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BrBRHUAp0102-30982014000200006

BrBRHUAp0102-30982014000200006

variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Religião, religiosidade e iniciação sexual na adolescência e juventude: lições de uma revisão bibliográfica sistemática de mais de meio século de pesquisas

Introdução Apesar de sempre frequente nos estudos estrangeiros, o uso da religião enquanto variável demográfica, com impacto no comportamento sexual, vem ganhando importância na literatura brasileira à medida que duas transformações se fazem presentes na sociedade brasileira. A primeira diz respeito ao panorama religioso, que se diversificou em termos de afiliações religiosas. Segundo dados dos censos demográficos, houve importante redução na proporção de pessoas autodeclaradas católicas, passando de 95%, em 1940, para 64,6%, em 2010, enquanto a proporção de protestantes aumentou de 3% para 22,2%, no mesmo período. os que se denominam sem religião passaram de menos de 1% para 8% do total (MARIANO, 2004; COSTA et al., 2005; MCKINNON et al., 2008; ALVES; NOVELLINO, 2006; IBGE, 2012). uma grande diversidade regional das afiliações religiosas que merece destaque. Enquanto no Nordeste 72,2% da população se declarava católica em 2010, no Sudeste e no Centro-Oeste esta porcentagem era de apenas 59,5% e 59,6%, respectivamente. Em termos de Estados, o Rio de Janeiro possuía a menor proporção de católicos (45,8%) e a maior de declarados sem-religião (15,6%), enquanto o Piauí era o Estado com mais católicos no Brasil (85,1%). Se a unidade de análise for a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), excluindo-se a cidade do Rio de Janeiro, a proporção de católicos, em 2010, era de apenas 38,7% (ALVES et al., 2012).

A segunda transformação foi que o Brasil, assim como outros países da América Latina, enfrentou mudanças nas suas normas e valores relacionados à sexualidade, como, por exemplo, a desvinculação da atividade sexual do casamento e reprodução. A sexualidade pré-conjugal, que de certa maneira sempre foi permitida e incentivada entre os homens, passa a ser, também, um direito da mulher (HEILBORN et al., 2006), que começa a exercê-lo em idades cada vez mais jovens. Os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher ' PNDS de 2006 indicam que 55,2% das jovens de 15 a 19 anos haviam tido a primeira relação sexual, porcentagem muito mais elevada que a registrada na PNDS de 1996 (32,8%). a idade mediana à primeira relação sexual diminuiu de 19,5 anos para 17 anos, entre 1996 e 2006 (BEMFAM, 1996; BRASIL, 2006).

Ao mesmo tempo, o Brasil vem assistindo a uma rápida queda na sua taxa de fecundidade total (TFT), visto que o número médio de filhos por mulher passou de 6,3, em 1960, para 1,86, em 2010. Houve, ainda, uma clara mudança no padrão da curva da fecundidade,1 que se tornou mais jovem, com as mulheres encerrando sua parturição na primeira metade do seu período reprodutivo. Assim, as taxas específicas de fecundidade (TEF) na adolescência (15-19 anos) e na fase adulta jovem (20-24 anos) ganharam importância à medida que aumentavam gradativamente sua participação relativa na TFT (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2005; LEITE et al., 2004; COSTA et al., 2005; MCKINNON et al., 2008).

A influência da religião e da religiosidade na fecundidade das adolescentes brasileiras vem sendo documentada em vários estudos. Ogland et al. (2011), por exemplo, sugerem que, em 2006, as adolescentes com alguma filiação religiosa tinham menor chance de ter um filho na adolescência do que aquelas sem filiação religiosa. Verona e Dias Júnior (2012), ao compararem 1996 e 2006, também verificaram forte associação entre fecundidade pré-marital na adolescência e envolvimento religioso nos dois anos estudados. McKinnon et al. (2008) mostram que a maioria das protestantes brasileiras tem menor chance de ter filhos na adolescência se comparadas às católicas, sugerindo que as igrejas protestantes parecem ser mais eficientes em desencorajar o sexo pré-marital.

No que tange ao início da vida sexual, apesar de o catolicismo e o protestantismo serem contra o sexo pré-marital, indícios de que o segundo seja mais influente no comportamento dos jovens fiéis, justamente por enfatizar palavras fortes como castidade, virgindade e pecado (Chesnut, 1997). Ogland et al. (2011), por exemplo, mostram que as adolescentes que se declaram protestantes e, em particular, pentecostais e aquelas com maior frequência às cerimônias religiosas têm chance maior de se manterem virgens devido ao compromisso de não ter relações sexuais antes do casamento. A tradição católica brasileira, por sua vez, foi sendo modificada e adquiriu caráter polissêmico, o que possibilitou que pessoas pertencentes à mesma denominação religiosa não possuíssem, necessariamente, unidade na vivência (Brandão, 2004). De qualquer forma, as rígidas doutrinas religiosas criam a expectativa de que pessoas seguidoras dessas religiões terão posturas igualmente restritivas com relação ao sexo pré-marital, da mesma forma que os não religiosos ou sem religião serão mais liberais. Logo, é também de se esperar que o grau de conservadorismo seja diretamente proporcional à intensidade da religiosidade, não apenas da denominação religiosa.

A possível influência da religião no conhecimento, atitudes e práticas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva reforça a necessidade de se devotar mais esforço científico com relação às variáveis de religião. Diante da demanda de aporte teórico para balizar futuros trabalhos, é preciso pesquisar a fundo o que tem sido feito ao longo dos anos em estudos de religião, religiosidade e iniciação sexual de adolescentes e jovens, entendidos aqui como os grupos etários de 15 a 19 anos e 20 a 29 anos, respectivamente.2 Assim, esse artigo pretende mapear, por meio de uma revisão bibliográfica sistemática (RBS), os principais resultados encontrados nas literaturas nacional e internacional acerca do tema, publicados entre 1950 e abril de 2014. Além disso, pretende-se fornecer insumos para orientar o desenho de questionários e roteiros de entrevistas e grupos focais, a coleta de dados, a análise das informações e a interpretação padronizada do que sejam religião e religiosidade, a fim de otimizar as análises e reduzir vieses metodológicos.

A seguir, são discutidos os antecedentes e é feito um detalhamento da metodologia da revisão bibliográfica sistemática, que resultou em 71 artigos.

Posteriomente, são listadas as diversas formas de classificação observadas para religião e religiosidade e mostrados os principais resultados encontrados na RBS. Finalmente, apresenta-se um levantamento de cuidados metodológicos que devem ser tomados em estudos de religião, religiosidade e sexualidade, especialmente em se tratando de adolescentes.

