Esperança de vida e sua relação com indicadores de longevidade: um estudo
demográfico para o Brasil, 1980-2050
Introdução
Há algumas décadas, a dinâmica da mortalidade tem mostrado que a esperança de
vida de período, usada convencionalmente, não descreve a verdadeira experiência
de vida da população presente em determinado ano (BONGAARTS; FEENEY, 2002;
GUILLOT, 2003; SCHOEN; CANUDAS-ROMO, 2005; GOLDSTEIN; WACHTER, 2006). Para
melhor compreender essa realidade, é preciso entender, formalmente, como a
medida de longevidade e a experiência de vida populacional são analisadas.
Entre as várias medidas de mortalidade, a esperança de vidadestaca-se por ser
uma das mais utilizadas. Esse indicador sintetiza a experiência de vida de um
grupo de indivíduos, geralmente nascidos no mesmo lugar e no mesmo período, que
denominamos de coorte. De fácil interpretação, a esperança de vida expressa o
número médio de anos a ser vivido pela coorte a partir de determinada idade
(PRESTON; HEUVELINE; GUILLOT, 2001).
A estimativa do tempo médio de vida se dá por meio da tabela de sobrevivência,
tão bem conhecida pelos demógrafos e atuários. A construção dessa tabela requer
o acompanhamento de todos os membros de uma coorte, desde o nascimento até a
morte, e exige também a estimativa das taxas de mortalidade em cada idade,
calculadas à medida que os óbitos ocorrem. No entanto, aguardar a extinção de
uma coorte tornaria esse estudo extremamente longo, chegando a ultrapassar um
século de observação. Por isso, é utilizada a frequência de mortes observada em
um único período como forma alternativa ao acompanhamento das coortes. Nesse
caso, as taxas correntes verificadas no período fornecem uma aproximação
daexperiência de vida de uma coorte hipotéticasubmetida ao padrão de
mortalidade existente.
Contudo, quando há melhorias contínuas das condições de vida, a mortalidade
sofre mudanças constantes no tempo. Portanto, as taxas observadas em um único
períodonão retratam a esperança de vida real das pessoas vivas naquele período,
pertencentes a diversas coortes que, provavelmente, estiveram expostas a
diferentes regimes de mortalidade ao longo da vida. Nesse caso, se quiser
entender como se desenvolve o processo de melhoria da longevidade em qualquer
população, é necessário estudar o tempo médio de vida de suas coortes. Em face
desses fatos, conclui-se que a esperança de vida de período não fornece
informação da longevidade de qualquer coorte real, a não ser quando a
mortalidade é constante no tempo.
A esperança de vida de uma coorte hipotética também não representa os prováveis
ganhos de sobrevivência que tendem a ocorrer e a beneficiar a população
futuramente. Logo, pode-se afirmar que a esperança de vida estimada por meio
das taxas correntes de mortalidade se torna menor do que a esperança de vida
real. Quando se compararam as estimativas de período, que são convencionalmente
usadas, com as de coorte, conclui-se que viveremos mais do que pensamos.
A discussão acerca das limitações da esperança de vida é de suma importância
para o desenvolvimento de diversas áreas de conhecimento. Essa medida-resumo da
mortalidade é frequentemente empregada na análise das variações geográficas e
temporais da longevidade das populações, assim como na comparação dos níveis de
sobrevivência. O indicador de longevidade, relevante na avaliação dos níveis de
saúde de uma população, também tem papel fundamental nos processos de
planejamento, gestão e avaliação de políticas de saúde, de previdência social,
entre outras, além de se relacionar à demografia dos negócios, como oferta de
serviços, atualização de metas, cálculos atuariais, etc.
No presente trabalho, procura-se mostrar que, apesar de a tabela de
sobrevivência de período não descrever nenhuma coorte em particular, a
esperança de vida de período pode ser vista como um indicador defasado do tempo
médio de vida de alguma coorte passada. Para tanto, é projetada a mortalidade
para o Brasil, por sexo, visando determinar as esperanças de vida ao nascer de
período e de coorte entre 1980 e 2050. Isso permitirá transladar empiricamente
os resultados obtidos e analisar a evolução da correspondência entre ambas as
medidas.
Medidas de longevidade
Discussões recentes sobre a dinâmica da mortalidade têm questionado o uso da
esperança de vida de período como a medida de longevidade mais adequada para
indicar as condições correntes de mortalidade. Surgiram então várias propostas
para contornar esse problema que podem ser divididas em duas linhas. A primeira
configura-se pelo estudo de medidas de longevidade alternativas que será
discutida nesta seção e a segunda pela translação da medida convencional
apresentada na seção seguinte.
