. (Paula)
5.3. Percepções sobre a cultura
Apesar da informalidade mencionada anteriormente, que contribuía no sentido de
facilitar o processo de socialização, os entrevistados destacaram alguns traços
da cultura da empresa que, de certa forma, contrastam com essa característica.
Palavras como “engessada”, “conservadora” e “pesada” também foram utilizadas
para descrever a empresa e mostraram-se associadas à hierarquização, à
centralização e ao processo decisório lento. Cabe aqui destacar que esses
aspectos podem frustrar o jovem que deseja expressar livremente suas ideias –
independentemente de sua posição hierárquica – e que almeja um retorno rápido
para si mesmo e para suas contribuições (Lombardia_et_al.,_2008; Cavazotte_et
al.,_2012). Dois outros traços culturais emergiram em praticamente todas as
entrevistas: o aspecto relacional e a estabilidade. Ambos foram mencionados de
forma expressiva nos depoimentos e estão associados a percepções tanto
positivas quanto negativas.
Quanto ao aspecto relacional, saber relacionar-se com as pessoas parece ser
muito valorizado na empresa. É possível, inclusive, que esse lado relacional
tão intenso esteja diretamente ligado à forma com que os novos integrantes
percebem a receptividade das pessoas e a informalidade do ambiente. Os
relacionamentos construídos e as amizades foram tão significativos que, muitas
vezes, chegaram a pesar na decisão de deixar a empresa. Por outro lado, esse
traço cultural é percebido por alguns entrevistados sob uma perspectiva
negativa, quando as relações de amizade se sobrepõem às relações de trabalho,
como descrevem os entrevistados Elisa e Michel, que trabalhavam em áreas
distintas:
Eu percebo que é uma empresa focada nas relações. Tanto pro lado
positivo quanto pro lado negativo. [...] O relacional pro lado
negativo é você – pela relação que se estabelece com as pessoas – não
conseguir separar. Você é amiga, então pode. Não é amiga, então não
pode. E isso é muito ruim em um ambiente empresarial, sabe? Regra é
regra. Amigos, amigos, negócios à parte. (Elisa)
Eu acho que na [nome da empresa] – não sei se em toda empresa é assim
– as amizades são colocadas acima do trabalho. O trabalho não é tão
valorizado. Se você tem um bom relacionamento, você consegue o que
você quer. [...] Você tem uma facilidade maior de crescer tendo um
relacionamento bom com as pessoas. (Michel)
Por ser uma empresa com grande número de profissionais com muitos anos de casa,
a estabilidade também foi citada pelos entrevistados como característica da
cultura da empresa. Da mesma forma que o aspecto relacional, a estabilidade é
vista de forma tanto positiva quanto negativa, como descreve Paula:
É bom você ter uma estabilidade, mas é ruim porque você fica
estagnado.(Paula)
Alguns entrevistados acrescentaram que empregados com mais tempo de empresa
tendem a ser mais valorizados, enquanto outros associaram estabilidade com
acomodação, que tenderia a aumentar com a senioridade.
Eu via algumas pessoas acomodadas, principalmente em outras áreas, eu
via algumas pessoas com cargos de gerência e falava: “Pô, o que esse
cara está fazendo lá?”. Eu não entendia muito bem. Eu via que o cara
estava lá sentado em cima do cargo e está lá porque ninguém vai
mandar embora mesmo e ele está ganhando um puta de um salário.
(Daniel)
Eu acho que o pessoal mais novo tinha uma vontade de crescer como era
a minha – e caía no mesmo problema que o meu, que era não conseguir
ter oportunidade. E o pessoal que era mais velho já estava acomodado,
então não tinha esse problema. (Michel)
Essa característica da cultura da empresa tende a explicar, em certa medida, o
perfil de rotatividade mencionado anteriormente, segundo o qual a maior parte
dos empregados que deixa a empresa pertence à geração Y. Alguns entrevistados
efetivamente disseram perceber uma rotatividade maior entre os jovens, com
“muita gente boa indo embora”. O próprio Michel complementa:
Eu não vejo rotatividade nas pessoas com mais tempo de casa, são
raras as exceções. Tanto que a rotatividade é muito de pessoas mais
novas. (Michel)
5.4. Aspectos valorizados pelo jovem
A busca por desafio no trabalho foi identificada como principal fio condutor
para as decisões de carreira de praticamente todos os entrevistados. Além
disso, as oportunidades de desenvolvimento e aprendizado e a questão do
equilíbrio vida-trabalho também emergiram como relevantes, em linha com os
achados de Cavazotte_et_al._(2012).