Antecedentes Após a Conferência de População de Bucareste, em 1974, vários estudos sobre sexualidade começaram a tomar forma (ODIMEGWU, 2005). Especialmente após os anos 1980, a sexualidade dos jovens ganhou muito destaque, sempre abordando o risco da Aids e da gravidez na adolescência (RIOS et al., 2008). O debate sobre iniciação sexual na adolescência fez aflorar pesquisas nas mais diversas áreas científicas, como as ciências médicas e sociais. Muito é pesquisado sobre as suas possíveis consequências, sendo a principal delas a gravidez, tratada muitas vezes como "problema social". Ser mãe na adolescência tem sido relacionado com atrasos educacionais, gravidezes de alto risco, atrasos na procura de exames pré-natais, abortos espontâneos, prematuridade e baixo peso do bebê, que podem levar ao aumento da mortalidade infantil e materna (CAMARANO, 1998; SOUZA, 1998).

Na busca por fatores associados à iniciação sexual, uma diversidade de variáveis que agem de modo a influenciar o jovem nas suas decisões e reduzir os eventuais custos associados com a perda da virgindade (BILLY et al., 1994).

Fatores como urbanização, exposição à mídia de massa, secularização, assim como o adiamento do casamento e a falta de supervisão dos filhos, levaram a um aumento da permissividade sexual entre os jovens, culminando na redução da idade na primeira relação sexual, que, por sua vez, se tornou majoritariamente pré-marital (ADDAI, 2000).

Independentemente do conjunto de fatores, a questão se agrava entre jovens de baixa renda, com alto risco social, vivendo em municípios urbanos com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elevados índices de criminalidade e altas taxas de evasão e repetência escolar. Estudo realizado em três comunidades, no final dos anos 1990, revela que, entre as adolescentes de menor status socioeconômico, as gravidezes geralmente ocorriam logo após o início da vida sexual e eram, em sua maioria, não planejadas. Nestas comunidades, a religião (católica e protestante) parece ter sido um dos poucos mecanismos institucionais capazes de deter o avanço das gravidezes precoces (MIRANDA- RIBEIRO; POTTER, 2010). os grupos religiosos em favelas no Rio de Janeiro costumam adaptar os códigos morais tradicionais, que proíbem a gravidez pré- marital, à realidade local, a fim de acolher as jovens que engravidam fora da união (STEELE, 2010).

Desde o primeiro estudo sobre sexualidade feminina, publicado em 1953, a religião era considerada uma variável possivelmente associada à iniciação sexual pré-marital (KINSEY et al., 1953). Mais tarde, em uma revisão da literatura sobre adolescência e comportamento sexual publicada entre 1980 e 2000, verificou-se que a religiosidade foi consistentemente associada ao adiamento da atividade sexual, de forma que, quanto maior sua influência, maior o tempo de adiamento (WHITEHEAD et al., 2001). Mas como a religião afeta o comportamento dos indivíduos em geral e o comportamento sexual dos adolescentes em particular? Verona (2011), a partir de uma leitura do arcabouço proposto por Smith (2003), argumenta que a religião tem efeitos diretos e indiretos sobre os adolescentes. Nove fatores operam sobre o comportamento sexual, divididos em três grandes grupos: ordem moral; competências aprendidas; e laços sociais e organizacionais. A ordem moral compreende tradições que promovem ideias sobre o que é bom ou ruim, certo ou errado, justo ou injusto, entre outros, de forma a orientar a consciência humana e motivar a ação dos indivíduos. Ela atua por meio de diretivas morais, experiências espirituais e modelos a serem seguidos ("role models"). As competências aprendidas, por sua vez, compreendem habilidades e conhecimentos que melhoram o bem-estar dos indivíduos e suas chances de vida futura ' as habilidades de liderança, as habilidades para lidar com perdas e o capital cultural. Finalmente, os laços sociais e organizacionais, definidos como as estruturas de relações que afetam as oportunidades e restrições dos indivíduos, operam a partir do capital social, das redes de apoio na comunidade religiosa e das habilidades fora da comunidade. Portanto, a influência da religião pode ser vista como uma força inibidora de certos comportamentos, inclusive o sexual, contribuindo para adiá- los, reduzi-los ou mesmo restringi-los, de forma direta ou indireta.

Metodologia da revisão bibliográfica sistemática A metodologia da RBS está dividida em quatro fases: estratégia de busca; critérios de inclusão e exclusão; leitura e fichamento; e análise e escrita da revisão.

Fase 1: Estratégia de busca A revisão bibliográfica sistemática, realizada entre julho e agosto de 2010 e atualizada em abril de 2014,3 englobou as bases de dados Journal Store (JSTOR),4 Scientific Electronic Library Online (SciELO), American Theological Library Association (Atla), Banco de Teses e Dissertações do Cedeplar5 e Banco de Teses e Dissertações da UFMG6, As buscas foram feitas diretamente nos portais eletrônicos em questão, utilizando chave de acesso para chegar aos textos completos em formato PDF e limitando o período de busca para aqueles publicados entre 1950 e 2014. No presente trabalho, para fins de simplificação, dissertações e teses também serão chamadas de artigos.

Na estratégia de busca para obtenção de artigos em inglês, foram empregadas as seguintes palavras-chave: ((adolescence or adolescent or teenagers) AND (sexual initiation or sexual debut or first time or first sexual intercourse) AND (religion or religiosity)). No processo de busca para a captura de artigos em português, utilizaram-se as palavras-chave: ((adolescência ou adolescente) E (iniciação sexual ou primeira vez ou primeira relação sexual) E (religião ou religiosidade)). Apesar de a palavra juventude ter sido usada na busca por palavras em português, ela não foi essencial na procura, haja vista que uma nova pesquisa sem a palavra mostrou os mesmos resultados encontrados. Os critérios de busca foram aplicados para títulos, resumos, palavras-chave e corpo do texto. Optou-se por não contemplar artigos cujo objeto de pesquisa fosse composto exclusivamente por membros da religião muçulmana e judaica, uma vez que a presença das mesmas no Brasil é pouco significante.

Para as bases de dados SciELO, JSTOR, UFMG e Cedeplar, foram excluídas as referências que não continham o artigo completo em PDF, uma vez que, no momento da consulta, era possível observar a inexistência do arquivo completo. para a base de dados Atla, todas as referências foram mantidas durante essa primeira fase de busca, pois a verificação da existência de PDF demandaria longo tempo adicional nesta fase da coleta.

Nesta primeira fase, foram encontradas 406 referências de trabalhos, sendo 21 no Banco de Teses e Dissertações da UFMG e Cedeplar, 43 na SciELO, 170 no JSTOR e 172 no Atla.

