O comércio negreiro na clandestinidade: as fazendas de recepção de africanos da
família Souza Breves e seus cativos
José e Joaquim Breves, irmãos em uma extensa família luso-brasileira,
vivenciaram praticamente todo o século XIX. A infância de ambos, no início dos
oitocentos, coincidiu temporalmente com a afirmação do império luso-brasileiro;
a maturidade com a construção do Império do Brasil; e a velhice com a derrocada
do sistema escravista, e consequentemente do Império que ajudaram a construir.
O início, o apogeu e a decadência do Vale cafeeiro também cortaram as suas
histórias. Por isso, participaram de importantes momentos da política imperial,
embora em lados opostos. Adversários políticos, com perfis de pensamento
diferentes, se aproximaram em relação a um aspecto da sociedade oitocentista: o
tráfico ilegal de africanos. Ambos investiram nesse comércio até quando
puderam, inclusive defendendo politicamente a manutenção do ilícito trato e
mantendo fazendas destinadas à recepção de africanos recém-chegados. A defesa
do tráfico talvez tenha sido o maior ponto de convergência entre os
comendadores. Ela unia liberais e conservadores, que embora utilizassem
estratégias diferentes, mostravam-se lado a lado ao insistirem na continuidade
do tráfico. Os dois irmãos vivenciaram um mesmo tempo de forma bastante
diferente, mas estiveram juntos, pelo menos até 1850, ao apostarem na
ineficácia da nova lei antitráfico decretada em setembro daquele ano. Ao lado
da insistência no comércio negreiro, os Souza Breves são conhecidos por
possuírem, durante o século XIX, uma imensa fortuna, alicerçada basicamente em
terras e escravos.
A conformação de uma das maiores fortunas do Brasil imperial, exemplificada
pelos imensos domínios territoriais e humanos espalhados pela província do Rio
de Janeiro, não se explicaria apenas pelas toneladas de café exportadas das
fazendas da família Breves. Apesar de, no início da década de 1860, os Breves
produzirem, sozinhos, mais de 1,5 % de todo o café exportado pelo Brasil,1 as
maiores fortunas do período não foram construídas nas plantações brasileiras.
Como mostraram Fragoso e Rios, o capital usurário representava a mola mestra na
construção das grandes fortunas imperiais, revertidas, quase sempre, em
escravos e terras.2 No caso dos Breves, uma atividade em especial alicerçou,
durante a primeira metade do século XIX, a fortuna dos comendadores: o tráfico
ilegal de africanos.
O comércio negreiro, quando ainda permitido pelas leis brasileiras e
internacionais, já era atividade de alto risco. As perdas de capitais
investidos poderiam ser totais. Entretanto, apesar dos riscos, a alta
lucratividade do negócio motivava o empreendimento em escala atlântica.3 Com a
ilegalidade do comércio de africanos, estabelecida pela lei de 7 de novembro de
1831, e ratificada quase 20 anos depois por uma nova lei, em 1850, os riscos
que já eram elevados aumentaram. Na década de 1850, apesar de todo o empenho
das autoridades brasileiras em por um ponto final no comércio de almas entre a
África e o Brasil, o tráfico continuava motivado, especialmente, pelo
enriquecimento atrelado ao sucesso do empreendimento negreiro. Durante a
ilegalidade, a repressão, posta em prática pelas autoridades, e a necessidade
de agenciar capitais e redes de relações atlânticas afastavam os pequenos
comerciantes do lucrativo trato, garantindo o mercado aberto apenas para
aqueles que possuíssem capitais suficientes para investir no comércio
clandestino.4 No Brasil os irmãos Breves representaram com exemplaridade a face
dos novos agentes envolvidos no tráfico de africanos durante a ilegalidade.
Como veremos, a família Breves esteve atrelada aos negócios negreiros desde
pelo menos meados dos anos de 1830.
Pesquisas sobre o tráfico são categóricas em afirmar que durante a segunda
metade da década de 1830 o comércio negreiro entre o Brasil e a África voltou a
tomar força.5 Foi justamente nessa época que os Souza Breves passaram a atuar
no tráfico de africanos. Interessante notar que não estavam no comércio
negreiro antes da ilegalidade, pelo menos não os encontramos nas listagens de
traficantes atuantes na Praça do Rio de Janeiro até o início da década de
1830.6 Caso estivessem envolvidos nos negócios do tráfico, antes dessa data,
certamente ainda não gerenciavam o empreendimento negreiro. Os irmãos Breves
pareciam inaugurar e bem representar o rol dos novos personagens e das novas
estruturas montadas para receber os sujeitos vindos da África durante a
ilegalidade do comércio negreiro.
Estudos demonstram como, a partir da repressão inglesa, o infame comércio
mudara nas duas margens do Atlântico.7 Na África, o deslocamento dos embarques
de escravos do litoral de Luanda, para o norte de Angola ou para a Costa
Oriental, se tornara frequente, principalmente após a abolição do tráfico nas
colônias portuguesas em 1836. No Brasil os desembarques também foram
reordenados para fugir da repressão. As praias litorâneas, mais afastadas do
controle do Estado, passaram a acoitar os indivíduos traficados. Nelas, novas
estruturas foram edificadas para receber os africanos que continuavam chegando
em números crescentes na década de 1840. Novamente os comendadores Breves
exemplificam e dão sentindo a reordenação do tráfico. Eram nas suas
propriedades do litoral sul fluminense que parte dessa estrutura funcionava,
pelo menos até os primeiros anos da década de 1850.
Não acreditamos que todo esse sistema surgiria sem o emprego de grandes
capitais gerenciados em uma ampla rede comercial. Da mesma maneira, não era
apenas um novo dispositivo jurídico que transformaria o tráfico em uma
atividade ilegal aos olhos dos fazendeiros e da própria sociedade brasileira.
Sabemos que as leis são construídas nos embates políticos e sociais de uma
época, quase sempre exemplificando interesses e perspectivas diferenciadas.
Nesse sentido, a ilegalidade do tráfico não estava dada na década de 1830, os
interesses e as perspectivas estavam dispostos nas discussões no Parlamento
brasileiro e na sociedade de época.
Iniciaremos nossa análise evidenciando mais detidamente o envolvimento dos
Souza Breves com o tráfico de africanos. Acompanharemos os casos de
desembarques de "negros novos" nas margens das suas fazendas litorâneas, no mar
de Mangaratiba e de Angra dos Reis. Paralelamente, investigaremos as estruturas
das fazendas de Santa Rita do Bracuhy e da Marambaia. Embora tenhamos uma
avaliação tardia dessas propriedades, poderemos perceber os resquícios daquelas
estruturas construídas para receber os africanos traficados na ilegalidade.
Certamente teremos uma imagem um pouco distante do fim do tráfico nessas
fazendas. Entretanto, observaremos como estavam organizadas, ou mesmo
desorganizadas, as propriedades litorâneas dos Breves no pós 1850. Acreditamos
que, entre a década de 1830 e o início dos anos de 1850, elas passaram a suprir
o mercado depois da desarticulação do Valongo e das demais estruturas de
recepção dos negreiros que ancoravam na margem brasileira do Atlântico.
Conciliando os negócios do tráfico com as trajetórias individuais dos últimos
africanos reduzidos à condição de cativos, encerrarmos nossa narrativa
analisando a conformação da escravaria de Joaquim Breves, a presença dos
últimos cativos africanos das suas propriedades. Para isso, analisaremos os
perfis dos escravos falecidos nas fazendas do comendador, entre 1865-1875.
Destacaremos o grau de africanidade desses indivíduos, assim como seus grupos
de procedência. A análise dos óbitos nos permite traçar um panorama dos últimos
africanos de Breves, suas trajetórias marcadas pelo contrabando internacional
de escravos e pelo cativeiro ilegal no pós 1831.
O infame comércio ao sul da província do Rio de Janeiro e os irmãos Breves
[...] Mas aqui era o ponto de embarque e desembarque do comendador
Sousa Breves (...), além de ser de desembarque, era de engorda
também.
A história que eu sei (...) que proibiram a venda dos escravos (...)
mas, não sei como é que fizeram, que ainda arrumaram uns escravos
para trazer para cá, para vender novamente.8
Manoel Moraes há mais de 80 anos vive nas antigas terras da fazenda de Santa
Rita do Bracuhy, em Angra dos Reis. Seus avós maternos e paternos foram
escravos do comendador José de Souza Breves. "Preto Forro", o avô paterno, e
Antonio Joaquim da Silva, pai de sua mãe, viveram os últimos anos da escravidão
na fazenda. Ambos receberam suas alforrias ainda na década de 1870 e foram
citados como legatários da antiga fazenda no testamento do comendador, escrito
em 1877 e aberto no ano de 1879. Muito provavelmente foram seus avôs que
perpetuaram as histórias do tráfico e da escravidão ao longo dos anos,
transmitidas de geração a geração, em um processo de rememoração em que o
histórico da fazenda se confunde com as próprias trajetórias familiares dos
seus moradores. No caso do senhor Manoel Moraes, as histórias da escravidão e
do tráfico narram também lembranças de família muito vívidas e com referenciais
muito fortes nas últimas décadas do século XIX.