Ao estudar a construção da carreira a partir da perspectiva de um grupo de 31
universitários, Oliveira_(2009) desenvolveu um quadro que apresenta as
dimensões do trabalho desejado, identificando as seguintes características mais
valorizadas por esses jovens: trabalho analítico, complexo, com alta visibili
dade, pouco rotineiro, e com amplitude macro ou estratégica. No presente
estudo, também foram encontradas evidências de que o jovem não se sente
valorizado ao realizar um trabalho burocrático, rotineiro e operacional,
conforme relatos a seguir.
O que mais me incomodou foi ver que a maior parte das minhas
atividades não era de análise. Eu entendo que o analista é para
analisar e eu estava fazendo muito pouco trabalho analítico.
(Guilherme)
Eu pensava: “Se eu continuar aqui, eu vou morrer nisso”. Estava super
desanimada porque estava fazendo uma coisa repetitiva, repetitiva.
Era algo que eu não queria mais fazer, eu já sabia fazer. (Roberta)
A sensação que eu tinha é que eu vou ser burro de carga aqui. Eu não
quero isso pra mim. A sensação é que eu não precisava pensar ali, era
pura operacionalidade. Eu não estava feliz no jornal fazendo o que eu
fazia. Eu me sentia muito operacional. Eu não sentia que tinha uma
função estratégica. (Mariana)
Lombardia_et_al.(2008)também descrevem que a expectativa de carreira dessa
geração está baseada em um tipo de trabalho que ofereça desafios constantes.
Muitos relatos indicaram que o domínio das tarefas executadas contribuiu para
reduzir o desafio e a motivação, sendo um fator importante na decisão de deixar
a empresa. Talvez, por esse motivo, alguns tivessem buscado mobilidade dentro
da própria empresa, como uma forma de renovar suas perspectivas de aprendizado,
desenvolvimento e crescimento. Essa visão é corroborada por Cappelli_(1999),
que explica que empregados, em especial os mais novos, estão preocupados em
incrementar seus currículos com realizações que aumentem sua empregabilidade.
Os participantes também mostraram valorizar o acesso a oportunidades de
desenvolvimento, corroborando resultados de outras pesquisas conduzidas no País
(Towers_Perrin,_2006; Cavazotte_et_al.,_2012). A busca da empregabilidade
emergiu como ponto fundamental na trajetória profissional desse jovem e, nesse
sentido, observou-se uma expectativa de mão dupla nas relações de trabalho. Em
outras palavras, ao mesmo tempo em que reconhece que cabe a ele a gestão de seu
desenvolvimento e de sua competitividade profissional, o jovem percebe a
empresa como responsável por oferecer suporte e condições para uma relação de
alavancagem mútua (Veloso_et_al.,_2008).
Notou-se também que o desenvolvimento profissional era frequentemente associado
à questão do aprendizado formal. Alguns entrevistados citaram como aspecto
positivo da empresa os investimentos em treinamento. A universidade corporativa
foi lembrada espontaneamente por vários deles. Por outro lado, quando não há
oportunidade de realizar algum treinamento desejado, há uma sensação de não
valorização por parte da empresa.
Com relação ao equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional, o tempo
emergiu como algo bastante importante para os entrevistados, que buscam
administrá-lo da melhor maneira possível. Mesmo sendo mais inquietos
profissionalmente, valorizam a vida além do trabalho e desejam sentir que são
donos do próprio tempo, mesmo que seja para dedicar-se ao próprio trabalho.