Fase 2: Critérios de inclusão e exclusão Na segunda fase, todas as 406 referências foram reavaliadas. Destas, excluíram- se aquelas que não cumpriam todos os critérios estabelecidos para a RBS: artigo científico; texto completo disponível em PDF; iniciação sexual como tema principal e religião como variável de interesse ou variável de controle.

Primeiramente, fazia-se o download do PDF, que era salvo e aberto. Caso ele não estivesse disponível, a referência era excluída. Em seguida, eram lidos, nesta ordem, o título do trabalho, as palavras-chave, o resumo e, se necessário, parte do corpo do texto. Se o título indicasse se tratar de um artigo que objetivasse estudar a iniciação sexual, procedia-se à procura da variável de religião. Caso a mesma fosse encontrada, o texto era mantido; caso contrário, o texto era excluído. O box Fase 2 da Figura_1 mostra o fluxograma completo do processo de exclusão.

Após essa segunda fase, foram selecionados cinco dissertações ou teses da UFMG e Cedeplar, 23 artigos da SciELO, 59 do JSTOR e 12 do Atla, somando 99 referências.

Fase 3: Leitura e fichamento A terceira fase incluiu a leitura dos 99 textos selecionados e a coleta das informações necessárias à RBS. Estas informações foram armazenadas em uma planilha do programa Microsoft Excel, de acordo com as seguintes variáveis: 1.

Autores; 2. Ano; 3. Objetivos; 4. Descrição da amostra; 5. Metodologia; 6.

Resultados. Os artigos puramente teóricos, sem testes empíricos, foram fichados e digitados no programa Microsoft Excel, de acordo com as seguintes variáveis: 1. Autores; 2. Ano; 3. Pontos importantes citados por outros autores; 4. Pontos importantes citados pelo artigo.

Nessa fase, mesmo os artigos que porventura se distanciassem do objetivo da pesquisa eram fichados e catalogados, que muitos se mostravam desviantes do assunto na ocasião da leitura da metodologia ou dos resultados.

Fase 4: Análise e escrita da revisão A última etapa consistiu na análise dos achados da revisão sistemática. Os arquivos que não contemplavam o objeto central da pesquisa ' a associação entre religião, religiosidade e iniciação sexual na adolescência ' não foram considerados. Assim, foram eliminados 28 textos, resultando em 71 documentos que foram analisados (Quadro_1).

Descrição dos textos encontrados na RBS A revisão bibliográfica sistemática revelou que, em mais de meio século de pesquisas (1960-2013), muito foi feito no sentido de procurar maneiras de medir a influência da religião e da religiosidade na iniciação sexual. A maior parte dos estudos encontrados nessa revisão foi feita nos Estados Unidos, o que pode ser reflexo da escolha dos bancos de dados pesquisados na revisão, que contêm muitos periódicos editados naquele país. Esse fato também pode ter refletido no grande número de estudos (90%) com caráter empírico.

Com relação ao ano de publicação, o primeiro artigo é de 1960, enquanto o mais atual data de 2013. É interessante notar que, de 71 artigos pesquisados, quase dois terços foram publicados a partir de 2000, sugerindo um forte crescimento da religião como variável de interesse em pesquisas sobre a iniciação sexual, ou ainda um aumento do número de publicações científicas. O primeiro trabalho com este enfoque no Brasil foi realizado por Gupta (2000), com adolescentes residentes na Região Nordeste.

Percebeu-se que tanto mulheres quanto homens foram pesquisados, dependendo da disponibilidade dessa variável na base de dados utilizada, ou do desenho da amostra, quando a coleta de dados foi feita pelos próprios autores. Algumas bases de dados destacam-se pela grande quantidade de artigos publicados utilizando seus dados, como a National Survey of Family Growth (NFSG) (BILLY et al., 1994; COOKSEY et al., 1996; BREWSTER et al., 1998; MANLOVE et al., 2006; HAGLUND; FEHRING, 2010), a National Longitudinal Study of Adolescent Health (Add Health) (BEARMAN; BRÜCKNER, 2001; MEIER, 2003; ROSTOSKY et al., 2003; REGNERUS; SMITH, 2005; FRANCIS, 2007; MENNING et al., 2007) e as DHS ' Demographic Health Surveys (GUPTA, 2000; ADDAI, 2000; LONGO, 2001; ISHIDA; STUPP; McDONALD, 2011), que, embora sejam mais limitadas em termos de informação sobre religião, têm boa amostragem e intervalos decenais.

Com relação à metodologia e aos métodos empregados nas análises dos artigos, percebe-se que, nas duas primeiras décadas, houve predominância da estatística quantitativa descritiva simples, sem testes de significância. Com o tempo, houve incremento e diversificação de métodos. A metodologia qualitativa aparece a partir do final da década de 1990, com Fehring et al. (1998).

O tamanho amostral variou conforme a base de dados utilizada, a técnica de coleta de dados e as variáveis de interesse na pesquisa. Nem os autores que trabalhavam com as mesmas rodadas da mesma base de dados tiveram amostras idênticas, visto que a exclusão ou inclusão de uma variável é suficiente para alterar o número de casos válidos. A faixa etária pesquisada também variou, sendo que alguns entrevistaram jovens adultos e adultos com relação à primeira experiência sexual, dado que, para muitas realidades, o interesse é pesquisar a relação sexual pré-marital, que muitas vezes, mas não exclusivamente, acontece pela primeira vez na adolescência.

Por último, a decisão inicial de pesquisar literatura científica estrangeira foi acertada, haja vista que somente 12 textos investigaram a realidade brasileira (16% do total).

Classificações encontradas na RBS para religião e religiosidade Independente da forma como foram descritas, religião e religiosidade permaneceram, ao longo dos estudos, como variáveis associadas à iniciação sexual. Apesar de os métodos de análise terem se diversificado ao longo do tempo, percebe-se que a sofisticação das técnicas de categorização das respostas foi possível após a criação de questionários específicos, nos quais haveria espaço para mensurar a religiosidade e a filiação religiosa com mais detalhamento do que a simples pergunta sobre denominação religiosa e frequência a cultos e celebrações. Dessa forma, as variáveis multidimensionais aumentaram a sensibilidade em relação a algumas características que diferenciam pessoas mais religiosas das menos religiosas.

É importante dizer que, ao se traduzirem os termos em inglês, muito da diversidade lexical utilizada no inglês para descrever a frequência de ida à igreja (church attendance, religious service attendance, frequency of service, religious participation) foi perdida, que optou-se por nomeá-las como frequência de participação ou ida a igrejas ou cultos. Apesar da diminuição da variedade de vocabulário, a tradução procurou ser a mais literal possível, não alterando o sentido das sentenças, com exceção das categorias mainline protestants, que no Brasil referem-se aos protestantes históricos ou evangélicos de missão, e os institutional sects, que no caso brasileiro seriam como subdivisões das igrejas pentecostais.