Certamente, Antonio Joaquim da Silva, escravo de Breves, encarregado do engenho
de cana de açúcar, vivenciou ou ouviu falar dos inúmeros desembarques de
africanos que ocorreram no Bracuhy a partir da década de 1840.9 O engenho no
qual trabalhava produzia essencialmente aguardente, mercadoria chave no
comércio de escravos na costa atlântica da África. Ao analisarmos a fazenda de
Santa Rita no final da década de 1870, encontraremos uma área em decadência,
praticamente abandonada à própria sorte de seus habitantes. No entanto, antes
de nos determos na relação entre a antiga fazenda do Bracuhy e o comércio de
africanos, cabe esclarecer alguns pontos importantes sobre esse comércio
clandestino: Como se reorganizara após a ilegalidade? Qual o papel dos Souza
Breves no tráfico? E as suas fazendas do litoral, que funções representavam na
reordenação do comércio negreiro após a Lei de 1831?
No litoral africano, os padrões de abastecimento do tráfico atlântico de
escravos se alteraram significativamente a partir da segunda década do século
XIX. A repressão inglesa na África fez com que os traficantes do litoral
mudassem suas estratégias de comércio. O embarque no continente africano
deslocou-se de Luanda e dos demais portos centrais da região Centro-Sul para
locais mais afastados do litoral, como o norte de Angola e as ilhas da África
Oriental. Os embarques dos portos de Moçambique, Inhambane e Quelimane
cresceram significativamente naquele momento, seguindo a tendência de
reestruturação do tráfico atlântico de africanos na década de 1830.10
No Brasil, a partir da Lei de 1831, o tráfico também se modificou,
principalmente em termos estruturais. Com o comércio negreiro considerado uma
atividade ilegal, consequentemente, o mercado do Valongo, responsável por
receber e redistribuir os escravos pelas fazendas fluminenses, foi fechado,
pairando durante poucos anos um vazio sobre onde e como seriam recebidos os
escravos que continuariam a vir da África após 1831. No entanto, rapidamente
novos agentes entrariam no ilícito comércio. E com eles novas estratégias para
burlar a lei e redefinir os mecanismos de um comércio juridicamente condenado.
Ao que tudo indica, rapidamente foram articulados novos portos de desembarque.
No caso do Rio de Janeiro, as praias afastadas ao norte e ao sul da Corte foram
os locais escolhidos para receber os africanos. Novos agentes também entraram
nesse lucrativo comércio, já em meados dos anos de 1830, com destaque para os
fazendeiros fluminenses.
Provavelmente os Breves despontaram nesse comércio ainda na década de 1830,
sendo um dos primeiros agentes a se lançarem na atividade negreira. Nos
litorais das diversas praias afastadas, os desembarques recomeçavam e passavam
a contar com a ingerência dos antigos senhores de escravos e fazendeiros de
café, sedentos pela mão de obra africana e pelos altos lucros desse tipo de
comércio.
Em 1830, no comprovante de concessão e registro da Ordem da Rosa atribuído a
Joaquim Breves, encontramos, além do nome completo do fazendeiro, uma
referência bastante importante: comerciante de escravos.11 A Ordem lhe foi
atribuída em um momento conjuntural no qual o envolvimento com o tráfico não
mancharia a trajetória de Joaquim, nem de outros sujeitos atrelados ao comércio
negreiro, alguns deles, inclusive, se tornariam políticos proeminentes durante
o Segundo Reinado. Entretanto, não podemos afirmar que Breves gerenciasse a
finalização do comércio atlântico de africanos no início de 1830. O futuro
comendador poderia ser apenas mais um dos agentes envolvidos nos últimos
desembarques, antes da Lei de 7 de novembro de 1831, como também era possível
que estivesse reorientando os negócios negreiros inter-provinciais no Brasil. O
que podemos afirmar com precisão é que os negócios negreiros, legais ou não,
marcaram logo de início a trajetória dos Souza Breves, assim como tiveram uma
importância singular na conformação das suas fortunas.12
Em 1837, os investimentos da família Breves passavam a se relacionar
diretamente aos negócios do tráfico. Conjuntamente com o crescimento das
plantações de café no Vale do Paraíba fluminense, os comendadores começavam a
investir no lucrativo comércio de africanos. Nesse mesmo ano, o presidente da
Câmara de Mangaratiba, em Ofício ao Governo do Império, evidenciava que:
Em 10 de Janeiro [de 1837] [...], por aqui apreendido pelo Juiz de
Paz deste distrito o patacho que se diz ser portuguez e que se
denomina União Feliz ter-se empregado desde 1835 no ilícito, imoral,
e desumano trafico da escravatura, e que acabava de verificar um
desembarque de africanos no lugar onde fora apreendido e porque
tivesse ingerência nessa embarcação Joaquim José de Souza Breves...13
Segundo a Câmara de Mangaratiba, o então comendador não era apenas um exímio
comprador de indivíduos reduzidos ilegalmente à escravidão. Mais do que isso,
possuía ingerência sobre a embarcação negreira que cruzava o Atlântico nas
rotas da ilegalidade. Certamente o empreendimento traficante contava com um
apoio logístico para o embarque na África e o desembarque no Brasil. Os
negócios da família Breves movimentavam uma ampla rede comercial nas duas
margens do Atlântico, envolvendo outros indivíduos de destaque na sociedade
oitocentista. Entretanto, a gerência desse empreendimento, no lado brasileiro
da costa, estava nas mãos de Joaquim Breves. E não foi pequeno o seu
investimento nessa empreitada. Prova disso é que Joaquim levou até as últimas
consequências a viabilidade dos seus negócios, enfrentando, inclusive, o Estado
imperial. Certamente o presidente da Câmara de Mangaratiba não estava entre os
pares de Breves, tanto que continuou sua denúncia sobre a audácia do futuro
comendador, de continuar no ilícito trato a qualquer custo:
[...] e conhecendo este [Joaquim Breves] não poder corromper o juiz
de paz então em exercício [...] de viva força a senhorar-se [sic] do
mesmo Patacho e do [...] que por cautela estaria depositado no Forte
da Guia, e fazê-lo de novo navegar afim de transportar talvez outro
carregamento de infelizes, e para esse fim mandou engajar em serra
acima gente mercenária da mais ínfima classe, a maior parte seus
dependentes os quais armados de diversos modos descerão efetivamente
e em sua casa e na de seus protegidos se acoitarão subindo o seu[...]
a 100 ou mais como se manifesta no documento junto marcado em [...] e
porque este indivíduo reconhecesse a dificuldade da empreza vista da
vigilância a parte na autoridade a quem diretamente pertencia
aconselhar e precaver este atentado, disperadiu-se [sic] por então da
empreza, e mandou retirar esse indivíduo esperando ocasião mais
oportuna para por em execução o seu intento, quando com certeza de
bom êxito pudesse efetuar o que premeditará [...] Por [...]
rivalidade e mesmo por vingança Joaquim José de Souza Breves, Exmo.
Sr. ameaça a huma povoação inteira, espalhou o terror entre os
habitantes do município e o que mais [...] disso se vangloria, e
impune e audaz, passe entre nós. Ilmo. Homem que se [...] a mandar
vir de Serra Acima, huma quantidade de gente armada para cometer um
atentado de tal natureza, é capaz de praticar outros mais [...] e a
vista de hum tal procedimento authorizado está para cometer quantas
desvarias conceber em sua escaldada imaginação.14
Não imaginaria o presidente da Câmara que a imaginação de Joaquim fosse tão
longe. Tampouco suporíamos que sua audácia fosse tão grande. Para organizar uma
incursão ao Forte da Guia a fim de retomar o patacho, era possível que além de
possuir ingerência sobre o tumbeiro, fosse o próprio Breves o dono da
embarcação. Era comum, durante a ilegalidade, as embarcações usarem bandeiras
falsas para fugir dos cruzadores britânicos.15 Breves poderia manter um navio
com documentação portuguesa como forma de burlar a repressão. Ou simplesmente,
apenas agenciava o contrabando, sendo responsável pelo desembarque na costa
brasileira. Nessa hipótese, todo o malogro do empreendimento cairia sobre suas
costas e seu bolso. Talvez isso ajude a entender a atitude impulsiva e
audaciosa do então fazendeiro ao organizar uma empreitada, com mais de cem
homens armados, com a finalidade de resgatar o patacho negreiro. É bastante
improvável que Breves estivesse sozinho nessa iniciativa, certamente o prejuízo
da travessia negreira implicaria em perdas econômicas e uma possível
desarticulação de uma cadeia de relações sociais e econômicas estruturada no
espaço Atlântico.
Quase quinze anos após a denúncia da Câmara de Mangaratiba, Joaquim de Paula
Guedes Alcoforado, traficante redimido, era contratado pela legação inglesa no
Rio de Janeiro com a finalidade de elaborar um detalhado relatório sobre os
meandros do comércio ilegal de africanos entre 1831 e 1853. O Relatório
Alcoforado, como ficou conhecido, ratifica os nossos indícios de que os Breves
foram pioneiros na retomada do trafico em meados da década de 1830. Além disso,
Alcoforado, que também estava a serviço da Polícia da Corte do Rio de Janeiro,
desvenda novos nomes, confirmando a hipótese de um comércio de família em
escala atlântica:
Infelizmente o primeiro ambicioso brasileiro que tratou desse tão
infame como repugnante tráfico foi Joaquim Breves, seu sogro e irmão,
lançando mão do aventureiro e degenerado português João Henrique
Ulrich (hoje de grande notabilidade), a quem mandavam à África com
grandes negociações.16
Joaquim Breves, seu irmão e o sogro deles, José Gonçalves de Moraes, Barão de
Pirahy, empreenderam um negócio em família que funcionava nas duas margens do
Atlântico, gerando altíssima lucratividade. Além deles, João dos Santos Breves,
irmão dos referidos comendadores, também participara das atividades
traficantes. João, ao que parece, administrava armazéns e entrepostos
comerciais de propriedade da sua família em Mangaratiba.17 Poucos sabemos sobre
o irmão de José e Joaquim Breves, no entanto, podemos inferir que João exercia
importante função nos negócios familiares com a costa africana, atuando na
organização dos desembarques em Mangaratiba. Na África contavam com o agente
João Henrique Ulrich para intermediar as negociações no litoral. Desconhecemos
a trajetória de João Ulrich, acreditamos ser um negociante, como informa
Alcoforado, que enriqueceu com o tráfico e fez fortuna em Portugal.