Uma coisa que é muito importante pra mim hoje é essa questão do
horário. [...] Eu não digo nem de flexibilidade de horário, mas um
horário que eu consiga fazer as outras coisas que eu quero na minha
vida. (Juliana)
Eu gosto de ser dono do meu nariz, dono do meu tempo. Porque, quando
você é funcionário, você vende seu tempo pra empresa, né? [...] Aqui
[no trabalho atual], eu encontrei um cara que tem o mesmo perfil que
o meu. Ele quer resultado. Ele nunca me perguntou: “Por que você não
veio hoje pro escritório?”. (Rodrigo)
Barreto_et_al.(2010), num estudo realizado com profissionais de recursos
humanos, identificaram que a promoção de maior equilíbrio entre trabalho e vida
pessoal foi apontada como o mais importante desafio a ser enfrentado pela área
nos próximos anos. Segundo os autores, a flexibilização da jornada de trabalho
seria uma das formas para a conciliação de obrigações e responsabilidades
nesses dois campos. Com relação à empresa pesquisada, alguns entrevistados
citaram a preocupação com o bem-estar do funcionário e a carga horária como
aspectos positivos.
A [empresa] tem uma preocupação de ter um ritmo de trabalho, mas sem
ser aquela coisa louca... Eu acredito muito – e hoje em dia as
pessoas esquecem um pouco – no tripé família, trabalho e lazer. Tem
que ter os três. Não adianta ter essa coisa louca de “encher a boca
pra falar que eu trabalho 16 horas por dia”. (Daniel)
A parte de carga de trabalho também era positiva. Era uma empresa
“vamos fazer, vamos trabalhar”, mas não é uma empresa que tira o seu
couro, sabe? [...] A parte do horário, horário flexível, eu achava
muito bom. Eu valorizo isso pra fazer outras coisas que não são
apenas o trabalho. (Paula)
Embora alguns entrevistados tenham feito menções positivas à carga horária,
Verônica aponta uma realidade diferente encontrada na redação – uma área com
características bastante peculiares –, indicando haver uma subcultura forte e
diferenciada da observada no restante da empresa. A entrevistada explica que
seu momento de vida pessoal e suas aspirações não foram compatíveis com o ritmo
intenso de trabalho na redação do jornal. A falta de equilíbrio entre vida e
trabalho foi determinante para sua decisão de sair da empresa, após um ano e
meio de trabalho.
5.5. Metamorfose e decisão de sair
A metamorfose é uma etapa crucial que implica a decisão de permanecer ou não na
organização (Allen,_2006; Robbins,_2009). No caso dos participantes, dois
fatores centrais parecem ter contribuído para a decisão de sair – a falta de
mobilidade interna e a ausência de desafios profissionais –, a despeito de
diversos relatos que mostram admiração pela empresa e saudades do tempo em que
lá estiveram. Ambos os aspectos parecem estar associados ao desejo de ter um
trabalho interessante e prazeroso, mas também refletem uma preocupação com a
empregabilidade, conforme as colocações de Oliveira_(2011). A maior parte dos
participantes ressente-se de não ter tido as oportunidades de desenvolvimento e
a mobilidade interna que esperavam.
Depois de uns dois anos trabalhando na mesma área, eu comecei a
querer explorar outras coisas. Eu não tinha intenção inicialmente de
sair. Eu tinha essa expectativa de ir pra outra área, queria ver
outras coisas dentro da própria empresa, mas não queria sair. Só que
não rolou... Aí chegou uma hora que eu falei assim: “Chega, não dá
mais”. (Sueli)
No início, eu acreditei que eu aprenderia bastante, mas as minhas
expectativas foram minando. Eu imaginei que seria mais aproveitado do
que eu fui. (Guilherme)
Outro ponto que pode ter influenciado essa percepção de estagnação diz respeito
à prática, que parecia estar sendo amplamente adotada na empresa, de efetivação
de estagiários antes da conclusão da graduação e antes mesmo do término do
período regular de estágio, que é de um ano. Esse foi o caso de seis dos 11
estagiários que participaram da pesquisa, num movimento possivelmente adotado
como mecanismo de retenção. O problema é que essa aceleração inicial não parece
manter-se no decorrer da trajetória profissional, o que pode estar associado à
ideia de “carreira lenta” apontada como característica da cultura da empresa.