Formas de se classificar denominação/filiação religiosa Com base nas análises das metodologias dos artigos pesquisados na revisão bibliográfica, percebe-se que existem duas formas de se inserir a denominação religiosa nas análises quantitativas: a unidimensional e a multidimensional (Quadro_2).

Unidimensional A maneira mais simples de se classificar uma denominação ou filiação religiosa é a forma unidimensional, na qual a categoria de resposta corresponde exatamente à filiação religiosa relatada pelo respondente. Caso tenha sido coletada em questionário aberto, a classificação de religiões pode ser trabalhosa, haja vista a grande proporção de pessoas que, por desconhecerem o tipo de filiação religiosa, podem citar o nome da igreja frequentada (COUTINHO, 2011). A maioria dos artigos pesquisados que classificaram a religião de forma unidimensional, no entanto, dispunha de categorias de resposta pré- codificadas nos questionários, que podem ser agrupadas de forma a facilitar a análise dos dados, como no caso dos participantes de igrejas metodistas e batistas que, muitas vezes, são agrupados em uma categoria maior denominada "protestantes históricos". Esse é o caso de diversos artigos pesquisados na revisão bibliográfica (Quadro_2), como Henze e Hudson (1974), Garner (2000), Barbosa e Koyama (2008), Haglund e Fehring (2010) e Crowford et al. (2011).

Dependendo do desenho da análise, ou do interesse da pesquisa, as categorias de resposta são agrupadas mais sinteticamente, transformando-se em categorias binárias. É o caso, por exemplo, de Gupta (2000) e Longo (2001), que classificaram a filiação religiosa de forma binária (católica ou não), assim como Miller et al. (1987) (mórmons ou não) e Mbotho, Cilliers e Akintola (2013) (cristãos pentecostais e carismáticos) (Quadro_2). Mais exemplos podem ser vistos no Quadro_2, que sumariza as diversas formas de classificação unidimensional de religião encontradas da RBS.

Multimensional Uma maneira mais sofisticada de categorizar as denominações religiosas, mas que também depende da disponibilidade de dados, é aquela que cria categorias que não somente indicam a denominação religiosa per se, mas também acoplam uma outra característica que seja relevante ao estudo, como, por exemplo, a intensidade dessa religião, ou uma divisão interna, como no caso dos católicos, que podem ser mais conservadores ou liberais. Os exemplos encontrados na revisão bibliográfica se encontram no Quadro_2.

Murray (1978) separa a filiação religiosa católica ' a única estudada ' entre aqueles considerados ortodoxos e os liberais. Miller e Bingham (1989) agrupam filiação religiosa em uma categoria binária que não somente engloba as religiões, mas também as divide conforme sua posição contrária ou indiferente em relação ao sexo pré-marital. Assim, uma categoria é composta por "cristãos fundamentalistas", "batistas" e "mórmons", que são considerados contra sexo pré-marital. a outra categoria é composta por "protestantes que não são batistas", "católicos não fundamentalistas", "judeus" e "outras religiões" (Quadro_2).

Coutinho (2011) e Marsicano et al. (2011) agrupam a frequência de participação aos cultos e celebrações à filiação religiosa. Eles possuem em comum as categorias católicos praticantes, católicos esporádicos, protestantes históricos praticantes, protestantes históricos esporádicos, protestantes pentecostais praticantes, protestantes pentecostais esporádicos, outras religiões e nenhuma religião. A diferença é que, enquanto no Brasil Coutinho inclui a categoria neopentecostal (protestantes, neopentecostais praticantes, protestantes neopentecostais esporádicos), Marsicano inclui a opção muçulmano (muçulmanos praticantes regulares, muçulmanos praticantes não regulares), que seu trabalho é sobre a realidade francesa.

Formas de se classificar a religiosidade Além das duas formas (unidimensional e multidimensional) de se classificarem as denominações religiosas, a categorização da religiosidade também fornece maior sofisticação, podendo exibir caráter uni e multidimensional. As diversas formas de classificação para religiosidade podem ser encontradas no Quadro_3.

Unidimensional Na forma unidimensional de classificação da religiosidade do respondente, apenas uma variável é considerada: geralmente, a frequência de participação nos cultos e celebrações religiosas, ou qualquer outra que o(a) pesquisador(a) julgar ser uma proxy adequada da religiosidade de uma pessoa. Esse é o caso de diversos artigos pesquisados na revisão bibliográfica (Quadro_3). Henze e Hudson (1974), Longo (2001), Gupta (2000) e Hugo et al. (2011) criaram variáveis dummies, sendo, respectivamente: se a mulher frequenta os cultos de sua religião; se vai à igreja ou ao culto pelo menos uma vez por mês; se vai à igreja pelo menos uma vez por mês, se vai à igreja poucas vezes por ano; se pratica religião. Outros, no entanto, utilizaram níveis de frequência de ida aos serviços religiosos, que variavam de mais que uma vez na semana até nunca (MILLER et al., 1987; JENSEN et al., 1990; HAMMOND et al., 1993; DAVIDSON et al., 1995; MURRAY et al., 1998; MANLOVE et al., 2006; CRAWFORD et al., 2011; HULL; HENNESSY, 2011; ISHIDA; STUPP; MCDONALD, 2011; ROSENBAUM; WEATHERSBEE, 2013).

Alguns autores deram ênfase à religiosidade individual autoavaliada, como foi o caso de Miller e Bingham (1989) e Slap et al. (2003), que a codificaram de acordo com a importância que a religião exerce sobre a vida da jovem: de baixa a alta, no caso de Miller e Binghan (1989); e muito importante, importante e não importante, no caso de Slap et al. (2003). Mahoney (1980) utilizou uma escala de 0 a 20, na qual o respondente deveria marcar seu grau de religiosidade, sendo 0 correspondente a nada intenso e 20 igual a muito intenso (Quadro_3).

Multidimensional A revisão bibliográfica captou várias experiências de autores que utilizaram mais de uma variável para construir a variável religiosidade (Quadro_3), dando a ela um caráter multidimensional.

Em Tanfer e Horn (1985), Albrecht et al. (1977), Kiragu e Zabin (1993), Bearman e Brückner (2001), Meier (2003), Rostosky et al. (2003), Regnerus e Smith (2005), Odimegwu (2005), Francis (2007), Haglund e Fehring (2010) e Burchardt (2011), a religiosidade foi medida com base nas respostas às perguntas sobre frequência de ida à igreja (ou comunhão), importância pessoal da religião para o jovem (exceto ALBRECHT et al., 1977), frequência que reza ou ora (exceto TANFER; HORN, 1985; KIRAGU; ZABIN, 1993; REGNERUS; SMITH, 2005) ou outras variáveis pessoais do tipo participação em grupo de jovem (MEIER, 2003; FRANCIS, 2007), leitura da bíblia todos os dias, divulgação do evangelho, distribuição de material religioso e se a pessoa se importa com o que Deus pensa sobre ela (somente ODIMEGWU, 2005).