Formalmente, a esperança de vida ao nascer de coorte pode ser calculada pelas
taxas de mortalidade historicamente conhecidas ou projetadas. Porém, sua
estimativa apresenta a desvantagem de exigir uma longa série de dados, de
aproximadamente um século, e está sujeita a falhas nos pressupostos da
projeção. Por definição, a esperança de vida ao nascer de coorte é dada por:
![](/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq01.jpg)
onde µ(x,t+x) é a força de mortalidade relativa à idade x, observada no tempo
t+x.
Sob a perspectiva de coorte, uma vez que a idade e o tempo movem-se no mesmo
sentido e sincronizados, a esperança de vida ao nascer fornece o resultado
verossímil das melhorias nas condições de vida em uma população. Ou seja, o
indicador de longevidade de coorte oferece informações reais sobre os níveis e
padrões da mortalidade, bem como sobre suas variações temporais.
Já a esperança de vida ao nascer de período refere-se a uma medida hipotética,
obtida pelas condições correntes de mortalidade prevalentes em um único
período, sendo matematicamente definida como:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq02.jpg]
onde µ(x,t) é a força de mortalidade relativa à idade x, observada no tempo t.
Por outro lado, a esperança de vida ao nascer de período somente representaria
a experiência de vida real de uma coorte recém-nascida caso todos os seus
membros experimentassem o regime de mortalidade corrente, do seu nascimento até
sua morte, inalteradamente (VAUPEL, 2002). Mas não é isso o que ocorre
atualmente, visto que, quando a mortalidade declina, a estimativa de período
torna-se menor do que a longevidade da coorte nascida no mesmo momento.
Logo, não se pode usar o indicador tradicional como um estimador apurado do
tempo médio de vida da coorte recém-nascida. Tal resultado dá início a uma
discussão de grande relevância demográfica: qual medida de longevidade é mais
adequada quando a mortalidade está caindo?
Bongaarts e Feeney (2002) iniciam essa reflexão mostrando que, nas atuais
circunstâncias, a esperança de vida de período sofre distorções no tempo e
torna-se, portanto, insatisfatória a análise das condições correntes de
mortalidade. A fim de corrigir as oscilações nas taxas específicas de
mortalidade decorrentes do adiamento da morte ocorrido no período, os autores
propõem um ajuste na esperança de vida convencional.
A esperança de vida ao nascer ajustada ao tempo pode ser descrita da seguinte
forma:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq03.jpg]
sendo r(t) a taxa de adiamento à morte segundo o modelo de mudanças
proporcionais da
mortalidade de Gompertz.
O novo indicador de longevidade de Bongaarts e Feeney (2002), denominado
esperança de vida ajustada ao tempo, foi modelado para países desenvolvidos com
elevada esperança de vida, onde se observam regularidades no processo de
mudanças da mortalidade. Nesses países, quase a totalidade dos recém-nascidos
sobrevive às idades adultas, além de serem percebidas melhorias similares da
sobrevivência em todas as idades, a partir dos 30 anos. Nesse sentido, os
pressupostos dos autores são basicamente os seguintes: mortalidade infanto-
juvenil inexistente; melhorias da mortalidade proporcionais; população fechada
à migração; e número de nascimentos constante sobre o tempo.
A esperança de vida de período ajustada ao tempo também é hipotética no tocante
ao seu significado (BONGAARTS; FEENEY, 2006), pois nenhuma coorte em particular
experimentará o conjunto de taxas ajustadas de mortalidade. A ideia principal
dos autores é sintetizar o que ocorreria com o indicador de longevidade de
período se, logo após o adiamento da morte, houvesse estabilização da
mortalidade. Desse modo, a interpretação alternativa da esperança de vida
ajustada ao tempo expressa qual seria a esperança de vida de período, caso não
acontecesse mudança no tempo dos eventos, em uma população estacionária
equivalente sob as condições correntes de mortalidade.
Outra medida de longevidade amplamente discutida é o
tempo médio de vida transversal
(
Cross Sectional Average Length of Life
− CAL − BROUARD, 1986; GUILLOT, 2003). CAL refere-se a apenas um período em
particular, mas leva em conta as condições correntes de mortalidade sob as
quais as várias coortes presentes na população estão sujeitas. Essa medida pode
ser descrita como:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq04.jpg]
onde lc(a,t) é a proporção de sobreviventes à idade a, no tempo t, de uma
coorte nascida em t−a.
Esse novo indicador de longevidade baseia-se unicamente na estrutura etária
populacional e pode ser compreendido como o tempo médio vivido no período, por
aquelas coortes presentes na população.