Dessa forma, alguns desses jovens passaram a acreditar que era preciso sair da
empresa para continuar crescendo e desenvolvendo novas habilidades.
Eu tinha certeza que era algo que eu precisava fazer. Eu precisava
para o meu crescimento profissional. Porque se eu continuasse na
[nome da empresa], eu até poderia virar pleno, mas eu iria continuar
na mesma equipe, fazendo o mesmo trabalho, e eu não queria. Eu queria
uma coisa nova. Eu não estava feliz com o que eu estava fazendo. Eu
precisava ver o mundo, adquirir bagagem profissional. (Roberta)
Naturalmente, a esses dois fatores principais – falta de mobilidade e ausência
de desafios –somaram-se outros de caráter mais individual, incluindo questões
de ordem financeira, problemas com o gestor imediato e fatores de ordem
pessoal, não relacionados diretamente a problemas ou frustrações vividas na
empresa. Tendo em vista essas motivações para a decisão de sair, foi possível
agrupar os entrevistados em três diferentes perfis, chamados de idealistas,
carreiristase imediatistas. Diferenças de atitudes e motivações em relação à
carreira já haviam sido identificadas em outros estudos com jovens da geração
Y. Cordeiro_(2012), por exemplo, numa pesquisa com 2.376 jovens brasileiros,
inspirada nos modelos de carreira proteana e sem fronteiras, identificou oito
perfis ou atitudes em relação à carreira. Oliveira_(2011), por sua vez, num
estudo qualitativo com estudantes de administração, identificou quatro perfis
ou tipos ideais, levando em conta suas aspirações de carreira e percepções
sobre o mercado de trabalho.
Em linhas gerais, pode-se dizer que os idealistas saíram da empresa para
realizar sonhos pessoais, refletindo a busca por significado pessoal e
identificação com o trabalho – o chamado know whyapontado por DeFillippi_e
Arthur_(1994). Os carreiristas optaram por sair para crescer profissionalmente,
buscando oportunidades de aprendizado e de desenvolvimento em outras empresas,
ou a ampliação de seu know-how(DeFillippi_&_Arthur,_1994). Os imediatistas,
por sua vez, tiveram na recompensa financeira o principal motivador para sua
saída.
5.5.1. Idealistas – em busca de um sonho
Os idealistas, como o próprio nome diz, têm uma visão mais idealizada do
trabalho. Esperam que a atividade profissional que desempenham contribua
diretamente para sua realização pessoal. Não buscam um trabalho visando a
salário, benefícios ou outras recompensas extrínsecas. Querem sentir-se
valorizados e reconhecidos e são capazes de abrir mão de uma oportunidade que
seja melhor financeiramente. As seis entrevistadas que se encaixam nesse perfil
– todas mulheres – saíram da empresa para ganhar menos ou o equivalente e, em
alguns casos, sem estabilidade. Para elas, a decisão de sair da empresa não foi
fácil e o processo é descrito como “difícil”, “sofrido”, “doloroso”. Isso
porque, em certa medida, eles abandonaram a perspectiva de um emprego estável
para buscar a realização de seus objetivos pessoais. Nesse grupo, foi possível
observar um discurso um pouco mais ressentido. Palavras como “magoada”,
“decepcionada” e “frustrada” foram usadas para falar sobre o momento da saída.
Não foi fácil pra mim tomar a decisão de sair, né? Porque era um
sonho que estava sendo desconstruído. Um sonho do meu pai também, um
sonho meu, e um sonho também de provar muito – porque eu lembro que
eu queria provar que eu era capaz. Eu lembro que chorei pra caramba.
(Mariana)
Eu fiquei muito mexida quando saí de lá. Quando eu comecei no novo
emprego, eu fiquei um tempo de luto. Eu comprava o jornal e ficava
assim: “Ai que matéria legal, poderia ter sido minha”. Eu ficava
imaginando, sabe? (Verônica)
Mariana vivenciou um período muito difícil de quebra de expectativas em seu
estágio. Não estava mais feliz e tomou a decisão de sair da empresa e
direcionar sua carreira para a vida acadêmica. Simone também fez a opção pelos
estudos, já que sonhava ter uma formação fora do País. Não tinha intenção de
sair da empresa. Ao saber que sua solicitação de licença não seria atendida,
optou por pedir demissão. Juliana é jornalista, mas estava atuando em outra
área. Mesmo com o apoio de sua gestora, não conseguiu uma movimentação interna
para trabalhar na redação. Optou por sair, mesmo sendo para uma empresa pequena
e pouco conhecida, para trabalhar fazendo o que gosta: jornalismo. Sueli também
descobriu uma nova área de interesse e não encontrou uma oportunidade de
mudança interna. Optou por deixar a empresa para trabalhar em uma consultoria.