Escalas de resposta a diversas perguntas também foram utilizadas por autores como Woodroof (1985), Fehring et al. (1998), Scheepers et al. (2002), Rowatt e Schmitt (2003), L'Engle et al. (2006) e Burdette e Hill (2009). Para Woodroof (1985), por exemplo, a escala consistia em 11 perguntas sobre comportamento religioso, entre elas a frequência com que o respondente faz contribuições financeiras para a igreja e a frequência com que tenta converter outras pessoas. Para ter mais confiança no seu índice, a escala de Fehring et al.

(1998) chegou a ser julgada por 158 líderes religiosos, que apontaram o que seria uma pessoa religiosa (KOENIG et al., 1988 apud FEHRING et al., 1998).

Saindo da escala de religiosidade do respondente, em Scheepers et al. (2002), a frequência religiosa dos pais foi relatada pelos estudantes e utilizada na pesquisa. Os autores também empregaram a religiosidade dos pais, que foi calculada com base em Kelley e De Graaf (1997 apud SCHEEPERS et al., 2002), que a consideraram uma média não ponderada da frequência religiosa dos pais e responsáveis na nação como um todo. As visões religiosas sobre o mundo foram calculadas com base nas respostas a perguntas sobre Deus e sua relação com as pessoas, o significado da vida e a existência de Deus. Billy et al. (1994) também adicionam à frequência de ida aos cultos e celebrações da igreja ou comunhão (católicos) uma variável que diz respeito à religiosidade da comunidade na qual estavam inseridos, por meio do cálculo da prevalência de pessoas consideradas religiosamente aderentes e religiosamente aderentes e conservadores.

Resultados encontrados na RBS Brasil Ao todo, 12 estudos encontrados pela revisão bibliográfica sistemática sobre iniciação sexual e religião ou religiosidade tiveram como foco o Brasil. Foram identificados cinco pontos principais, considerados não excludentes.

O primeiro ponto foi que a maior frequência religiosa, independentemente de filiação religiosa, estava relacionada com a menor iniciação sexual pré-marital (GUPTA, 2000; LONGO, 2001, COUTINHO, 2011; HUGO et al., 2011; BAPTISTA, 2011).

Quanto mais alto o grau de religiosidade autoavaliado e mais elevada a religiosidade medida por meio da frequência aos serviços religiosos, menor é a chance de a iniciação sexual ter ocorrido.

Um segundo ponto encontrado foi que, com exceção de Baptista (2011), todos os outros estudos observaram correlações entre filiação religiosa e iniciação sexual, sendo que todas as categorias apresentaram chances reduzidas de o respondente ter se iniciado sexualmente na época da entrevista, em comparação com a categoria de referência "nenhuma religião" (LONGO, 2001; FRANÇA, 2008; COUTINHO, 2011). Os que mais se aproximam de ter o mesmo risco de iniciação dos sem religião são os católicos, seguidos pelos neopentecostais (COUTINHO, 2011). Em seguida, para as mulheres, vêm as de outras religiões, as protestantes históricas e as pentecostais como o grupo mais conservador e, para os homens, os protestantes históricos, os pentecostais e os de outras religiões.

Um terceiro ponto encontrado na revisão é que a filiação religiosa aparenta estar relacionada com a opinião do jovem a respeito do sexo pré-marital ou na adolescência. Para os jovens evangélicos pentecostais, por exemplo, sexo pode ser praticado dentro do casamento, ou seria considerado pecado ou "fornicação" (SILVA et al., 2008). Enquanto os sem religião são mais liberais, protestantes e pentecostais eram os que menos concordavam com as afirmações de que sexo é uma fonte de prazer, satisfação e uma necessidade física, como fome e sede. No entanto, o sexismo é forte, pois mais pessoas concordavam que mulheres (e não homens) devem esperar o casamento para iniciar a vida sexual (PAIVA et al., 2008).

No entanto, o quarto ponto verificado na revisão refere-se à existência de grande variabilidade no discurso dos jovens brasileiros. Paiva et al. (2008), utilizando a mesma base de dados de Barbosa e Koyama (2008), analisaram opiniões e atitudes diante da iniciação e educação sexual de adolescentes brasileiros, comparando respostas em 1998 e 2005. Os autores descobriram não haver um perfil bem delineado de adolescentes conservadores ou liberais, que muitos dos que defendem abstinência até o casamento defendem também a educação sexual nas escolas e o crescimento da tolerância com relação ao sexo homossexual. Além disso, o grupo católico viveria a religiosidade sem participar dos rituais e sem se deixar levar pela moral católica vinda do Vaticano, a qual proíbe o sexo pré-marital e o uso de preservativo. Vidal e Ribeiro (2008), em um estudo qualitativo, também observaram a variedade de discursos dos jovens. Em resumo, os jovens entendem que existem discursos conflitantes na esfera da sexualidade, que coexistem ideologias sexuais tradicionais e outras mais liberais. O resultado é fruto de uma "negociação entre as partes", e não de uma impulsividade (NASCIMENTO; GOMES, 2009, p.

1106).

Um quinto ponto encontrado nessa revisão bibliográfica dos artigos brasileiros diz respeito à opinião das autoridades religiosas, que é, em geral, menos heterogênea e liberal do que a dos jovens. Rios et al. (2008) e Silva et al.

(2008), em pesquisas qualitativas, investigaram o posicionamento de lideranças religiosas católicas e evangélicas sobre juventude e sexualidade. Segundo esses autores e os dados colhidos, tanto católicos quanto evangélicos criticam a erotização precoce que estimula a sexualidade juvenil e, apesar de reconhecerem as mudanças que a sociedade enfrentou na esfera da sexualidade, o atrelamento do sexo ao casamento ainda é uma preocupação dos líderes religiosos, que sexo deve ser feito após o jovem adquirir responsabilidade, entendida como consciência, maturidade afetiva, formação educacional, inserção no mercado laboral e matrimônio (RIOS et al., 2008). Assim, as igrejas têm que lançar mão de estratégias para assegurar que seus jovens não se engajem em atividades sexuais, como a ameaça da perda da posição de liderança ou do prestígio dentro da igreja. , também, uma valorização do jovem que espera, bem como a estigmatização daquele que desvia. "A estigmatização constitui estratégia importante para manter o rebanho sob controle" (RIOS et al., 2008, p. 681).