Diferentemente da esperança de vida de período, que pode ser vista como a soma
da proporção dos sobreviventes de uma coorte hipotética, CAL envolve a
proporção de sobreviventes das várias coortes presentes na população nesse
período em particular. Pode-se dizer, então, que CAL leva em conta as
experiências reais vivenciadas por essas coortes (ou seja, as condições
correntes reais de mortalidade), enquanto a esperança de vida de período
sintetiza, exclusivamente, as taxas correntes.
CAL também denota a esperança de vida ao nascer de uma coorte, cujas vantagens
e desvantagens relativas à sobrevivência das demais coortes presentes no
período são iguais (GUILLOT, 2003). Assim, essa medida de longevidade pode ser
considerada a experiência de vida de uma coorte média da população.
A construção de CAL requer informações históricas da mortalidade detalhadas por
um período considerável de tempo, contrastando com a facilidade e simplicidade
da esperança de vida tradicional. Em contrapartida, CAL não exige aguardar a
extinção de todos os indivíduos da população para ser estimada da mesma forma
que a esperança de vida geracional demanda.
Outra medida de longevidade também muito conhecida é a idade média à morte
(Mean Age at Death ' MAD), que se baseia na distribuição etária dos óbitos e
pode ser entendida como o tempo médio vivido por aquelas pessoas que morreram
em um dado período. Desse modo, MAD é definida por:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq05.jpg]
onde dc(a, t) é o número de óbitos ocorridos na idade a, no tempo t, de uma
coorte nascida em t−a.
MAD se mostra uma das medidas mais simples de serem calculadas, porém,
apresenta-se diretamente dependente da estrutura etária populacional e,
portanto, mais suscetível às variações na sua distribuição.
Somando-se à discussão, Schoen e Canudas-Romo (2005) propõem outra medida de
longevidade denominada esperança de vida de coorte média (Average Cohort Life
Expectancy' ACLE). Esse estimador representa a média ponderada das esperanças
de vida ao nascer das coortes presentes no período, em que os pesos são dados
pelas probabilidades de sobrevivência da coorte até a idade observada no
período. ACLE é representada por:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq06.jpg]
onde e0c(t−a) é a esperança de vida da coorte nascida em t−a.
ACLE é um poderoso estimador do tempo médio de vida populacional (GOLDSTEIN;
WACHTER, 2006), uma vez que é diretamente definida pela longevidade das coortes
atuais. Porém, ACLE exige uma longa série histórica da mortalidade, de
aproximadamente dois séculos. Além disso, para ser calculada no estado atual,
essa medida requer projeções da dinâmica da mortalidade.
Embora as medidas de longevidade (esperança de vida de coorte, esperança de
vida de período, esperança de vida ajustada ao tempo, CAL, MAD e ACLE) visem
uma estimativa do tempo médio de vida, elas não são diretamente comparáveis,
visto que cada uma se propõe a responder diferentes tipos de questões (WACHTER,
2005). Contudo, vale lembrar que, fixando a mortalidade a partir de determinado
período ou de uma coorte específica, todas as medidas tenderiam ao mesmo nível,
ainda que em ritmos distintos. Ademais, em uma situação de estabilidade, não
haveria diferença no valor estimado por essas medidas de longevidade.
Diferencial e defasagem
As atuais condições de vida indicam um prolongado declínio da mortalidade,
levando-nos a crer que os futuros níveis da mortalidade serão mais baixos do
que os atuais. Em outras palavras, pode-se dizer que as taxas correntes de
mortalidade não serão observadas pelos sobreviventes nos próximos anos, nem
mesmo pelos recém-nascidos no próprio ano. Com isso, conclui-se que o tempo
médio de vida corrente, calculado por meio da esperança de vida ao nascer de
período, subestimará a longevidade da coorte recém-nascida.
Enquanto a população passar pelo processo de melhorias da mortalidade, a curva
da esperança de vida ao nascer de período, em função do tempo, estará sempre
abaixo da curva da esperança de vida ao nascer de coorte, como mostrado na
Figura_1.
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06fig01.jpg]
A distância vertical entre as duas curvas fornece o diferencial γ(t) entre as
duas medidas de longevidade observadas no ano corrente. Formalmente, γ
(t)informa quantos anos a esperança de vida do período observado difere da
esperança de vida da coorte nascida no mesmo período. É possível afirmar também
que o diferencial fornece o bônus que a coorte recém-nascida recebe da futura
melhoria na mortalidade (GOLDSTEIN; WACHTER, 2006). Empiricamente, encontra-se
o diferencial da seguinte maneira:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq07.jpg]
Já a distância horizontal entre as curvas das esperanças de vida ao nascer
fornece a defasagem λ(t)entre o ano corrente, no qual se obtém a estimativa de
período, e o ano de nascimento da coorte, cuja estimativa do tempo médio de
vida é equivalente. Desse modo, λ(t)mostra quanto tempo é preciso regredir para
se encontrar uma coorte com a mesma esperança de vida observada no período
atual. Pode-se dizer que a defasagem empírica é representada por:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq08.jpg]
Em vista dessa correspondência, observa-se que a esperança de vida ao nascer de
período pode ser considerada um indicador defasado da longevidade de coorte.