Verônica e Janaína são duas repórteres que também foram atrás de suas
realizações pessoais. Verônica optou por ser autônoma, sem benefícios, para ter
mais qualidade de vida. Janaína pediu demissão – mesmo ganhando menos – pois
encontrou uma oportunidade de buscar um novo caminho na profissão. Ela sentia
que “tinha muito mais para oferecer do que estavam me pedindo”.
5.5.2. Carreiristas – em busca de crescimento
Os seis entrevistados com esse perfil saíram da empresa não necessariamente por
salários maiores, mas pela vontade de aprender coisas diferentes e crescer
profissionalmente, já que valorizam muito seu desenvolvimento profissional.
Alguns até encontram oportunidades financeiramente melhores e, nesses casos,
dizem que foi uma forma de “unir o útil ao agradável”.
Uma pessoa me indicou e falou que tinha pintado uma oportunidade
nesse lugar em que estou hoje. Eu fui de cara para essa oportunidade
porque juntou a fome com a vontade de comer. (Guilherme)
Eu fui trabalhar em uma área que eu gosto muito, me identifico, e é o
que eu quero fazer para a minha vida. E fui ganhando mais. Isso uniu
o útil ao agradável. Tanto que eu fui sem pensar. Eu recebi o
telefonema e na hora falei: “Eu aceito, começa quando?”. (Michel)
Como são focados em suas carreiras, esses jovens não pensaram duas vezes para
sair da empresa. Eles não têm tempo a perder, são confiantes e parecem ter
clareza sobre o que querem profissionalmente. Paula, por exemplo, queria ser
trainee em uma grande empresa. Traçou esse objetivo e estava disposta a fazer
qualquer mudança, mesmo que fosse de cidade.
Nada iria me fazer ficar. Nem se eu tivesse sido promovida. Eu não
deixei nem espaço para o meu gerente argumentar. Eu estava muito
decidida a ir para uma coisa totalmente diferente, totalmente nova.
Era um momento de vida e de carreira. (Paula)
Ao enumerar os fatores que motivaram sua saída, Roberta não coloca o salário –
que no caso dela foi maior – em primeiro lugar, reforçando que sua decisão,
assim como a de outros desse grupo, não foi pautada na questão financeira.
A primeira coisa, sem dúvida, foi o trabalho em si. A segunda coisa
foi ser analista pleno, porque, com a experiência que eu tinha, eu
achava que eu já devia ser pleno na [empresa]. A outra coisa que me
chamou muito a atenção, que eu acho que eu posso colocar
tranquilamente em terceiro lugar, antes do salário, foi conhecer
outra indústria. Foi abrir o leque, abrir minha visão. Conhecer uma
indústria nova, ter coisas novas pra aprender. Eu acho que precisava
disso. (Roberta)
Ao contrário dos idealistas que, em geral, passaram por um processo de decisão
mais lento e sofrido, para os carreiristas, os únicos aspectos que parecem ter
sido sentidos no momento da decisão de sair foram a perda do convívio com os
amigos e o bom clima característico da empresa.
5.5.3. Imediatistas – só quero dinheiro
Este grupo parece ser bastante motivado por recompensas extrínsecas,
especialmente financeiras. Para os três entrevistados com esse perfil – o
jornalista Bruno, o publicitário Daniel e o administrador de empresas Rodrigo –
dinheiro é fundamental. Suas ambições profissionais e projetos de vida podem
ser distintos, mas todos priorizam a questão financeira. Estão dispostos a
trabalhar muito e a ter uma jornada de trabalho intensa, em troca de boas
recompensas financeiras.
