Era das batucadas: o carnaval baiano das décadas 1930 e 1940
Em 1942, o poeta soteropolitano, jornalista e editor de revistas ilustradas,
Áureo Contreiras escreveu uma crônica para o jornal A Tarde intitulada "O valor
dos cordões e das batucadas no carnaval". Em sua crônica, reeditada no ano
seguinte no Diário de Notícias, ele argumentava que as instituições
carnavalescas populares dos bairros mais pobres, incluindo as batucadas
percussivas afro-baianas, eram "os fatores reais dos folguedos", e a parte mais
autêntica "da alma carnavalesca".1 Com este argumento Contreiras apelava para o
discurso nacionalista, em voga na década de 1940, de que o Brasil era uma
mistura de índio, africano e português, "as três raças tristes", cujos "gritos
e cânticos" enchiam as ruas durante o carnaval. Os cordões e batucadas eram
fruto das alegrias e das dificuldades e amarguras do cotidiano popular. O
"verdadeiro" carnaval, dizia Contreiras, era o praticado pelas classes
trabalhadoras afro-baianas e por trabalhadores pobres de Salvador. Destacava
também o pandeiro, a cuíca e o reco-reco e "todos os instrumentos bárbaros
evocativos do passado nas senzalas e nos 'terreiros'", como vínculos com um
passado baiano que era, ao mesmo tempo, central para a formação cultural do
Brasil, assim como para o presente cultural da Bahia.
O argumento de Contreiras revela um protagonismo afro-baiano a empurrar a
"cultura negra" ' as batucadas em particular ' para a vanguarda do carnaval
baiano.2 Emergente na década de 1930, as batucadas institucionalizaram e
ritualizaram as práticas musicais e sociabilidades da classe trabalhadora afro-
baiana no carnaval da Bahia. Afro-baianos souberam aproveitar o poder
transformador desta festa para pressionar e obter maior relevância cultural e
simbólica no carnaval da cidade, e além dele. A natureza lúdica do carnaval
permite a indivíduos ou grupos transcender, expandir ou engrandecer a si mesmos
e à sua condição social em espaços públicos.3 Isto não quer dizer que o
carnaval represente um momento igualitário, livre do seu contexto histórico-
estrutural. Ao contrário, o carnaval é um espaço disputado em que a performance
e o ritual contribuem para as negociações sobre o significado social dos modos
que podem ou não influenciar a organização social durante o resto do ano.4
O artigo de Contreiras refletia e contribuía para uma reavaliação, pela classe
dominante, do lugar da cultura afro-baiana no carnaval, o que era parte de uma
reavaliação mais ampla e relativamente de maior alcance da cultura afro-baiana
e suas contribuições para a baianidade depois de 1930.5 No contexto do
carnaval, esta reavaliação foi amplamente realizada nos artigos e editoriais
escritos por membros da influente "Associação de Cronistas do Carnaval", da
qual Contreiras fazia parte. Os cronistas eram os principais comentaristas dos
acontecimentos dos três dias de festa e desempenhavam um papel central na
reelaboração da organização e dos significados do carnaval baiano desde o seu
início até meados do século XX, do modo como as pessoas e grupos participavam
(ou não participavam), e como os soteropolitanos pensavam as festividades em
relação a eles mesmos e ao Brasil. A narrativa historiográfica do carnaval
baiano, no entanto, quase não reconhece o período entre 1930 e 1950. A história
convencional normalmente começa com o surgimento do "carnaval oficial" da
década de 1880, majoritariamente branco, com seus desfiles grandiosos, ao lado
de um "carnaval popular" composto por uma grande variedade de associações
menores, incluindo as organizadas pelos afro-baianos.6 A partir desse ponto, a
narrativa salta para 1949, ano de fundação do afoxé Filhos de Gandhy, e, logo
em seguida, para a criação do trio elétrico em 1951. Certamente, o Filhos de
Gandhy, hoje muito maior, é uma das imagens visuais mais impressionantes do
carnaval baiano. O trio elétrico, inicialmente um trio de músicos tocando
música amplificada em cima de uma caminhonete Ford, que vem sendo atualizado
desde 1951, faz o carnaval contemporâneo, com suas atrações comerciais. No
entanto, as mudanças no carnaval baiano entre 1930 e 1950 foram significativas
e, avaliar o crescimento das batucadas e sua inclusão pela cultura dominante
permite uma melhor compreensão da trajetória histórica da identidade regional e
da política cultural baiana entre o final do século XIX e segunda metade do
século XX.
O carnaval baiano, desde os seus primórdios na década de 1880, tinha se
centrado no desfile oficial organizado pela elite da cidade, cujo eixo central
eram os carros alegóricos dos três grandes clubes ' Cruz Vermelha, Inocentes em
Progresso e Fantoches da Euterpe. Depois de 1930, no entanto, os clubes de
elite caíram em um prolongado período de dificuldades financeiras, que
espelhava o relativo declínio da própria situação econômica de Salvador, um
período que durou até a década de 1950. Consequentemente, o "carnaval popular"
e os pequenos clubes preencheram o vácuo, forçando um reequilíbrio na
formulação dos significados do carnaval da Bahia. Do final da década de 1930
aos últimos anos da de 1950, as associações carnavalescas afro-baianas, em
especial as batucadas e seu preferido gênero musical, o samba, aumentaram sua
presença pública durante os três dias de celebrações, tornando-se
características marcantes desse mais famoso carnaval de rua. As batucadas
tocavam sambas criados pela indústria musical, mas também escreviam e tocavam
suas próprias letras e músicas e, portanto, representavam uma manifestação
pública de uma espécie crua, não-comercializada de afro-baianidade. A intensa
década de 1940 foi realmente a "Era das Batucadas".7
Depois de 1950, os clubes de elite recuperaram sua situação financeira, mas não
recuperariam seu domínio quase total sobre a forma, o conteúdo ou o significado
do carnaval. Por mais de uma década a balança do carnaval de Salvador favoreceu
as práticas festivas populares da classe trabalhadora afro-baiana como o
indicador simbólico central da identidade do carnaval de Salvador. A
importância do samba e das batucadas para o carnaval tinha estabelecido, no
discurso dominante, uma relação permanente e poderosa entre a afro-baianidade e
o carnaval baiano. Essas mudanças foram reforçadas por outros fatores
específicos do período, tais como a reanimação dos afoxés no final da década de
1940, do que é exemplo o Filhos de Gandhy.8 Além disso, o carnaval em Salvador
ficou mais popular na medida em que o número de clubes menores, incluindo as
batucadas, aumentou e se espalhou nos bairros populares da cidade. Por outro
lado, a partir da década de 1930, soteropolitanos comuns espalharam as
festividades do carnaval popular além de sua tradicional demarcação, invadindo
o espaço ritual das outras grandes festas populares, ampliando a inclusão da
cultura afro-baiana, como o samba e as batucadas, dentro da prática ritual
festiva além dos limites espaciais e temporais do calendário do carnaval.9
Sobretudo, a partir de um ponto de vista performativo, o desaparecimento dos
clubes de elite e o aumento dos pequenos clubes, entre as décadas de 1930 e
1940, deslocaram a ênfase do discurso oficial do carnaval dos três clubes para
um evento dominado, em parte ' e dentro de limites que deverão ser explorados a
seguir ' pela participação ativa dos populares, e associado às contribuições
dos afro-baianos e da cultura afro-baiana.
O carnaval de Salvador durante a República Velha
O predecessor do carnaval foi o entrudo, importado de Portugal e caracterizado
por batalhas de rua e jogos faceiros entre mulheres e homens, que envolviam
bombas de água e farinha. Esta era, em grande parte, uma atividade da classe
alta, enquanto os escravos e serviçais trabalhavam para equipar seus senhores
com água e suprimentos, preparar as refeições festivas e lavar a roupa extra.
Escravos e serviçais também podiam ser vítimas da cultura brincalhona e
travessa do entrudo, mas podiam, junto com os negros livres, também encontrar
tempo para festejar entre si. Teoricamente, o entrudo foi proibido ainda em
1853, em grande parte por ser incompatível com a "civilização". Na prática, as
brincadeiras e comportamentos desordeiros continuaram até a década de 1880,
mesmo depois de a polícia baiana as ter "proibido definitivamente" em 1878. No
entanto, a imprensa baiana continuou a denunciar e se desesperar com tal
comportamento até 1901, atacando-o como "bárbaro" e "incivilizado", associando-
o à cultura festiva afro-baiana.10
O surgimento de cortejos organizados, na década de 1880, marcou o início do
moderno carnaval de rua de Salvador, visto pela elite como evento mais ordenado
e familiar para substituir o popular e promíscuo entrudo. Em 1884, uma
instituição do carnaval de elite, o clube Cruz Vermelha, tomou a iniciativa de
desfilar pelas principais ruas da cidade. Isto inspirou outros jovens de
famílias da elite a, no ano seguinte, levar um segundo clube carnavalesco,
Fantoches da Euterpe, para as ruas. Logo haveria três grandes clubes
competindo, depois que "dissidentes" do Cruz Vermelha fundaram o Inocentes em
Progresso. Todos os três grandes clubes foram dominados pelos e atendiam aos
interesses da elite e da pequena classe média de Salvador. Seu formato e
prestígio dominaram o carnaval oficial de Salvador durante toda a Primeira
República (1889-1930), eles dispunham de recursos e construíam enormes e
complexos carros alegóricos, que tratavam de temas escolhidos e desfilavam pelo
centro da cidade no domingo, antes da terça-feira gorda. As multidões ao longo
do percurso jogavam pétalas de rosas, confetes e serpentinas, aplaudindo seus
favoritos. Os políticos se associavam aos clubes de elite e o governo municipal
os subsidiava. Estes clubes importavam a maioria dos materiais para os seus
carros alegóricos e fantasias da França, Itália ou Inglaterra. Não
surpreendentemente, as suas apresentações e atividades recorreram à moda
carnavalesca europeia para sua inspiração, particularmente a do carnaval de
Veneza, e este período é muitas vezes referido como a era do carnaval
veneziano. Os clubes de elite realizavam batalhas de confete e bailes de
máscaras para os seus membros nas noites de sexta-feira e sábado nos teatros de
São João e Politeama. A extensa cobertura jornalística do carnaval, antes de
1930, focava predominantemente os preparativos e performances destes clubes.
Mesmo durante os anos em que não saíram (por razões financeiras ou outras
internas), eles foram, para a maioria dos jornalistas, "europeus" e, portanto,
o ideal de civilização e modernidade pelo qual todas as associações
carnavalescas menores eram (pré-) julgadas.
Muitos outros clubes menores também participavam do carnaval durante este
período. Inicialmente, a maioria deles era de classe média, com nomes como
Cavalheiros de Malta ou Filhos de Veneza. Mas devemos hesitar antes de aceitar
a afirmação de Olga Von Simson de ser o século XX a era do "carnaval burguês",
ao invés de "carnaval popular".11 Em Salvador, já em finais de 1890,
instituições populares de carnaval eram várias.12 Muitas delas eram
manifestações carnavalescas das seculares e ricas tradições de batuques afro-
baianos, ou encontros festivos, religiosos, ou simplesmente sociáveis em torno
de percussão, música e dança. Outros eram simplesmente blocos, enquanto, pelo
menos alguns, foram a primeira onda de afoxés.13
O relato de tantas pequenas associações "africanizadas" levou Vieira Filho a
concluir que, embora o carnaval oficial de Salvador possa ter sido dominado
pela burguesia, especialmente após 1904, o carnaval fora do circuito oficial
foi muito significativamente da classe trabalhadora ao longo de todo o período,
e esmagadoramente assim nos bairros da classe trabalhadora afro-baiana e no
entorno do centro da cidade.14 De fato, tanto assim que uma vez que o entrudo
desapareceu, a elite voltou suas preocupações e críticas às atividades
culturais "africanizadas" no espaço público.15 Consequentemente, as autoridades
locais, a premente pedido dos brancos obcecados com a imitação dos índices
europeus de civilização, e reagindo ao medo da classe dominante de perder o
controle da capacidade do carnaval para produzir discursos mais amplos de
identidade e significado, proibiram todos os clubes afrocêntricos de 1905 a
1914.16 Claramente, as décadas anteriores a 1930 foram um período durante o
qual a elite baiana, especialmente na década de 1910, ainda se sentia muito
vulnerável à possibilidade de, no pós-Abolição, Salvador estar se tornando mais
"africana" e menos "europeia", do modo como eles entendiam estes termos, e que
isso também significava uma diminuição do poder de controle da elite regional e
nacionalmente.17
Após a proibição ter sido suspensa, depois da temporada do carnaval de 1914,
clubes de carnaval marcadamente afrocêntricos voltaram e cresceram em número
até 1920. Na verdade, mesmo antes de 1914, jornais diários da cidade começaram
a chamar a atenção para a grande prática de tocar e dançar o samba afro-
brasileiro no carnaval baiano. Então, seguindo o lançamento de "Pelo telefone"
em 1917, jornalistas escrevendo sobre o carnaval de Salvador de 1918 relataram
que o evento foi dedicado ao compromisso explícito com o samba ' suas
composições e danças.18 Mais tarde, na década de 1920, jornalistas escreveram
sobre o samba nas ruas e praças (embora não nos cortejos oficiais) de uma
maneira que, embora um pouco paternalista e folclórica, ainda era razoavelmente
positiva e regionalista. Parece que o samba em Salvador, durante o carnaval em
especial, estava na vanguarda da aceitação pela classe dominante das práticas
culturais afro-baianas.19 No entanto, haveria ainda mais duas décadas antes que
o discurso público em Salvador consagrasse o samba no carnaval baiano e
estabelecesse retumbantes e positivas associações do maior e mais popular
evento cultural da cidade com as batucadas e a herança cultural afro-baiana da
região.