Verifica-se também que a translação da esperança de vida de período está
diretamente relacionada com a defasagem, uma vez que encontrar a coorte
equivalente implica localizar no tempo o ano de correspondência da estimativa
de período. Empiricamente, esse processo exige o conhecimento de longas séries
estatísticas de mortalidade, incluindo a experiência de vida passada e
projetada.
Série estatística de mortalidade
Para mostrar que a medida convencional de longevidade pode ser vista como um
indicador defasado do tempo médio de vida de alguma coorte passada, foram
utilizadas as estimativas e projeções das tabelas de sobrevivência oficiais do
Brasil, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ' IBGE.
Essa série de tábuas é resultante de uma ampla discussão durante uma oficina de
trabalho entre técnicos da Coordenação de População e Indicadores Sociais
(Copis/DPE/IBGE) e do Centro Latinoamericano y Caribeño de Demografía (Celade/
Cepal/Nações Unidas), realizada entre 24 e 28 de março de 2003, em Santiago,
Chile. Os dados históricos básicos utilizados na sua construção foram obtidos a
partir das Estatísticas Vitais e dos Censos Demográficos brasileiros. As tábuas
disponibilizadas pelo IBGE são construídas por sexo e cobrem o período de 1980
a 2050, anualmente.
No entanto, a série histórica brasileira do IBGE não é suficiente para o
cálculo das medidas de longevidade de coorte no período em que se pretende
analisá-las (1980-2050), pois, para a construção da tabela de sobrevivência de
coorte, é preciso o conjunto das taxas de mortalidade observadas sobre um longo
período de tempo.
Assim, foram projetadas as taxas específicas de mortalidade para o período de
2051 a 2130, segundo a metodologia da tabela limite.1 Para isso, levantou-se a
suposição de que a
mortalidade tenderá a cair indeterminadamente, porém em ritmo cada vez mais
lento. Essa queda se dará principalmente nas idades mais velhas e implicará
aumento da esperança de vida mais acentuado no início do processo.
A estrutura de mortalidade projetada, para esse período, obtém-se por meio dos
logitosdas taxas específicas de mortalidade m (x,t) da tábua de mortalidade de
2050 e da tábua de mortalidade limite de 2100. Essa projeção pode ser descrita
da seguinte forma:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq09.jpg]
tal que:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq10.jpg]
onde yKxé o logitode m(x,t) projetada para a tábua de mortalidade para o ano
tk; yIxe yTxsão os logitos de m(x,t) da tábua de mortalidade inicial, do ano tI
(que neste caso é 2050) e da tábua limite, do ano tL(que neste caso é 2100),
respectivamente.
As estimativas usadas para 2050 foram projetadas pelo IBGE e as de 2100
construídas com base nas informações das tabelas de sobrevivência limites
propostas peloU. S. Bureau of the Census. Com base nas taxas específicas de
mortalidade estimadas e projetadas para 1980 a 2130, foram produzidas tabelas
de sobrevivência para as coortes brasileiras, cujo ano de nascimento varia
entre 1980 e 2050, por sexo. Consequentemente, por meio dessas tábuas, estimou-
se a esperança de vida ao nascer de coorte para o Brasil nas mesmas condições.
Tabela de sobrevivência de coorte
As tabelas de sobrevivência construídas para coorte ou geração real seguem,
basicamente, os mesmos passos daquela construída para período, em que são
estimadas várias funções de mortalidade por idade que descrevem o comportamento
vital de um grupo de indivíduos (PITACCO et al., 2009; PRESTON; HEUVELINE;
GUILLOT, 2001). A grande diferença entre ambas está no conjunto de taxas
específicas de mortalidade usado nos diversos cálculos das tabelas. Para as
estimativas de coorte, a tabela é gerada com base no conjunto de taxas de
mortalidade vivenciadas por um grupo real de indivíduos, ao passo que a tabela
de período é criada pelo conjunto de taxas observadas em apenas um período
(geralmente, um ano).