Mas se contavam com os barracões para armazenar os cativos até o embarque nos
tumbeiros, com africanos para abastecer os navios e viabilizar o empreendimento
do tráfico, e com Ulrich para fechar os últimos detalhes comerciais da viagem,
como era a estrutura do desembarque? Quem os esperava? Onde deveriam
desembarcar e aguardar instruções antes de irem para as fazendas? Novamente
Alcoforado nos auxilia na construção das respostas:
Em fins de 1835, o tráfico era grande. Em muitos pontos de nossa
costa se estabeleceram barracões e fazendas apropriadas para se darem
este desembarques de africanos; as autoridades de terra que tinham
ingerência neste negócio eram os Juízes de Paz que no termo aonde
eram feitas estas especulações tinham como paga 10,8% por cento de
cada negro desembarcado [...] Um Joaquim Thomaz de Farias, patrão-mor
da Barra de Campos e um marinheiro por nome André Gonçalves da Graça
(hoje ambos Comendadores) trataram de fazer um ponto de desembarque
um pouco mais ao Norte da Barra de Campos lugar denominado
Manguinhos; José Bernardino de Sá e um tal de Veiga estabeleceram
próximo a São Sebastião, lugar denominado Itabatinga; [...]José
Breves em Mangaratiba mais adiante na Ilha da Marambaia [...].18
(grifos meus)
As fazendas da Marambaia e de Santa Rita do Bracuhy estavam entre aquelas
propriedades organizadas para receber os africanos recém-chegados da travessia
atlântica no período do tráfico ilegal. Após 1830, barracões e fazendas do
litoral recriavam as estruturas outrora destruídas pela lei de 7 de novembro de
1831. Canoas, barracões para quarentena e locais de "engorda" conformavam as
estruturas de recepção. Indivíduos especializados em se comunicarem com as
diferentes nações africanas, os chamados línguas, em sua maioria escravos ou
ex-escravos, vinham nos tumbeiros ou esperavam em terra a carga humana. Além
deles, outros homens transportavam por terras os "negros novos" para quarentena
ou os redistribuíam pelas fazendas da região. São esses sujeitos, ainda
desconhecidos pela historiografia, que faziam funcionar o tráfico de africanos
na clandestinidade, dinamizando o funcionamento das fazendas receptoras de
escravos no litoral brasileiro.19
O complexo de fazendas da restinga da Marambaia, de propriedade do comendador
Joaquim Breves, no litoral de Mangaratiba, abrigava algumas daquelas fazendas
destinadas à recepção de africanos.20 Desde o final dos anos de 1830, a
restinga funciona como porto seguro para a recepção de escravos. Em 1837 a
embarcação bergantim Leão desembarcou 572 africanos, procedente do Quelimane.21
Quase 15 anos depois, em apenas três meses, entre dezembro de 1850 e fevereiro
de 1851, foram apreendidos 940 africanos ilegalmente trazidos para o Brasil e
desembarcados nas águas da Marambaia. 22
Em uma dessas apreensões, realizadas entre os dias 1 e 2 de Fevereiro de 1851,
em incursão à Marambaia, o delegado de Polícia da Corte, Bernardo de Azambuja,
após notificar o comendador, que se encontrava na fazenda, apreendeu espalhados
pela restinga 199 africanos, que estavam escondidos por um escravo ladino
pertencente a Joaquim Breves. Certamente esse cativo era um dos sujeitos que
faziam a estrutura da Marambaia funcionar como um exímio porto de desembarque
de "negros novos". Nessa mesma época, 450 africanos foram encontrados em um
navio encalhado nas margens da fazenda da Armação, também na Marambaia em
fevereiro de 1851. Três meses antes, o tumbeiro Jovem Maria tinha sido flagrado
nas águas da restinga com 291 africanos a bordo. Entre os documentos trazidos
pelo navio, as autoridades encontraram instruções para que os africanos se
dirigissem à fazenda Bom Retiro, na província da Bahia. Coincidentemente, uma
das fazendas de Joaquim Breves tinha o mesmo nome na década de 1860.
Não foram poucos os casos de contrabando de africanos que envolveram, direta ou
indiretamente, os irmãos Souza Breves. Com exceção do desembarque realizado em
1837 na Marambaia, todos os demais incluíram os comendadores nos autos de
investigação. Destacamos abaixo apenas aqueles que se confirmaram, deixando de
fora as suspeitas e demais acusações de tráfico ilegal.
Entre 1837 e 1852, tivemos a confirmação de onze desembarques envolvendo os
Breves ou suas propriedades, a grande maioria nas proximidades da Marambaia.
Como vimos, os comendadores foram dos primeiros indivíduos a retomarem o
comércio de africanos, e os últimos a abandoná-lo. Nesse período de 15 anos,
desembarcaram nas proximidades de suas fazendas 4388 africanos. Considerando
que só uma ínfima minoria dos casos era averiguada e investigada pela Polícia
da Corte, na década de 1850, e pela Auditoria Geral da Marinha, podem supor que
esses números fossem muito maiores. Não é exagero afirmar que os irmãos Breves
ajudaram a trazer para o Brasil milhares de africanos durante a clandestinidade
do comércio negreiro, e que boa parte desses sujeitos foi reduzida ilegalmente
ao cativeiro nas escravarias espalhadas pelas fazendas do Vale do Paraíba.
Tabela_1
Chama a nossa atenção que a maioria das viagens começasse no Rio de Janeiro. Do
bergantimLeão, que atuava no tráfico em 1837, ao brigueCamargo, último
desembarque confirmado nas propriedades dos Breves, o caminho era semelhante:
Rio de Janeiro ' África ' Rio de Janeiro. Na maioria das vezes a finalização se
dava na Marambaia. Nos dois casos citados, ambos os navios partiram do Rio de
Janeiro rumo a Quelimane. Retornaram com mais de 500 cativos cada um. Além
deles, os brigues D. João de Castro e Edelmando fizeram trajetórias muito
semelhantes, o primeiro saindo por duas vezes do Rio de Janeiro para
Moçambique, e o segundo para Ibo, na África Ocidental.23 Em outras palavras,
boa parte dos traficantes do período ilegal do comércio negreiro movimentavam
suas redes transoceânicas a partir do litoral do Rio de Janeiro.
Também nos impressiona que das seis procedências registradas, cinco delas
relacionavam-se ao litoral de Moçambique. A importância da África Oriental no
período do tráfico ilegal é reconhecida por vários historiadores, no entanto,
ela parece ter sido muito maior do que se tem imaginado. Entre os onze navios
registrados, quase a metade deles saíra dos portos de Moçambique e Quelimane.
Estranhamente, uma das embarcações catalogadas teve em Ibo, próximo à atual
Nigéria, sua principal praça de aquisição de cativos.24 Os 683 africanos
embarcados em Ibo chegaram ao litoral sul fluminense em 1850. Em relação aos
demais, não temos informações precisas sobre a procedência. Entretanto, pelos
escravos apreendidos no iateJovem Maria,no patachoAtividade, e na embarcação
que trouxe 199 africanos para a Marambaia em 1850, acreditamos que estes
embarques tenham se dado na costa central-atlântica africana, provavelmente nos
portos ao norte de Luanda.25
Entre as bandeiras dos navios, a maior parte era portuguesa ou brasileira.
Sobre as tripulações temos poucas informações, com exceção do iate Jovem Maria
e do brigueCamargo.Nessas embarcações a composição da tripulação variava, em
sua maioria, entre portugueses, espanhóis, norte-americanos e ingleses, embora
também encontrássemos a presença de brasileiros e de indivíduos de diferentes
partes da África. O comércio negreiro mantinha seu caráter transoceânico, tanto
para aqueles que o financiavam, como para os indivíduos que o executavam.
Oito, entre os onze desembarques ocorreram na Marambaia. A restinga concentrava
a finalização do empreendimento traficante desde pelo menos 1837. Duas
embarcações atracaram nesse mesmo litoral, uma também em 1837, em Mangaratiba,
e a outra em Angra dos Reis, na fazenda de Santa Rita do Bracuí, quinze anos
depois. Nos dois casos encontramos o envolvimento direto dos comendadores
Joaquim e José Breves.
Em mais um dos desembarques ocorridos fora da Marambaia, nos deparamos com a
presença ilustre de Joaquim Breves. Em 1851 era ele o proprietário do brigue
Destro, que desembarcou 457 africanos no Rio de Janeiro. Nesse caso, com seu
próprio tumbeiro, Breves não utilizou suas fazendas litorâneas para finalização
do empreendimento. Optou por atracar o brigue em outra parte do litoral
fluminense, fugindo da visada restinga de sua propriedade.
Outros senhores também figuraram como proprietários de tumbeiros atracados na
Marambaia de Breves. Entre eles, Antônio Brás dos Réis, Vitor Manoel Paneto e
Francisco da Costa Ramos. Aquele dono do brigue D. João de Castro, capturado
duas vezes pelos britânicos em 1839. No primeiro caso, o tumbeiro desembarcou
450 cativos no litoral da Marambaia, já na segunda viagem 444 africanos foram
levados da restinga do comendador para as fazendas do Vale do Paraíba.26 Vitor
Panedo e Francisco Ramos eram proprietários do Jovem Maria e do Edelmando,
apreendidos na mesma restinga em 1850.
