Religião, religiosidade e iniciação sexual na adolescência e juventude: lições
de uma revisão bibliográfica sistemática de mais de meio século de pesquisas
Introdução
Apesar de sempre frequente nos estudos estrangeiros, o uso da religião enquanto
variável demográfica, com impacto no comportamento sexual, só vem ganhando
importância na literatura brasileira à medida que duas transformações se fazem
presentes na sociedade brasileira. A primeira diz respeito ao panorama
religioso, que se diversificou em termos de afiliações religiosas. Segundo
dados dos censos demográficos, houve importante redução na proporção de pessoas
autodeclaradas católicas, passando de 95%, em 1940, para 64,6%, em 2010,
enquanto a proporção de protestantes aumentou de 3% para 22,2%, no mesmo
período. Já os que se denominam sem religião passaram de menos de 1% para 8% do
total (MARIANO, 2004; COSTA et al., 2005; MCKINNON et al., 2008; ALVES;
NOVELLINO, 2006; IBGE, 2012). Há uma grande diversidade regional das afiliações
religiosas que merece destaque. Enquanto no Nordeste 72,2% da população se
declarava católica em 2010, no Sudeste e no Centro-Oeste esta porcentagem era
de apenas 59,5% e 59,6%, respectivamente. Em termos de Estados, o Rio de
Janeiro possuía a menor proporção de católicos (45,8%) e a maior de declarados
sem-religião (15,6%), enquanto o Piauí era o Estado com mais católicos no
Brasil (85,1%). Se a unidade de análise for a Região Metropolitana do Rio de
Janeiro (RMRJ), excluindo-se a cidade do Rio de Janeiro, a proporção de
católicos, em 2010, era de apenas 38,7% (ALVES et al., 2012).
A segunda transformação foi que o Brasil, assim como outros países da América
Latina, enfrentou mudanças nas suas normas e valores relacionados à
sexualidade, como, por exemplo, a desvinculação da atividade sexual do
casamento e reprodução. A sexualidade pré-conjugal, que de certa maneira sempre
foi permitida e incentivada entre os homens, passa a ser, também, um direito da
mulher (HEILBORN et al., 2006), que começa a exercê-lo em idades cada vez mais
jovens. Os dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da
Mulher ' PNDS de 2006 indicam que 55,2% das jovens de 15 a 19 anos já haviam
tido a primeira relação sexual, porcentagem muito mais elevada que a registrada
na PNDS de 1996 (32,8%). Já a idade mediana à primeira relação sexual diminuiu
de 19,5 anos para 17 anos, entre 1996 e 2006 (BEMFAM, 1996; BRASIL, 2006).
Ao mesmo tempo, o Brasil vem assistindo a uma rápida queda na sua taxa de
fecundidade total (TFT), visto que o número médio de filhos por mulher passou
de 6,3, em 1960, para 1,86, em 2010. Houve, ainda, uma clara mudança no padrão
da curva da fecundidade,1 que se tornou mais jovem, com as mulheres encerrando
sua parturição na primeira metade do seu período reprodutivo. Assim, as taxas
específicas de fecundidade (TEF) na adolescência (15-19 anos) e na fase adulta
jovem (20-24 anos) ganharam importância à medida que aumentavam gradativamente
sua participação relativa na TFT (BERQUÓ; CAVENAGHI, 2005; LEITE et al., 2004;
COSTA et al., 2005; MCKINNON et al., 2008).
A influência da religião e da religiosidade na fecundidade das adolescentes
brasileiras vem sendo documentada em vários estudos. Ogland et al. (2011), por
exemplo, sugerem que, em 2006, as adolescentes com alguma filiação religiosa
tinham menor chance de ter um filho na adolescência do que aquelas sem filiação
religiosa. Verona e Dias Júnior (2012), ao compararem 1996 e 2006, também
verificaram forte associação entre fecundidade pré-marital na adolescência e
envolvimento religioso nos dois anos estudados. Já McKinnon et al. (2008)
mostram que a maioria das protestantes brasileiras tem menor chance de ter
filhos na adolescência se comparadas às católicas, sugerindo que as igrejas
protestantes parecem ser mais eficientes em desencorajar o sexo pré-marital.
No que tange ao início da vida sexual, apesar de o catolicismo e o
protestantismo serem contra o sexo pré-marital, há indícios de que o segundo
seja mais influente no comportamento dos jovens fiéis, justamente por enfatizar
palavras fortes como castidade, virgindade e pecado (Chesnut, 1997). Ogland et
al. (2011), por exemplo, mostram que as adolescentes que se declaram
protestantes e, em particular, pentecostais e aquelas com maior frequência às
cerimônias religiosas têm chance maior de se manterem virgens devido ao
compromisso de não ter relações sexuais antes do casamento. A tradição católica
brasileira, por sua vez, foi sendo modificada e adquiriu caráter polissêmico, o
que possibilitou que pessoas pertencentes à mesma denominação religiosa não
possuíssem, necessariamente, unidade na vivência (Brandão, 2004). De qualquer
forma, as rígidas doutrinas religiosas criam a expectativa de que pessoas
seguidoras dessas religiões terão posturas igualmente restritivas com relação
ao sexo pré-marital, da mesma forma que os não religiosos ou sem religião serão
mais liberais. Logo, é também de se esperar que o grau de conservadorismo seja
diretamente proporcional à intensidade da religiosidade, não apenas da
denominação religiosa.
A possível influência da religião no conhecimento, atitudes e práticas
relacionadas à saúde sexual e reprodutiva reforça a necessidade de se devotar
mais esforço científico com relação às variáveis de religião. Diante da demanda
de aporte teórico para balizar futuros trabalhos, é preciso pesquisar a fundo o
que tem sido feito ao longo dos anos em estudos de religião, religiosidade e
iniciação sexual de adolescentes e jovens, entendidos aqui como os grupos
etários de 15 a 19 anos e 20 a 29 anos, respectivamente.2 Assim, esse artigo
pretende mapear, por meio de uma revisão bibliográfica sistemática (RBS), os
principais resultados encontrados nas literaturas nacional e internacional
acerca do tema, publicados entre 1950 e abril de 2014. Além disso, pretende-se
fornecer insumos para orientar o desenho de questionários e roteiros de
entrevistas e grupos focais, a coleta de dados, a análise das informações e a
interpretação padronizada do que sejam religião e religiosidade, a fim de
otimizar as análises e reduzir vieses metodológicos.
A seguir, são discutidos os antecedentes e é feito um detalhamento da
metodologia da revisão bibliográfica sistemática, que resultou em 71 artigos.
Posteriomente, são listadas as diversas formas de classificação observadas para
religião e religiosidade e mostrados os principais resultados encontrados na
RBS. Finalmente, apresenta-se um levantamento de cuidados metodológicos que
devem ser tomados em estudos de religião, religiosidade e sexualidade,
especialmente em se tratando de adolescentes.