O carnaval nas décadas de 1930 e 1940 havia se estabelecido em um modelo ideal.
As festividades começavam no domingo e terminavam na noite de terça-feira. O
clímax, o desfile principal era normalmente na noite de terça-feira, durante a
qual os "dramáticos e luxuriantes" cortejos dos clubes de elite eram a atração
principal, sempre povoado com "as visões femininas mais bonitas e distintas da
nossa [alta] sociedade".20 Os principais personagens sobre estes carros
alegóricos eram representados por uma esmagadora maioria de baianos de pele
clara, enquanto os papéis menores dentro dos desfiles, mas raramente sobre os
próprios carros, eram desempenhados por pessoas tanto de ancestralidade
europeia quanto africana. Durante os períodos em que os clubes de elite não
desfilaram, ou só tiveram reduzida participação, ainda havia um carnaval
oficial dominado pelas instituições da classe dominante, como a Associação
Atlética da Bahia e, mais tarde, o Clube Baiano de Tênis. Desfiles menores,
alguns com carros alegóricos e automóveis decorados, alguns com músicos a
bordo, percorriam de cima a baixo a rota do cortejo, muitas vezes a cada dia,
nos domingos e segundas-feiras de carnaval.
A área oficial de maior animação, onde o trânsito era estritamente
regulamentado e as multidões bem policiadas, era ao longo da Rua Chile e, mais
tarde, também ao longo da Avenida Sete de Setembro. O governo municipal provia
iluminação e ornamentação ao longo do percurso oficial do desfile, do Terreiro
de Jesus ao Campo Grande. Empresários locais, especialmente aqueles do ramo de
hotéis, bares, cafés ou lojas, também contribuíam. Era ao longo desse percurso
que as multidões encontravam o seu lugar nos três dias, muitos chegando
fantasiados e mascarados, de manhã cedo, muitas vezes em grupos do mesmo sexo,
ou individualmente, de diversos bairros da cidade. Ao final do cortejo do dia,
os foliões já começavam a se reunir nos bares, clubes mais populares, nas casas
de amigos ou parentes, ou voltavam para casa. As máscaras eram proibidas em
espaço público depois de seis horas da tarde. Quase todos estavam nas ruas até
a meia-noite.21
Geograficamente, a emoção também se espalhava para além da Rua Chile,
derramando-se na direção da Avenida Sete de Setembro e, na direção oposta, para
o Terreiro de Jesus e bairros adjacentes. Fora da rota do desfile principal, os
negociantes locais, assumiam a responsabilidade adicional, decorando o espaço
público com serpentinas, bandeirolas e iluminação, e até mesmo erguendo palcos
para música ao vivo, ou se envolvendo eles mesmos nas brincadeiras de carnaval.
Aí, longe do carnaval "oficial", a festa contava com as contribuições de
blocos, cordões, batucadas e afoxés menores e locais. A tendência predominante
depois de 1930, tanto no centro da cidade como na maioria dos bairros, foi de
crescimento de blocos e cordões, e de entrada de mais e mais pessoas nas
festividades rituais organizadas. Subsídios públicos para pequenos clubes foram
primeiramente mencionados no início da década de 1940, embora jornais
patrocinando competições e oferecendo prêmios em dinheiro como incentivo datem
de meados da década anterior.22 Assim, embora os clubes de elite tivessem sido
o foco do carnaval oficial no início do século XX, os clubes pequenos
desempenharam o seu papel nas festividades e estavam prontos para emergir de
modo mais relevante. Foi a partir de meados da década de 1930 que os blocos,
cordões e, especialmente, as batucadas vieram para rivalizar, se não para
superar os cortejos de elite como ponto central do carnaval baiano.
Poder e desaparecimento dos clubes de elite
Nas primeiras décadas do século XX, os clubes de elite prosperavam, enquanto
isso a imprensa e os políticos gravitavam em torno do espetáculo e da
influência do Cruz Vermelha, Inocentes em Progresso e Fantoches da Euterpe e,
assim, melhoravam sua imagem. Embora tenha havido alguma consideração sobre a
possibilidade de que Salvador pudesse repetir o sucesso que o Rio de Janeiro
estava tendo no seu carnaval com a institucionalização das escolas de samba, em
grande parte da classe trabalhadora, a preferência da classe dominante baiana,
no entanto, foi claramente a de que os clubes de elite fossem o ponto central
das festividades.23 A narrativa dominante do período que antecedia o carnaval
era o interesse da mídia em saber se os clubes participariam ou não, quem
seriam suas rainhas, o que aconteceria em seus eventos e quais seriam os temas
de seus carros alegóricos. As tradicionais elites políticas e econômicas
baianas, e principalmente seus filhos adultos jovens, continuaram a associar-se
inteiramente com os três clubes de elite depois de 1930.24
Que o regime político do Estado Novo também tenha se associado aos clubes de
elite é algo surpreendente, dada a ênfase de Vargas, no Rio de Janeiro, na
cooptação das "escolas de samba" da classe trabalhadora, em uma relação
clientelista típica, e da qual os baianos eram bem conscientes.25 Na Bahia,
entretanto, representantes do Estado Novo preferiam se conectar com os
soteropolitanos nos clubes de elite, tirando vantagem dos laços de lealdade, de
longa data, entre as pessoas comuns e esses clubes, e assim, estreitar os
vínculos entre as massas e o governo para colher um tanto de benefício
político. O governo municipal, antes de 1930, frequentemente dava apoio
financeiro para o desfile do carnaval oficial, controlava o tráfego e
transporte, estabelecia ligações com as comissões de bairro organizadas por
empresários locais, e iluminava e decorava a área central. A partir da década
de 1930, a prefeitura começou também a subsidiar a apresentação dos três
grandes clubes, que, por sua opulência e proeminência desproporcionadas,
características centrais das festividades, certamente simbolizava o poder do
membros da elite e legitimava sua posição no topo da sociedade
soteropolitana.26 Isto, é claro, fazia sentido por uma série de razões, e os
próprios clubes não eram tímidos ao salientar isto ao gabinete do prefeito em
suas solicitações anuais de subsídios, com as quais eles tinham, por volta de
1940, passado a contar. O benefício, como um ofício afirmava, da prosperidade
dos clubes "se reflete no progresso da cidade, intensificando o movimento de
seu comércio, sua indústria e suas artes", bem como proporcionava uma merecida
"distração musical" para a população da cidade e do estado.27 Há também alguma
indicação de que quando os três grandes desfilavam, a prefeitura favorecia
financeiramente o desfile oficial da Rua Chile, em detrimento das festas mais
populares e tradicionais ao longo da Baixa dos Sapateiros. Esta é a impressão
dada pelos jornais no início da década de 1930, a julgar pela facilidade com
que a prefeitura destinava recursos para iluminação e decoração do percurso do
desfile oficial, ao longo da Rua Chile, bem como proporcionava palcos, alto-
falantes e decorações, em comparação com o grau em que eles arrastavam os pés
para fazer o mesmo na Baixa dos Sapateiros, apesar da tradicional pretensão
desta via de rivalizar com a Rua Chile. De fato, em 1940, a Baixa dos
Sapateiros tinha caído tão fora das graças que não era mais parte do percurso
do desfile oficial.28
Depois de 1937, a elite política do Estado Novo também apreciava as vantagens
políticas de associar-se a um carnaval de sucesso. Embora pareça que tenha ela
intensificado o apoio geral ao carnaval ao longo dos anos antes da Segunda
Guerra Mundial, ainda se concentrava, no entanto, nos clubes de elite, como é
ilustrado pelo fato de que em 1939 o interventor, o prefeito, o chefe da
Secretaria de Segurança Pública e outros altos representantes e ideólogos do
Estado Novo mantinham cargos honoríficos no quadro de diretores do clube
carnavalesco Cruz Vermelha, de longe o de maior apelo popular entre os três
clubes.29 Além disso, muitos baianos da classe trabalhadora, além de suas
próprias instituições, também tinham fortes laços de lealdade a um ou outro
clube de elite.30 Categorias profissionais inteiras podiam ser identificadas
com um clube. Sapateiros, por exemplo, dizia-se serem adeptos do Cruz Vermelha.
Consequentemente, essas alianças mitigavam a distância entre as elites e o
resto de Salvador, e ambos refletiam e reforçavam os laços de clientelismo que
estruturavam a hierarquia social da cidade.31 Os prefeitos, começando com Neves
da Rocha, nomeado no início do Estado Novo (1938-1942), também se associavam às
festividades, e de modo tão pessoal como presidir alguns momentos das
festividades, como a cerimônia de coroação da Rainha do Carnaval.32
Não só a elite política, mas também os jornais e programas de rádio da década
de 1930 apoiavam fortemente a ideia de que o carnaval de Salvador era amparado
nos três clubes de elite. O padrão da cobertura jornalística era
esmagadoramente voltado para as instituições e as atividades desses clubes, os
seus carros alegóricos, desfiles e bailes, em cuja onipresente importância
residia o coração do discurso da mídia em torno do carnaval, e cujos temas
variavam desde referências ao mundo clássico, a Europa Ocidental, Ásia e
Oriente Médio, e aos eventos brasileiros daquele momento. Seus temas quase
nunca falavam diretamente da cultura da classe trabalhadora ou afro-baiana,
antes do final de 1938, e o sociólogo norte-americano Donald Pierson registrou
que "das 168 mulheres jovens das melhores famílias da Bahia sobre os carros
alegóricos no desfile de carnaval de 1936, todas eram brancas, com exceção de
duas, e estas eram mulatas muito claras".33 Embora os pequenos clubes e eventos
da classe trabalhadora muitas vezes se espremessem entre as grossas colunas dos
grandes clubes, especialmente a partir de meados dos anos trinta, isto, pelo
menos inicialmente, de fato só serviu para estabelecer o seu status marginal no
discurso da mídia sobre o carnaval. Em suma, nesse momento, os três clubes de
elite dominavam o carnaval de rua, como haviam feito, com breves interrupções,
desde a década de 1880. Eles também arcavam com a responsabilidade financeira
do espetáculo, embora a partir de 1935 tenham recebido subsídios dos cofres
públicos para ajudar a aliviar os custos.
Isto não poderia durar para sempre, e 1937 foi o último ano, com uma exceção,
em que os três grandes clubes desfilaram em cortejos separados. Em 1938, apenas
o Cruz Vermelha, de longe o maior dos três, conseguiu participar. Eles ainda
mantinham bailes e eventos, mas um desfile principal estava além de suas
possibilidades. Os problemas financeiros tinham incapacitado os outros dois
clubes. A depressão global tinha colocado uma enorme pressão sobre o
crescimento econômico da Bahia, o que enfraqueceu a capacidade dos grandes
clubes de desfilar seus tradicionais e luxuosos carros alegóricos. Apesar das
promessas, em 1941, de um carnaval "guerra-relâmpago" pelo "assalto dos carros
dos grandes clubes", a Segunda Guerra Mundial findou a era dos grandes clubes,
por várias razões.34 Embora o Brasil tenha-se mantido neutro até agosto de
1942, a guerra sufocou o ânimo do carnaval de rua. Festa pública na escala de
anos anteriores não parecia muito apropriado. A guerra também impediu que os
grandes clubes importassem os luxos necessários para as suas alegorias e
fantasias, por falta de disponibilidade ou em razão dos preços elevados.Talvez
a mais esmagadora razão foi que o conflito na Europa significou tempos de vacas
magras para a oligarquia comercial da Bahia, para não mencionar a carência e o
sofrimento dos pobres, que se prolongou até a década de 1950. Consequentemente,
o carnaval de 1940 foi "quase bom", com os grandes clubes conseguindo combinar
os seus esforços em um único carro alegórico, que a imprensa devidamente louvou
como um indicativo do espírito de cooperação de Salvador em tempo de guerra e
sacrifício: os baianos se uniram em uma frente única contra seus inimigos.35
Este, porém, foi o melhor que se conseguiu até as celebrações do "Carnaval da
Vitória" em 1946. O carnaval em 1943 foi "muito, muito frio", com a maioria da
festa acontecendo nos bailes nas sedes dos vários clubes ao redor da cidade.36
No ano seguinte, foi um "fracasso incontestável".37Os três grandes clubes não
conseguiram se reunir num cortejo associado entre 1941 e 1945, apesar de
notícias ocasionais de que o fariam. O carnaval de rua foi efetivamente
cancelado em 1945, e foi deixado aos pequenos clubes a realização de um
carnaval como "ofensiva contra a infelicidade".38
A ascensão das batucadas
O declínio dos clubes de elite criou um vácuo no qual os pequenos clubes se
tornaram centrais para o carnaval baiano. Mesmo antes de 1938, o número,
tamanho e iniciativa dos clubes menores já estavam alterando o equilíbrio do
carnaval rumo ao popular. O Diário de Notícias iniciou a sua primeira
competição para os pequenos clubes naquele ano, visto que eles estavam "mais
animados este ano do que nunca".39 A década de 1940, por sua vez, viu triplicar
o número de pequenos clubes participantes para bem mais de cem, transformando
uma festa centrada na elite em um evento popular dominado quase que
inteiramente pelos clubes pequenos.