Joaquim Breves centralizava na Marambaia a última fase do empreendimento
traficante. Mais da metade dos desembarques registrados ocorreram após 1850. Os
demais se deram nos anos de 1837 e 1839. Não há nenhuma evidência de navios
capturados na década de 1840.27 Não acreditamos que a Marambaia, o Bracuhy, e
outras regiões do litoral sul fluminense tenham deixado de receber africanos
ilegalmente durante aqueles anos. Mais provável é que o Império tenha sido
bastante permissivo em relação ao tráfico nas fazendas afastadas da Corte. O
domínio político conservador, após a maioridade de d. Pedro II, assegurava não
só o monopólio do tráfico para os seus pares, como também adiava para o início
da década seguinte a perseguição aos tumbeiros e aos desembarques realizados ao
longo da costa brasileira.28
Além disso, boa parte dos escravos traficados morreu a caminho do cativeiro no
Brasil. Os avanços tecnológicos dos negreiros nem sempre garantiam uma redução
significativa da taxa de mortalidade. Por exemplo, o tumbeiro bergantimLeão,
perdeu 33,1 % dos seus cativos em 1837. Quatorze anos depois, o brigue Destro,
de propriedade de Joaquim Breves, amargou um prejuízo significativo, com a
morte de 30,4 % dos escravos a bordo. Embora essas taxas sejam bastante altas,
elas não correspondem à totalidade dos desembarques. Nos casos analisados, as
taxas oscilam bastante. Exemplo disso é que em 1839, nas duas viagens do brigue
D. João de Castro, a taxa de mortalidade girava em torno de 10%, praticamente a
mesma do brigue americano Camargo, que registrou mortalidade em torno 9,1% em
1852. Essas variáveis não eram fixas, e se relacionavam tanto com o itinerário
das viagens e seus portos de origem, quanto com a finalização do
empreendimento. A própria lógica de maximização dos lucros de alguns
traficantes, que abarrotavam os tumbeiros com centenas de africanos, aumentava
significativamente esses índices. Emblemático, nesse sentido, é o caso do
bergantim Leão que embarcou 855 africanos em 1837 e, ao mesmo tempo, amargou a
maior taxa de mortalidade entre as embarcações registradas.
Os novos portos de chegada: a fazenda de Santa Rita do Brachuy e o complexo da
Marambaia
Não restam dúvidas de que as fazendas litorâneas dos comendadores eram
estruturadas para recepção de africanos recém-chegados da travessia atlântica.
Algumas delas, além de possuírem uma estrutura para o desembarque de africanos,
tinham se organizado produtivamente para o empreendimento negreiro. É o caso da
Fazenda Santa Rita do Bracuhy, de propriedade de José Breves, adquirida por
compra em 30 de maio de 1829.29
Na avaliação do espólio do comendador José de Souza Breves, encontramos onze
fazendas, duas delas no litoral sul fluminense, na extinta freguesia de Nossa
Senhora da Conceição da Ribeira, em Angra dos Reis, eram elas: Santa Rita do
Bracuhy e a pequena fazenda de Jurumirim.30 Em 1881 ambas foram avaliadas, e o
que nos chama atenção é o estado de abandono em que se encontravam. Enquanto
nas outras propriedades inúmeros escravos foram listados, diversos bens
avaliados, entre imóveis e semoventes, as duas propriedades do litoral parecem
abandonadas à sorte dos cativos que anos depois receberiam em testamento a
posse e o usufruto daquelas terras.
Em 1881, a fazenda do Bracuhy contava com dois mil seiscentos e quarenta metros
de terras de frente, e fundos "até a mais alta serra do mar", avaliados em dois
mil réis cada metro, totalizando cinco contos e duzentos mil réis. Entre as
benfeitorias da fazenda, encontramos uma casa de vivenda bastante estragada,
dois lances de casas que serviam como paiol, além de uma casa com rancho ao
lado para guardar canoas. As edificações estavam em ruínas no início dos anos
de 1880. Ao que nos parece há tempos não se produzia em Santa Rita. Encontramos
na fazenda apenas vinte enxadas, dez foices e dois machados de serviço de roça,
tudo avaliado em míseros oito mil réis. Além disso, havia um pequeno canavial,
um pomar e alguns cafezais, que somados não chegavam a meio conto de réis.
O que realmente encarecia a fazenda era sua antiga estrutura de produção de
aguardente, que nessa época também estava em decadência, como nos mostra a
avaliação feita em 1881. Dessas benfeitorias existiam quatro carros de bois,
próprios para condução de cana, que somado aos semoventes, trinta e seis bois
de carro, chegavam há um conto cento e sessenta mil réis. Isoladamente, o bem
mais valioso da antiga fazenda era uma casa de telha, com engenho, moendas,
alambique, tonéis e outros elementos para a produção de cachaça, tudo visto e
avaliado em um conto de reis. Somando o engenho, com os carros de bois e seus
respectivos semoventes, destinados ao transporte da cana e seus derivados,
chegamos a quase 50% do valor de referência da propriedade. Isso demonstra que,
nas décadas anteriores, a estrutura produtiva de Santa Rita estava voltada para
produção de aguardente.
Como demonstrou Roquinaldo Ferreira, a geribita, conhecida popularmente como
cachaça, era uma das mercadorias mais valorizadas no comércio de escravos no
interior do continente africano.31 Nesse sentido, a família Breves mostrava-se
bastante conectada com as preferências dos mercadores africanos. Produzindo
geribitaatendiam às demandas do tráfico, multiplicando os desembarques de
africanos no litoral brasileiro. Provavelmente João Henrique Ulrich, agente dos
Souza Breves em África, comercializava a aguardente do Bracuhy e de outras
fazendas litorâneas dos Breves na margem africana do Atlântico.
Somado a decadência da fazenda analisada, encontramos uma pequena propriedade
denominada Jurumirim, no lugar de mesmo nome, formada em sua maior parte por
528 metros de terras na Ilha da Barra, também na Freguesia da Ribeira. A
descrição no inventário é muito sucinta, demonstrando que havia apenas terras e
poucas construções, praticamente abandonadas. Além dela, José possuía também
uma faixa de terra denominada Ilha Comprida, próxima a Mambucaba. O comendador
deixara a ilha para usufruto dos pescadores que nela viviam e dos próprios
moradores de Santa Rita.32
Na segunda metade do século XIX, enquanto o Vale do Paraíba ainda arrecadava os
altíssimos lucros do comércio de café, o litoral sul da província parecia
padecer em um crescente abandono. Certamente o fim do tráfico de africanos, nos
primeiros anos da década de 1850, afetou em curto prazo a região que se
especializara, no período imediatamente anterior, na recepção de negros vindos
das mais diferentes regiões da África.
Entre os domínios litorâneos dos comendadores, a Marambaia configurava-se como
a principal porta de entrada de milhares de africanos reduzidos ilegalmente à
escravidão. Ligação entre o litoral de Mangaratiba e a imensidão do Atlântico,
a restinga se tornara um porto seguro para o desembarque de africanos desde o
final da década de 1830. No entanto, em meados do século XIX, o comércio
clandestino passaria a ser tão frequente que mesmo o proprietário da restinga
admitia as ocorrências dos desembarques.
A Marambaia foi comprada de Guedes e Irmão em 17 de abril de 1847.33 A
avaliação da fazenda, em 1890, demonstra que há tempos aquela propriedade
estava abandonada e improdutiva. Entre os três primeiros dias do mês de
setembro, os avaliadores juramentados no processo descreveram minuciosamente a
restinga.34 Logo de início, observamos que o complexo da Marambaia era bem mais
estruturado do que o de Santa Rita, principalmente pelo número de construções,
móveis e canoas. No entanto, ao analisarmos mais detidamente a documentação,
percebemos que o abandono na Marambaia era muito semelhante ao do Bracuhy,
inventariado dez anos antes no espólio de José Breves. Na descrição das casas e
de alguns móveis observarmos o uso, com frequência, de expressões que denotam
esse abandono. Construções em mau estado, ou em ruínas, reincidentemente
aparecem nas falas dos avaliadores.
Outra particularidade da Marambaia era o complexo de propriedades que a
compunha. A fazenda da Armação parecia ser a principal delas. Lá estava o bem
mais valioso inventariado: "uma casa de vivenda, comprida com varanda, na
frente envidraçado, na fazenda denominada Armação, assoalhada e forrada, com
diversos quartos e salas e cozinha e outras dependências, parte em bom estado e
parte em mau estado, visto e avaliada por dois Contos de Réis ' 2:000$000".35
Até mesmo o bem mais valioso da Marambaia estava se deteriorando, aparentemente
abandonado no final do século XIX. Era na Armação que se encontravam
importantes construções do recente passado escravista, como a casa de vivenda
que servira outrora de hospital avaliada em 250$000 réis. Além dela, mais
outras cinco construções pareciam seguir o mesmo caminho, servindo de abrigo
pra gados, cavalos e chiqueiros para os porcos. Segundo consta no auto de
avaliação da propriedade, os chiqueiros estavam ao lado da antiga enfermaria,
evidenciando uma reestruturação do espaço após a Abolição da escravidão.
Reorganização semelhante deve ter ocorrido com o fim do tráfico de africanos,
finalidade específica das propriedades da restinga da Marambaia.