As taxas de mortalidade referem-se ao risco de morte em cada idade ou em cada
grupo etário e correspondem ao quociente entre o total de óbitos ocorridos em
determinado ano, em cada idade ou grupo etário, e a população correspondente no
meio do ano. Por meio dessas taxas, construíram-se as probabilidades de morte e
as probabilidades de sobrevivência. Assim:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq11.jpg]
representa a probabilidade de um indivíduo de idade exataxvir a morrer antes de
completar x+1 anos,2 dado que m(x,t+x) expressa a taxa específica de
mortalidade na idade x, observada no tempo t+x. Note-se que, como estamos
tratando de coorte, as funções de mortalidade sempre referem-se ao momento real
em que os indivíduos nascidos em t se expõem a risco de morte (em t+x).
Para encontrar o número de sobreviventes a determinada idade l(x,t + x), basta
desenvolver a expressão (10) a partir de x=0(ou seja, do número de nascimentos
em t) até alcançar a idade desejada:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq12.jpg]
O número de óbitos d(x,t + x) ocorridos entre os indivíduos de uma coorte
resulta da diferença entre os sobreviventes observados em dois anos
consecutivos ou entre duas idades seguidas, já que na perspectiva de coorte as
variáveis tempo e idade progridem no mesmo sentido e sincronizadas. Dessa
forma:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq13.jpg]
A principal medida estimada pela tábua de mortalidade e também objeto do
presente estudo é a esperança de vida3 ao nascer, que em termos discretos é
dada por:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq14.jpg]
onde L(x,t + x) é o tempo a ser vivido pelos sobreviventes da coorte, nascida
em t, entre as idades x e x+1. L(x,t+x), por sua vez, mantém a seguinte
relação:
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06eq15.jpg]
Observe-se que o cálculo da esperança de vida ao nascer exige o acompanhamento
da coorte em estudo de seu nascimento até sua extinção, tal como requer a
estimativa das taxas específicas de mortalidade ao longo dos anos. Por isso,
como afirmado ao início deste trabalho, a construção da tábua de mortalidade de
coorte torna o estudo da longevidade extremamente demorado.
As tabelas de sobrevivência de período podem fornecer um ponto de partida na
análise da longevidade quando as tabelas de coorte não são factíveis. No
entanto, quando a mortalidade declina, as tabelas de sobrevivência de período
revelam níveis de mortalidade mais elevados do que aqueles expressos pelas
tabelas de coorte. Por isso, o uso das estimativas correntes deveria ser
restrito a estudos prospectivos de curto e médio prazos (no máximo dez anos)
(PITACCO et al., 2009). Alguns estudos demográficos prospectivos de longo prazo
(tais como planejamentos atuariais, previdenciários e de seguridade, que
geralmente exigem o
conhecimento antecipado das tendências da mortalidade) deveriam ser realizados
com base nas tabelas de sobrevivência de coorte.
Resultados
Para a análise das tendências da mortalidade no Brasil, confiou-se num cenário
em que as esperanças de vida crescem acentuadamente nas primeiras décadas e,
com o passar do tempo, os ganhos da sobrevivência tendem a se reduzir (Gráfico
1). A diminuição no ritmo das melhorias na mortalidade é natural à medida que a
longevidade se estende. Quando os níveis de mortalidade são elevados,
principalmente a mortalidade infantil, há muito para se melhorar. Porém, quando
os níveis se encontram baixos, perceber algum ganho na sobrevivência se torna
difícil.
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06graf01.jpg]
Não foram projetados impactos ou choques externos na mortalidade, para o
período 1980-2050, implicando, portanto, que ambas as curvas das esperanças de
vida sejam suaves. Essas curvas possuem ainda concavidade voltada para baixo e
apresentam crescimento constante no tempo. Assim, entende-se que o processo de
ganhos da sobrevivência será contínuo, não havendo estabilização das
estimativas do tempo médio de vida nesse período.
Observa-se, no Gráfico_1, que as curvas das esperanças de vida, tanto de
período quanto de coorte, não são paralelas entre si. Isto significa que o
ritmo de crescimento de cada estimativa é diferente e o processo de queda na
mortalidade torna-se complexo de ser descrito. A medida de longevidade de
coorte é mais sensível ao declínio da mortalidade no início da queda (período
não apresentado neste trabalho), já que houve um distanciamento entre as
curvas, enquanto a medida de período é mais sensível às mudanças da mortalidade
quando o ritmo da queda desacelera (como descrito no Gráfico_1), o que explica
a distância decrescente entre as curvas.
Sabendo que as taxas de mortalidade observadas no período produzem um valor
cada vez mais próximo da esperança de vida de coorte, gerada por meio do
conjunto de taxas experimentadas ao longo dos anos, o diferencial torna-se
decrescente com o tempo. O declínio acentuado da curva do diferencial somente
confirma o fato de que as esperanças de vida se aproximam com o passar dos
anos. Segundo nossa projeção, este resultado leva a crer que a medida
convencional de período se mostrará um indicador acurado da esperança de vida
de coorte em poucas décadas. No entanto, a defasagem indica justamente o
oposto.