A julgar pelas matérias de jornais relacionadas ao carnaval, esta foi a "Era
das Batucadas", mas isso não poderia ter sido previsto duas décadas antes. As
batucadas carnavalescas, para todos os intentos e propósitos, não existiam em
Salvador antes de 1930. Em vez disso, Salvador ostentava inúmeros pequenos
blocos e cordões com referências afrocêntricas em seus nomes, que, graças à
iniciativa e ao protagonismo das classes trabalhadoras da cidade, proliferaram
ao longo da década de 1920 (retomando onde haviam parado antes da proibição de
clubes afrocêntricos entre 1905 e 1914). A reação nos jornais foi muito
positiva, especialmente entre 1930 e 1934, quando os clubes de elite não
conseguiram desfilar. Por conseguinte, os jornais abraçaram o "carnaval
popular" e se entusiasmaram com todas as modalidades de pequenos clubes,
incluindo aqueles intimamente associados com a cultura afro-baiana.40
Independentemente do pequeno número de batucadas e afoxés que estavam ativos,
mas, majoritariamente anônimos, no início da década de 1930, encontramos blocos
e cordões com nomes como Africanos em Pândega, Guerreiros da África, Filhos da
África, Lordes Africanos, Ideal Africano e Gongo Africano. Temos até Pândegos
da África, possivelmente uma homenagem a um dos primeiros clubes afrocêntricos
da década de 1890. Em 1935, enquanto muito se fazia para o "renascimento" dos
grandes clubes e seu desfile oficial, houve também um significativo alarde em
relação ao desfile semi-oficial dos pequenos clubes, dos quais havia mais de
40, descritos como "grupos musicais, clubes, grupos africanos, cordões e
batucadas".41
O surgimento das batucadas data do início ou meio dos anos 1930. A partir de
1935 os jornais começaram a distinguir as "batucadas", ao lado de blocos e
cordões, praticamente pela primeira vez (ao lado de "escolas de samba",
também). Este foi o primeiro ano em que isso foi feito de forma sistemática,
marcando uma mudança não só de nomenclatura, mas também na prática do carnaval.
Um tanto inexplicavelmente, grande parte dos blocos e cordões afrocêntricos -
os "grupos africanos" - sumiram de vista. Em 1938, o grupo "A Negra Africana em
Folia" foi o único vibrante o suficiente para aparecer nos jornais. Talvez
muitos dos clubes afrocêntricos tenham se transformado em batucadas ou escolas
de samba, ou permanecido como blocos ou cordões e mudado seus nomes para algo
mais condizente com a tendência de fugir do afrocentrismo, talvez influenciados
pelo exemplo dado no Rio de Janeiro. Hipoteticamente, por exemplo, "Guerreiros
de África" pode ter se tornado uma escola de samba, tomando o nome de "Bambas
da Zona" ou "Malandros da Avenida". Apoiando essa suposição, a cobertura
jornalística geral, em 1935, incluiu uma grande afluência de nomes não listados
previamente de todas as modalidades de pequenos clubes, não apenas "batucadas",
e os membros dos clubes afrocêntricos também passaram a aderir a uma dessas
outras modalidades . Certamente eles não "se aposentaram" do carnaval.
Infelizmente, as reportagens nos jornais são demasiado vagas para termos essa
certeza, e as entrevistas de história oral se revelaram inconclusivas. Não é
provável que fosse qualquer tipo de autocensura do jornal relacionada com a
ditadura do Estado Novo. Este aparente declínio dos cordões afrocêntricos ou
afoxés também pode ter sido influenciado, como tanta coisa associada com o
carnaval, por novas tendências culturais ou modas. Talvez a necessidade de
afirmar uma herança africana tenha diminuído com uma maior aceitação das
tradições culturais pelo interventor Juracy Magalhães, na Bahia (1930-1936) e
por Vargas na cena nacional.42 Esta necessidade pode também ter sido preenchida
pelas batucadas e escolas de samba emergentes, abraçadas como foram na capital
do país. Também turva a situação o fato de que reportagens jornalísticas tendem
a seguir atentamente as novidades mais do que as antigas práticas.
Independentemente do motivo, no entanto, os antigos clubes afrocêntricos da
classe trabalhadora, da década de 1920 e 1930, resultado normal da organização
da comunidade e da identificação étnica no contexto pós-Abolição, claramente
proporcionaram uma plataforma para o aumento das batucadas nas décadas de 1930
e 1940, que, por sua vez, devem ser debitadas a uma herança cultural africana e
afro-mestiça, com as suas próprias instituições, particularmente aquelas
associadas ao candomblé, que fizeram apenas concessões mínimas à cultura
dominante, não obstante os laços de clientelismo com a classe média, geralmente
mulata de pele clara.43
A presença das batucadas no carnaval de Salvador, depois de 1930, cresceu a
partir de tradições musicais locais. Salvador estava impregnada de precedentes
locais de grupos de percussão, como os batuques dos séculos XVIII e XIX, um
subgrupo específico de ritmos e danças com suas origens no contexto das
culturas africana e afro-baiana do Novo Mundo, dos quais as batucadas derivaram
o seu nome.44 Salvador também ostentava precedentes de carnaval, como os afoxés
do início do século XX e os cucumbis do século XIX, descritos por Nina
Rodrigues, Arthur Ramos e outros, instituições que levavam africanos e afro-
baianos e suas tradições culturais para as ruas durante o carnaval.45 No
entanto, o impulso para as batucadas do carnaval de Salvador veio das escolas
de samba do Rio de Janeiro, da década de 1920, e da popularização do repinique
ou tambor, um instrumento percussivo mais facilmente portátil que facilitou a
mobilidade dos ritmistas do samba, condição sine-qua-non para desfilar.
Importante também foi a ascensão do nacionalismo cultural no Brasil e o
consequente interesse pelos gêneros musicais regionais ou nacionais e pelos
compositores locais de todos os matizes. Esta tendência foi assumida em
Salvador com algum entusiasmo nos anos de 1920, e o samba afro-baiano, o
batuque e a batucada foram seus beneficiários óbvios. É quase desnecessário
dizer que, durante as décadas anteriores à Primeira República (1889-1930),
qualquer forma pública do batuque ou batucada podia ser alvo de crítica pela
classe dominante de Salvador, embora, como mencionado acima, nas décadas de
1910 e 1920, durante os primórdios do samba (e de seu predecessor, o maxixe), a
popularidade destes gêneros, como as modas entre as elites (em seus clubes,
concertos e bailes), tenha conhecido a ascensão e a queda.
Em 1937, nove diferentes batucadas foram mencionadas na cobertura jornalística
do período anterior, e durante o próprio carnaval, representando cerca de um
quarto de todos os pequenos clubes, cujo tipo (bloco, cordão etc.) pode ser
identificado. Não está claro o que levava um pequeno clube a ser mencionado,
embora geralmente os clubes maiores, mais ativos, fossem noticiados, ou aqueles
que enviavam algum tipo de anúncio para os jornais. No entanto, uma avaliação
da cobertura fornece uma ideia geral do aumento da participação das batucadas.
Por exemplo, em 1948, vinte e uma diferentes batucadas ou escolas de samba
foram mencionadas, o que representa pouco mais da metade do total verificado.46
Embora o número total de pequenos clubes tenha crescido rapidamente desde os
anos de 1930, a taxa de crescimento das batucadas ultrapassou a dos blocos e
cordões. Em 1951, vinte foram mencionados, depois o número se estabilizou e, a
partir de então, começou a declinar. No entanto, em 1951, consta terem
participado quarenta batucadas no "Desfile das Batucadas", por isso, embora
ainda haja certa imprecisão na determinação do número absoluto e peso relativo
da participação no carnaval baiano, quarenta batucadas foi significativo.
Muitas destas não mencionadas na cobertura do carnaval seriam pequenas, de
bairros periféricos, ou ambos.
As batucadas de Salvador, também apropriadamente conhecidas nos jornais como
escolas de samba, eram na maioria das vezes totalmente masculinas, formadas por
dez e vinte componentes com pronunciada influência e filiação à classe
trabalhadora afro-baiana. Donald Pierson as descreveu como compostas por
"invariavelmente negros ou mulatos escuros".47 Efetivamente, uma banda de
percussão itinerante. As batucadas tinham como base a vizinhança, embora
quaisquer vínculos associativos pudessem reunir músicos e foliões a partir de
uma variedade de bairros ou ocupações. Os trajes ou uniformes eram o que
implicava o maior gasto para os membros, mas também um ponto de orgulho. Cada
indivíduo era responsável pela aquisição do tecido, contratava uma costureira
ou fazia a sua própria costura.48 Como o nome batucadas indica, percussão e
ritmos percussivos de samba eram particularmente o seu forte. Eles marchavam em
fila única e tocavam os sucessos do momento, embora o estilo musical das
batucadas fosse um tipo diferente da interpretação que se ouvia no rádio. Além
disso, muitas batucadas tocavam músicas de sua própria criação. As batucadas,
ou "sambas do morro", como eram também conhecidas na Bahia, eram muito mais
cruas e menos melódicas, tornando a prática cultural afro-baiana mais próxima
das tradições musicais das classes trabalhadoras e de trabalhadores pobres de
Salvador.49
Dois exemplos de batucadas de 1948 ilustram as suas características gerais.
"Malandros em Folia" era da Roça do Lobo, no Tororó, e a "Escola de Samba
Malandros do Amor", do Alto das Pombas, ambos os bairros eram operários. A
informação descritiva vem do então não-oficial jornal do Partido Comunista da
Bahia, O Momento. Durante a curta duração de sua vida legal (1945-1947), no
clima de abertura democrática do imediato pós-guerra, o Partido Comunista, em
Salvador, usou seu jornal para celebrar a cultura afro-baiana como parte de uma
ênfase mais ampla na vida da classe trabalhadora. Depois que os comunistas
brasileiros foram proibidos de concorrer a eleições em 1948, o jornal continuou
a ser publicado. O Momento, não por acaso, trazia noticias mais frequentes
sobre as batucadas afro-baianas do que sobre blocos ou cordões, o que atesta a
relevância das batucadas para os pobres e para a classe trabalhadora
soteropolitana, e era um símbolo do seu engajamento no carnaval.
"Malandros em Folia" era composta por cerca de 10 homens, sete dançarinas,
conhecidas como pastoras, duas porta-bandeiras e uma mascote. Seu líder era
Otávio Neves de Jesus, apelidado de Dunga, um cabo de polícia e, de acordo com
o jornal, um craque de um dos times de futebol locais, o Botafogo. O grupo
escrevia seus próprios sambas, e os executava durante os ensaios atraindo os
vizinhos às portas para assistir. Atraiu também a atenção de um repórter de O
Momento, que publicou uma das letra: "Nosso samba não pode parar / Se alguém
vier nos desacatar / Damos couro até o sol raiar / Com Bia na cuíca / Bento no
surdo e Balance/ Neves fazendo a marcação / A turma toda dá no couro / Para
alegrar os corações". Neste ponto, cada um dos tocadores principais cantava sua
própria parte. Bia, por exemplo, que tocava cuíca, cantava primeiro: "Fala
cuíca malvada / Fala cuíca / No lugar que tem cuíca / Tamborim não vale nada."
Então Balance cantava: "Crave o punhal no meu peito / Tire sangue e lave a mão
/ O relógio marca a hora / Da nossa separação". Por fim, Dunga cantava a letra
que lembrava o nome do grupo: "Tenho direito de ser malandro / Mas não de ser
um santo / Nossa Senhora lhe cubra / Com seu divino manto".50
Duas coisas se destacam aqui. A primeira é a referência temática ao malandro, o
que nos lembra que os sambas tocados durante o carnaval pelas batucadas eram
muitas vezes mais ousados do que os tocados no rádio, especialmente após 1938,
ou aqueles cujas letras eram impressas nos jornais na seção "Para você cantar".
Esses sambas populares representavam também certo grau de assertividade rebelde
em sua glorificação dos valores específicos do sexo masculino da classe
trabalhadora e eram associados com o contexto socioeconômico do samba, valores
não necessariamente compartilhados ou apreciados pela classe dominante. Também
notável nas letras citadas acima é o prazer na execução, a assertiva
autoconfiança e competitividade lúdica que podem ser tomados como
características reinantes do carnaval popular de Salvador durante a era Vargas.