Antecedentes
Após a Conferência de População de Bucareste, em 1974, vários estudos sobre
sexualidade começaram a tomar forma (ODIMEGWU, 2005). Especialmente após os
anos 1980, a sexualidade dos jovens ganhou muito destaque, sempre abordando o
risco da Aids e da gravidez na adolescência (RIOS et al., 2008). O debate sobre
iniciação sexual na adolescência fez aflorar pesquisas nas mais diversas áreas
científicas, como as ciências médicas e sociais. Muito é pesquisado sobre as
suas possíveis consequências, sendo a principal delas a gravidez, tratada
muitas vezes como "problema social". Ser mãe na adolescência tem sido
relacionado com atrasos educacionais, gravidezes de alto risco, atrasos na
procura de exames pré-natais, abortos espontâneos, prematuridade e baixo peso
do bebê, que podem levar ao aumento da mortalidade infantil e materna
(CAMARANO, 1998; SOUZA, 1998).
Na busca por fatores associados à iniciação sexual, há uma diversidade de
variáveis que agem de modo a influenciar o jovem nas suas decisões e reduzir os
eventuais custos associados com a perda da virgindade (BILLY et al., 1994).
Fatores como urbanização, exposição à mídia de massa, secularização, assim como
o adiamento do casamento e a falta de supervisão dos filhos, levaram a um
aumento da permissividade sexual entre os jovens, culminando na redução da
idade na primeira relação sexual, que, por sua vez, se tornou majoritariamente
pré-marital (ADDAI, 2000).
Independentemente do conjunto de fatores, a questão se agrava entre jovens de
baixa renda, com alto risco social, vivendo em municípios urbanos com baixo
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elevados índices de criminalidade e
altas taxas de evasão e repetência escolar. Estudo realizado em três
comunidades, no final dos anos 1990, revela que, entre as adolescentes de menor
status socioeconômico, as gravidezes geralmente ocorriam logo após o início da
vida sexual e eram, em sua maioria, não planejadas. Nestas comunidades, a
religião (católica e protestante) parece ter sido um dos poucos mecanismos
institucionais capazes de deter o avanço das gravidezes precoces (MIRANDA-
RIBEIRO; POTTER, 2010). Já os grupos religiosos em favelas no Rio de Janeiro
costumam adaptar os códigos morais tradicionais, que proíbem a gravidez pré-
marital, à realidade local, a fim de acolher as jovens que engravidam fora da
união (STEELE, 2010).
Desde o primeiro estudo sobre sexualidade feminina, publicado em 1953, a
religião já era considerada uma variável possivelmente associada à iniciação
sexual pré-marital (KINSEY et al., 1953). Mais tarde, em uma revisão da
literatura sobre adolescência e comportamento sexual publicada entre 1980 e
2000, verificou-se que a religiosidade foi consistentemente associada ao
adiamento da atividade sexual, de forma que, quanto maior sua influência, maior
o tempo de adiamento (WHITEHEAD et al., 2001). Mas como a religião afeta o
comportamento dos indivíduos em geral e o comportamento sexual dos adolescentes
em particular? Verona (2011), a partir de uma leitura do arcabouço proposto por
Smith (2003), argumenta que a religião tem efeitos diretos e indiretos sobre os
adolescentes. Nove fatores operam sobre o comportamento sexual, divididos em
três grandes grupos: ordem moral; competências aprendidas; e laços sociais e
organizacionais. A ordem moral compreende tradições que promovem ideias sobre o
que é bom ou ruim, certo ou errado, justo ou injusto, entre outros, de forma a
orientar a consciência humana e motivar a ação dos indivíduos. Ela atua por
meio de diretivas morais, experiências espirituais e modelos a serem seguidos
("role models"). As competências aprendidas, por sua vez, compreendem
habilidades e conhecimentos que melhoram o bem-estar dos indivíduos e suas
chances de vida futura ' as habilidades de liderança, as habilidades para lidar
com perdas e o capital cultural. Finalmente, os laços sociais e
organizacionais, definidos como as estruturas de relações que afetam as
oportunidades e restrições dos indivíduos, operam a partir do capital social,
das redes de apoio na comunidade religiosa e das habilidades fora da
comunidade. Portanto, a influência da religião pode ser vista como uma força
inibidora de certos comportamentos, inclusive o sexual, contribuindo para adiá-
los, reduzi-los ou mesmo restringi-los, de forma direta ou indireta.
Metodologia da revisão bibliográfica sistemática
A metodologia da RBS está dividida em quatro fases: estratégia de busca;
critérios de inclusão e exclusão; leitura e fichamento; e análise e escrita da
revisão.
Fase 1: Estratégia de busca
A revisão bibliográfica sistemática, realizada entre julho e agosto de 2010 e
atualizada em abril de 2014,3 englobou as bases de dados Journal Store
(JSTOR),4 Scientific Electronic Library Online (SciELO), American Theological
Library Association (Atla), Banco de Teses e Dissertações do Cedeplar5 e Banco
de Teses e Dissertações da UFMG6, As buscas foram feitas diretamente nos
portais eletrônicos em questão, utilizando chave de acesso para chegar aos
textos completos em formato PDF e limitando o período de busca para aqueles
publicados entre 1950 e 2014. No presente trabalho, para fins de simplificação,
dissertações e teses também serão chamadas de artigos.
Na estratégia de busca para obtenção de artigos em inglês, foram empregadas as
seguintes palavras-chave: ((adolescence or adolescent or teenagers) AND (sexual
initiation or sexual debut or first time or first sexual intercourse) AND
(religion or religiosity)). No processo de busca para a captura de artigos em
português, utilizaram-se as palavras-chave: ((adolescência ou adolescente) E
(iniciação sexual ou primeira vez ou primeira relação sexual) E (religião ou
religiosidade)). Apesar de a palavra juventude ter sido usada na busca por
palavras em português, ela não foi essencial na procura, haja vista que uma
nova pesquisa sem a palavra mostrou os mesmos resultados encontrados. Os
critérios de busca foram aplicados para títulos, resumos, palavras-chave e
corpo do texto. Optou-se por não contemplar artigos cujo objeto de pesquisa
fosse composto exclusivamente por membros da religião muçulmana e judaica, uma
vez que a presença das mesmas no Brasil é pouco significante.
Para as bases de dados SciELO, JSTOR, UFMG e Cedeplar, foram excluídas as
referências que não continham o artigo completo em PDF, uma vez que, no momento
da consulta, era possível observar a inexistência do arquivo completo. Já para
a base de dados Atla, todas as referências foram mantidas durante essa primeira
fase de busca, pois a verificação da existência de PDF demandaria longo tempo
adicional nesta fase da coleta.
Nesta primeira fase, foram encontradas 406 referências de trabalhos, sendo 21
no Banco de Teses e Dissertações da UFMG e Cedeplar, 43 na SciELO, 170 no JSTOR
e 172 no Atla.