Mundo Os estudos sobre outros países circulam em três eixos que, assim como no Brasil, não são excludentes. O primeiro eixo de estudos diz respeito à associação da denominação religiosa ou filiação religiosa à iniciação sexual. O sinal da relação tende a mudar conforme a orientação da religião. As mais permissivas costumam estar associadas com a iniciação sexual, enquanto as mais conservadoras tendem a agir no sentido de postergar o início da relação sexual.

No entanto, pouca consistência com relação aos resultados por filiação religiosa, haja vista que a religião que é considerada permissiva ou conservadora varia conforme a pesquisa, o país pesquisado e a época do estudo.

É interessante notar, a princípio, que a filiação católica, embora seja um grupo conservador, contra qualquer tipo de relação pré-marital, extramarital, incluindo uso de contracepção (BREWSTER et al., 1998, p. 496), tende a ser mais conservadora no exterior do que no Brasil (BRUNEAU, 1982 apud VERONA, 20107), onde apresenta grande variedade de crenças e práticas. Esse fato sugere que, apesar de os católicos serem regidos pelo Vaticano, a heterogeneidade dentro do grupo é grande. Enquanto Landis (1960) e Tavares et al. (2009), em épocas e países diferentes, descobriram que católicos iniciavam-se sexualmente mais cedo do que seus pares protestantes, outro grupo de pesquisadores verificou que católicos possuíam comportamento mais conservador e, por isso, iniciavam-se mais tarde do que o grupo de protestantes (CASPER, 1990; ODIMEGWU, 2005). No entanto, Marsicano et al. (2011), em um outro exemplo, mostram que, para católicos e protestantes, a frequência às cerimônias não os difere com relação à iniciação sexual.

Um achado quase universal é o fato de que pessoas sem religião tiveram mais chances de serem sexualmente iniciadas do que seus pares com alguma filiação religiosa (LANDIS, 1960; DAVIS; LAY-LEE, 1999; FRANCIS, 2007; TANFER; HORN, 1985). No entanto, Burdette e Hill (2009) esbarram em um resultado inusitado: não ter religião estava associado com menores chances de perda de virgindade no modelo completo. Uma das possíveis explicações é que adolescentes sem filiação podem estar mais expostos a mensagens de saúde pública, pois são menos ou nada protegidos dessas mensagens, as quais muitos pais e igrejas podem considerar contra os princípios religiosos (BURDETTE; HILL, 2009).

O segundo eixo de pesquisas, assim como no Brasil, busca associar a frequência de participação aos cultos e celebrações (frequência religiosa) e/ou a religiosidade do jovem com a iniciação sexual. Sem grandes variações nos resultados, a maior participação nos cultos e celebrações, assim como uma maior religiosidade, tende a estar associada com a postergação no início da atividade sexual (MILLER et al., 1987; WOODROOF, 1985; MILLER; SIMON, 1974; MANNING et al., 2007; SLAP et al., 2003; FEHRING et al., 1998; ALBRECHT et al., 1977; WOODROOF, 1985; ROSTOSKY et al., 2003; SCHEEPERS et al., 2002; FEHRING et al., 1998; ODIMEGWU, 2005; ISHIDA; STUPP; MCDONALD, 2011; ADAMCZYK; FELSON, 2012).

Hull e Hennessy (2011), no entanto, observaram que os mais frequentes às cerimônias não se diferenciam dos que frequentam ocasionalmente, ou seja, ir à igreja de vez em quando seria suficiente para que os efeitos da religião sobre a iniciação sexual fossem significantes. Em geral, os que se consideram mais religiosos também tendem a ter menores chances de iniciação sexual precoce (MEIER, 2003; MAHONEY, 1980; TANFER; HORN, 1985; LANDIS, 1960; FRANCIS, 2007; MILLER; BINGHAM, 1989; KIRAGU; ZABIN, 1993; ROSTOSKY et al., 2003; ROWATT; SCHMITT, 2003).

É importante notar que existe uma diferença entre religiosidade e religiosidade individual que, muitas vezes, é ignorada. Woodroof (1985) chama de intrinsically oriented aquele jovem que possui maior nível de religiosidade individual, como leitura de bíblia e rezas individuais, ao contrário dos extrinsically oriented. Ambos frequentam a igreja, mas a maior diferença entre eles é que o primeiro a religião como um fim em si e, por isso, a pratica, enquanto o segundo segue aquela religião como forma de obter algo mais, como contatos sociais. O autor conclui que existe uma relação entre virgindade e tipo de orientação religiosa: enquanto 86% dos intrinsically oriented eram virgens, apenas 62% dos extrinsically orientednão tinham se iniciado sexualmente na época da pesquisa. Rowatt e Schmitt (2003), em um estudo sobre orientação religiosa e experiências sexuais, descobriram que mulheres tendem a ser mais intrinsically oriented do que homens.

No estudo de Haglund e Fehring (2010), adolescentes que acreditavam que religião é importante tinham 27% menos chance de ter se iniciado sexualmente se comparados àqueles que não viam a religião como importante. Frequência a serviços religiosos diminuía a chance de iniciação para 46%. A variável que mais importou foi "atitudes religiosas", cujos jovens tinham 54% da chance de ter se iniciado quando comparados com seus pares sem atitudes religiosas. Em Adamczyk (2012), o envolvimento em atividades seculares patrocinadas por entidades religiosas era suficiente para diminuir a chance de a iniciação sexual ter ocorrido entre as ondas da pesquisa.

Por causa dessas diferenças, para Burdette e Hill (2009), a religiosidade que se manifesta no âmbito privado, ou a importância da religião para o jovem, pode ser melhor indicadora de religiosidade, especialmente em idades mais avançadas, que o adolescente que frequenta cultos e cerimônias o faz porque assim deseja, e não porque foi obrigado, como seria o caso de crianças ou adolescentes mais novos, que são "carregados" para os cultos por suas famílias.

No estudo de Mbotho, Silliers e Akintola (2013), por exemplo, o fator mais importante do adiamento da iniciação sexual foi "para agradar a Deus".

Além de a religiosidade e a frequência de participação aos cultos e celebrações do próprio jovem terem impacto sobre sua iniciação sexual, outras variáveis estiveram presentes nos estudos, como a religiosidade da família e da comunidade ' quanto mais religiosas, menores as chances de o jovem ter se engajado em atividades sexuais ou possuir opiniões mais liberais (SCHEEPERS et al., 2002; BURDETTE; HILL, 2009; STULHOFER, 2011). Segundo os autores, isso é sinal de que adolescentes podem ser influenciados pela comunidade onde vivem, mas também que os custos psicológicos de engajar em atividades sexuais em comunidades muito religiosas podem ser altos. Resumindo, tanto a religiosidade individual, seja ela intrínseca ou extrínseca, quanto a religiosidade da família e da comunidade estão associadas à iniciação sexual.