Uma segunda característica notável das letras, e ilustrada pela maioria das
noticias sobre as batucadas, era a frequência com que eram improvisadas pelos
grupos,51 muitas vezes uma dinâmica de samba de resposta. Essa natureza de
improviso e flexibilidade significava que a letra poderia ser adaptada às
circunstâncias, como quando "Malandros do Amor" procurou lisonjear o repórter
de O Momento: "Você não está conhecendo / O repórter de O Momento / É quem anda
lutando / Pra nos dar melhoramentos / Indicando o povo a se politizar".52 O
repórter pode ter instigado isso. Mesmo assim, os cantores de samba tinham
claramente a habilidade de construir letras de improviso, ou o artifício do
jornalista não teria tido o efeito desejado. Também se deve notar que as
batucadas e outras associações carnavalescas populares pareciam felizes em
participar de uma troca lúdica com repórteres de jornal. No caso das letras
desta escola de samba, havia claras posições políticas em favor da classe
trabalhadora e uma aberta filiação partidária, mas isso, obviamente, deve ser
apreciado dentro do contexto da entrevista com O Momento, o jornal do Partido
Comunista.
A política e a relação da mídia com as batucadas
O aumento do número e da presença das batucadas, depois de 1935, não passou
despercebido aos jornalistas da capital, os principais agentes pelos quais o
carnaval de Salvador era definido, encorajado e noticiado. Enquanto os clubes
de elite viam minguar sua fortuna, jornalistas e autores abraçavam e elevavam
os pequenos clubes a novos símbolos do carnaval e expressões performativas e
rituais de baianidade. E nisso eles reservavam um papel especial para as
batucadas. Como associações esmagadoramente afro-baianas (em suas origens,
composição demográfica e expressão cultural), as batucadas e a música
percussiva que elas tocavam claramente estabeleceram um componente visual e
sonoro afro-baiano do carnaval. Ao longo do período, este componente era cada
vez mais incorporado nas celebrações do que seria "baiano" no carnaval de
Salvador.
Os políticos do Estado Novo de Vargas demonstravam reconhecer a importância
desses pequenos clubes e aumentavam seus subsídios, oferecendo uma variedade de
prêmios em dinheiro para os vencedores nas numerosas competições desse grupo,
bem como para a vencedora dos concursos de Rainha do Carnaval. Isso, pelo
menos, permitiria a alguns clubes mais do que recuperar suas taxas de
licenciamento, presumindo que eles as pagassem. Não há nenhuma indicação, no
entanto, de que as subvenções tenham favorecido mais às batucadas do que aos
blocos ou cordões.53 Certamente, os subsídios municipais não funcionaram como
no Rio de Janeiro sob o primeiro governo de Vargas, tendo como alvo as escolas
de samba e usados para institucionalizar os clubes e incentivá-los a apoiar as
iniciativas culturais do regime, como a invocação de temas patrióticos. Em
Salvador, a disseminação de mensagens políticas através do carnaval, via
pequenos clubes, era difícil e pouco provável que fosse bem sucedida. Como
descrito acima, os políticos do Estado Novo, em Salvador, quando lhes era dada
a escolha, pareciam mais dispostos a alinhar-se com os clubes de elite, ou com
a apresentação das rainhas do carnaval, e mesmo durante a ausência dos grandes
clubes, na década de 1940, não há nenhuma evidência de que políticos tenham
procurado associar-se especificamente com quaisquer clubes particulares de
pequeno porte ou com um único gênero de clube. Isso teria sido um grau extremo
do populismo (no contexto da Bahia), bem além de onde os representantes do
Estado Novo na Bahia, ou seus sucessores imediatos, estavam dispostos a
chegar.54
Eleito pelo voto popular, o governador Otávio Mangabeira (1947-1951) também
preferia associar-se com os clubes de elite, ou reunir-se e posar com a Rainha
do Carnaval, como em 1951 (enquanto a Prefeitura patrocinava a competição
oferecendo o seu próprio prêmio).55 No entanto, ele também era mais propenso do
que seus antecessores a associar sua função pública aos pequenos clubes. Por
exemplo, em 1949, Mangabeira não esteve apenas preocupado com o desfile central
dos três grandes clubes, mas também "atravessou partes da cidade, onde o
carnaval popular de rua acontece, confirmando a animação do povo".56 Em 1951,
talvez em resposta ao seu reconhecimento do carnaval popular, quarenta e seis
pequenos clubes participaram de um desfile de aquecimento para o carnaval, que
foi também uma homenagem a Mangabeira, acenando lenços brancos ao passar pelo
Palácio do Governo a fim de "saudá-lo".57 Sucessor imediato de Mangabeira,
Regis Pacheco nunca pareceu muito interessado em qualquer uma das festas ou na
cultura popular de Salvador. No entanto, o prefeito, José Wanderley de Araújo
Pinho (1947-1951) e seus sucessores, particularmente Osvaldo Veloso Gordilho
(1951-1954) e Aristóteles Góes (1954-1955), no exercício dos seus mandatos,
apoiaram o carnaval e estiveram muito ocupados a assistir em uma miríade de
eventos sociais relacionados ao carnaval, bem como a andar pelas ruas durante
os dias da festa. O primeiro consistente subsídio municipal para os pequenos
clubes começou com o prefeito Gordilho no início da década de 1950: a
prefeitura distribuiu prêmios em dinheiro a cada um, e mesmo aos bem pequenos
clubes que competiram nas principais etapas estabelecidas, no centro de
cidade.58 Sobretudo, parece ter havido uma progressão em direção a um maior
populismo nas relações políticas baianas e atenção ao carnaval popular, ao
espetáculo e seus vínculos cada vez mais acentuados com a cultura afro-baiana.
Ironicamente, foram os próprios clubes de elite que, durante o Estado Novo, sob
certo aspecto, pressagiaram a nova ênfase na afro-baianidade no carnaval. O de
1940 foi proclamado o "Carnaval das baianas" e os clubes de elite, "inspirados
pelo sucesso de Carmen Miranda", pediram às mulheres para ir aos bailes
vestidas de "baiana". Clubes menores também realizaram bailes com base nesse
tema, e até mesmo donas de pequenos negócios que operavam durante o carnaval
foram exortadas a se vestir como tal.59 Com certeza, grande parte desta
associação do carnaval com mulheres e samba afro-baianos foi feita através de
paródia (na verdade, até mesmo uma paródia de uma paródia, dada a natureza
jocosa do uso inicial por Carmen Miranda do traje de baiana). Além disso, no
ano anterior, 1939, um dos carros alegóricos do Fantoches abordava a
contribuição da mãe preta, ou ama de leite preta, para a civilização
brasileira, o que, obviamente, aponta para os limites e critérios de inclusão
de pessoas de ascendência africana nas mentes das elites locais. Um jornal não
se esquivou da questão central, mas apontou que a babá simbolizava o servilismo
passado e presente de muitas pessoas de cor no Brasil, um servilismo com base
na raça que não tinha lugar no "momento atual, radiante de democracia e
igualdade".60 No entanto, com a escolha da elite, em 1940, do "Carnaval das
Baianas", podemos retrospectivamente ver que a associação do carnaval com
cultura afro-baiana estava se tornando axiomática, enquanto o equilíbrio global
dos significados discursivos do carnaval baiano inclinava em favor da cultura
afro-baiana da cidade.
Isso não quer dizer que as contribuições da elite para o carnaval tenham caído
em desgraça com a mídia. Mesmo após o desaparecimento dos desfiles dos clubes
de elite, os jornais continuaram a divulgar e cobrir seus bailes e eventos
carnavalescos. Durante o Estado Novo, revistas ilustradas locais, como Festa,
que atendia à classe dominante e mediava os interesses desenvolvimentistas do
regime de Vargas em Salvador, viam o carnaval a partir da perspectiva dos
clubes de elite e estritamente dentro dos limites dos eventos ao longo da Rua
Chile.61 No entanto, na grande imprensa, a partir do final dos anos 1930, as
batucadas tornaram-se centrais para a construção discursiva do carnaval de
Salvador. A Associação de Cronistas, em particular, abraçou esta mensagem. Esta
associação, que incluia um ou dois jornalistas de cada um dos principais
jornais da cidade (nos quais tinham suas colunas diárias de carnaval), passava
a maior parte de janeiro e fevereiro e, por vezes, de março a organizar e
incentivar a participação nos diversas bailes, ensaios e cerimônias que
antecediam o carnaval. A Associação dos Cronistas de Carnaval assumiu a
responsabilidade pela divulgação do carnaval, mobilizando a participação e a
animação da festa, e como principais comentaristas dos acontecimentos, eram,
portanto, participantes ativos na construção dos significados da festa para a
cidade, fazendo isso de maneira a responder à dinâmica local, bem como ao
contexto nacional. Os jornais se tornaram a fonte básica de concessões e
prêmios durante o carnaval, ao lado da prefeitura, alavancando o apoio
financeiro e, indiretamente, influenciando o desempenho do carnaval.
Durante anos, mesmo quando os blocos e cordões eram mais numerosos que as
batucadas na cobertura total do carnaval, estas foram elevadas à representação
mais autêntica do significado e natureza simbólica do carnaval de Salvador. Em
várias ocasiões, os jornais também sugeriram que as batucadas eram as mais
numerosas entre os pequenos clubes em toda a cidade.62 As rádios levavam
escolas de samba e batucadas aos estúdios nas semanas que antecediam ao
carnaval. Os programas de rádio, que apresentaram a "Escola de Samba Primeiro
Nós", em 1937, e a batucada "Bambas da Zona", em 1939, ilustram como esses
gêneros de pequenos clubes foram cada vez mais emblemáticos no carnaval.63 Seus
repertórios diferiam do repertório das "bandas de jazz" dos últimos dez anos ou
mais, que também tocavam sambas de vez em quando, mas com um repertório bem
maior e muito mais variado, mesmo durante os eventos carnavalescos. Em 1937 e
1938, a Academia de Samba Deixa Falar (homônima baiana da primeira escola de
samba no Rio de Janeiro) pegou uma onda de popularidade que ecoou através dos
jornais e rádio. Eles não eram conhecidos apenas como bons músicos, parte de
sua popularidade pode ter se originado do fato de que se gabavam de ter um
presidente oriundo da classe média (afro-baiana), Ponciano Nonato de Carvalho,
a quem os jornais se referiam como um negociante bem-quisto e que talvez tenha
melhor entendido como se articular com a mídia e a indústria da música.64
A primeira aclamação da mídia e declaração da importância da cultura afro-
brasileira no carnaval, e das batucadas em particular, veio de um artigo
originário do Rio de Janeiro, mas reeditado em Salvador em julho de 1937. Este
caiu muito bem, uma vez que a capital do país era uma influência importante
sobre as tendências do carnaval na Bahia. O artigo era de Rubem Braga, autor de
crônicas brasileiras, prestes a ser famoso. Braga disse explicitamente que,
apesar do carnaval ser uma experiência cultural e racialmente mista, o pobre, e
especialmente os negros pobres ("o elemento negro") eram os "leader" [sic]
deste grupo que "realmente fazia o carnaval". Prosseguia a elogiar a
singularidade cultural (e racial) e o poder da escola de samba e do samba de
religar-se com as tradições religiosas afro-baianas.65 Esses sentimentos
continuaram a encontrar expressão, em Salvador, no amplo discurso sobre o
carnaval durante a Segunda Guerra Mundial. Isso acontecia nos editoriais e
colunas sobre carnaval, como o que insistia que "Todos os baianos vão vibrar
com os [...] alucinógenos ritmos das marchas e sambas".66 É interessante
salientar que quando Áureo Contreiras (por exemplo, no texto que abre este
artigo) acolheu "todos os instrumentos bárbaros evocativos do passado nas
senzalas e nos terreiros", ele ainda usou a palavra "bárbaro", mas ela já não
era inteiramente pejorativa. Depois de 1930, para muitos escritores,
especialmente os modernistas, a palavra vinculava-se a contribuições positivas,
ainda racista, é claro, mas denotava algo elementar e profundamente humano,
primitivo até, adequado ao momento bacanalizado do carnaval, subvertendo a
sofisticação e a reserva "burguesa". Na verdade, o samba e, especialmente, as
batucadas - a forma crua e não retocada pelos estúdios de música expressavam
que o carnaval baiano (e brasileiro) tinha de fato aquele elemento que fazia
dele o carnaval.67
Não surpreende que numerosos sambas e batucadas fizessem referência a sua
importância tanto para a baianidade quanto para o carnaval baiano. Em sua
maioria eram criações da indústria da música centralizada no Rio de Janeiro,
como as contribuições de Vicente Paiva, em 1940, "Bahia, oi... Bahia!" -
"Depois de ouvir um samba / Que lá da Bahia vem / na voz da baiana bamba/ Que
ginga como ninguém [...] Quem é que não gostaria de ser baiano também?"; ou a
de 1943, "Exaltação à Bahia" - "Mas onde ela é mais Bahia / É no batuque e no
samba".68 No entanto, muitos sambas locais, registrados nos jornais, eram
voltados para temas como romance de carnaval, traição feminina ou dificuldades
sociais, como a pobreza, em vez de temas ligados à cozinha afro-baiana ou ao
candomblé. Em toda a série de 1953, seis composições locais (marchas e sambas),
não houve uma única referência a cultura afro-baiana.69 No entanto, o emergente
compositor e artista de rádio local Batatinha compôs, na década de 1950, pelo
menos três sambas que faziam referência a cultura afro-baiana - "Iaiá não
Samba", "Vatapá" e "Samba e Capoeira". Neste último, o samba explicitamente
incorporou aspectos do estilo musical que acompanha a capoeira.70
Talvez o mais convincente, no entanto, um samba-batuque local bastante rústico
de 1952, "A Bahia é terra boa", mostra que a prática de incluir a cultura afro-
baiana nas composições de samba e batucada estava firmemente enraizada, também,
no próprio meio artístico sotero-politano. Há trechos de letras que expressam
agressão e competição. Por exemplo, "A Bahia é terra boa / não inveja a
ninguém", e "Bahia é combatida / Mas vencida não será ", ilustram a agressiva
combatividade do gênero batucada em Salvador. Além disso, a batucada adota o
mote da Bahia como a mãe do Brasil: "Se ela [Bahia] é mãe do Brasil / Que
importa se falar "; e adota também a noção de democracia racial que vinha
ganhando espaço no Brasil. Este último ponto é exemplificado na insistência de
que a Bahia "ama aos filhos que são seus", incluindo "brancos" e "loiras". Não
era apenas diversidade racial que a Bahia tinha, no entanto. A Bahia tinha
cultura também. As batucadas empregavam alegorias que associavam a Bahia com a
cultura negra, a "Baiana", que "faz batuque", que "mexe o caruru".71
A importância das batucadas para a baianidade também era comum nos artigos mais
lúdicos ou peças produzidas pelos jornalistas. Por exemplo, dois poemas
publicados em A Tarde, no final de 1940, escritos por Sílvio Valente (um dos
cronistas do carnaval, também conhecido como Pepino Longo), expressam a noção
de que a batucada era o ponto de referência musical e o coração da folia
popular. Nas linhas do poema "Evoé", Sílvio Valente comentava a forma como "A
Batucada gostosa / Faz uma morena tão prosa / Cair no santo e sambar".72
Valente estava sublinhando a importância das batucadas afro-baianas para o
carnaval (e indiretamente os supostos afro-baianos que tocavam nas batucadas),
que animavam a morena "prosa" de pele mais clara para a vida. A menção ao
transe, característico do culto do candomblé, aprofundava a associação de
carnaval com a cultura afro-baiana.