No Gráfico_1, verifica-se que as curvas da defasagem crescem com o tempo e
mostram uma tendência linear com pequena inclinação. Em outras palavras, pode-
se dizer que, enquanto as melhorias na mortalidade persistirem, é necessário
regredir cada vez mais para encontrar uma coorte cuja longevidade seja
equivalente à estimativa de período. Logo, ao contrário do que se pode pensar,
mesmo que a esperança de vida de período tenda ao mesmo nível da esperança de
vida de coorte, não é possível afirmar que a medida convencional de período
seja um bom indicador da longevidade da coorte recém-nascida, uma vez que a
defasagem mostra um distanciamento progressivo da coorte equivalente.
As coortes equivalentes experimentam uma mistura de altas e baixas taxas de
mortalidade, comparativamente àquelas observadas no período de correspondência.
Os altos níveis de mortalidade correspondem às taxas passadas e os baixos
níveis referem-se às taxas futuras. Quando o ritmo de melhoria da mortalidade
cai, as taxas vivenciadas pelas coortes no passado continuam elevadas em
relação aos níveis correntes, enquanto as taxas futuras não se tornam tão
expressivamente mais baixas. Assim, mesmo que o ganho na evolução da esperança
de vida de período seja pequeno, as estimativas de coorte perceberão ganhos
menores ainda, o que leva a um distanciamento da correspondência entre período
e coorte.
A defasagem também pode ser analisada em outro sentido, ou seja, o tempo
necessário para a esperança de vida de período alcançar o nível da esperança de
vida da coorte recém-nascida. Quanto maior for o ganho da sobrevivência em
determinado período, menos tempo será preciso para que a medida de período se
torne equivalente à esperança de vida da coorte em questão. Em contrapartida,
quanto menor for o ganho observado no período, mais tempo será necessário para
encontrar a correspondência. Logo, os resultados não são contraditórios. Com
menores ganhos, as esperanças de vida de período e coorte do mesmo ano se
aproximam, mas a equivalência torna-se mais difícil.
É importante destacar que não há estimativas da defasagem para todo o intervalo
em estudo. A correspondência entre as esperanças de vida de período e de coorte
não pode ser encontrada para os primeiros anos, uma vez que a série estatística
aqui utilizada conta com dados de mortalidade unicamente entre 1980 e 2050.
Dada a inexistência de informações sobre as taxas específicas de mortalidade
antes de 1980, não há meios de se calcular a esperança de vida de coorte para
anos anteriores a 1980, que, por sua vez, forneceria o tempo de defasagem.
A série da defasagem estende-se por intervalos diferentes para cada sexo. Para
os homens, foi possível estabelecer as estimativas da defasagem a partir do ano
(período) de 2007 e, para as mulheres, somente a partir de 2010. A baixa
esperança de vida masculina, comparativamente à feminina, tornou possível a
correspondência da esperança de vida de período masculina para um maior número
de anos. Nesse sentido, as coortes equivalentes masculinas são mais próximas
dos períodos de referência do que as femininas. A acentuada diferença nos
níveis de longevidade entre os sexos é decorrente dos altos níveis de
mortalidade masculina, principalmente por causas externas. A despeito disso, os
resultados mostram que as tendências de crescimento das esperanças de vida ao
nascer de período e de coorte são percebidas semelhantemente entre homens e
mulheres.
Na Tabela_1 apresenta-se a translação da esperança de vida ao nascer de período
para o Brasil, por sexo, determinando qual coorte de nascimento teria sua
longevidade equivalente à estimativa de período. Por exemplo, a esperança de
vida ao nascer calculada para as mulheres em 2010 é equivalente à esperança de
vida de uma coorte feminina nascida em 1980. Assim, a esperança de vida
estimada para a coorte hipotética recém-nascida em 2010 estaria, na realidade,
estimando a longevidade de uma coorte passada. Em outras palavras, pode-se
dizer que as mulheres que alcançassem 30 anos em 2010 teriam sua esperança de
vida ao nascer equivalente à estimativa do ano corrente, ao passo que aquelas
com idade abaixo e acima de 30 anos teriam sua longevidade subestimada e
sobreestimada, respectivamente.
[/img/revistas/rbepop/v30s0/a06tab01.jpg]
As estimativas de longevidade construídas para período até meados da década de
2030 equivalem às estimativas de coortes nascidas no século passado. Já para as
demais estimativas produzidas até 2050, a correspondência não ultrapassa a
coorte de 2016. Esses resultados relacionam-se diretamente com a defasagem. No
início da translação, a defasagem é de 26,3 anos para os homens e de 29,7 anos
para as mulheres, enquanto, ao final do intervalo em estudo, o distanciamento
se amplia, passando para 34,2 e 38,7 anos para homens e mulheres,
respectivamente. Enfim, com o passar dos anos, as coortes equivalentes tornam-
se cada vez mais remotas.