A cerca de uma légua da Armação encontramos a fazenda da Serra d'Água, composta
de duas casas erguidas sobre pilares de pedra, e uma capela de Nossa Senhora da
Conceição construída em 1851. As duas casas, assim com as anteriores, se
encontravam em ruínas. Além das fazendas, Joaquim Breves mantinha três ilhas em
frente à restinga: Saracura, Bernarda e Papagaio fechavam o complexo da
Marambaia. Certamente a ilha do Papagaio era a menor delas, apreçada em um
terço (50$000 Réis) do valor das demais. No entanto, o que enriquecia o espólio
deixado pelo comendador era a imensa restinga, descrita como ilha da Marambaia,
avaliada em duzentos e noventa e cinco contos de réis (295:000$000), em 3 de
setembro de 1890. O valor do complexo da Marambaia era 59 vezes maior do que a
fazenda do seu falecido irmão no mesmo litoral.
Apesar de toda a vastidão da restinga, o abandono sócio-produtivo era a marca
das antigas propriedades do litoral sul fluminense, não só no final da década
de 1880, mas a partir do início da segunda metade do século XIX. Esse processo
ficou evidente a partir da avaliação da antiga fazenda de Santa Rita, mas se
torna muito mais claro ao analisarmos as benfeitorias da Marambaia. Em 1890,
tanto na fazenda da Armação, quanto na Serra d'Água, as únicas plantações
existentes eram os mil pés de coqueiros da Bahia, espalhados pelas referidas
propriedades e avaliados em mil réis cada um. Ao longo de toda avaliação, há
apenas uma referência indireta às antigas culturas agrícolas, exatamente no
momento em que se avaliava um antigo engenho na praia da Armação para secagem
dos grãos de café. Pela quantidade de coqueiros, e inexistência de qualquer
outra cultura que ao menos valesse a pena ser inventariada, supomos que há
tempos a Marambaia fosse uma daquelas propriedades sem finalidade específica
após o fim do tráfico de africanos.
Restaram aos herdeiros da Marambaia, além das construções em ruínas, alguns
animais, móveis e canoas. Da antiga casa do comendador, sobraram apenas mesas e
cadeiras em mau estado, dois pianos e uma canoa grande de Jequitibá, certamente
usada no transporte entre Mangaratiba e a restinga. No dia 4 de setembro, o
juiz do caso e os avaliadores juramentados deixaram a Marambaia, seguindo para
o Saco de Mangaratiba, onde em apenas um dia inventariaram as construções em
ruínas e uma chácara nessa mesma praia. Reminiscências de uma época marcada
pelos altos lucros da exportação do café e pela ilegalidade do tráfico
internacional de africanos.
É intrigante perceber o abandono e a decadência dessas fazendas do litoral sul
fluminense, em contraponto com a opulência das demais propriedades da família
Breves no Vale do Paraíba no final da década de 1870. A Lei de 1850, que
ratificava a ilegalidade do tráfico e estendia as responsabilidades sobre o
ilícito comércio,36 parece ter mudado, em curto prazo, a paisagem social das
fazendas do litoral. O fim do tráfico de africanos, gradativamente construído
na primeira metade da década de 1850, alterou profundamente a rotina das
fazendas do sul da província do Rio de Janeiro. As estruturas do tráfico
clandestino deveriam ser desmontadas, ou simplesmente abandonadas, e as
fazendas que as englobavam, reestruturadas, ou deixadas a cargo dos seus
moradores, em sua maioria escravos e libertos. Esse parece ter sido o destino
da Fazenda de Santa Rita do Bracuhy e do complexo da Marambaia, logo após o fim
do tráfico atlântico de escravos.
Talvez, por isso, os que permaneceram na restinga tenham suas identidades
relacionadas diretamente às antigas histórias dos últimos desembarques de
africanos, possivelmente vivenciadas, direta ou indiretamente, por seus pais e
avós. Ao encontrar os que permaneceram na Marambaia, Assis Chateaubriand,
registrou o que disseram os últimos ex-escravos do comendador em 1927.
Chateaubriand conversou com Adriano Júnior e Gustavo Victor. Adriano havia
trabalhado na fazenda S. Joaquim da Grama, e tinha aproximadamente 75 anos.
Chateaubriand não precisara a idade de Gustavo, no entanto, disse aparentar ser
mais velho que Adriano. Ao perguntar àquele sobre seu antigo senhor, Gustavo
foi direto ao relacionar a restinga ao comércio de africanos: "Gente vinha de
bahia d´Angola premero pra qui. Engordava, e depois ia pra roça, trabaiá no
cafezá". Sobre seu antigo senhor, lembrava o seguinte:"Era um veio bão. Quando
via nego assentado, depois do serviço, apreguntava se nego tava triste, e
mandava reunir a senzala para dançar o cateretê e o batuque, fazendo tocar o
bumba de barriga".37
O tráfico na Marambaia se confundia com a própria trajetória dos antigos
escravos. Da conformação das fazendas, aos indivíduos que lá permaneceram, o
infame comércio parecia atribuir sentido para a história daquela restinga, na
interseção entre passado e presente. Certamente Gustavo e Adriano teriam muito
mais a contar a Chateaubriand, faltou-lhe apenas o registro, ou um pouco do
espírito do historiador.
Um retrato da ilegalidade: os últimos africanos do comendador através dos
registros de óbitos
Não há consenso na discussão do quantitativo de escravos sob o domínio de
Joaquim Breves. Nos trabalhos historiográficos seus números giram em torno de
4.000 a 6.000 cativos.38 Ao certo, nunca saberemos o número exato de homens e
mulheres que conformavam suas fazendas. No entanto, parece bastante evidente
que uma das maiores, senão a maior, escravaria do Brasil Império, tenha sido
construída na ilegalidade, após a Lei de 7 de novembro de 1831. Não será nosso
objetivo aqui comprovar tal afirmação, trataremos apenas de estabelecer uma
breve relação entre os escravos de Joaquim Breves e o tráfico ilegal de
africanos. Para isso, nos basearemos nos óbitos dos cativos de Joaquim,
ocorridos entre 1865 e 1875, e registrados por um de seus funcionários.
Devemos enfatizar que o livro citado não se refere à típica documentação
eclesiástica analisada em outros trabalhos acadêmicos. Os registros, de
nascimento ao óbito, embora fossem de responsabilidade da Igreja, passavam
também pelo controle senhorial. Stanley Stein, citando o inventário do Barão de
Tinguá, enfatiza que
Entre os fazendeiros diligentes era uma prática catalogar [...] num
livro de registros os nomes de escravos homens e mulheres, assim como
seus filhos [...] e os nomes daqueles que morreram e daqueles [...]
libertados quando batizados.39
Segundo a visão do Barão, Joaquim estaria no rol dos diligentes fazendeiros, já
que construiu um registro interno de suas fazendas com os nascimentos,
batismos, casamentos e óbitos de seus escravos e agregados livres, dispostos ao
longo de suas propriedades. Além desse livro, encontramos também algumas folhas
soltas organizadas em um fichário com nascimentos, casamentos e batismos de
cativos, libertos e livres das antigas fazendas de Joaquim Breves entre 1876 e
1901.
Chama-nos a atenção o fato de que o fichário se diferencie bastante do livro
citado. Enquanto este parece ter sido organizado por uma única pessoa que
dispôs as informações de maneira muito objetiva, agrupando os dados em tabelas,
quase sempre num tom quantitativo, aquele se assemelha mais aos tradicionais
assentos eclesiásticos. Embora os documentos não apareçam em ordem, e não
tenham sido escritos pela mesma pessoa, trazem ainda o nome do padre e o local
de registro, quase sempre a fazenda de São Joaquim da Grama. Os registros que
compõe o fichário, organizado posteriormente, foram produzidos naquela fazenda.
É bastante provável que o livro analisado também tenha sido construído na
propriedade sede de Joaquim Breves. Ambos compunham o rol dos documentos da
administração das fazendas da família Breves. É importante destacar o perfil
das fontes citadas, sobretudo, por se tratarem de documentos praticamente
inexistentes nos arquivos brasileiros.40
Os registros de óbitos presentes no livro citado, embora aparentemente escritos
por uma única pessoa, apresentam também algumas nuances. Em geral o nome, a
idade, a nação e a moléstia, indicando a causa da morte, aparecem com
regularidade. Só em 1875, encontramos o campo cor nos óbitos, nesses casos
referem-se a 13 inocentes pretos, falecidos na fazenda de São Joaquim da Grama.
Em decorrência da Lei de 28 de setembro de 1871, a partir do ano seguinte, os
cativos já começam a aparecer com seu número de matrícula. Além disso, a
referência ao estado civil, se casado, solteiro ou viúvo, surge ao lado de uma
observação que geralmente se remete à filiação. Em poucos casos encontramos
mais informações sobre a profissão dos escravos. Os de roça nunca têm a
profissão citada, destaca-se apenas, muito raramente, a atividade de alguns
cativos.
Entre 1865 e 1875, setecentos e cinquenta indivíduos, registrados nas listagens
de óbitos de cativos, faleceram nas propriedades de Joaquim Breves. Entre eles,
encontramos certo equilíbrio entre o número de africanos (48%) e de nascidos no
Brasil (52%). Caso desconsiderássemos os óbitos de inocentes, na medida em que
boa parte deles ou eram ventre-livres, ou faleceram ainda recém-nascidos antes
da Lei de 28 de Setembro 1871, esses números mudariam significativamente,
especialmente porque entre as 372 mortes de indivíduos registrados como cativos
nascidos no Brasil, 219 eram de crianças com menos de 12 anos. Sendo assim,
entre os escravos adultos a proporção seria de sete africanos para três
crioulos, ou pardos. Em outras palavras, 70 % dos escravos adultos que
faleceram, entre 1865 e 1875, nas fazendas de Joaquim Breves eram africanos.