Entretanto, Valente também tocou nos, não tão sutis, estereótipos raciais e
culturais do período, embora ele o tenha feito de uma forma que celebrava a
contribuição cultural dos afro-baianos. O autor distingue três categorias: a
loira, a morena (de ascendência predominantemente europeia) e a mulata: "Vivam
a loura e a mulata / De sandália de alpercata / E a morena que é meu bem!" Os
versos, "Não façamos distinções / Como as 'unidas' Nações", referendando a
suposta falta de discriminação racial no Brasil, o que tornava possível
momentos como o carnaval. Vemos os mesmos sentimentos em uma estrofe do segundo
poema de Valente, "Carnaval", do mesmo período.73 Era o poder universal da
música a animar o "passar das batucadas" que criava a igualdade na folia entre
as "classes fraternizadas" e permitia a "brancos, pretos, mulatos" sentir-se
"todos irmãos". Era também "a alma da raça noturna" (presumivelmente afro-
baianos) que estava no centro de importância do carnaval. Afinal, as batucadas
emprestaram sua alma afro-baiana para o carnaval de tal forma a transformá-lo
em um momento transcendente da igualdade racial nos trópicos: "Louras e
morenas, mulatas / De sandália e alpercata / Sambando no coração!"
Valente não era o único jornalista a situar as batucadas e o carnaval da Bahia
nos discursos mais amplo da lendária democracia racial e da identidade nacional
do Brasil, ambos ganhando corpo durante este período, já que intelectuais do
sudeste "elogiavam o samba como a música mais autenticamente nativa do Brasil"
e retratavam as escolas de samba do Rio de Janeiro como a fusão das três
raças.74 Jornalistas e escritores baianos, em especial após 1940, interpretavam
a experiência do carnaval da Bahia, neste contexto do Brasil, como um produto
da mistura racial e cultural e viam a "confraternização" das raças, durante o
carnaval, como evidência de que o racismo não existia no Brasil. A popularidade
deste expediente é parcialmente explicada pela guerra, que permitiu e
incentivou um discurso patriótico de convivência mais inclusivo. De acordo com
essas reportagens, o carnaval era uma época em que "a igualdade de raça e cor
se torna realidade por 72 horas", e "ninguém está preocupado com quem é o
próximo, qual é a cor de sua pele, ou se são de respeitável posição social.
Todo mundo se acha igual".75
O gênero batucada, nas mãos da classe trabalhadora soteropolitana, também se
prestou a momentos de afirmação cultural e racial. Digno de nota nesse sentido
era um bloco chamado "Preto não é mais lacaio". Esses trezentos e cinquenta ou
mais trabalhadores do bairro da Liberdade tiraram o nome do samba "Salve a
Princesa [Isabel]".76 A letra do samba é reveladora. "Preto não é mais lacaio /
Preto não tem mais senhor / ... / Hoje preto pode ser doutor / Deputado e
senador".77 Este é um dos aspectos mais interessantes do mito da democracia
racial. Nem os membros da batucada, nem o repórter de um jornal comunista que
cobria sua história eram propensos a acreditar que a discriminação racial era
inexistente no Brasil. Mas a ideologia da democracia racial (tanto a oficial
quanto a do senso comum) colocou as pessoas de cor numa cabeça-de-ponte
retórica a partir da qual podiam criticar a discriminação e a desigualdade
existentes.78
No final da década de 1940, e durante a de 1950, os três clubes de elite
lutavam para reviver a sua posição de domínio do evento festivo, e em 1951 a
correspondência entre os clubes e o gabinete do prefeito, assim como a
cobertura nos jornais, revelam que a prefeitura retomou seu antigo papel de
subsidiar fortemente esses clubes.79 Isto incluia também a ajuda ocasional do
governo do estado, o que levou a um renascimento de seus desfiles e de sua
posição central no carnaval e no discurso sobre carnaval.80 Também a partir de
1950, o foco da mídia na importância das batucadas para o carnaval estabilizou
e começou a recuar. Mesmo assim, embora a cobertura diária do carnaval
estivesse menos focada nas batucadas (na medida em que os clubes de elite e, em
seguida, o trio elétrico atraíam a maioria das atenções dos jornalistas), elas
eram ainda apresentadas como característica central do carnaval da classe
trabalhadora nos crescentes subúrbios da cidade, e fizeram seu próprio desfile
em separado.81 O Estado da Bahia prestou homenagem ao bairro da Liberdade, com
seu "maior número de batucadas, cordões e ranchos", publicando as letras de
compositores locais que salientavam que "a turma da Liberdade... sabe
batucar".82 Enquanto isso, o carnaval no bairro do Uruguai foi aberto com
"clarins", que deram lugar à "cadência rítmica" e "ritmos primitivos" das
batucadas que desencadearam a "animação quase primitiva" das festividades e o
"entusiasmo natural dos nossos pobres".83
O declínio da atenção aos pequenos clubes, e batucadas em particular, foi
parcialmente compensado em outras áreas da mídia impressa, como editoriais e
especialmente os suplementos de cultura e literatura, que haviam se tornado os
árbitros do gosto cultural no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Por
exemplo, em 1949, o jornalista e intelectual modernista Cláudio Tavares
publicou um artigo, no Estado da Bahia, acompanhado com fotos de Pierre Verger,
em que tratou mais detalhadamente das "rodas de samba na Bahia". No artigo,
originalmente publicado no mesmo ano na revista mensal brasileira A Cigarra,
Tavares discutia, de forma mais ampla, as origens e a história do samba, bem
como suas diferentes características e importância para afro-baianos e para a
Bahia.84 Anos depois, um editorial de 1953 no Diário de Notícias, associava não
apenas a cultura afro-baiana, mas também noções vagas de afro-baianidade (ou
"negritude") com o carnaval, lembrando aos leitores que "os brancos seguiram os
passos das pessoas de cor", até mesmo assumindo a prática de religiões afro-
baianas.85 Finalmente, em 1954, a cobertura do carnaval incluia poesias com
referências enaltecedoras à cultura afro-baiana. No poema "Carnaval" de
Laurindo de Brito, os versos "carnaval negro da morte" e "sambas macabros dos
vermes" precisam ser lidos no contexto de exaltação poética de um mundo virado
de cabeça para baixo, excessivamente alucinógeno, erotizado e anárquico. O
poema de Milton Costa Lima, no entanto, era muito mais literal no seu abraço às
contribuições das festividades populares para o carnaval baiano, ou seja, a
dança do samba e os tambores primordiais das batucadas.86
A desaceleração progressiva da "Era das Batucadas" aconteceu a partir dos anos
1950, embora as batucadas tenham permanecido um traço consistentemente popular
do carnaval baiano até 1960.87 Este enfraquecimento se deveu a vários fatores.
Em primeiro lugar, os clubes do carnaval de elite voltaram a receber subsídios.
Quando o Estado da Bahia escreveu, em 1952, que "a participação dos grandes
clubes era inteiramente de responsabilidade do governo" não estava exagerando.
A generosidade financeira do prefeito Oswaldo Gordilho era essencial e revela o
quão importante ele sentia que os grandes clubes eram para o carnaval.88 Havia
ainda alguns outros clubes da classe dominante na competição: o Democrata e o
Espanhol, ambos fundados em 1946. Enquanto isso, o Yacht Clube, o Clube Baiano
de Tênis e a Associação Atlética da Bahia, todos com associados abastados ou
quase, também começaram a organizar bailes e carros alegóricos para o desfile.
Além da revitalização dessa competição, as batucadas também sofreram devido a
mudanças importantes no carnaval. A chegada do trio elétrico, cujo número se
multiplicaria e que se tornaria uma figura definidora do carnaval baiano na
década seguinte, talvez tenha chamado a atenção popular para longe das
batucadas e solapado a sua energia. Também é possível, como um entrevistado
salientou, que na década de 1950 as batucadas cobrassem preços fora da
realidade, e que seus membros quisessem ou sentissem necessidade de se vestir
com roupas cada vez mais caras.89 Novos cordões substituíram as minguantes
batucadas, eles eram mais baratos, maiores e proporcionavam mais liberdade de
ação, como não ter que desfilar em fila única, ou mesmo manter um ritmo.
Sabemos, também, que duas outras tendências carnavalescas, a dos blocos de
índios, ou grupos vestidos como apaches, sioux, tupi-guarani etc., e a versão
mais recente das escolas de samba (embora ainda muito diferentes daqueles do
Rio de Janeiro), surgiram nos mesmos bairros, na sua maioria na década de 1960,
dentro do mesmo grupo demográfico das batucadas.90
A adoção controlada e limitada da cultura afro-baiana
O aumento das batucadas e sua celebração discursiva pela cultura dominante e a
crescente associação do carnaval baiano com a cultura negra foram parte de uma
ampla revalorização dos afro-baianos e suas contribuições para a baianidade
depois de 1930. No entanto, a inclusão performativa e discursiva dos afro-
baianos no carnaval ocorreu de modo a ficar contida dentro de limites e
valorizações hierárquicas muito bem definidos. Talvez um pouco surpreendente,
dada a reputação do carnaval de ignorar a moralidade e a convenção social, os
festejos de carnaval, em Salvador em particular, mantiveram graus muito
significativos de separação racial e de classe. Por exemplo, o sociólogo norte-
americano Donald Pierson escreveu sobre o Carnaval, em 1936, que
precedendo, durante e após o desfile [dos três grandes clubes] as
batucadas e cordões negros passam através das multidões circulantes.
As batucadas são geralmente compostas por quinze a vinte homens
jovens, invariavelmente negros ou mulatos escuros.
Em uma pesquisa com
9 batucadas, de um total de 157 jovens, 113, ou 72 por cento, eram
negros; 40, ou 25,5 por cento, mulatos, todos escuros, exceto um
(que, apesar da pele clara, tinha cabelos crespos); 3 eram cafuzos
[combinação de índio brasileiro com afrodescendente], e apenas 1 era
branco.91
No extremo oposto deste espectro estavam os clubes de elite. O entrevistado
José Ferreira foi rápido em confirmar com pouco ou nenhum exagero, que "quando
o [clube de carnaval] Fantoches da Euterpe desfilava, não havia negros, não se
via um único afro-baiano".92 Na verdade, mesmo quando os carros alegóricos
representavam uma cena de cultura afro-baiana usavam maquiagem preta no rosto .