O terceiro eixo das pesquisas internacionais diz respeito à associação da filiação religiosa ou religiosidade com o grau de permissividade de contatos íntimos sexuais e/ou a opinião e a atitude sobre sexo pré-marital ou na adolescência. A permissividade anda junto com a iniciação sexual, obedecendo quase às mesmas associações, podendo se diferenciar dentro das filiações religiosas, geralmente em função do grau de conservadorismo de cada divisão religiosa da mesma filiação (MURRAY, 1978; JENSEN et al., 1990; FEHRING et al., 1998; GARNER, 2000). Apesar de ir contra a literatura, os autores encontram que a permissividade também estava correlacionada com pessoas que iam à igreja toda semana (JENSEN et al., 1990). Nesse caso, a hipótese dos autores é de que essas pessoas frequentam a igreja por conformidade social, e não por motivos religiosos. Mais uma vez, a indicação de que variáveis de religiosidade individual, ao contrário de variáveis de frequência, podem captar melhor o verdadeiro efeito da religiosidade sobre a iniciação sexual.

Considerações para estudos sobre religião e sexualidade A revisão bibliográfica também foi utilizada para entender e salientar alguns aspectos metodológicos relevantes, os quais deveriam ser levados em conta na ocasião de uma pesquisa sobre sexualidade e religião, não exclusivamente as realizadas com adolescentes.

O primeiro tópico a ser abordado é a definição dos conceitos de religião e religiosidade, bem como a interpretação e consistência com relação a esses significados ao longo da pesquisa e entre os entrevistados. Religião pressupõe um conjunto de crenças, rituais e códigos morais que são compartilhados por seus seguidores. Subentende-se que as diferentes denominações estarão relacionadas com diferentes normas e expectativas que contribuem para a formação e a prática do comportamento, incluindo a iniciação sexual (THORNTON; CAMBURN, 1989). Sendo dada a uma pessoa geralmente ainda na infância, a denominação religiosa poderia, então, por meio dos seus valores, normas e ensinamentos, definir ou ajudar a definir um comportamento (Thornton; Camburn, 1989).

No entanto, ser católico no Brasil é diferente de ser católico em outros lugares; além disso, mesmo para pessoas nascidas e iniciadas nessa religião no mesmo país, a relação que a pessoa exerce com a religião poderá ser ou não definidora da sua denominação. Por exemplo, uma pessoa que foi batizada e nunca mais voltou à igreja pode querer dizer que é católica, ao passo que uma pessoa batizada que vai à igreja somente para assistir casamentos poderá dizer que não é. Essa limitação também acontece com a religiosidade: enquanto ir à igreja com alguma frequência, para um católico, é considerado ser praticante (entre os mandamentos da igreja, está o de ir à igreja aos domingos e dias santos), para um evangélico, no entanto, o esperado é que se com a maior frequência possível (ROPER, 2007). Similarmente, um jovem criado em uma casa ou em uma comunidade onde o nível de engajamento religioso pessoal, como leitura de bíblia, é diário, pode se declarar menos religioso caso não leia a bíblia todos os dias (BILLY et al., 1994; SCHEEPERS et al., 2002).

Diante dessas questões, comparações sobre quem é mais praticante devem ser feitas com cautela e, sempre que possível, outras medidas de religiosidade devem ser incorporadas à análise. Também se fazem necessárias medidas que categorizem religião e religiosidade da forma padronizada. Em vez de utilizar escalas de religiosidade (pouco, médio ou muito), são preferíveis medidas que controlem o que está sendo chamado de religiosidade ' como, por exemplo, ler a bíblia todos os dias ou pregar o evangelho pelas ruas. Além disso, a religiosidade medida no âmbito privado (orações, leitura de bíblia) pode ser melhor indicadora de religiosidade, especialmente no final da adolescência quando o adolescente que pratica atividades ligadas à religiosidade o faz porque deseja, e não porque foi levado pelos pais (BURDETTE; HILL, 2009).

Um segundo fator importante mapeado pela RBS, na esfera dos estudos de sexualidade em geral, é a qualidade das respostas. É preciso confiar na precisão das respostas, e quanto mais tempo tiver transcorrido entre o acontecimento (relação sexual) e o relato (entrevista), maiores são as chances de a data e as circunstâncias em que o evento aconteceu sumirem da memória (MILLER; SIMON, 1974). Entrevistar adolescentes e jovens adultos faz com que a qualidade da informação seja maior, que o tempo transcorrido entre o evento e a entrevista é menor. No entanto, encontra-se o problema da conformidade social, quando os jovens podem tender a exagerar suas experiências como parte de uma ideologia dominadora que valoriza a virilidade masculina (HEILBORN; CABRAL, 2006), ou caminhem pelo lado inverso e escondam a verdade por medo, vergonha, ou ainda para manter os papéis de gêneros socialmente construídos, nos quais as mulheres devem fazer papel de virgens. Para tentar reduzir ao máximo a chance de um jovem exagerar ou esconder informação, principalmente por medo de ser identificado ou por vergonha do entrevistador, a tecnologia tem tido papel importante. Na pesquisa Add Health, os questionários aplicados no domicílio utilizavam uma tecnologia chamada audio-enhanced, computer-assisted self-interviewing (audio-CASI), que permitia que o aluno escutasse as perguntas em um headphone individual e as respondesse diretamente em um laptop (ROSTOSKY et al., 2003).

Uma terceira consideração nos estudos sobre sexualidade é pensar que o sexo, na forma de relação sexual vaginal, é a única forma de definir perda da virgindade ou início da vulnerabilidade a doenças e gravidezes indesejadas. Como bem notaram Borges e Schor (2007), antes da primeira relação sexual, os jovens podem engajar em outras experiências sexuais. Para as autoras, essas experiências merecem ser pesquisadas a fundo, dada sua relevância para a vulnerabilidade dos jovens, que muitas vezes são deixados à margem de serviços de saúde e discussões sobre prevenção por nunca terem tido relação sexual com penetração, apesar de esboçarem comportamentos de risco. Além disso, segundo as autoras, o fato de a adolescência não ser uma fase homogênea, com trajetórias bem demarcadas, traz à baila a necessidade de se discutirem os múltiplos processos pelos quais o jovem caminha pela sexualidade, não tendo apenas a primeira vez como variável de interesse.