Interessante notar que entre os ingênuos muitos deles foram registrados nos
óbitos no mesmo espaço e da mesma forma que os demais cativos, mesmo que fossem
à época ventre-livres. Entre eles, alguns, inclusive, possuíam matrícula da
relação, mas nunca matrícula geral. É fato também que diversos deles não
chegariam nem a receber um número de ordenação, sobretudo por conta da alta
taxa de mortalidade entre os recém-nascidos. Somente as crianças não atingidas
pela Lei de 1871 possuíam ambas as matrículas. Em nenhum momento o termo
ventre-livre aparece nos óbitos analisados. Só em 1875, na fazenda da Grama,
ele é subentendido a partir da descrição dos registros de falecimentos dos
ingênuos daquela propriedade. É importante destacar que os óbitos dos homens
livres diferiam bastante dos registros dos cativos. Aqueles se assemelhavam aos
tradicionais assentos eclesiásticos, principalmente em relação ao texto. Na
percepção senhorial, representada pela produção do documento, os "ventre-
livres" estavam muito mais próximos ao universo escravista, do que ao mundo dos
livres.41
![](/img/revistas/afro/n47/a02grf01.jpg)
Entre os escravos nascidos no Brasil, incluindo os inocentes citados acima, na
faixa de 0-12 anos, a maior parte dos óbitos era de cativos crioulos. Entre
1865 e 1875, morreram 46 pardos e 31 pretos. A reduzida taxa de mortalidade
entre pardos e pretos, no universo em análise, relaciona-se à
representatividade desses grupos nas fazendas de Joaquim Breves. Entretanto, é
bastante curioso que todos os indivíduos declarados como pretos fossem
inocentes. Já o termo crioulo aparece praticamente generalizado entre os
escravos nascidos no Brasil,42 como vemos abaixo:
Entre os africanos, o termo nação, difundido a partir da segunda metade do
século XVIII, em substituição a ideia de gentio da Guiné, predomina na
documentação, organizando os grupos de procedências das fazendas de Joaquim
Breves. Entretanto, como afirma Soares, não há qualquer homogeneidade entre os
nomes de procedência, "vão desde nomes de ilhas, portos de embarques, vilas e
pequenos reinos, a pequenos grupos étnicos, em nenhum deles é possível afirmar,
com certeza, que a nação corresponde a um grupo étnico".43
[/img/revistas/afro/n47/a02grf02.jpg]
Entre os 329 africanos falecidos entre 1865-1875, a grande maioria pertencia a
grupos de procedência comuns nos negócios do tráfico entre a África e o Rio de
Janeiro na primeira metade do século XIX. Na costa Central-Atlântica da África
embarcava a maioria dos cativos, já que a região do Congo/Angola era
responsável por boa parte dos escravos enviados para o Brasil durante o século
XIX.44 No entanto, era grande a presença de africanos da costa Oriental,
principalmente dos portos de Moçambique e Inhambane.
A partir de meados da década de 1870, os registros de procedência passaram a
ser substituídos por definições genéricas, como "africanos" e "de nação".
Embora a organização por grupos de procedência não garantisse uma homogeneidade
étnica entre os povos da África, denotava, ao menos, aspectos de uma trajetória
compartilhada. A generalidade dos termos nação e africano inviabiliza a difícil
tarefa de reconstituir as trajetórias dos últimos africanos sob o domínio dos
Souza Breves. Vejamos agora, através dos óbitos, as nações daqueles indivíduos
reduzidos à escravidão nas fazendas de Joaquim Breves:
Alguns grupos, em termos quantitativos, são pouco representativos entre os
cativos do comendador. Dos mais de 300 africanos falecidos, encontramos apenas
1 macua, 1 marave, 1 buí e 1 luisamam, grupos incomuns no sudeste escravista.45
O livro das fazendas registra também poucos angolas, monjolos e cassanjes,
escravos que eram comercializados em larga escala, principalmente pelo porto de
Luanda antes de 1836. Encontramos mais escravos minas, do que angolas, aqueles
enviados para o Brasil, provavelmente de forma ilegal, após a proibição do
tráfico ao norte do equador em 1815.
O comércio de almas, considerado ilegal nas colônias portuguesas em 1836,
deslocou os embarques de escravos para as praias mais afastadas ao norte e ao
sul de Luanda, ou mesmo para a desembocadura de rios que faziam ligação com o
interior do continente, como a região do rio Zaire.46 Nesse contexto, ganhava
destaque o porto de Cabinda ao norte de Angola. A autonomia em relação ao
controle português, fez com que boa parte dos escravos daquela região passasse
pelo porto ligado ao reino do Ngoyo.47 Isso explica a baixa incidência de
escravos angolas entre a escravaria de Joaquim na década de 1870. Ao mesmo
tempo, os portos de Moçambique e Inhambane adquiriam grande importância durante
a ilegalidade do comércio de cativos na África. A primeira metade do século XIX
maximizou o comércio negreiro entre o Brasil e a costa oriental da África,
resultando no aumento do número de moçambiques entre os escravos africanos.48
Após 1836, o aumento da repressão na costa Atlântica fez com que o comércio de
almascrescesse vertiginosamente nos portos de Moçambique, Quelimane e
Inhambane. Isso fica bastante evidente quando conjugamos o gráfico_anterior,
com o quantitativo de africanos que entraram no Brasil após a Lei de 7 de
novembro de 1831, e mesmo assim, foram reduzidos ilegalmente à escravidão nas
fazendas do comendador Joaquim Breves.49
[/img/revistas/afro/n47/a02grf03.jpg]
[/img/revistas/afro/n47/a02qdr01.jpg]
Entre os africanos livres escravizados, grande parte deles continuava vindo do
litoral Central-Atlântico da África. No entanto, não encontramos mais cativos
embarcados pelo porto de Luanda. Cassanjes, rebolos, angolas e moanjes tornam-
se menos frequentes nas rotas do tráfico após 1836. A região do Congo se
destacava no envio de cativos para as fazendas de Joaquim Breves, assim como o
porto de Cabinda. A área do Congo Norte, incluindo os cativos monjolos,
representava a procedência da maioria dos africanos de Joaquim Breves. Ao mesmo
tempo, o número de escravos embarcados pela costa oriental da África ganhava
uma nova dimensão. Entre eles, os embarques nos portos de Moçambique e
Quelimane, correspondiam praticamente ao mesmo número de escravos enviados por
Benguela. Os próprios benguelas, que eram a maioria dos africanos entre os
escravos do comendador, deixaram de ser preponderantes entre os africanos
traficados após 1831.51
Dos africanos falecidos, entre 1865-1875, 49 deles certamente haviam
desembarcado no Brasil após a Lei de 7 de novembro de 1831. Em outras palavras,
no mínimo 15% dos cativos africanos da escravaria de Joaquim Breves foram
reduzidos ilegalmente à escravidão. Metade deles faleceu nos dois primeiros
anos da década de 1870, entre os 36 e os 38 anos de idade, em diversas
propriedades do comendador, destacando-se as fazendas da Floresta em Itaguaí, e
de São Joaquim da Grama em Passa Três.
É bastante provável que as idades de muitos cativos tenham sido alteradas nos
registros do final da década de 1860, com o objetivo de burlar a Lei de 1831,
que evidenciava a ilegalidade da propriedade escrava. A apropriação da lei
atrelada à reivindicação da liberdade aparecerá em alguns tribunais do Império
durante a década de 1860. Apesar disso, foi possível perceber o descuido
senhorial ao evidenciarmos a propriedade ilegal registrada nos próprios
documentos das antigas fazendas.
Concluindo: o comércio negreiro e seus protagonistas no processo de
ilegalização do tráfico.
As lembranças sobre o comércio de escravos, as fazendas de engordas e os
antigos portos de desembarques conformaram o ponto de partida da pesquisa
exposta nesse texto. Os depoimentos de Manoel Moraes e de outros moradores das
antigas fazendas litorâneas dos comendadores Breves foram os nossos cicerones
para adentrarmos nos últimos anos do tráfico ao sul da província do Rio de
Janeiro. As memórias dos descendentes dos últimos escravos dos comendadores ao
serem acionadas, para além das disputas políticas e territoriais que demarcam
seu campo de produção,52 reascendem velhas questões, e colocam novos problemas
para a história social da escravidão e do tráfico de africanos nos Oitocentos.
A rearticulação do comércio negreiro nas duas margens do Atlântico, após a
proibição do tráfico na costa brasileira, em 1831, e cinco anos depois nas
colônias portuguesas, em 1836, demandou a construção de novas redes comerciais,
assim como reordenou os espaços litorâneos destinados ao comércio de escravos.