Em 1955, para seu principal carro alegórico, o clube carnavalesco de elite
Cruzeiro da Victoria criou uma modesta homenagem à Abolição da escravatura, com
doze "senhorinhas da nossa melhor sociedade" vestidas de baianas, com rostos
escurecidos e grilhões quebrados pendurados em seus pulsos.93
A partir desta evidência, ficam claras, na organização e experiência do
carnaval baiano, profundas divisões ao longo de linhas raciais, culturais e de
classe. Além disso, pode-se recorrer a provas fotográficas nos jornais de
meados a fins de 1940. Quase sem exceção, os blocos e cordões fotografados eram
compostos ou de pessoas de ascendência predominantemente europeia, com alguns
de ascendência mestiça de pele clara, ou eram esmagadoramente afro-brasileiros,
com alguns de ascendência mestiça, mas com pele escura. Especificamente, as
batucadas e afoxés capturados nas fotografias foram sempre inteiramente afro-
brasileiros. Há também as fotografias de um pequeno número de blocos e cordões
tiradas por Pierre Verger no final da década de 1940 e nos anos 1950. Estas
também apresentam graus acentuados de homogeneidade racial dentro dos pequenos
clubes de carnaval de Salvador.94 Fotografias do bloco de 80 remadores do Santa
Cruz Sporting Clube, em Salvador na década de 1940, mostram seus membros
totalmente de pele clara. Isso era típico da classe dominante ou de clubes
desportivos de elite que, de acordo com um ex-membro e sua esposa, "não queriam
pessoas com pele escura".95 Com relação às festas mais informais, Pierson
reconheceu exceções, mas salienta que, mesmo em circunstâncias informais,
pessoas de diferentes "raças" pouco se misturavam. Considerando as multidões de
espectadores, Pierson teve a dizer que:
numa multidão circulando, dançando, cantando, normalmente se vê os
brancos com brancos, negros e mulatos escuros com os negros e mulatos
escuros, a exceção sendo que um branco, ocasionalmente, acompanha um
grupo de mulatos escuros e negros, embora brancos da Bahia e mulatos
claros sejam frequentemente vistos com os brancos.
Diferenças óbvias de posições sociais eram operadas durante o carnaval. Na
verdade, os ricos participavam de maneiras muito diferentes daquela da classe
operária ou dos trabalhadores pobres, o que significava, também, que as
experiências de brancos e negros divergiam significativamente. Os cortejos dos
grandes clubes de elite, por exemplo, eram símbolos claros de superioridade
racial e de classe, e embora a classe trabalhadora pudesse reivindicar
fidelidade a um clube ou outro, sua relação com eles durante o carnaval era
basicamente de espectadores. Batalhas de confetes e bailes à fantasia da classe
dominante eram, em geral, inacessíveis para a maior parte da sociedade e para a
maioria dos afro-baianos. Como entrevistada, Antônia Conceição afirmou que
quando pessoas de ascendência africana eram aceitas em instituições de elite, a
classe dominante era "muito exigente". Era possível para uma pessoa ou família
negra estar presente em eventos na Associação Atlética da Bahia, por exemplo,
mas somente se fosse uma formatura, "algo muito incomum".96
Um artigo n'O Imparcial sugere que, mesmo em 1937, a Rua Chile, a arena
principal do carnaval formal e rota do principal préstito dos grandes clubes,
não era um espaço totalmente igualitário, visto que a polícia disse ter
desmantelado uma roda de samba por lá. O Imparcial não defendeu nem criticou os
sambistas, atitude típica de um momento em que o lugar do samba no carnaval de
Salvador ainda estava em processo de se tornar central. O tom era de lamento
imparcial de que "samba é pro Terreiro", significando que o Terreiro de Jesus
era o lugar legítimo para tais práticas, uma vez que era visto como espaço da
classe trabalhadora, onde afro-baianos celebravam o carnaval. O jornal não
parece ter-se importado com o fato de que os músicos responsáveis eram do
localmente famoso grupo "Três e Meio", que estava naquele tempo fazendo
audiências em rádios locais em Salvador. O conteúdo das reportagens dos
jornais, especialmente na década de 1930, reforça a ideia de que o Terreiro de
Jesus, e não a Rua Chile, era o epicentro da prática popular e afro-baiana do
carnaval, "o ponto de encontro das batucadas e dos afoxés" durante festas de
Salvador, festas que se espalhavam pelos bairros pobres e da classe
trabalhadora e ao longo da Baixa dos Sapateiros, mas não ao longo da Rua Chile,
ou pelo menos não sem provocar algum grau de tensão racial e de classe.97
Mesmo a ascensão do samba como símbolo regional e nacional teve seus críticos
influentes e declarados. Em 1937, professor emérito da Faculdade de Medicina da
Bahia, Luís Pinto de Carvalho, criticou as elites regionais e nacionais,
incluindo o presidente Getúlio Vargas, por celebrar formas musicais populares
como o samba. Pinto de Carvalho insistia que o único material adequado para a
educação musical, bem como para o desenvolvimento artístico em geral, e até
mesmo o bem-estar social, era a música clássica.98 Quantos baianos podem ter
concordado com o bom professor não é possível saber, mas sua posição no mínimo
representava um discurso alternativo da classe dominante sobre o samba. Ecoando
os sentimentos de Pinto de Carvalho, em 1937, o historiador e diretor da
Faculdade de Direito, Pedro Calmon, criticou o samba como um gênero musical
inadequado para representar o Brasil internacionalmente. Seu alvo era
especificamente Carmen Miranda e suas "vulgares e degradantes" performances no
exterior, apesar de sua crítica ter sido dirigida também a associação entre o
Brasil e os negros da Guiné "ou hotentotes de camisas listradas".99 Como
sugerem esses comentários, a associação do carnaval baiano com práticas afro-
baianas foi acompanhada por um grau de criticismo. Estas críticas eram parte do
processo de limitar e controlar os significados da cultura afro-baiana na
medida em que eram assimilados como ideias de baianidade. Claramente, o
carnaval, apesar de seu poder de aumentar a associação entre a Bahia e a
cultura afro-baiana, não enfraqueceu as estruturas que regem as vidas diárias
dos pobres e da classe trabalhadora em Salvador. Principalmente, o carnaval
serviu para reforçar e legitimar as hierarquias socioeconômicas e raciais. A
realidade de que o carnaval também era na prática uma performance da diferença
racial e de classe revela as limitações para a aceitação de práticas afro-
baianas em Salvador.
Conclusão
No entanto, uma mudança realmente ocorreu nas décadas de 1930 e 1940, e as
batucadas estavam na vanguarda dessa mudança. As décadas de 1930 e 1940 merecem
a sua designação de Era das Batucadas e o período deve ser entendido como um
elo na trajetória histórica do carnaval baiano entre os afoxés de finais do
século XIX e o dinamismo dos blocos afros da década de 1970. As batucadas
desempenharam um papel vital no surgimento da indelével associação de Salvador
com a cultura afro-baiana. O fundamental do desenvolvimento do carnaval da
Bahia, de 1930 a 1950, foi que "a arte e o luxo" dos clubes de elite deram
lugar a "batucada e animação" das escolas de samba de Salvador.100 A estagnação
da economia da região e a Segunda Guerra Mundial minaram a saúde financeira dos
clubes de elite e a vontade da prefeitura de subsidiá-los, e, portanto, a
capacidade de desfilar seus cortejos individuais e manter o seu lugar central
nas comemorações do carnaval da cidade. Enquanto isso, ao longo da década de
1930, e no pós-guerra especialmente, a classe trabalhadora pobre e afro-baiana
de Salvador foi formando mais e mais batucadas para os três dias da festa que
antecedem a quaresma. Jornalistas baianos também foram influenciados pela
elevação do samba a destaque nacional na idealização das batucadas de Salvador
como contribuições positivas para o carnaval da cidade, já que o samba era o
gênero de música associado com as batucadas. O fenômeno das batucadas reforçou
a tendência geral na Bahia, a partir de 1930, de jornalistas, acadêmicos,
intelectuais e figuras públicas incorporar formas culturais afro-baianas como
contribuições positivas e um elemento central da baianidade e da identidade
regional baiana.
Embora os aspectos do carnaval que não eram especificamente identificados com a
cultura afro-baiana ainda recebessem a maior parte da cobertura no carnaval, as
batucadas revelaram as contribuições do protagonismo e da performance afro-
baianos e desempenharam um papel significativo na transformação discursiva da
identidade regional baiana. Durante a década de 1930, o carnaval de Salvador
começou um reequilíbrio em favor dos pequenos clubes, um reequilíbrio que se
intensificou com o surgimento das batucadas, uma fase em que o carnaval, o mais
simbolicamente representativo das festas populares, tornou-se profundamente
associado com a cultura afro-baiana, na medida que essas práticas passaram de
um discurso anterior de marginalidade para o de inclusão e ocasional celebração
como a verdadeira alma do carnaval. Mesmo a crítica ocasional da mídia ao
carnaval, ecoando as alas mais conservadoras da classe dominante, já não se
referiam de forma negativa, ainda que eufemisticamente, a qualquer coisa que
pudesse ser interpretada como afro-baiana. Em vez disso, a crítica se
restringiu a lamentar a sua permissividade sexual, a sua afronta à honra da
família e à moralidade em geral, seu materialismo, ou sua inadequação ao
contexto das dificuldades econômicas.101
Que as práticas afro-baianas não tenham se tornado o principal, ou mesmo o
único aspecto definidor do carnaval de Salvador, como foi o caso das escolas de
samba do Rio de Janeiro, se deve a vários fatores. Enquanto no Rio de Janeiro
chefes políticos locais reconheceram a utilidade política das escolas de samba,
para as elites de Salvador parece não ter havido nem necessidade nem desejo de
institucionalizar as diversas e instáveis pequenas associações de carnaval do
redor da cidade. Em vez da institucionalização, as batucadas foram assumidas
abstratamente como um gênero e fundidas no discurso e no conjunto de
associações identificadas com a Bahia e o carnaval. O governo municipal
concentrou suas energias e apoio financeiro nos três grandes clubes, e foi
fundamental para sua revitalização no início da década de 1950. No entanto, a
prefeitura também investiu recursos significativos para apoiar o carnaval
popular e os clubes menores, não só no centro da cidade, mas também em
numerosos pontos periféricos de maior animação . O prefeito Aristóteles Góes
(1954-1955) fazia questão de participar não só dos bailes de elite, mas também
de sair às ruas durante o carnaval popular. As batucadas, certamente, se
beneficiaram disso e a mensagem era que o carnaval baiano continuaria a ser de
elite e popular. Isso era conhecido na época como "oficialização do Carnaval",
pois tanto a elite quanto a forma mais significativa de participação popular
nas festas tornaram-se dependentes, ou pelo menos fortemente influenciadas,
pela generosidade do governo.102
A revitalização dos grandes clubes, ao longo da década de 1950, significou o
fim da "Era das Batucadas". Este fim foi ainda mais "cimentado" pela
emergência, depois de 1951, do trio elétrico.103 A inovação gradualmente ganhou
popularidade. Já em 1955, houve um segundo trio elétrico, "oficial", organizado
pela prefeitura, sancionando e talvez esperando cooptar, em parte, a
popularidade do fenômeno.104 Os trios elétricos colocaram problemas para a
popularidade das batucadas e até mesmo para a centralidade do samba no carnaval
baiano. Os trios inicialmente tocavam frevo, que era popular no carnaval do
Recife. No entanto, o aumento da popularidade, nas décadas de 1930 e 1940, das
associações de batucada de carnaval dos bairros pobres e da classe trabalhadora
facilitou a celebração, realizada principalmente por jornalistas, da batucada
afro-baiana no carnaval. O carnaval, é claro, foi sem dúvida a mais importante
festa popular de Salvador para a configuração da identidade regional baiana.
Como Natalie Zemon Davis argumentou, há muito tempo, apesar de dramáticas
mudanças na ordem social serem raras, o poder da prática do carnaval é que ao
longo do tempo ele estende os limites do aceitável. O que é inicialmente uma
inversão, ou talvez apenas uma exceção, torna-se cada vez mais normativo.105 A
dinâmica da "Era das batucadas" contribuiu para a consolidação das práticas
musicais afro-baianas: a batucada e o samba, como elementos vitais do que
significava a Bahia e do que "baiano" passou a significar durante a Era Vargas.
As batucadas desempenharam papéis importantes na reformulação da baianidade
entre 1930 e 1950, uma vez que práticas culturais afro-baianas e os próprios
afro-baianos foram celebrados como "a poderosa força propulsora que movia o
carnaval baiano".106 Mesmo depois de 1950 as batucadas não desapareceram
completamente. Elas e uma série de afoxés continuaram a ser uma ponte de
identificação étnica e de protagonismo cultural entre os clubes afrocêntricos
do fim do século XIX e início do século XX, por um lado, e os afoxés e blocos
afros do fim do século XX e início do XXI.
Texto apresentado em 10 de maio de 2012 aceito em 23 de junho de 2012
* Tradução de Mariângela de Mattos Nogueira
1A Tarde, 9 de fevereiro de 1942; Diário de Notícias, 8 de
março de 1943.
2 As batucadas eram parte de um universo cultural mais amplo que remonta ao
período colonial. Para trabalhos recentes sobre batuque, candomblé e
festividades populares no período colonial e primeira metade do século XIX ver,
entre outros, Silvia Hunold Lara, "Significados cruzados: um reinado de congos
na Bahia setecentista", in Maria Clementina Pereira Cunha (org.), Carnavais e
outras f(r)estas: ensaios de história social da cultura (Campinas: Editora da
Unicamp / CECULT / FAPESP, 2002), pp. 71-100; João José Reis,
"Tambores e temores: a festa negra na Bahia na primeira metade do século XIX",
in Maria Clementina Pereira Cunha (org.), Carnavais e outras f(r)estas, pp.