Fase 2: Critérios de inclusão e exclusão
Na segunda fase, todas as 406 referências foram reavaliadas. Destas, excluíram-
se aquelas que não cumpriam todos os critérios estabelecidos para a RBS: artigo
científico; texto completo disponível em PDF; iniciação sexual como tema
principal e religião como variável de interesse ou variável de controle.
Primeiramente, fazia-se o download do PDF, que era salvo e aberto. Caso ele não
estivesse disponível, a referência era excluída. Em seguida, eram lidos, nesta
ordem, o título do trabalho, as palavras-chave, o resumo e, se necessário,
parte do corpo do texto. Se o título já indicasse se tratar de um artigo que
objetivasse estudar a iniciação sexual, procedia-se à procura da variável de
religião. Caso a mesma fosse encontrada, o texto era mantido; caso contrário, o
texto era excluído. O box Fase 2 da Figura_1 mostra o fluxograma completo do
processo de exclusão.
Após essa segunda fase, foram selecionados cinco dissertações ou teses da UFMG
e Cedeplar, 23 artigos da SciELO, 59 do JSTOR e 12 do Atla, somando 99
referências.
Fase 3: Leitura e fichamento
A terceira fase incluiu a leitura dos 99 textos selecionados e a coleta das
informações necessárias à RBS. Estas informações foram armazenadas em uma
planilha do programa Microsoft Excel, de acordo com as seguintes variáveis: 1.
Autores; 2. Ano; 3. Objetivos; 4. Descrição da amostra; 5. Metodologia; 6.
Resultados. Os artigos puramente teóricos, sem testes empíricos, foram fichados
e digitados no programa Microsoft Excel, de acordo com as seguintes variáveis:
1. Autores; 2. Ano; 3. Pontos importantes citados por outros autores; 4. Pontos
importantes citados pelo artigo.
Nessa fase, mesmo os artigos que porventura se distanciassem do objetivo da
pesquisa eram fichados e catalogados, já que muitos só se mostravam desviantes
do assunto na ocasião da leitura da metodologia ou dos resultados.
Fase 4: Análise e escrita da revisão
A última etapa consistiu na análise dos achados da revisão sistemática. Os
arquivos que não contemplavam o objeto central da pesquisa ' a associação entre
religião, religiosidade e iniciação sexual na adolescência ' não foram
considerados. Assim, foram eliminados 28 textos, resultando em 71 documentos
que foram analisados (Quadro_1).
Descrição dos textos encontrados na RBS
A revisão bibliográfica sistemática revelou que, em mais de meio século de
pesquisas (1960-2013), muito já foi feito no sentido de procurar maneiras de
medir a influência da religião e da religiosidade na iniciação sexual. A maior
parte dos estudos encontrados nessa revisão foi feita nos Estados Unidos, o que
pode ser reflexo da escolha dos bancos de dados pesquisados na revisão, que
contêm muitos periódicos editados naquele país. Esse fato também pode ter
refletido no grande número de estudos (90%) com caráter empírico.
Com relação ao ano de publicação, o primeiro artigo é de 1960, enquanto o mais
atual data de 2013. É interessante notar que, de 71 artigos pesquisados, quase
dois terços foram publicados a partir de 2000, sugerindo um forte crescimento
da religião como variável de interesse em pesquisas sobre a iniciação sexual,
ou ainda um aumento do número de publicações científicas. O primeiro trabalho
com este enfoque no Brasil foi realizado por Gupta (2000), com adolescentes
residentes na Região Nordeste.
Percebeu-se que tanto mulheres quanto homens foram pesquisados, dependendo da
disponibilidade dessa variável na base de dados utilizada, ou do desenho da
amostra, quando a coleta de dados foi feita pelos próprios autores. Algumas
bases de dados destacam-se pela grande quantidade de artigos publicados
utilizando seus dados, como a National Survey of Family Growth (NFSG) (BILLY et
al., 1994; COOKSEY et al., 1996; BREWSTER et al., 1998; MANLOVE et al., 2006;
HAGLUND; FEHRING, 2010), a National Longitudinal Study of Adolescent Health
(Add Health) (BEARMAN; BRÜCKNER, 2001; MEIER, 2003; ROSTOSKY et al., 2003;
REGNERUS; SMITH, 2005; FRANCIS, 2007; MENNING et al., 2007) e as DHS '
Demographic Health Surveys (GUPTA, 2000; ADDAI, 2000; LONGO, 2001; ISHIDA;
STUPP; McDONALD, 2011), que, embora sejam mais limitadas em termos de
informação sobre religião, têm boa amostragem e intervalos decenais.
Com relação à metodologia e aos métodos empregados nas análises dos artigos,
percebe-se que, nas duas primeiras décadas, houve predominância da estatística
quantitativa descritiva simples, sem testes de significância. Com o tempo,
houve incremento e diversificação de métodos. A metodologia qualitativa só
aparece a partir do final da década de 1990, com Fehring et al. (1998).
O tamanho amostral variou conforme a base de dados utilizada, a técnica de
coleta de dados e as variáveis de interesse na pesquisa. Nem os autores que
trabalhavam com as mesmas rodadas da mesma base de dados tiveram amostras
idênticas, visto que a exclusão ou inclusão de uma variável é suficiente para
alterar o número de casos válidos. A faixa etária pesquisada também variou,
sendo que alguns entrevistaram jovens adultos e adultos com relação à primeira
experiência sexual, dado que, para muitas realidades, o interesse é pesquisar a
relação sexual pré-marital, que muitas vezes, mas não exclusivamente, acontece
pela primeira vez na adolescência.
Por último, a decisão inicial de pesquisar literatura científica estrangeira
foi acertada, haja vista que somente 12 textos investigaram a realidade
brasileira (16% do total).
Classificações encontradas na RBS para religião e religiosidade
Independente da forma como foram descritas, religião e religiosidade
permaneceram, ao longo dos estudos, como variáveis associadas à iniciação
sexual. Apesar de os métodos de análise terem se diversificado ao longo do
tempo, percebe-se que a sofisticação das técnicas de categorização das
respostas só foi possível após a criação de questionários específicos, nos
quais haveria espaço para mensurar a religiosidade e a filiação religiosa com
mais detalhamento do que a simples pergunta sobre denominação religiosa e
frequência a cultos e celebrações. Dessa forma, as variáveis multidimensionais
aumentaram a sensibilidade em relação a algumas características que diferenciam
pessoas mais religiosas das menos religiosas.
É importante dizer que, ao se traduzirem os termos em inglês, muito da
diversidade lexical utilizada no inglês para descrever a frequência de ida à
igreja (church attendance, religious service attendance, frequency of service,
religious participation) foi perdida, já que optou-se por nomeá-las como
frequência de participação ou ida a igrejas ou cultos. Apesar da diminuição da
variedade de vocabulário, a tradução procurou ser a mais literal possível, não
alterando o sentido das sentenças, com exceção das categorias mainline
protestants, que no Brasil referem-se aos protestantes históricos ou
evangélicos de missão, e os institutional sects, que no caso brasileiro seriam
como subdivisões das igrejas pentecostais.