Discussão
Em uma população cuja mortalidade esteja fixa, a experiência de vida geracional
sempre se repete, tornando possível observar em um único período todas as
funções de mortalidade que geram a esperança de vida de qualquer coorte. Assim,
não haveria diferença entre as estimativas obtidas na análise longitudinal e
aquelas alcançadas na análise transversal da população. Entretanto, com o
processo de mudanças da sobrevivência, observa-se que as taxas específicas de
mortalidade se alteram constantemente, fazendo com que não seja possível a
correspondência entreas condições correntes de mortalidade e as verdadeiras
experiências de vida das coortes.
Aprofundando a reflexão sobre as mudanças da sobrevivência, constatou-se que
nenhuma coorte presente em determinado ano absorverá todas as melhorias
percebidas nesse período, pois o único ganho real alcançado pelas pessoas será
aquele observado para a sua idade. Caso as condições de mortalidade continuem
melhorando, os indivíduos que sobreviverem aos períodos seguintes continuarão
se beneficiando de ganhos na longevidade. Nesse contexto, podem ser notadas
duas situações: as coortes mais velhas, presentes na população, vivenciaram
riscos de morte mais elevados do que as mais jovens, enquanto as coortes
futuras vivenciarão riscos mais baixos do que as atuais.
Mesmo a mortalidade se estabilizando, a esperança de vida de período somente
estimará o tempo médio de vida da coorte recém-nascida, uma vez que as demais
coortes experimentaram níveis de mortalidade diferentes nos anos anteriores.
Além disso, até que todos os indivíduos nascidos previamente a essa
estabilização morram, a longevidade calculada pelas taxas correntes de
mortalidade não será uma estimativa acurada para todas as coortes sobreviventes
no período.
Caso as condições de mortalidade se fixassem a partir de algum momento, todas
as coortes ali presentes perceberiam os mesmos ganhos relativos da sua idade
atual em diante, embora nem todos os indivíduos fossem beneficiados por ganhos
nas idades mais jovens. Portanto, quando a mortalidade sofre ou sofreu
recentemente oscilações, a esperança de vida de período fornece indicadores
enviesados sobre a longevidade das coortes reais.
Ao se considerar a natureza da mortalidade de países contemporâneos, as
recentes metodologias exigem suposições, muitas vezes, irrealistas, pois,
dependendo do estágio de desenvolvimento em que cada país se encontra, não é
uma tarefa fácil e generalizável descrever o processo de mudanças da
mortalidade em vista do atual padrão de sobrevivência e de possíveis melhorias
das condições de vida.
A existência do efeito tempo na esperança de vida de período também é
questionável, uma vez que esse conceito é originário do campo da fecundidade,
em que se pode perceber claramente a diferença entre o efeito tempo e o efeito
quantum. Na fecundidade, a proposta original de ajuste se dá na taxa de
fecundidade total (medida de quantum), diferentemente da proposta da
mortalidade, que seria na esperança de vida de período (medida de tempo). Já
que a mortalidade é uma componente demográfica puramente de tempo, a adaptação
da ideia de distorção para a análise da mortalidade não é amplamente aceita.
Para Rodriguez (2006), mesmo que reduções das taxas de mortalidade correspondam
ao retardamento dos óbitos, o quantum no nível individual é sempre um, pois
cada pessoa morre apenas uma vez. Não há risco de interpretações incorretas.
Uma redução nas taxas de mortalidade somente pode significar que as pessoas
estão adiando a idade média à morte e que, portanto, não há necessidade de
ajustes na esperança de vida de período.
Os novos estimadores de longevidade, em geral, visam analisar as condições
correntes de mortalidade, mas esse termo também é alvo de grande discussão.
Segundo Vaupel (2002), as condições correntes de mortalidade referem-se ao
regime das condições de saúde prevalentes na população, que, por sua vez, são
complexas e difíceis de serem mensuradas. Para o autor, devem-se levar em conta
quaisquer fatores que influenciem o risco de morte, tais como nível
educacional, exposição a doenças, dieta, tabagismo, genética, etc. Por outro
lado, Bongaarts e Feeney (2008) entendem condições correntes de mortalidade
como o regime de mortalidade a ser experimentado pela população estacionária
equivalente, após a estabilização da mortalidade. Já para grande parte dos
demógrafos, as condições correntes de mortalidade, no sentido mais popular da
expressão, são expressas pelas taxas correntes de mortalidade.