101-47; João José Reis, Death Is a Festival: Funeral Rites
and Rebellion in Nineteenth-Century Brazil, Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 2003.
3 Victor Turner, The Anthropology of Performance, Nova York: PAJ Publications,
1986; Richard Burton, Afro-Creole: Power, Opposition, and
Play in the Caribbean, Ithaca, NY: Cornell University Press, 1997, capítulo 4; Natalie Zemon Davis, Society and Culture in Early Modern
France: Eight Essays, Stanford: Stanford University Press, 1975, capítulos 4 e
5; Roberto da Matta, Carnivals, Rogues, and Heroes: An
Interpretation of the Brazilian Dilemma, Notre Dame: University of Notre Dame
Press, 1991. Também sobre o poder do lúdico, ver Richard
Schechner, "Carnival (Theory) After Bakhtin", in Milla Cozart Riggio (org.),
Carnival: Culture in Action - The Trinidad Experience(London: Routledge, 2004),
pp. 9-10. Enfatizando o poder do carnaval em Salvador além do
seu tempo e lugar oficiais, Piers Armstrong, "Bahian Carnival and Social
Carnivalesque in Trans-Atlantic Context", Social Identities v. 16, n. 4 (2010),
p. 449, nota, para o início do século 21, que "as fronteiras
temporais e espaciais entre o carnaval e a cultura do quotidiano são
relativamente abertas, de modo que os dois domínios são menos polarizados e
seus respectivos modos performativos convergem".
4 O carnaval oferece não apenas caminhos de resistência racial e de classe
contra a cultura dominante, mas também mecanismos pelos quais a classe
dominante coopta e circunscreve as iniciativas subalternas, ou reforça o status
quo. Matta, Carnavals, emprega o trabalho de Victor Turner para atualizar a
interpretação de Bahktin do carnaval como um momento de democracia catártica e
resistência simbólica às estruturas repressivas e exploradoras que ordenaram a
vida diária. Maria Isaura Pereira de Queiroz, Carnaval brasileiro: o vivido e o
mito, São Paulo: Editora Brasiliense, 1992, discorda,
argumentando que Da Matta ignorou a hierarquia e o poder diferenciados que
ainda estavam presentes durante o carnaval e que o sistema de valores da
burguesia dominante domesticou o carnaval por muitos anos. A maioria dos
estudiosos do carnaval no Brasil marca suas posições entre esses dois pólos.
Ver Renato Ortiz, A consciência fragmentada: ensaios de cultura popular e
religião, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, em particular pp. 13-27; Robert Stam, "Carnival, Politics and Brazilian Culture", Studies in
Latin American Popular Culture, n. 7 (1988), pp. 255-64;
Rachel Soihet, A subversão pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle
Époque ao tempo de Vargas, Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1998; Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, O rito e o tempo:
ensaios sobre o carnaval, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. Ver também, Alison Raphael, "Samba and Social Control:
Popular Culture and Racial Democracy in Rio De Janeiro" (Tese de Doutorado,
Columbia University, 1980); Dulce Tupy, Carnavais de guerra:
o nacionalismo no samba, Rio de Janeiro: ASB Arte Gráfica e Editora, 1985; Jairo Severiano, Getúlio Vargas e a música popular, Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1983; Cláudia Matos,
Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio, Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982; Maria Clementina Pereira Cunha, Ecos da folia:
uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920, São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
5 Sobre aspectos dessa ampla reavaliação, ver Vivaldo da Costa Lima, "O
candomblé da Bahia na década de trinta" in Vivaldo da Costa Lima e Waldir
Freitas Oliveira (orgs.), Cartas de Édison Carneiro a Artur Ramos (São Paulo:
Corrupio, 1987), pp. 37-73; Waldir Freitas Oliveira, "Os
estudos africanistas na Bahia dos anos 30" in Vivaldo da Costa Lima e Waldir
Freitas Oliveira (orgs.), Cartas de Édison Carneiro a Artur Ramos, pp. 23-35; Beatriz Góis Dantas, Vovó nagô e papai branco: usos e abusos
da África no Brasil, Rio de Janeiro: Graal, 1988, pp. 161-201; Angela Lühning, "'Acabe com este santo, Pedrito vem aí...' mito e
realidade da perseguição policial ao candomblé baiano entre 1920 e 1942,
Revista da USP, n. 28 (1995/1996), pp. 194-220; Júlio Santana
Braga, Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos Candomblés da Bahia,
Salvador: Edufba, 1996; Kim Butler, Freedoms Given, Freedoms
Won: Afro-Brazilians in Post-Abolition, São Paulo and Salvador, New Brunswick,
N.J.: RutgersUniversity Press, 1998, capítulo 6; Kim Butler,
"Afterword: Ginga Baiana, The politics of Race, Class, Culture, and Power in
Salvador, Bahia", in Hendrick Kraay (org.), Afro-Brazilian Culture and
Politics: Bahia, 1790s to 1990s (Londres: ME Sharpe, 1998), pp. 158-75; Scott Ickes, "Salvador's Transformist Hegemony: Popular
Festivals, Cultural Politics and Afro-Bahian Culture in Salvador, Bahia,
Brazil, 1930-1952", (Tese de Doutorado, Universidade de Maryland, 2003); Lisa Earl Castillo, Entre a oralidade e a escrita: a
etnografia nos candomblés da Bahia, Salvador: Edufba, 2008, pp. 101-44; Roger Sansi-Roca, Fetishes and Monuments: Afro-Brazilian Art
and Culture in the Twentieth Century, Nova York: Berghahn Books, 2007, pp. 51-
141; Anadelia Romo, Brazil's Living Museum: Race, Reform and
Tradition in Bahia, Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2010.
6 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, pp. 172-75; Peter
Fry, Sérgio Carrara e Ana Luiza Martins-Costa, "Negros e brancos no carnaval da
Velha República", in João José Reis (org.), Escravidão e invenção da liberdade:
estudos sobre o negro no Brasil (São Paulo: Editora Brasiliense, 1988); Alberto Heráclito Ferreira Filho, "Desafricanizar as ruas:
elites letradas, mulheres pobres e cultura popular em Salvador (1890-1937)",
Afro-Ásia, n. 21-2 (1999 1998), pp. 239-56.
7 O historiador baiano Cid Teixeira, "Prefácio", in Anísio Félix (org.), Filhos
de Gandhi: a história de um afoxé (Bahia: Gráfica Central, 1987) foi o primeiro
a se referir aos anos 1940 como a "Era das Batucadas".
8 Um afoxé, algumas vezes referido como "candomblé da rua", era uma extensão da
cultura e das pessoas de um terreiro específico organizado para celebrar o
carnaval.
9 Ver Scott Ickes, African-Brazilian Culture and Regional Identity in Bahia,
Brazil (University of Florida Press, no prelo), capítulo 5.
10 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, pp. 172-75;
Hildegardes Vianna, "Do entrudo ao carnaval na Bahia", Revista Brasileira de
Folclore, n. 13 (1965), p. 285. Ver também Fry et alli.,
"Negros e brancos"; Ferreira Filho, "Desafricanizar as ruas".
11 Olga Rodrigues de Moraes Von Simson, "Espaço urbano e folguedo carnavalesco
no Brasil: uma visão ao longo do tempo", Cadernos do Centro de Estudos Rurais e
Urbanos, n.15, 1ª serie (1981). Para Von Simson, o "carnaval
popular" surgiu no Rio de Janeiro e São Paulo somente nos anos 1920.
12 Kim Butler encontrou "dezenas" de "afro" clubes depois de 1896, com nomes
como Cavaleiros Africanos, Andarilhos Africanos, Caçadores Africanos, Netos da
África, Defensores da África, A Embaixada Africana e Foliões Africanos.
13 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, p. 177; Ver também,
Fry, et allii, "Negros e brancos", pp. 254-60.
14 Rafael Rodrigues Vieira Filho, "A africanização do carnaval de Salvador,
Bahia: a recriação do espaço carnavalesco (1876-1930)" (Tese de Doutorado,
Universidade de São Paulo, 1995), pp. 128-49.
15 Antonio Risério, "Carnaval, as cores da mudança," Afro-Ásia, n. 16 (1995),
p. 92.
16 Journal A Bahia, 16 de fevereiro de 1906; Fry et allii,
"Negros e brancos," pp. 255-6.
17 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, pp. 171, 187-8.
18 Donga e Mauro de Almeida, "Pelo telefone", gravação original da Banda Odeon,
Odeon, 1917. Ver, Marc Hertzman, "Surveillance and
Difference: The Making of Samba, Race, and Nation in Brazil (1880s'1970s)"
(Tese de Doutorado, Universidade de Wisconsin, Madison, 2008), pp. 233-36, para uma discussão do grau em que é legítimo se referir a
"Pelo telefone" como samba".
19 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, pp. 180-81; Vieira
Filho, "Africanização", pp. 136-44. O corta jaca (uma forma
de samba) e o maxixe (um precursor do samba) tinham sido incorporados no
programa dos cortejos e bailes do carnaval da elite em Salvador no início de
1899, e depois, em 1915, ao lado de aberturas de operas e outras peças de
música erudita".
20 O Imparcial, 13 de janeiro 1937.
21 José Ferreira, entrevistado pelo autor, Salvador, 4 de novembro de 1999, 44-
45, e 11 de novembro de 1999. As entrevistas fazem parte de um levantamento
maior de história oral sobre cultura negra e as festas populares em Salvador
nos anos 1930, 1940 e 1950. Entrevistei pessoas que viviam em Salvador durante
a Era Vargas, que coincide com a das batucadas. Em particular escolhi pessoas
da "classe baixa." As três ou quatro entrevistas incluídas no artigo revelavam
pequenos detalhes sobre as batucadas e o carnaval. Ver Ickes, African Bahian
Culture and Regional Identity. Sobre restrições e censura durante o carnaval
ver, Arquivo Público do Estado da Bahia [daqui em diante APEBa], Secretaria de
Segurança Pública, Cx 6456 Pc 03, 1906-1943.
22 Diário de Notícias, 10 de março de 1943.
23 O Imparcial, 29 de janeiro de 1937.
24 Durante os anos de 1930 os jornais não mencionavam políticos ou posições
políticas relacionadas ao carnaval. Esta era provavelmente uma convenção entre
os repórteres naquele momento. Embora, a correspondência esporádica, localizada
na Pasta "Clubes Carnavalescos" no Arquivo Histórico Municipal de Salvador,
mostre que a prefeitura subsidiava os grandes clubes durante este período.
25 Os jornais baianos, ocasionalmente, noticiavam eventos do Rio de Janeiro,
por exemplo "informava que Getúlio Vargas tenha autorizado o prefeito do Rio a
aumentar as contribuições aos clubes carnavalescos do Rio": Diário de Notícias,
11 de fevereiro de 1939.
26 Os artigos nos jornais, durante todo o período, comentavam o crescimento e a
diminuição do apoio do estado e principalmente do município para os grandes
clubes. O orçamento municipal para 1939, o único ano disponível, indicava que
em 1939 o Cruz Vermelha e o Fantoches da Euterpe receberam trinta contos de
reis cada, enquanto o Inocentes em Progresso recebeu vinte contos de reis, uma
quantia não insignificante naquele tempo. Arquivo Histórico Municipal de
Salvador [daqui em diante, AHMS] Fundo Prefeitura Orçamento, Livro de orçamento
de 1939.
27 Cornélio Daltro de Azevedo para o prefeito de Salvador, 6 de julho de 1935,
Pasta Clubes Carnavalescos, AHMS.
28 Ver, por exemplo, Diário de Notícias, 11 de fevereiro de 1939. Ver também a reportagem sobre a resposta sem entusiasmo do prefeito
aos pedidos de apoio para o carnaval popular e predominantemente afro-baiano na
praça do Terreiro de Jesus, em comparação com outras áreas da festa: A Tarde, 9
de fevereiro de 1933.
29 Diário de Notícias, 13 de fevereiro de 1939.
30 Donald Pierson, Negroes in Brazil, a Study of Race Contact at Bahia,
Chicago: University of Chicago Press, 1942, p. 201, estava em
Salvador em 1936 e nos conta que "a rivalidade especialmente entre o Cruz
Vermelha e o Fantoshes [sic] é intensa, o Inocentes em Progresso é geralmente
respeitado".
31 Diário de Notícias, 6 de fevereiro de 1937.
32 A Tarde, 24 de janeiro de 1942.
33 Pierson, Negroes in Brazil, pp. 202-3.
34 Diário de Notícias, 10 de janeiro de 1941.
35 Diário de Notícias, 22 de fevereiro de 1941. Diário de
Notícias, 3 de fevereiro de 1940; 7 de fevereiro de 1940.
36 Diário de Notícias, 8 de março de 1943.
37 Diário de Notícias, 20 de fevereiro de 1944.
38 A Tarde, 1 de fevereiro de 1945, Diário de Notícias, 11 de
fevereiro de 1945.