Seja em águas brasileiras, ou nas praias da costa da África, novos agentes
despontaram no trato ilegal da carne humana, e para tanto se utilizavam da
conivência das autoridades e da própria sociedade local. O imperativo da
propriedade, atrelado ao governo da casa, garantiam até certo momento, no caso
brasileiro até setembro de 1850, a proteção necessária aos empreendimentos
traficantes. A última fase dos negócios atlânticos, ou seja, o desembarque dos
africanos reduzidos ilegalmente à escravidão contava com novas estruturas
organizadas em fazendas litorâneas destinadas, quase que exclusivamente, a
recepção dos novos cativos. O desaparecimento do Valongo no Rio de Janeiro, e
dos demais mercados de escravos nas outras províncias, foi compensado por essas
novas propriedades que além de receberem os negros da costa, montavam seus
próprios mercados de escravos:
[...] tenho de participar a V. Ex.ª, que fui informado, que os dois
irmãos Joaquim José de Sousa Breves, e José de Sousa Breves
convidaram diversos fazendeiros dos Municípios de S. João do
Príncipe, e Pirahy a [...] a comprar uma porção d'Africanos, que
mandaram vir de Costa Leste em seu navio, que deve aportar à
Província o Rio de Janeiro, demandando especialmente a parte dela
compreendida entre a Guaratiba, e Angra dos Reis, e que aquele navio
deve chegar em dias deste mês, ou do próximo futuro".53 (grifos meus)
A dinâmica do tráfico, durante a clandestinidade, demandou, além de uma
reordenação espacial dos novos desembarques, a construção de novas estruturas
que viabilizassem a finalização do empreendimento traficante. Elas iam desde
canoas que faziam a ponte entre os tumbeiros e a terra firme; passando pelos
barracões para recepção dos negros novos, consagrados na memória local como
locais de engorda; e como última etapa estava a comercialização e a
redistribuição desses indivíduos reduzidos ilegalmente à escravidão. As
propriedades destinadas à última fase do comércio negreiro funcionavam
ativamente até o início dos anos de 1850, mas logo em seguida aparecem
abandonadas nos autos de descrição de bens dos inventários de época. Na segunda
metade da década de 1850 perderam sua principal funcionalidade: abastecer a
demanda por mão de obra no próspero Vale do Paraíba fluminense.
Os Breves representaram a face ainda pouco conhecida dos homens de negócios que
atuaram no ilícito trato a partir de meados da década de 1830, e que nele
permaneceram no início dos anos de 1850. Nesse período solidificaram redes
transatlânticas que faziam funcionar os empreendimentos traficantes através de
agentes na África, como no caso de João Henrique Ulrich. Quando necessário
poderiam acionar os laços pessoais e comerciais com influentes negreiros, e
assim possivelmente o fizeram com o famoso traficante espanhol Francisco
Ruviroza y Urzellas, ou com o comerciante português José Bernardino de Sá, com
quem os comendadores nutriam relações de amizade e lucrativos negócios.
Nas fazendas dos comendadores, o amplo envolvimento dos irmãos Breves como o
tráfico internacional de africanos, durante a clandestinidade, se refletia
claramente na conformação das suas escravarias. Como vimos, no caso das
comunidades escravas das fazendas de Joaquim Breves, encontramos forte presença
de africanos procedentes das regiões menos expressivas no tráfico no início do
século XIX, e que ganharam representatividade no período da ilegalidade, como o
caso de Cabinda e Moçambique.
Em outras palavras, boa parte dos africanos traficados pelos comendadores eram
enviados para suas grandes fazendas no Vale fluminense e lá vivenciavam o
cotidiano do cativeiro ilegal no Império, que ainda se convencia da necessidade
de abolir o comércio negreiro em escala atlântica. Só nos primeiros anos da
década de 1850 o Estado imperial transformou o tráfico em um comércio infame,
através das incursões às fazendas litorâneas, do inquérito de escravos e da
responsabilização criminal dos negociantes envolvidos com o tráfico. Vale
lembrar que, em 1851, as fazendas da Marambaia e do Bracuhy foram ocupadas pela
Polícia da Corte, e seus escravos inquiridos. Nesse mesmo ano, Joaquim Breves
era condenado em primeira instância pelo crime de pirataria.
Apesar disso, o Estado imperial ratificara o cativeiro ilegal de milhares de
africanos espalhados pelas fazendas fluminenses, e comercializados até a Lei de
setembro de 1850. Assim, os africanos das fazendas dos Breves que desembarcaram
antes da nova lei permaneceriam no cativeiro, garantindo a tranquilidade da
propriedade ilegal dos seus senhores. Em carta ao dono do Bracuhy, em fevereiro
de 1853, Euzébio de Queirós, Ministro da Justiça em 1850, esclarece a posição
do Estado em relação à matéria. Ao mesmo tempo garante a paz dos senhores que
formaram suas extensas escravarias na clandestinidade. Paramos por aqui, com as
palavras do ex-Ministro que sintetiza a cumplicidade do Estado brasileiro com a
violação da Lei de 7 de novembro de 1831 e consequentemente com o cativeiro
ilegal de quase um milhão de indivíduos:54
[...] é o que disse até no Parlamento, isto é, quando o governo não
iria dar buscas nas fazendas para resolver o passado [...] Pode ser
que a audácia das especulações o leve a proceder com mais algum rigor
ou outra vez, mais creio que nem se ultrapassarão os limites da
necessidade, nem se resolvem o passado [...] Qualquer busca que se dê
é para procurar os negros agora importados, e nunca para entender com
o passado.55
Texto apresentado em 28 de junho de 2011 aceito em 7 de setembro de 2011
* Pesquisa financiada pela CAPES e pelo CNPq.
1 Afonso de E. Taunay, "No Brasil imperial, 1872-1889", História do café no
Brasil, tomo VI, Rio de Janeiro: Editora do Departamento Nacional do Café,
1939. pp. 269-83.
2 Segundo João Fragoso e Ana Rios, "num ciclo que se iniciava com os lucros
gerados do café, investidos em empréstimos, que retornavam sob a forma de mais
escravos e terras, ou seja, mais café. Tanto é assim que os inventários
característicos desse tipo de fazendeiro[se refere aos fazendeiros-
capitalistas]representavam invariavelmente cerca de 80 % do valor total da
riqueza deixada em escravos e terras". João Fragoso e Ana Rios "Um empresário
brasileiro dos Oitocentos", in: Hebe Mattos e Eduardo Schnoor (orgs.), Resgate:
uma janela para os oitocentos (Rio de Janeiro: Top Books, 1995), pp. 197-224.
3 Sobre os riscos e a lucratividade da travessia atlântica, ver: Manolo
Florentino, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a
África e o Rio de Janeiro, São Paulo: Companhia das Letras, 1997. Afro-Ásia, 47 (2013), 43-78
4 Roquinaldo Ferreira. "Dos sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e
comércio lícito em Angola, 1830-1860" (Dissertação de Mestrado, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, 1996).
5 Robert Conrad, Tumbeiros. O tráfico de escravos para o Brasil, São Paulo:
Brasiliense, 1985. Conrad afirma que o retorno do gabinete
conservador, comandado por Bernardo Pereira de Vasconcellos, foi um dos
elementos que facilitaram o recrudescimento do tráfico. As ideias de Conrad
parecem bastante coerentes, na medida em que o próprio Vasconcelos propusera na
legislatura de 1837 a extinção da lei de 1831. Sobre os debates políticos em
torno da extinção do tráfico, ver: Jaime Rodrigues, O infame comércio.
Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-
1850), São Paulo: Editora da Unicamp / CECULT, 2000.
6 Para a listagem dos traficantes atuantes na praça carioca entre 1811-1830,
ver o "Apêndice 26" de Florentino, Em costas negras, pp. 254-6. Entretanto, é possível que os irmãos Breves atuassem no fornecimento
de cachaça para o comércio negreiro nas suas fazendas do litoral, antes de
investirem diretamente no empreendimento traficante, após a segunda metade da
década de 1830.
7 Ferreira, "Dos sertões". Ana Flávia Chicelli, "Tráfico ilegal de escravos: os
caminhos que levam a Cabinda" (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
Fluminense, 2006).
8 Entrevista com Manoel Moraes, morador de Santa Rita do Bracuí, 27/10/2006,
Acervo Petrobrás Cultural Memória e Música Negra, Laboratório de História Oral
e Imagem (LABHOI), <www.historia.uff.br/jongos>, acessado em março de 2009. Sobre pesquisas arqueológicas recentes evidenciando o
naufrágio de negreiros exatamente na região apontada por Manoel Moraes ver o
trabalho de Gilson Rambelli, "Arqueologia de naufrágios e a proposta de estudo
de um navio negreiro", Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 6 (2006),
pp. 97 106.
9 Martha Abreu, "O caso do Bracuhy" In: Hebe Mattos e Eduardo Schnoor (orgs.),
Resgate: uma janela para o Oitocentos, pp. 167-95.
10 Ferreira, "Dos Sertões"; Chichelli, "Tráfico ilegal de escravos".
11 Biblioteca Nacional (BN), Projeto escravos no Brasil, Documentos Biográficos
c. 1052, 44.
12 Segundo Luis Henrique Tavares, Breves estaria ao lado de grandes
traficantes, como Manoel Pinto da Fonseca e José Bernardino de Sá "grandes
negreiros no Rio de Janeiro dessa época". Luis Henrique Dias Tavares, Comércio
proibido de escravos, São Paulo: Editora Ática, 1988, p. 29
13 Fundação Mario Peixoto (FMP), Ofícios da Câmara ao Governo do Império, 1832-
1846, Ofício n. 6.
14 Fundação Mario Peixoto (FMP), Ofícios da Câmara ao Governo do Império, 1832-
1846, Ofício n. 6.
15 Conrad, Tumbeiros.
16 Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, "História sobre o infame negócio de
africanos da África Oriental e Ocidental, com todas as ocorrências desde 1831 a
1853". Transcrito por Roquinaldo Ferreira, Revista Estudos Afro-Asiáticos,n. 28
(1995), pp. 219-29.