Formas de se classificar denominação/filiação religiosa
Com base nas análises das metodologias dos artigos pesquisados na revisão
bibliográfica, percebe-se que existem duas formas de se inserir a denominação
religiosa nas análises quantitativas: a unidimensional e a multidimensional
(Quadro_2).
Unidimensional
A maneira mais simples de se classificar uma denominação ou filiação religiosa
é a forma unidimensional, na qual a categoria de resposta corresponde
exatamente à filiação religiosa relatada pelo respondente. Caso tenha sido
coletada em questionário aberto, a classificação de religiões pode ser
trabalhosa, haja vista a grande proporção de pessoas que, por desconhecerem o
tipo de filiação religiosa, podem citar o nome da igreja frequentada (COUTINHO,
2011). A maioria dos artigos pesquisados que classificaram a religião de forma
unidimensional, no entanto, já dispunha de categorias de resposta pré-
codificadas nos questionários, que podem ser agrupadas de forma a facilitar a
análise dos dados, como no caso dos participantes de igrejas metodistas e
batistas que, muitas vezes, são agrupados em uma categoria maior denominada
"protestantes históricos". Esse é o caso de diversos artigos pesquisados na
revisão bibliográfica (Quadro_2), como Henze e Hudson (1974), Garner (2000),
Barbosa e Koyama (2008), Haglund e Fehring (2010) e Crowford et al. (2011).
Dependendo do desenho da análise, ou do interesse da pesquisa, as categorias de
resposta são agrupadas mais sinteticamente, transformando-se em categorias
binárias. É o caso, por exemplo, de Gupta (2000) e Longo (2001), que
classificaram a filiação religiosa de forma binária (católica ou não), assim
como Miller et al. (1987) (mórmons ou não) e Mbotho, Cilliers e Akintola (2013)
(cristãos pentecostais e carismáticos) (Quadro_2). Mais exemplos podem ser
vistos no Quadro_2, que sumariza as diversas formas de classificação
unidimensional de religião encontradas da RBS.
Multimensional
Uma maneira mais sofisticada de categorizar as denominações religiosas, mas que
também depende da disponibilidade de dados, é aquela que cria categorias que
não somente indicam a denominação religiosa per se, mas também acoplam uma
outra característica que seja relevante ao estudo, como, por exemplo, a
intensidade dessa religião, ou uma divisão interna, como no caso dos católicos,
que podem ser mais conservadores ou liberais. Os exemplos encontrados na
revisão bibliográfica se encontram no Quadro_2.
Murray (1978) separa a filiação religiosa católica ' a única estudada ' entre
aqueles considerados ortodoxos e os liberais. Já Miller e Bingham (1989)
agrupam filiação religiosa em uma categoria binária que não somente engloba as
religiões, mas também as divide conforme sua posição contrária ou indiferente
em relação ao sexo pré-marital. Assim, uma categoria é composta por "cristãos
fundamentalistas", "batistas" e "mórmons", que são considerados contra sexo
pré-marital. Já a outra categoria é composta por "protestantes que não são
batistas", "católicos não fundamentalistas", "judeus" e "outras religiões"
(Quadro_2).
Coutinho (2011) e Marsicano et al. (2011) agrupam a frequência de participação
aos cultos e celebrações à filiação religiosa. Eles possuem em comum as
categorias católicos praticantes, católicos esporádicos, protestantes
históricos praticantes, protestantes históricos esporádicos, protestantes
pentecostais praticantes, protestantes pentecostais esporádicos, outras
religiões e nenhuma religião. A diferença é que, enquanto no Brasil Coutinho
inclui a categoria neopentecostal (protestantes, neopentecostais praticantes,
protestantes neopentecostais esporádicos), Marsicano inclui a opção muçulmano
(muçulmanos praticantes regulares, muçulmanos praticantes não regulares), já
que seu trabalho é sobre a realidade francesa.
Formas de se classificar a religiosidade
Além das duas formas (unidimensional e multidimensional) de se classificarem as
denominações religiosas, a categorização da religiosidade também fornece maior
sofisticação, podendo exibir caráter uni e multidimensional. As diversas formas
de classificação para religiosidade podem ser encontradas no Quadro_3.
Unidimensional
Na forma unidimensional de classificação da religiosidade do respondente,
apenas uma variável é considerada: geralmente, a frequência de participação nos
cultos e celebrações religiosas, ou qualquer outra que o(a) pesquisador(a)
julgar ser uma proxy adequada da religiosidade de uma pessoa. Esse é o caso de
diversos artigos pesquisados na revisão bibliográfica (Quadro_3). Henze e
Hudson (1974), Longo (2001), Gupta (2000) e Hugo et al. (2011) criaram
variáveis dummies, sendo, respectivamente: se a mulher frequenta os cultos de
sua religião; se vai à igreja ou ao culto pelo menos uma vez por mês; se vai à
igreja pelo menos uma vez por mês, se vai à igreja poucas vezes por ano; se
pratica religião. Outros, no entanto, utilizaram níveis de frequência de ida
aos serviços religiosos, que variavam de mais que uma vez na semana até nunca
(MILLER et al., 1987; JENSEN et al., 1990; HAMMOND et al., 1993; DAVIDSON et
al., 1995; MURRAY et al., 1998; MANLOVE et al., 2006; CRAWFORD et al., 2011;
HULL; HENNESSY, 2011; ISHIDA; STUPP; MCDONALD, 2011; ROSENBAUM; WEATHERSBEE,
2013).
Alguns autores deram ênfase à religiosidade individual autoavaliada, como foi o
caso de Miller e Bingham (1989) e Slap et al. (2003), que a codificaram de
acordo com a importância que a religião exerce sobre a vida da jovem: de baixa
a alta, no caso de Miller e Binghan (1989); e muito importante, importante e
não importante, no caso de Slap et al. (2003). Já Mahoney (1980) utilizou uma
escala de 0 a 20, na qual o respondente deveria marcar seu grau de
religiosidade, sendo 0 correspondente a nada intenso e 20 igual a muito intenso
(Quadro_3).
Multidimensional
A revisão bibliográfica captou várias experiências de autores que utilizaram
mais de uma variável para construir a variável religiosidade (Quadro_3), dando
a ela um caráter multidimensional.
Em Tanfer e Horn (1985), Albrecht et al. (1977), Kiragu e Zabin (1993), Bearman
e Brückner (2001), Meier (2003), Rostosky et al. (2003), Regnerus e Smith
(2005), Odimegwu (2005), Francis (2007), Haglund e Fehring (2010) e Burchardt
(2011), a religiosidade foi medida com base nas respostas às perguntas sobre
frequência de ida à igreja (ou comunhão), importância pessoal da religião para
o jovem (exceto ALBRECHT et al., 1977), frequência que reza ou ora (exceto
TANFER; HORN, 1985; KIRAGU; ZABIN, 1993; REGNERUS; SMITH, 2005) ou outras
variáveis pessoais do tipo participação em grupo de jovem (MEIER, 2003;
FRANCIS, 2007), leitura da bíblia todos os dias, divulgação do evangelho,
distribuição de material religioso e se a pessoa se importa com o que Deus
pensa sobre ela (somente ODIMEGWU, 2005).