Um quarto ponto importante está relacionado à declaração sobre o grau de permissividade dos pais relatado pelos filhos. Segundo Thornton e Camburn (1987), crianças com atitudes e comportamentos mais permissivos tendem a pensar que seus pais também são mais permissivos, a fim de justificar o seu comportamento. Além disso, por exemplo, pode ser que a rigidez familiar não seja a definidora do status sexual do filho, mas sim o contrário. Para alguns jovens com comportamento muito liberal para o sexo, talvez seja necessário que a família se faça mais presente, tornando mais rígidas as regras de comportamento (KIRAGU; ZABIN, 1993).

Uma quinta consideração é a possibilidade de sexo não consentido, ou feito sob coerção, que pode acontecer com meninas e meninos de todas as religiões. Após a violência sexual, as pessoas podem reportar que fizeram sexo, contribuindo para o aumento das estatísticas de sexualmente iniciados, quando, na verdade, elas são vítimas (BROWNE; FINKELHOR, 1986; BEITCHMAN et al., 1992 apud REYNOLDS, 1994).

A sexta consideração relevante diz respeito à amostra. Muitos dos estudos são feitos utilizando amostras muito localizadas ou de conveniência, que impedem que os achados sejam generalizados para a população total (BREWSTER et al., 1998). É preciso atenção na interpretação e generalização dos achados científicos, especialmente em se tratando de uma variável cultural como religião, que pode ter seu significado alterado conforme o contexto.

O sétimo e último problema metodológico a ser enfrentado é com relação à ordem dos acontecimentos, o que pode levar a conclusões precipitadas sobre o efeito de religião. Quatro situações são comumente descritas na literatura e devem ser consideradas, especialmente em caso de estudos do tipo cross-section.

A primeira situação é o fato de que a conversão religiosa pode ter acontecido após o início da vida sexual, dando a impressão de que jovens muito religiosos se iniciaram sexualmente independentemente de sua (THORNTON; CAMBURN, 1989).

Similarmente, uma segunda situação é conhecida como causalidade reversa. Em vez de ser virgem por ser evangélico, por exemplo, o adolescente pode, simplesmente, ter optado por essa religião para ganhar respaldo em continuar com a sua virgindade "intacta" ou seu comportamento menos permissivo (BREWSTER et al., 1998).

Uma terceira situação é descrita por Meier (2003). Em uma pesquisa de caráter longitudinal, a autora descobriu que, para mulheres, ter tido relações sexuais aumentou o grau de permissividade para o ato sexual pré-marital. No entanto, sua pesquisa não conseguiu captar se a mudança no grau de permissividade é devido à maior exposição à informação sobre sexo, à medida que começaram a praticá-lo, ou à utilização do discurso permissivo como justificativa por ter tido relações sexuais em uma idade precoce. A autora chama essa mudança no grau de permissividade de "adaptação da atitude depois da primeira relação sexual", que pode corroborar as análises enviesadas sobre motivação ou grau de desejo para com a primeira relação sexual, que a pergunta "o quanto você queria ter tido relação sexual na ocasião da primeira vez" é respondida após o ocorrido (MEIER, 2003, p. 1047).

Uma quarta situação, descrita por Regnerus e Smith (2005), refere-se aos efeitos de seleção. Os autores apontam que muito do que é considerado efeito da religião pode, na verdade, ser reflexo de efeitos de seleção, vieses na pesquisa ou efeitos espúrios. Jovens com problemas de comportamento, por exemplo, vão menos à igreja. É preciso ser cauteloso, então, para não dizer que esses jovens possuem esse comportamento porque não vão à igreja, ou que os jovens com bom comportamento são assim porque estão sob influência da religiosidade. Dessa forma, para entender os efeitos de frequência religiosa no comportamento sexual, é necessário compreender os efeitos de interação com outras variáveis (JENSEN et al., 1990).

Apesar de atormentarem os pesquisadores, essas quatro situações não são exclusividade de pesquisas sobre religião, mas sim uma deficiência advinda do método e base empregados na análise. Estudos qualitativos e estudos quantitativos longitudinais podem lançar luz sobre esses questionamentos.

Como foi visto, diversas considerações metodológicas devem ser feitas antes de se dar início a uma pesquisa sobre sexualidade e religião/religiosidade, de preferência antes mesmo da instrumentação da coleta de dados. Apesar de ter sido uma tentativa de elencar as considerações mais relevantes, os tópicos anteriormente relacionados não esgotam as considerações metodológicas de tal tema de pesquisa, tampouco as descrevem com detalhes.

Conclusão Ao que tudo indica, religião e religiosidade são variáveis culturais que, sempre que possível, devem ser inseridas em pesquisas de âmbito demográfico, que sua influência no comportamento sexual, no que tange à iniciação sexual, foi percebida pela maioria dos artigos aqui pesquisados, sugerindo que outras possíveis relações podem se fazer presentes. É necessário, no entanto, cautela com a classificação do "ser religioso" e com as diversas formas de interpretação da denominação religiosa. Recomenda-se que futuros questionários, nas mais diversas áreas da demografia, tragam quesitos capazes de avaliar com fidelidade a religiosidade do indivíduo, assim como sua igreja e seu nível de envolvimento religioso, a fim de que se possa observar a interação dessas variáveis culturais com outras variáveis demográficas. O refinamento nas classificações das variáveis e o uso de interações entre elas devem ser priorizados até que testes estatísticos e o bom senso do pesquisador comprovem a necessidade de se agruparem variáveis e utilizá-las nas formas simples e unidimensionais.

Com relação ao impacto da religião e religiosidade na iniciação sexual, o pouco mais de meio século de pesquisas que investigaram a associação entre religião e iniciação sexual adolescente revela que a influência da religião parece ser mais forte naqueles jovens que são mais religiosos. No entanto, os artigos também revelam que os jovens se veem divididos entre pelo menos dois discursos normativos: o da comunidade religiosa e o do convívio social mais amplo, sendo esse segundo provedor das informações que se fazem disponíveis para a maioria da população, tais como discursos de educação em saúde sobre sexo e preservativos. Assim, cabe ao jovem ouvir os discursos, assimilá-los ou "colocá-los em tensão" (SILVA et al., 2008, p. 690).

Se as realidades são muitas e muitos são os fatores que podem ter influência na primeira relação sexual, o enfrentamento da educação para a sexualidade deve abarcar essas diferenças (BORGES; SCHOR, 2005). Como sugere Silva et al. (2008, p. 691), "se valorizarmos o diálogo que o sujeito religioso articula entre os discursos sobre sexualidade que freqüentam seu cotidiano, buscando lidar com a tensão e o conflito entre tradição e modernidade no plano individual, no plano programático estaremos aprendendo o caminho para o diálogo com as comunidades das diferentes matrizes e suas concepções próprias de heteronomia moral religiosa".


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