39 Diário de Notícias, 10 de janeiro de 1938.
40 Interessante notar que, de acordo com Soihet, Subversão pelo riso, p. 58, antes de 1930, a imprensa no Rio de Janeiro raramente
mencionava atividades na Praça Onze, que era o lugar principal das expressões
culturais afro-cariocas durante o carnaval. Depois de 1930, no entanto, isso
foi mudando gradativamente.
41 Para uma amostra, ver A Tarde, 2 de fevereiro de 1930; A
Tarde, 4 de fevereiro de 1931; A Tarde, 25 de fevereiro de
1933. A Tarde, 1 de março de 1935.
42 Para uma discussão do apoio de Magalhães à cultura negra, ver Ickes, African
Bahian Culture and Regional Identity, capítulo 2.
43 Butler, Freedoms Given, Freedoms Won, pp. 184-5.
44 Para batuque no pós-Abolição em Salvador, ver Fry et allii, "Negros e
brancos", pp. 252-60.
45 Raymundo Nina Rodrigues, Os africanos no Brasil, São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1977; Arthur Ramos, O folclore negro no
Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936;
Alexandre José de Mello Morais, Festas e tradições populares do Brasil, Rio de
Janeiro: Fauchon e Cia [1895], p. 76, 132.
46 A Tarde, 20 de janeiro de 1951.
47 Pierson, Negroes in Brazil, p. 201.
48 Luciano da Silva, entrevistado pelo autor, Salvador, 10 de novembro de 1999;
Inail Alves, entrevistado pelo autor, Salvador, 18 de outubro de 1999.
49 Não muito tempo depois, quando as gravadoras começaram a profissionalizar
compositores de samba para o mercado nacional, o nome "batucada" foi dados ao
gênero de samba de ritmo animado e grande ênfase percussiva.
50 O Momento, 5 de fevereiro de 1948. Embora, no Brasil, o
Partido Comunista estivesse efetivamente na ilegalidade em 1947, O Momento
continuou a ser publicado cada vez mais esporadicamente até 1957.
51 A Tarde, 17 de janeiro de 1949.
52 O Momento, 28 de janeiro de 1948.
53 Diário de Notícias, 10 de fevereiro de 1941.
54 Houve algumas tentativas do regime no poder, entre 1930 e 1954, de
estabelecer controle político mais formal sobre o carnaval. Houve proibições a
críticas às "autoridades federais, estaduais e municipais", bem como às
associações e instituições militares e religiosas, e até mesmo a representações
consulares durante o tempo da guerra. Houve também esforços locais para
moralizar o comportamento no carnaval, especialmente o da classe operária,
mediante restrições punitivas a bebidas alcoólicas e controle sobre jogos e uso
de lança perfume, por exemplo. Ver as numerosas portarias em APEB, Secretaria
de Segurança Pública, 1906-1943, Cx 6456 Pc 03. Para
informações adicionais sobre o relacionamento do carnaval com o estado, fora do
âmbito da política cultural, ver Ickes, "Transformist Hegemony", capítulo 5.
55 A Tarde, 16 de janeiro de 1951.
56 A Tarde, 28 de fevereiro de 1949.
57 A Tarde, 31 de janeiro de 1951. A Tarde, 12 de janeiro de
1951.
58 Estado da Bahia, 23 de fevereiro de 1955. Estado da Bahia,
2 de fevereiro de 1952; A Tarde, 21 de janeiro de 1953.
59 Diário de Notícias, 20 de janeiro de 1940, 3 de fevereiro de 1940.
60 Diário de Notícias, 18 de fevereiro de 1939.
61 Festa, ano 11, n. 6 (abril de 1941).
62 Diário de Notícias, 22 de fevereiro de 1939.
63 O Imparcial, 8 de janeiro de 1937; Diário de Notícias, 13
de fevereiro de 1939.
64 O Imparcial, 23 de janeiro de 1937.
65 A Tarde, 26 de julho de 1937.
66 Diário de Notícias, 3 de fevereiro de 1940.
67 Mascarado II, "Carnaval no Uruguai", Diário de Notícias, 9 de janeiro de
1954.
68 Vicente Paiva e Augusto Mesquita, "Bahia, oi... Bahia!", gravação original
de Anjos do Inferno, Columbia, 1940. Vicente Paiva e Chianca
de Garcia, "Exaltação à Bahia", gravação original de Heleninha Costa, Columbia,
1942. Para ver as letras, http://cifrantiga3.blogspot.com/
2006/08/bahia-oi-bahia.html, e http://cifrantiga3.blogspot.com/2006/05/exaltao-
bahia.html.
69 Diário de Notícias, 8 de janeiro, 19 de janeiro, 22 de janeiro, 23 de
janeiro, 25 de janeiro de 1953; ver também, para uma amostra,
Diário de Notícias, 20 de janeiro de 1940; Estado da Bahia, 5
de fevereiro de 1947, 14 de janeiro de 1955. Para exemplos
adicionais de letras de samba, ver Alessandra Carvalho da Cruz, "O samba na
roda: samba e cultura popular em Salvador, 1937-1954" (Dissertação de Mestrado,
Universidade Federal da Bahia, 2006), capítulo 4.
70 "Batatinha", Enciclopédia Nordeste, http://www.onordeste.com/onordeste/
enciclopediaNordeste/index.php?titulo=Batata<r=b&id'perso=570.
71 Pedro Caldas, "A Bahia é terra boa", Estado da Bahia, 13 de fevereiro de
1952.
72 A Tarde, 9 de fevereiro de 1948, citado em Leal, Pergunte
ao seu avô, 174-75.
73 A Tarde, 28 de fevereiro de 1949, citado em Leal, Pergunte
ao seu avô, 176-79. Ao passar das batucadas/batendo forte o
tambor/as classes fraternizadas/se encontram no mesmo ardor/Nessa cadência
soturna/a alma da raça noturna/eleva clamores vôos/E brancos, pretos, mulatos/
seguindo os passos exatos/se sentem todos irmãos/Louras, morenas, mulatas/De
sandália e alpercata/Sambando no coração!
74 Raphael, "Samba Schools", p. 261. Queiroz, Carnaval
brasileiro, pp. 58-9.
75 Fry et alli, "Negros e brancos", p. 235. Diário de
Notícias, 4 de fevereiro de 1944, 13 de fevereiro de 1944. Na
cobertura do carnaval, o ano em que a democracia racial é mais explícita é
1944, especialmente no Diário de Notícias, 4 de fevereiro ("a festa anula o
preconceito"), 13 de fevereiro (carnaval tem pelo menos uma virtude, de
"efetuar uma real igualdade de raças") e 20 de fevereiro.
76 Francisco da Silva Fárrea Júnior e Luís Soberano, "Salve a Princesa",
gravação original do Trio de Ouro, Odeon, 1948.
77 O Momento, 1 de fevereiro de 1948. Havia também um bloco
na Bahia chamado "Preto não é mais lacaio" no final dos anos 1940. Vale a pena
notar um fenômeno paralelo no Rio de Janeiro, também na década de 1940, como o
clube carnavalesco "Unidos da Tijuca" expressava um politizado orgulho racial
afro-brasileiro e leituras alternativas do mito da democracia racial em seus
trajes carnavalescos e carros alegóricos: Tupy, Carnavais de Guerra, pp. 112-3.
78 Paulina Alberto, Terms of Inclusion: Black Intellectuals in Twentieth-
Century Brazil, Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2011, p. 179; Alejandro de la Fuente, A Nation for All: Race, Inequality,
and Politics in Twentieth-Century Cuba, Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 2001.
79 "Haverá préstito", Diário de Notícias, 25 de janeiro de 1950; "Ainda o préstito", A Tarde, 20 de janeiro de 1951.
AHMS, Caixa "Clubes Carnavalescos e Esportivos".
80 "Será oficializado", A Tarde, 7 de fevereiro de 1951.
Cabocolinho de Najé, "Nos barracões dos clubes", Estado da Bahia, 17 de
fevereiro de 1955.
81 "Desfile de batucadas", A Tarde, 20 de janeiro de 1951.
82 "Homenagem à Liberdade", Estado da Bahia, 28 de janeiro de 1955.
83 Diário de Notícias, 9 de janeiro de 1954. Ver também, A
Tarde, 19 de fevereiro de 1954.
84 Cláudio Tavares, "As rodas de samba na Bahia," Estado da Bahia, 29 de março
de 1949.
85 Diário de Notícias, 21 de janeiro de 1953.
86 Lima, "Meu Carnaval da Bahia," A Tarde, 25 de fevereiro de 1954; De Brito, "Carnaval," A Tarde, 25 de fevereiro de 1954.
87 Goli Guerreiro, "As trilhas do samba-reggae: a invenção de um ritmo", Latin
American Music Review, v. 20, n. 1 (1999), pp. 120-22.
88 Estado da Bahia, 2 de fevereiro de 1952. Ver também os
documentos em AHMS, Caixa "Clubes Carnavalescos e Esportivos".
89 José Ferreira, entrevistado pelo autor, Salvador, 11 de novembro de 1999.
90 Fred de Goés, 50 anos do trio elétrico, Salvador: Corrupio, 2000. José Ferreira, entrevistado pelo autor, Salvador, 11 de novembro de
1999. Guerreiro, "Trilhas do samba-reggae, pp. 120-22; "
Antônio dos Santos Godi, "De índio a negro, ou o reverso", Caderno CRH
(suplemento) (1991), pp. 51-70.
91 Pierson, Negroes in Brazil, pp. 201-02.
92 Pierson, Negroes in Brazil, capítulos 1-5, passim, tem
algumas excelentes passagens anedóticas sobre suposições raciais e racistas
entre os brancos baianos. José Ferreira, entrevistado pelo autor, Salvador, 4
de novembro de1999. Uma fotografia, de 1949, de 14 membros da "ala feminina" do
clube de elite Inocentes em Progresso revela somente cútis claras: A Tarde, 22
de fevereiro de 1949.
93 Estado da Bahia, 19 de fevereiro de 1955.
94 Pierre Verger, Retratos da Bahia, Salvador: Corrupio, 2002, pp. 122-35. Ver por exemplo fotografias do grupo carnavalesco "Embaixada
Mexicana", também on line em pierreverger.org. Havia experiências de integração
no carnaval, com certeza, em certos blocos ou cordões, por exemplo. Também,
havia áreas públicas que abrigavam significativa mistura de participantes ou
espectadores. Fotos do carnaval da Bahia, feitas por Pierre Verger no fim dos
anos 1950, por exemplo, mostram pessoas de todos os tipos físicos em áreas
adjacentes à rota oficial do desfile, como a Praça da Sé: Verger, Retratos da
Bahia, pp. 122-24.
95 Walkyrio Meyer e Delza Meyer, entrevistados pelo autor, Salvador, 21 de
outubro de 1999.
96 Antônia Conceição, entrevistada pelo autor, Salvador, 2 de novembro de 1999.
97 O Imparcial, 11 de fevereiro de 1937; Leal, Pergunte ao
seu avô, pp. 205-06. Para exemplos adicionais de sambas em
horas e lugares "errados", e mesmo para uma sugestão de que o samba afeta a
produtividade do trabalhador, ver, A Tarde, 18 de maio de 1946, 4 de dezembro
de 1947, citado em Cruz, "Samba", p. 43.
Ver também, A Tarde, 19 de março de 1935.
98 "Originalidades", O Imparcial, 10 de março de 1937;
"Opiniões musicais", O Imparcial, 17 de março de 1937,
discutido em Cruz, "Samba", pp. 44-8.
99 Pedro Calmon, "O Sr. José Lins é a favor do samba", Estado da Bahia, 15 de
julho de 1937. Ver também, Bryan McCann, Hello, Hello Brazil:
Popular Music in the Making of Modern Brazil, Durham: Duke University Press,
2004, pp. 63-5.
100 O citado contraste entre luxo e batucadas vem da comparação, feita por um
entrevistado anônimo, entre Salvador e o Rio de Janeiro no Diário de Notícias,
10 de fevereiro de 1937. Ver Queiroz, Carnaval, p. 18, sobre um processo similar, mutatis mutanti, ocorrido no
carnaval de São Paulo.
101 Ver, por exemplo, Diário de Notícias, 3 de fevereiro de 1940.
102 Estado da Bahia, 23 de fevereiro de 1955; Estado da
Bahia, 27 de fevereiro de 1952.
103 Leal, Pergunte ao seu avô, pp. 205-09; Goés, 50 anos, pp.
40-51.
104 Fratelli Vita, um fabricante de refrigerante com uma longa história de
patrocínio do carnaval, assumiu o patrocínio do trio, que vinha aparecendo nos
gritos de carnaval em 1953 e 1954: Diário de Notícias, 4 de fevereiro de 1954. A Tarde, 7 de fevereiro de 1955.
105 Natalie Zemon Davis, Society and Culture in Early Modern France: Eight
Essays, Stanford: Stanford University Press, 1975, capítulos 4 e 5.
106 Cláudio Tavares e Pierre Verger, "Afoxé, ritmo bárbaro da Bahia", O
Cruzeiro, v. 20, n. 32 (29 de maio de 1948), p. 57.