Escalas de resposta a diversas perguntas também foram utilizadas por autores
como Woodroof (1985), Fehring et al. (1998), Scheepers et al. (2002), Rowatt e
Schmitt (2003), L'Engle et al. (2006) e Burdette e Hill (2009). Para Woodroof
(1985), por exemplo, a escala consistia em 11 perguntas sobre comportamento
religioso, entre elas a frequência com que o respondente faz contribuições
financeiras para a igreja e a frequência com que tenta converter outras
pessoas. Para ter mais confiança no seu índice, a escala de Fehring et al.
(1998) chegou a ser julgada por 158 líderes religiosos, que apontaram o que
seria uma pessoa religiosa (KOENIG et al., 1988 apud FEHRING et al., 1998).
Saindo da escala de religiosidade do respondente, em Scheepers et al. (2002), a
frequência religiosa dos pais foi relatada pelos estudantes e utilizada na
pesquisa. Os autores também empregaram a religiosidade dos pais, que foi
calculada com base em Kelley e De Graaf (1997 apud SCHEEPERS et al., 2002), que
a consideraram uma média não ponderada da frequência religiosa dos pais e
responsáveis na nação como um todo. As visões religiosas sobre o mundo foram
calculadas com base nas respostas a perguntas sobre Deus e sua relação com as
pessoas, o significado da vida e a existência de Deus. Billy et al. (1994)
também adicionam à frequência de ida aos cultos e celebrações da igreja ou
comunhão (católicos) uma variável que diz respeito à religiosidade da
comunidade na qual estavam inseridos, por meio do cálculo da prevalência de
pessoas consideradas religiosamente aderentes e religiosamente aderentes e
conservadores.
Resultados encontrados na RBS
Brasil
Ao todo, 12 estudos encontrados pela revisão bibliográfica sistemática sobre
iniciação sexual e religião ou religiosidade tiveram como foco o Brasil. Foram
identificados cinco pontos principais, considerados não excludentes.
O primeiro ponto foi que a maior frequência religiosa, independentemente de
filiação religiosa, estava relacionada com a menor iniciação sexual pré-marital
(GUPTA, 2000; LONGO, 2001, COUTINHO, 2011; HUGO et al., 2011; BAPTISTA, 2011).
Quanto mais alto o grau de religiosidade autoavaliado e mais elevada a
religiosidade medida por meio da frequência aos serviços religiosos, menor é a
chance de a iniciação sexual ter ocorrido.
Um segundo ponto encontrado foi que, com exceção de Baptista (2011), todos os
outros estudos observaram correlações entre filiação religiosa e iniciação
sexual, sendo que todas as categorias apresentaram chances reduzidas de o
respondente já ter se iniciado sexualmente na época da entrevista, em
comparação com a categoria de referência "nenhuma religião" (LONGO, 2001;
FRANÇA, 2008; COUTINHO, 2011). Os que mais se aproximam de ter o mesmo risco de
iniciação dos sem religião são os católicos, seguidos pelos neopentecostais
(COUTINHO, 2011). Em seguida, para as mulheres, vêm as de outras religiões, as
protestantes históricas e as pentecostais como o grupo mais conservador e, para
os homens, os protestantes históricos, os pentecostais e os de outras
religiões.
Um terceiro ponto encontrado na revisão é que a filiação religiosa aparenta
estar relacionada com a opinião do jovem a respeito do sexo pré-marital ou na
adolescência. Para os jovens evangélicos pentecostais, por exemplo, sexo só
pode ser praticado dentro do casamento, ou seria considerado pecado ou
"fornicação" (SILVA et al., 2008). Enquanto os sem religião são mais liberais,
protestantes e pentecostais eram os que menos concordavam com as afirmações de
que sexo é uma fonte de prazer, satisfação e uma necessidade física, como fome
e sede. No entanto, o sexismo é forte, pois mais pessoas concordavam que
mulheres (e não homens) devem esperar o casamento para iniciar a vida sexual
(PAIVA et al., 2008).
No entanto, o quarto ponto verificado na revisão refere-se à existência de
grande variabilidade no discurso dos jovens brasileiros. Paiva et al. (2008),
utilizando a mesma base de dados de Barbosa e Koyama (2008), analisaram
opiniões e atitudes diante da iniciação e educação sexual de adolescentes
brasileiros, comparando respostas em 1998 e 2005. Os autores descobriram não
haver um perfil bem delineado de adolescentes conservadores ou liberais, já que
muitos dos que defendem abstinência até o casamento defendem também a educação
sexual nas escolas e o crescimento da tolerância com relação ao sexo
homossexual. Além disso, o grupo católico viveria a religiosidade sem
participar dos rituais e sem se deixar levar pela moral católica vinda do
Vaticano, a qual proíbe o sexo pré-marital e o uso de preservativo. Vidal e
Ribeiro (2008), em um estudo qualitativo, também observaram a variedade de
discursos dos jovens. Em resumo, os jovens entendem que existem discursos
conflitantes na esfera da sexualidade, já que coexistem ideologias sexuais
tradicionais e outras mais liberais. O resultado é fruto de uma "negociação
entre as partes", e não de uma impulsividade (NASCIMENTO; GOMES, 2009, p.
1106).
Um quinto ponto encontrado nessa revisão bibliográfica dos artigos brasileiros
diz respeito à opinião das autoridades religiosas, que é, em geral, menos
heterogênea e liberal do que a dos jovens. Rios et al. (2008) e Silva et al.
(2008), em pesquisas qualitativas, investigaram o posicionamento de lideranças
religiosas católicas e evangélicas sobre juventude e sexualidade. Segundo esses
autores e os dados colhidos, tanto católicos quanto evangélicos criticam a
erotização precoce que estimula a sexualidade juvenil e, apesar de reconhecerem
as mudanças que a sociedade enfrentou na esfera da sexualidade, o atrelamento
do sexo ao casamento ainda é uma preocupação dos líderes religiosos, já que
sexo só deve ser feito após o jovem adquirir responsabilidade, entendida como
consciência, maturidade afetiva, formação educacional, inserção no mercado
laboral e matrimônio (RIOS et al., 2008). Assim, as igrejas têm que lançar mão
de estratégias para assegurar que seus jovens não se engajem em atividades
sexuais, como a ameaça da perda da posição de liderança ou do prestígio dentro
da igreja. Há, também, uma valorização do jovem que espera, bem como a
estigmatização daquele que desvia. "A estigmatização constitui estratégia
importante para manter o rebanho sob controle" (RIOS et al., 2008, p. 681).