Você começa a entrar numa fase que você já está chegando perto dos
30, querendo sair de casa, querendo construir uma família e tal, e
não dá pra você fazer isso tudo ganhando x reais por mês. Então foi
mesmo a parte financeira que pesou. Pintou essa oportunidade no
mercado financeiro, que eu queria muito e era um salário maior e
tinha a questão do bônus. Eu vislumbrei e falei: “Cara, agora é a
hora de entrar no mercado financeiro e entrar de cabeça”. (Daniel)
Os três queriam crescer profissionalmente para ganhar mais – e rápido. Daniel,
por exemplo, entrou como analista pleno e, ao longo dos dois anos em que
permaneceu na empresa, não obteve nenhuma promoção ou aumento de salário. O que
motivou sua decisão de sair foi a percepção de que o tempo estava passando e
ele “continuava ganhando a mesma coisa”. Daniel, depois de outras experiências
em empresas, optou pelo empreendedorismo, mesmo caminho trilhado por Rodrigo
que, no depoimento a seguir, destaca seu foco predominantemente financeiro:
Jornal não era um negócio que eu queria. Queria um negócio que desse
dinheiro. Ou trabalhar em banco, ou trabalhar em petróleo, coisas que
envolvem dinheiro de verdade. Isso sempre foi muito importante pra
mim, e que eu tivesse um poder decisório interessante. (Rodrigo)
Por fim, cumpre destacar que duas entrevistadas, que ocupavam posição de
estagiárias, não se encaixaram em nenhum dos três grupos. Isso porque sua
decisão de sair da empresa não foi motivada por razões pessoais, mas sim porque
não havia espaço para sua efetivação, já que trabalhavam em áreas muito
específicas e pequenas. Assim que entraram, Suzana e Viviane perceberam que
suas chances de efetivação seriam reduzidas e optaram por procurar outra
oportunidade profissional antes que seu período de estágio terminasse. Suzana
fez vários processos seletivos e ingressou num programa de trainees. Viviane
aproveitou as férias da faculdade, partiu em busca de uma experiência
profissional de dois meses no exterior e, quando retornou, foi contratada por
outra empresa, mesmo sem estar formada.
6. CONCLUSÕES
Neste estudo de caso, buscou-se investigar dois momen tos decisivos na
trajetória de jovens profissionais em início de carreira: o ingresso na empresa
e a decisão de sair. Para a maioria dos entrevistados, essa foi a primeira
experiência profissional em uma grande corporação, marcando não apenas seu
ingresso no mercado de trabalho como também o processo de formação de sua
identidade profissional, em linha com o proposto por Rocha-de-Oliveira_et_al._
(2012). Nesse sentido, muitos entrevistados referem-se à empresa como “escola”,
“aprendizado”, “bagagem”, não apenas do ponto de vista do desempenho técnico de
suas funções, mas principalmente em relação à própria disciplina do trabalho.
O primeiro objetivo proposto era identificar e analisar os principais fatores
de atração à organização. Foi possível concluir que a reputação da empresa e de
seu principal produto exerceu papel fundamental no interesse do jovem. O
ambiente de trabalho – informal, descontraído e positivo – e a qualidade das
relações também se mostraram importantes, na medida em que são percebidos como
positivos e diferenciadores. O porte da empresa e os recursos de que dispõe
foram outros aspectos percebidos de forma bastante favorável. No entanto,
embora impressione positivamente num primeiro momento, esse conjunto de fatores
– e, portanto, a proposta de valor para o empregado – pode não estar sendo
suficiente para que a empresa se posicione de forma diferenciada no mercado de
jovens talentos. Um dos entrevistados, por exemplo, disse que entrou
“deslumbrado” e saiu achando a empresa “normal, comum”. Nesse sentido, destaca-
se como implicação prática a necessidade de maior atenção ao desenvolvimento e
à comunicação de uma proposta de valor que efetivamente contribua para ampliar
a atratividade da empresa junto a esse grupo, percebido como importante para o
alcance de seus objetivos estratégicos.