Enfim, o termo condições correntesé definido segundo o objeto de estudo de cada
pesquisador. Portanto, generalizando, conceituou-se neste trabalho a análise
dascondições correntesde mortalidade como toda medida que se propõe ao estudo
transversal da longevidade.
Se pensarmos nos novos indicadores de longevidade por outra perspectiva,
estaremos construindo uma medida alternativa à esperança de vida de período, a
qual, por sua vez, também é uma medida alternativa de esperança de vida de
coorte. Assim, estabelecer a relação entre a esperança de vida de período e de
coorte é tão ou mais importante do que o estudo de novas medidas de
longevidade. Porém, se desejamos estudar as condições correntes de mortalidade,
em vez das experiências de vidadas coortes, então, a alternativa mais razoável
continua sendo empregar a esperança de vida de período, por ser facilmente
calculada e amplamente difundida.
Em se tratando da medida geracional, vale lembrar que a projeção do declínio da
mortalidade, estabelecida por uma tabela limite, pode subestimar ou sobre-
estimar as medidas reais de longevidade em longo prazo. Mesmo baseando-se nas
tendências observadas na população brasileira, a incerteza sobre o ritmo de
melhorias a ser experimentado nas próximas décadas está presente em qualquer
projeção que se faça. Entretanto, essa limitação não leva a conclusões
absurdas; pelo contrário, os resultados alcançados conduzem a um ponto de
partida factível. Ao que tudo indica, caminha-se no sentido da consolidação do
processo de envelhecimento populacionale daretangularização da curva de
sobrevivência, perfil típico de países desenvolvidos.
Conclusão
Não é surpresa alguma encontrar nas estimativas oficiais a evidenciada melhoria
da esperança de vida ao nascer. Isso porque a esperança de vida, principalmente
ao nascer, é indicadora do nível de desenvolvimento do país, refletindo todo o
conjunto de condições favoráveis ou desfavoráveis ali presentes. O registro do
declínio histórico da mortalidade no Brasil, pelas instituições governamentais
brasileiras, sempre se deu sob a perspectiva de período. Portanto, a análise
das tendências da longevidade do país limita-se às informações oficiais
construídas para período. Contudo, enquanto o Brasil experimentar melhorias nas
condições de vida, a tabela de sobrevivência de período não descreverá nenhuma
coorte real.
Nesse contexto, os estudiosos da área apresentaram propostas alternativas à
estimativa do tempo médio de vida, cada qual se propondo a responder diferentes
tipos de questões. As recentes propostas trazem alguns pressupostos
incompatíveis com o atual contexto brasileiro, pois, na maioria das vezes, são
delineados para países desenvolvidos cuja estrutura de mortalidade mostra-se
diferente da nossa. Além disso, as novas medidas de longevidade exigem longas
séries históricas sobre a dinâmica populacional, da qual ainda não existe um
registro tão completo.
Os novos estimadores de longevidade têm como ideia principal analisar as
condições correntes de mortalidade, ao passo que o objetivo aqui é abordar a
experiência de vida real das coortes presentes na população. A proposta não
visa discutir como construir o tempo médio de vida, mas sim o que deve ser
utilizado na sua estimativa. A síntese da esperança de vida por meio da
construção da tabela de sobrevivência mostra-se tão vantajosa como sempre foi,
porém, o emprego das taxas específicas de mortalidade de período não é o único
meio de estimar a longevidade populacional. Ao que tudo indica, a esperança de
vida convencional não cairá em desuso, dada a facilidade de seu cálculo e a sua
ampla difusão. Por isso, mostrou-se que ela pode ser vista como um indicador
defasado do tempo médio de vida de alguma coorte passada.
A translação da esperança de vida ao nascer de período, na perspectiva de
coorte, é um recurso proveitoso para fornecer indicadores de quanto se
configura o bônus relativo às futuras melhorias na mortalidade. Já a medida de
coorte oferece estimativas reais, ou pelo menos mais próximas, da longevidade
de um grupo específico de indivíduos. Ao serem projetadas as tabelas de
sobrevivência de coorte, obtêm-se, além da esperança de vida ao nascer, a
sobrevida em qualquer idade e muitas outras funções de mortalidade para um
grupo real de pessoas.
Apesar de a mortalidade se encontrar instável e de ser difícil afirmar sobre
sua possível estabilidade ou quase-estabilidade, vale lembrar que essa
componente demográfica ganha papel cada vez mais importante sobre o processo de
envelhecimento e de crescimento populacional. Por isso, a discussão sobre
medidas de longevidade, tanto transversal quanto longitudinal, tem se
intensificado.