Mundo
Os estudos sobre outros países circulam em três eixos que, assim como no
Brasil, não são excludentes. O primeiro eixo de estudos diz respeito à
associação da denominação religiosa ou filiação religiosa à iniciação sexual. O
sinal da relação tende a mudar conforme a orientação da religião. As mais
permissivas costumam estar associadas com a iniciação sexual, enquanto as mais
conservadoras tendem a agir no sentido de postergar o início da relação sexual.
No entanto, há pouca consistência com relação aos resultados por filiação
religiosa, haja vista que a religião que é considerada permissiva ou
conservadora varia conforme a pesquisa, o país pesquisado e a época do estudo.
É interessante notar, a princípio, que a filiação católica, embora seja um
grupo conservador, contra qualquer tipo de relação pré-marital, extramarital,
incluindo uso de contracepção (BREWSTER et al., 1998, p. 496), tende a ser mais
conservadora no exterior do que no Brasil (BRUNEAU, 1982 apud VERONA, 20107),
onde apresenta grande variedade de crenças e práticas. Esse fato sugere que,
apesar de os católicos serem regidos pelo Vaticano, a heterogeneidade dentro do
grupo é grande. Enquanto Landis (1960) e Tavares et al. (2009), em épocas e
países diferentes, descobriram que católicos iniciavam-se sexualmente mais cedo
do que seus pares protestantes, outro grupo de pesquisadores verificou que
católicos possuíam comportamento mais conservador e, por isso, iniciavam-se
mais tarde do que o grupo de protestantes (CASPER, 1990; ODIMEGWU, 2005). No
entanto, Marsicano et al. (2011), em um outro exemplo, mostram que, para
católicos e protestantes, a frequência às cerimônias não os difere com relação
à iniciação sexual.
Um achado quase universal é o fato de que pessoas sem religião tiveram mais
chances de serem sexualmente iniciadas do que seus pares com alguma filiação
religiosa (LANDIS, 1960; DAVIS; LAY-LEE, 1999; FRANCIS, 2007; TANFER; HORN,
1985). No entanto, Burdette e Hill (2009) esbarram em um resultado inusitado:
não ter religião estava associado com menores chances de perda de virgindade no
modelo completo. Uma das possíveis explicações é que adolescentes sem filiação
podem estar mais expostos a mensagens de saúde pública, pois são menos ou nada
protegidos dessas mensagens, as quais muitos pais e igrejas podem considerar
contra os princípios religiosos (BURDETTE; HILL, 2009).
O segundo eixo de pesquisas, assim como no Brasil, busca associar a frequência
de participação aos cultos e celebrações (frequência religiosa) e/ou a
religiosidade do jovem com a iniciação sexual. Sem grandes variações nos
resultados, a maior participação nos cultos e celebrações, assim como uma maior
religiosidade, tende a estar associada com a postergação no início da atividade
sexual (MILLER et al., 1987; WOODROOF, 1985; MILLER; SIMON, 1974; MANNING et
al., 2007; SLAP et al., 2003; FEHRING et al., 1998; ALBRECHT et al., 1977;
WOODROOF, 1985; ROSTOSKY et al., 2003; SCHEEPERS et al., 2002; FEHRING et al.,
1998; ODIMEGWU, 2005; ISHIDA; STUPP; MCDONALD, 2011; ADAMCZYK; FELSON, 2012).
Hull e Hennessy (2011), no entanto, observaram que os mais frequentes às
cerimônias não se diferenciam dos que frequentam ocasionalmente, ou seja, ir à
igreja de vez em quando já seria suficiente para que os efeitos da religião
sobre a iniciação sexual fossem significantes. Em geral, os que se consideram
mais religiosos também tendem a ter menores chances de iniciação sexual precoce
(MEIER, 2003; MAHONEY, 1980; TANFER; HORN, 1985; LANDIS, 1960; FRANCIS, 2007;
MILLER; BINGHAM, 1989; KIRAGU; ZABIN, 1993; ROSTOSKY et al., 2003; ROWATT;
SCHMITT, 2003).
É importante notar que existe uma diferença entre religiosidade e religiosidade
individual que, muitas vezes, é ignorada. Woodroof (1985) chama de
intrinsically oriented aquele jovem que possui maior nível de religiosidade
individual, como leitura de bíblia e rezas individuais, ao contrário dos
extrinsically oriented. Ambos frequentam a igreja, mas a maior diferença entre
eles é que o primeiro vê a religião como um fim em si e, por isso, a pratica,
enquanto o segundo segue aquela religião como forma de obter algo mais, como
contatos sociais. O autor conclui que existe uma relação entre virgindade e
tipo de orientação religiosa: enquanto 86% dos intrinsically oriented eram
virgens, apenas 62% dos extrinsically orientednão tinham se iniciado
sexualmente na época da pesquisa. Rowatt e Schmitt (2003), em um estudo sobre
orientação religiosa e experiências sexuais, descobriram que mulheres tendem a
ser mais intrinsically oriented do que homens.
No estudo de Haglund e Fehring (2010), adolescentes que acreditavam que
religião é importante tinham 27% menos chance de ter se iniciado sexualmente se
comparados àqueles que não viam a religião como importante. Frequência a
serviços religiosos diminuía a chance de iniciação para 46%. A variável que
mais importou foi "atitudes religiosas", cujos jovens tinham 54% da chance de
ter se iniciado quando comparados com seus pares sem atitudes religiosas. Em
Adamczyk (2012), o envolvimento em atividades seculares patrocinadas por
entidades religiosas já era suficiente para diminuir a chance de a iniciação
sexual ter ocorrido entre as ondas da pesquisa.
Por causa dessas diferenças, para Burdette e Hill (2009), a religiosidade que
se manifesta no âmbito privado, ou a importância da religião para o jovem, pode
ser melhor indicadora de religiosidade, especialmente em idades mais avançadas,
já que o adolescente que frequenta cultos e cerimônias o faz porque assim
deseja, e não porque foi obrigado, como seria o caso de crianças ou
adolescentes mais novos, que são "carregados" para os cultos por suas famílias.
No estudo de Mbotho, Silliers e Akintola (2013), por exemplo, o fator mais
importante do adiamento da iniciação sexual foi "para agradar a Deus".
Além de a religiosidade e a frequência de participação aos cultos e celebrações
do próprio jovem terem impacto sobre sua iniciação sexual, outras variáveis
estiveram presentes nos estudos, como a religiosidade da família e da
comunidade ' quanto mais religiosas, menores as chances de o jovem ter se
engajado em atividades sexuais ou possuir opiniões mais liberais (SCHEEPERS et
al., 2002; BURDETTE; HILL, 2009; STULHOFER, 2011). Segundo os autores, isso é
sinal de que adolescentes podem ser influenciados pela comunidade onde vivem,
mas também que os custos psicológicos de engajar em atividades sexuais em
comunidades muito religiosas podem ser altos. Resumindo, tanto a religiosidade
individual, seja ela intrínseca ou extrínseca, quanto a religiosidade da
família e da comunidade estão associadas à iniciação sexual.