17 Em fevereiro de 1851, quando o delegado de polícia do Rio de Janeiro,
Bernardo de Azambuja, apreendeu 199 africanos novos na Marambaia, além de
Joaquim encontrava-se na restinga João dos Santos Breves. Segundo os
depoimentos colhidos por Azambuja, João era negociante em Mangaratiba. Juízo de
Auditoria de Marinha, 1856, Arquivo Nacional (AN), nº 478, M: 2259, Gl. A
Armando de Moraes Breves, em suas memórias familiares recorda que: "A ruga mais
séria deu-se na ocasião em que alguns barcos ingleses entraram em Angra dos
Reis, perseguindo dois navios negreiros [...] os tumbeiros chamavam-se
Leopoldina e Januária. O contrabando vinha despachado para João dos Santos
Breves, irmão do tio Joáca [Joaquim Breves]". Armando de Moraes Breves, O reino
da Marambaia, Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora, 1966, p. 96
18 Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, História sobre o infame negócio de
africanos da África Oriental e Ocidental, com todas as ocorrências desde 1831 a
1853. Agradecemos ao professor Carlos Gabriel Guimarães do
Departamento de História da UFF por ceder gentilmente a transcrição do referido
documento. O trecho cedido por Carlos Gabriel não consta no texto transcrito
por Roquinaldo Ferreira.
19 Para uma análise de alguns desses sujeitos, ver: Jaime Rodrigues, De costa a
costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao
Rio de Janeiro (1780-1860), São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
20 Sobre a Marambaia, ver: Márcia Motta, "Ilha da Marambaia: história e memória
de um lugar", in Márcia Motta e Elione Guimarães (orgs.), Campos em disputas:
história agrária e companhia (São Paulo: Annablume, 2007), v.1. p. 295-317. Para uma análise etnográfica, ver: José Maurício Arruti
(coord.), Laudo antropológico da comunidade remanescente de quilombo da ilha da
Marambaia(Rio de Janeiro: Koinonia / Projeto EGBÉ -Territórios Negros, 2003).
21 Cichelli, "Dos caminhos". Segundo a autora, em África
embarcaram 855 escravos, e destes, 283 morreram ou foram lançados vivos ao mar
durante a viagem.
22 Daniela Paiva de Moraes, "A capital marítima do comendador: a atuação da
Auditoria Geral da Marinha no julgamento sobre a liberdade dos africanos
apreendidos na ilha da Marambaia (1851)"(Dissertação de Mestrado, Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2009).
23 É importante destacar que o tráfico ao norte da linha do equador era ilegal
desde 1815, segundo acordo traçado entre a Coroa Portuguesa e a Inglaterra.
24 "The Trans-Atlantic Slave Trade Database Voyages" Voyage 4640 <http://
www.slavevoyages.org/tast/index.faces>, acessado em setembro de 2009.
25 Sobre essas apreensões, ver: Moraes, "A capital marítima do comendador"
26 A coincidência no nome do navio, assim como do seu capitão, Vicente de
Freitas Serpa, que comandou ambas as viagens, nos deu certeza de estarmos
diante do mesmo brigue. Ver "The Trans-Atlantic Slave Trade Database", Voyages
1948 e 900153.
27 Entre os desembarques registrados no banco de dados do projeto Voyages,
apenas o bergantim Leão não foi apreendido.
28 Tâmis Parron, "A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865"
(Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2009).
29 Carlos Eduardo de Almeida Barata, "Os Breves abastados proprietários",
<www.hegallery.com.br/genealogia>, acessado em 30/03/2009.
30 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de José de
Souza Breves, Volume 3, 1879, pp. 528-38.
31 Roquinaldo Ferreira, "Dinâmica do comércio intra-colonial: geribita, panos
asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos", in João Fragoso, Maria
Fernanda Bicalho e Maria Fátima Gouvêa (orgs.), O Antigo Regime nos trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (Séculos XVI-XVIII) (Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002), pp. 339-78. Segundo Ferreira, "Em 1850, o
consulado português no Rio de Janeiro dizia: 'uma grande parte dos gêneros de
importação nesta África são produtos do solo brasileiro principalmente
aguardente, açúcar, farinha de mandioca'". Ofício do Consulado Português no Rio
de Janeiro em 27 de dezembro de 1850. Ferreira, "Dos sertões", p.16.
32 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de José de
Souza Breves, v.1, p.164.
33 Jornal do Commercio, 6 de março de 1851.
34 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de Joaquim
José de Souza Breves, Volume 2, pp. 291- 9.
35 Inventário de Joaquim José de Souza Breves, p. 294.
36 Em seu artigo 3º a Lei estabelece que: "são autores do crime de importação,
ou de tentativa dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o
contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que
coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro de que
concorrerem para ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à
apreensão no mar, ou em ato de desembarque sendo perseguida". Colleção das Leis
do Império do Brasil, Biblioteca Nacional (BN).
37 Assis Chateaubriand, Um viveiro morto de mão de obra negra para o cafezal,
apud Padre Reynato Breves, A saga dos Breves. Sua família, genealogia, história
e tradições, Rio de Janeiro: Editora Valença S.A, s/d., pp.749-50.
38 Ver: Alberto Lamego, O homem e a restinga, Rio de Janeiro: IBGE - Conselho
Nacional de Geografia, 1946. José Murilo de Carvalho, Teatro
das sombras. A política imperial, São Paulo: Vértice, 1988, p.16; e Richard Graham, Patronage and Politics in Nineteenth-century
Brazil, Stanford: Stanford University Press, 1889, pp.125-7.
39 Stanley Stein, Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p, 102, nota 56.
40 Robert Slenes, "O que Rui Barbosa não queimou. Novas fontes para o estudo da
escravidão no século XIX", Revista Estudos Econômicos, v. 13, n. 1 (1983), pp.
117-49.
41 Para o século XVIII, Mariza Soares destaca que "na passagem de escravo a
forro deve-se não apenas conseguir a alforria, mas também passar de um livro a
outro. A alforria na pia batismal só é completa quando o assento é feito no
livro dos brancos". Mariza Soares, Devotos da cor: identidade étnica,
religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro do século XVIII, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000, p. 101. Embora os nossos dados
não se refiram a alforrias, tampouco à documentação eclesiástica, é importante
destacar as percepções sociais extraídas da documentação trabalhada.
42 Para primeira metade do século XVIII, Mariza Soares destaca que o termo
crioulo era usado como sinônimo da primeira geração de filhos de mãe gentia.
Mariza Soares, Devotos da cor, p. 97 e 100.
43 Mariza Soares, Devotos da cor", p. 109.
44 Sobre as nações africanas da cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do
século XIX, assim como sobre a predominância dos grupos da região de Angola e
do Congo Norte, ver Mary Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-
1850), São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
45 Entre os quatro grupos, apenas os macuas, procedentes do interior da Ilha de
Moçambique, eram mais comuns na província do Rio de Janeiro. Acreditamos que os
luisaman vissem do norte de Angola, próximo ao rio Cuanza. Ver: "Apêndice A
Origens africanas do tráfico de escravos para o Rio de Janeiro, 1830-1852", in
Mary Karasch, A vida dos escravos. Desconhecemos as
procedências dos grupos marave e buí.
46 Ferreira, "Dos sertões".
47 Cichelli, "Dos caminhos".
48 Manolo Florentino, "Aspectos sociodemográficos da presença dos escravos
moçambicanos no Rio de Janeiro (1790-1850)", in João Fragoso, Manolo
Florentino, Antônio Carlos Jucá e Adriana Campos (orgs.), Nas rotas do Império:
eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo contemporâneo (Vitória /
Lisboa: Edufes / IICT, 2006), pp.196-244. Devemos destacar
que entre os moçambiques, era comum encontrarmos africanos de diversas etnias
da costa leste da África.
49 No gráfico_3, consideramos africanos livres os indivíduos nascidos após o
ano de 1831, e registrados como cativos africanos no momento do óbito. A partir
da idade evidenciada no ano do óbito, conseguimos encontrar os sujeitos
nascidos na África após a ilegalidade da entrada de africanos no Império do
Brasil.
50 Diferentemente da perspectiva do Estado imperial, que geralmente considerou
livre os africanos desembarcados após a segunda lei antitráfico, estamos
considerando "africanos livres" os indivíduos que nasceram na África depois de
1831 e entraram ilegalmente no Brasil como escravos. Sobre as diferentes
apropriações dessa categoria, ver: Beatriz G Mamigonian, "Revisitando a
transição para o trabalho livre: a experiência dos africanos livres", in Manolo
Florentino (org.), Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos
XVII-XIX (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), pp.389-17.
51 Segundo Karasch, "[...] os Benguelas tinham inundado a cidade [do Rio de
Janeiro] na década de 1840 [...] À medida que os britânicos pressionavam Luanda
nessa década, muitos comerciantes com base no Rio transferiam suas operações
para o sul e negociavam com Benguela"; Karasch, A vida dos escravos, p. 57.
52 Vale enfatizar que as antigas fazendas litorâneas dos comendadores emergem
no início do século XXI como Comunidades Remanescente de Quilombo, nos termos
do artigo 68 dos ADCT da Constituição Brasileira de 1988.
53 Arquivo Nacional (AN), Secretaria de Polícia da Corte, Reservado, fevereiro
de 1854, Série Justiça (IJ6 468).
54 Sobre os números do tráfico, ver: Maurício Goulart, A escravidão africana no
Brasil (Das origens à extinção do tráfico), São Paulo: Livraria Martins
Editora, 1949; Leslie Bethell, A abolição do tráfico de
escravos no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1976; David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic
Slave Trade, Nova York: New York University Press, 1987.
55 Minuta de Resposta. 1853, Museu Histórico Nacional (MHN), Coleção Euzébio de
Queiróz, EQcr 79/1 (grifo do autor).