O segundo objetivo neste estudo era compreender, de forma geral, que aspectos
influenciaram a decisão de sair e, mais especificamente, se havia algum aspecto
relacionado à cultura da organização que poderia estar causando uma
incongruência de valores indivíduo-empresa e a consequente rotatividade desses
jovens (O’Reilly_et_al.,_1991). Comparando-se os principais traços culturais da
empresa com os mais valorizados pelos participantes, foi possível perceber
alguns contrastes. Na opinião dos entrevistados, o aspecto relacional e a
estabilidade são características valorizadas e percebidas como positivas, mas
também são vistas com ressalvas, na medida em que tendem a promover
favoritismos e acomodação, prejudicando sua busca por desafios e o acesso a
oportunidades de desenvolvimento profissional (Cappelli,_1999; Cavazotte_et
al.,_2012). Dessa forma, como esses jovens – mesmo aqueles que têm uma visão
mais tradicional e anseiam construir uma carreira organizacional (Veloso_et
al.,_2008) – não querem sentir-se estagnados e sem desafios, conclui-se que o
viés relacional e a estabilidade são traços culturais relativamente
incompatíveis com a mobilidade e o crescimento que eles tanto anseiam.
Ainda com relação à rotatividade, os dois fatores que mais parecem ter
influenciado o desligamento voluntário dos participantes foram justamente a
dificuldade de mobilidade interna e a falta de desafios no trabalho. Esse
resultado ratifica a importância que os jovens parecem atribuir a um trabalho
motivador, com sentido e pleno de desafios, como apontado por Lombardia_et_al.
(2008), Oliveira_(2009) e Cavazotte_et_al._(2012).
Para o jovem que quer “tudo ao mesmo tempo agora” – como diz a campanha de
estágio da empresa – o incentivo à mobilidade interna pode ser importante, na
medida em que oferece possibilidades de aprendizado, desafio e desenvolvimento
dentro da própria empresa, priorizando o movimento intracompanhia. Muitos
jovens afirmaram que esse início de carreira é uma fase de intensa descoberta e
experimentação. Dizem que gostariam de ter tempo para “explorar mais, aprender
mais” e posteriormente fazer suas escolhas profissionais. No entanto, as
entrevistas indicaram claramente que, como mecanismo de retenção, a empresa vem
efetivando estagiários antes da conclusão do curso de graduação, em alguns
casos com cinco, seis ou sete meses de empresa. Essa estratégia pode ser válida
em um primeiro momento, para evitar que o jovem procure outras oportunidades no
mercado. Contudo, sem um programa estruturado de job rotation e/ou de
desenvolvimento de carreira após a efetivação, essa iniciativa pode levar à
desmotivação do jovem e, consequentemente, à sua opção por sair da empresa.
Como implicação prática para a área de recursos humanos, é possível destacar
duas estratégias que, de maneira abrangente, podem contribuir para a gestão e a
retenção de jovens da geração Y. A primeira seria ampliar as oportunidades de
mobilidade interna, permitindo que o jovem siga aprendendo e sendo desafiado no
trabalho. A segunda seria investir em iniciativas formais de treinamento e
desenvolvimento, como forma de valorização do jovem e de construção de seu
“capital de carreira” (Veloso_et_al.,_2008).
Tendo em vista que a pesquisa envolveu 17 jovens de uma única empresa, os
resultados aqui apresentados naturalmente não esgotam a compreensão dos fatores
que determinam a atração e a rotatividade de jovens profissionais. Nesse
sentido, seria pertinente o desenvolvimento de novas pesquisas que testem sua
aderência junto a um grupo mais abrangente de jovens, de diferentes formações e
que atuem em empresas de outros segmentos. Também, sugere-se a realização de
uma pesquisa quantitativa para investigar a regularidade na formação dos três
perfis aqui apresentados – idealistas, carreiristas e imediatistas. A despeito
das limitações, espera-se que as descobertas aqui discutidas possam agregar-se
ao conhecimento acumulado nesse campo e contribuir para a gestão de empresas
que precisam atrair e reter jovens, especialmente aquelas em que a renovação de
seu quadro funcional tende a ser determinante para o alcance de seus objetivos
estratégicos.
Sistema de Avaliação: Double Blind Review Editor Científico: Nicolau Reinhard