O terceiro eixo das pesquisas internacionais diz respeito à associação da
filiação religiosa ou religiosidade com o grau de permissividade de contatos
íntimos sexuais e/ou a opinião e a atitude sobre sexo pré-marital ou na
adolescência. A permissividade anda junto com a iniciação sexual, obedecendo
quase às mesmas associações, podendo se diferenciar dentro das filiações
religiosas, geralmente em função do grau de conservadorismo de cada divisão
religiosa da mesma filiação (MURRAY, 1978; JENSEN et al., 1990; FEHRING et al.,
1998; GARNER, 2000). Apesar de ir contra a literatura, os autores encontram que
a permissividade também estava correlacionada com pessoas que iam à igreja toda
semana (JENSEN et al., 1990). Nesse caso, a hipótese dos autores é de que essas
pessoas frequentam a igreja por conformidade social, e não por motivos
religiosos. Mais uma vez, há a indicação de que variáveis de religiosidade
individual, ao contrário de variáveis de frequência, podem captar melhor o
verdadeiro efeito da religiosidade sobre a iniciação sexual.
Considerações para estudos sobre religião e sexualidade
A revisão bibliográfica também foi utilizada para entender e salientar alguns
aspectos metodológicos relevantes, os quais deveriam ser levados em conta na
ocasião de uma pesquisa sobre sexualidade e religião, não exclusivamente as
realizadas com adolescentes.
O primeiro tópico a ser abordado é a definição dos conceitos de religião e
religiosidade, bem como a interpretação e consistência com relação a esses
significados ao longo da pesquisa e entre os entrevistados. Religião pressupõe
um conjunto de crenças, rituais e códigos morais que são compartilhados por
seus seguidores. Subentende-se que as diferentes denominações estarão
relacionadas com diferentes normas e expectativas que contribuem para a
formação e a prática do comportamento, incluindo a iniciação sexual (THORNTON;
CAMBURN, 1989). Sendo dada a uma pessoa geralmente ainda na infância, a
denominação religiosa poderia, então, por meio dos seus valores, normas e
ensinamentos, definir ou ajudar a definir um comportamento (Thornton; Camburn,
1989).
No entanto, ser católico no Brasil é diferente de ser católico em outros
lugares; além disso, mesmo para pessoas nascidas e iniciadas nessa religião no
mesmo país, a relação que a pessoa exerce com a religião poderá ser ou não
definidora da sua denominação. Por exemplo, uma pessoa que foi batizada e nunca
mais voltou à igreja pode querer dizer que é católica, ao passo que uma pessoa
batizada que vai à igreja somente para assistir casamentos poderá dizer que não
é. Essa limitação também acontece com a religiosidade: enquanto ir à igreja com
alguma frequência, para um católico, já é considerado ser praticante (entre os
mandamentos da igreja, está o de ir à igreja aos domingos e dias santos), para
um evangélico, no entanto, o esperado é que se vá com a maior frequência
possível (ROPER, 2007). Similarmente, um jovem criado em uma casa ou em uma
comunidade onde o nível de engajamento religioso pessoal, como leitura de
bíblia, é diário, pode se declarar menos religioso caso não leia a bíblia todos
os dias (BILLY et al., 1994; SCHEEPERS et al., 2002).
Diante dessas questões, comparações sobre quem é mais praticante devem ser
feitas com cautela e, sempre que possível, outras medidas de religiosidade
devem ser incorporadas à análise. Também se fazem necessárias medidas que
categorizem religião e religiosidade da forma padronizada. Em vez de utilizar
escalas de religiosidade (pouco, médio ou muito), são preferíveis medidas que
controlem o que está sendo chamado de religiosidade ' como, por exemplo, ler a
bíblia todos os dias ou pregar o evangelho pelas ruas. Além disso, a
religiosidade medida no âmbito privado (orações, leitura de bíblia) pode ser
melhor indicadora de religiosidade, especialmente no final da adolescência
quando o adolescente que pratica atividades ligadas à religiosidade o faz
porque deseja, e não porque foi levado pelos pais (BURDETTE; HILL, 2009).
Um segundo fator importante mapeado pela RBS, já na esfera dos estudos de
sexualidade em geral, é a qualidade das respostas. É preciso confiar na
precisão das respostas, e quanto mais tempo tiver transcorrido entre o
acontecimento (relação sexual) e o relato (entrevista), maiores são as chances
de a data e as circunstâncias em que o evento aconteceu sumirem da memória
(MILLER; SIMON, 1974). Entrevistar adolescentes e jovens adultos faz com que a
qualidade da informação seja maior, já que o tempo transcorrido entre o evento
e a entrevista é menor. No entanto, encontra-se o problema da conformidade
social, quando os jovens podem tender a exagerar suas experiências como parte
de uma ideologia dominadora que valoriza a virilidade masculina (HEILBORN;
CABRAL, 2006), ou caminhem pelo lado inverso e escondam a verdade por medo,
vergonha, ou ainda para manter os papéis de gêneros socialmente construídos,
nos quais as mulheres devem fazer papel de virgens. Para tentar reduzir ao
máximo a chance de um jovem exagerar ou esconder informação, principalmente por
medo de ser identificado ou por vergonha do entrevistador, a tecnologia tem
tido papel importante. Na pesquisa Add Health, os questionários aplicados no
domicílio utilizavam uma tecnologia chamada audio-enhanced, computer-assisted
self-interviewing (audio-CASI), que permitia que o aluno escutasse as perguntas
em um headphone individual e as respondesse diretamente em um laptop (ROSTOSKY
et al., 2003).
Uma terceira consideração nos estudos sobre sexualidade é pensar que o sexo, na
forma de relação sexual vaginal, é a única forma de definir perda da virgindade
ou início da vulnerabilidade a doenças e gravidezes indesejadas. Como bem
notaram Borges e Schor (2007), antes da primeira relação sexual, os jovens
podem engajar em outras experiências sexuais. Para as autoras, essas
experiências merecem ser pesquisadas a fundo, dada sua relevância para a
vulnerabilidade dos jovens, que muitas vezes são deixados à margem de serviços
de saúde e discussões sobre prevenção por nunca terem tido relação sexual com
penetração, apesar de já esboçarem comportamentos de risco. Além disso, segundo
as autoras, o fato de a adolescência não ser uma fase homogênea, com
trajetórias bem demarcadas, traz à baila a necessidade de se discutirem os
múltiplos processos pelos quais o jovem caminha pela sexualidade, não tendo
apenas a primeira vez como variável de interesse.
Um quarto ponto importante está relacionado à declaração sobre o grau de
permissividade dos pais relatado pelos filhos. Segundo Thornton e Camburn
(1987), crianças com atitudes e comportamentos mais permissivos tendem a pensar
que seus pais também são mais permissivos, a fim de justificar o seu
comportamento. Além disso, por exemplo, pode ser que a rigidez familiar não
seja a definidora do status sexual do filho, mas sim o contrário. Para alguns
jovens com comportamento muito liberal para o sexo, talvez seja necessário que
a família se faça mais presente, tornando mais rígidas as regras de
comportamento (KIRAGU; ZABIN, 1993).
Uma quinta consideração é a possibilidade de sexo não consentido, ou feito sob
coerção, que pode acontecer com meninas e meninos de todas as religiões. Após a
violência sexual, as pessoas podem reportar que já fizeram sexo, contribuindo
para o aumento das estatísticas de sexualmente iniciados, quando, na verdade,
elas são vítimas (BROWNE; FINKELHOR, 1986; BEITCHMAN et al., 1992 apud
REYNOLDS, 1994).
A sexta consideração relevante diz respeito à amostra. Muitos dos estudos são
feitos utilizando amostras muito localizadas ou de conveniência, que impedem
que os achados sejam generalizados para a população total (BREWSTER et al.,
1998). É preciso atenção na interpretação e generalização dos achados
científicos, especialmente em se tratando de uma variável cultural como
religião, que pode ter seu significado alterado conforme o contexto.
O sétimo e último problema metodológico a ser enfrentado é com relação à ordem
dos acontecimentos, o que pode levar a conclusões precipitadas sobre o efeito
de religião. Quatro situações são comumente descritas na literatura e devem ser
consideradas, especialmente em caso de estudos do tipo cross-section.
A primeira situação é o fato de que a conversão religiosa pode ter acontecido
após o início da vida sexual, dando a impressão de que jovens muito religiosos
se iniciaram sexualmente independentemente de sua fé (THORNTON; CAMBURN, 1989).
Similarmente, uma segunda situação é conhecida como causalidade reversa. Em vez
de ser virgem por ser evangélico, por exemplo, o adolescente pode,
simplesmente, ter optado por essa religião para ganhar respaldo em continuar
com a sua virgindade "intacta" ou seu comportamento menos permissivo (BREWSTER
et al., 1998).
Uma terceira situação é descrita por Meier (2003). Em uma pesquisa de caráter
longitudinal, a autora descobriu que, para mulheres, ter tido relações sexuais
aumentou o grau de permissividade para o ato sexual pré-marital. No entanto,
sua pesquisa não conseguiu captar se a mudança no grau de permissividade é
devido à maior exposição à informação sobre sexo, à medida que começaram a
praticá-lo, ou à utilização do discurso permissivo como justificativa por ter
tido relações sexuais em uma idade precoce. A autora chama essa mudança no grau
de permissividade de "adaptação da atitude depois da primeira relação sexual",
que pode corroborar as análises enviesadas sobre motivação ou grau de desejo
para com a primeira relação sexual, já que a pergunta "o quanto você queria ter
tido relação sexual na ocasião da primeira vez" é respondida após o ocorrido
(MEIER, 2003, p. 1047).
Uma quarta situação, descrita por Regnerus e Smith (2005), refere-se aos
efeitos de seleção. Os autores apontam que muito do que é considerado efeito da
religião pode, na verdade, ser reflexo de efeitos de seleção, vieses na
pesquisa ou efeitos espúrios. Jovens com problemas de comportamento, por
exemplo, vão menos à igreja. É preciso ser cauteloso, então, para não dizer que
esses jovens possuem esse comportamento porque não vão à igreja, ou que os
jovens com bom comportamento são assim porque estão sob influência da
religiosidade. Dessa forma, para entender os efeitos de frequência religiosa no
comportamento sexual, é necessário compreender os efeitos de interação com
outras variáveis (JENSEN et al., 1990).
Apesar de atormentarem os pesquisadores, essas quatro situações não são
exclusividade de pesquisas sobre religião, mas sim uma deficiência advinda do
método e base empregados na análise. Estudos qualitativos e estudos
quantitativos longitudinais podem lançar luz sobre esses questionamentos.
Como foi visto, diversas considerações metodológicas devem ser feitas antes de
se dar início a uma pesquisa sobre sexualidade e religião/religiosidade, de
preferência antes mesmo da instrumentação da coleta de dados. Apesar de ter
sido uma tentativa de elencar as considerações mais relevantes, os tópicos
anteriormente relacionados não esgotam as considerações metodológicas de tal
tema de pesquisa, tampouco as descrevem com detalhes.
Conclusão
Ao que tudo indica, religião e religiosidade são variáveis culturais que,
sempre que possível, devem ser inseridas em pesquisas de âmbito demográfico, já
que sua influência no comportamento sexual, no que tange à iniciação sexual,
foi percebida pela maioria dos artigos aqui pesquisados, sugerindo que outras
possíveis relações podem se fazer presentes. É necessário, no entanto, cautela
com a classificação do "ser religioso" e com as diversas formas de
interpretação da denominação religiosa. Recomenda-se que futuros questionários,
nas mais diversas áreas da demografia, tragam quesitos capazes de avaliar com
fidelidade a religiosidade do indivíduo, assim como sua igreja e seu nível de
envolvimento religioso, a fim de que se possa observar a interação dessas
variáveis culturais com outras variáveis demográficas. O refinamento nas
classificações das variáveis e o uso de interações entre elas devem ser
priorizados até que testes estatísticos e o bom senso do pesquisador comprovem
a necessidade de se agruparem variáveis e utilizá-las nas formas simples e
unidimensionais.
Com relação ao impacto da religião e religiosidade na iniciação sexual, o pouco
mais de meio século de pesquisas que investigaram a associação entre religião e
iniciação sexual adolescente revela que a influência da religião parece ser
mais forte naqueles jovens que são mais religiosos. No entanto, os artigos
também revelam que os jovens se veem divididos entre pelo menos dois discursos
normativos: o da comunidade religiosa e o do convívio social mais amplo, sendo
esse segundo provedor das informações que se fazem disponíveis para a maioria
da população, tais como discursos de educação em saúde sobre sexo e
preservativos. Assim, cabe ao jovem ouvir os discursos, assimilá-los ou
"colocá-los em tensão" (SILVA et al., 2008, p. 690).
Se as realidades são muitas e muitos são os fatores que podem ter influência na
primeira relação sexual, o enfrentamento da educação para a sexualidade deve
abarcar essas diferenças (BORGES; SCHOR, 2005). Como sugere Silva et al. (2008,
p. 691), "se valorizarmos o diálogo que o sujeito religioso articula entre os
discursos sobre sexualidade que freqüentam seu cotidiano, buscando lidar com a
tensão e o conflito entre tradição e modernidade no plano individual, no plano
programático estaremos aprendendo o caminho para o diálogo com as comunidades
das diferentes matrizes e suas concepções próprias de heteronomia moral
religiosa".