Modelos de capitalismo e economia política comparada: instituições, performance
e as respostas alemã e japonesa aos desafios recentes
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é apresentar o approach "modelos de capitalismo",
destacar algumas de suas implicações e mostrar sua relevância para o estudo da
economia política. Apesar da existência de aspectos comuns que marcam a
organização do capitalismo nos vários países, são também marcantes as
diferenças, abrangendo áreas significativas, como relações industriais,
organização do capital e do trabalho, relação bancos-empresas, modo de produção
e papel do Estado. Estas diferenças têm implicações relevantes, tornando o
approachbastante útil para explicar o desempenho econômico, os resultados
sociais e os desafios que se colocam para os países no início do século XXI.
O capitalismo consolidou-se, a partir do século XVIII, como um sistema social
caracterizado pela utilização de trabalho assalariado e pela busca do lucro
como princípio central para a organização da produção. Como bem mostrou Adam
Smith, o mercado é o princípio orientador e coordenador desse sistema
produtivo, pois orienta as decisões produtivas e a alocação de recursos, ao
mesmo tempo em que condiciona a obtenção de subsistência por parte dos
indivíduos. A partir do século XIX, os princípios de organização de uma
economia de mercado, incluindo um aparato legal-institucional favorável, foram
disseminados para vários países. A consolidação do capitalismo trouxe grande
progresso material e, ao ser acompanhado por mudanças políticas e sociais,
significou, passadas as turbulências iniciais, melhoria substancial nas
condições de vida da população.
Uma das implicações deste modelo social é a posição privilegiada que confere
aos empresários, responsáveis por decisões que afetam todos os demais
indivíduos da sociedade. Isto confere a esta classe grande influência sobre
relevantes decisões políticas. No entanto, o argumento desenvolvido pelo artigo
mostra que, a despeito do papel proeminente do mercado, existem diferenças
institucionais que têm importantes implicações, podendo conferir maior
participação aos trabalhadores e gerar melhor distribuição de renda e
resultados sociais mais justos. Esta possibilidade mostrou-se bem clara nos
anos do pós-guerra, com o desenvolvimento de modelos de capitalismo socialmente
coordenado em países da Europa Ocidental. Trata-se, no entanto, de um arranjo
que vem enfrentando sérios desafios em decorrência de mudanças recentes que
amplificaram o papel do mercado em âmbito internacional.
Falar de modelos de capitalismo compreende, portanto, destacar as diferenças
institucionais entre os países, tema bastante familiar à história econômica e
aos estudos sobre economia política comparada. Gershenkron (1970), em estudo
clássico, explorou como a presença de certas características encontradas nos
primeiros late comers ' que incluíam a relação mais próxima entre bancos e
empresas, a constituição de organizações empresariais mais robustas e a
presença de um Estado mais intervencionista ' tiveram implicações relevantes
para o maior vigor demonstrado por essas economias no final do século XIX.
Shonfield (1965), em outro trabalho seminal, explorou as diferenças nas
organizações de economias capitalistas no pós-guerra, apontando as implicações
em termos dos resultados então obtidos. Análises similares propagaram-se nos
anos 1980, atingindo, nos anos 1990, uma formulação mais elaborada em trabalhos
organizados por Crounch e Streeck (1997), Hall e Soskice (2001) e Yamamura e
Streeck (2003), entre outros.
Este artigo visa explorar esta profícua vertente do institucionalismo histórico
(Hall, 1986). As instituições, definidas em um sentido mais amplo, incluem os
aspectos gerais relativos à organização do Estado, à organização dos grupos
sociais e aos canais e formas de interação entre Estado e sociedade, além de
instituições mais estritamente econômicas, que incluem as relações industriais
e a organização do capital. Nesta vertente, as instituições são consideradas
resultado de processos históricos, influenciados por conflitos entre atores
que, por sua vez, são mediados e influenciados pelas instituições então
vigentes. No processo de mudança institucional, a ordem internacional e a
interação entre os Estados Nacionais desempenham papel fundamental.
O tratamento aqui apresentado também se beneficia de alguns insights propostos
pelo institucionalismo econômico (Williamson, 1985; North, 1981), com destaque
para o exercício de procurar entender a evolução de organizações e instituições
econômicas a partir da resposta de atores racionais a um contexto incerto.
Assim, embora em muitas situações as estratégias de certos atores moldem
aspectos da estrutura econômica, elas são também influenciadas pelo contexto
institucional existente, em que intervêm outros fatores além das decisões de
agentes racionais1. Constituem-se, pois, em estratégias path dependence, que
condicionam as decisões dos atores e, em face dos interesses envolvidos, tendem
a apresentar alto grau de resistência a mudanças.
O argumento central do artigo apóia-se na constituição de diferenças na
organização dos sistemas de economia política nos Estados Unidos, no Japão e na
Alemanha no pós-guerra. Nos Estados Unidos, assim como na Inglaterra, deu-se a
constituição de um capitalismo liberal, em que as formas de governança se
deram, basicamente, por meio de hierarquias e do mercado. Japão e Alemanha
constituem duas variantes de um modelo de capitalismo coordenado, com grande
papel para as formas de coordenação via networks, envolvendo associações
empresariais e sindicatos, no caso do segundo, e uma estrutura bem particular
de organização do capital, no do primeiro.
As diferenças entre estes modelos foram muito pronunciadas nas décadas de
rápido crescimento que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Japão e Alemanha
tiveram performances muito favoráveis até os anos 1980, fazendo crescer sua
participação no mercado externo e tomando a liderança dos Estados Unidos em
vários setores. No entanto, ambas as economias passaram a enfrentar problemas a
partir do fim da década de 1980, com suas instituições de capitalismo
coordenado enfrentando sérias dificuldades para se adequarem a um novo contexto
internacional, mais liberal e desregulamentado.
Inicialmente, este artigo apresenta os modelos de capitalismo, enfatizando a
interdependência que tende a marcar as instituições em cada país. Em segundo
lugar, explora as implicações das diferenças entre os modelos de capitalismo
para importantes tópicos no estudo sobre economia política, incluindo as
vantagens comparativas, as políticas sociais e o posicionamento dos países em
negociações internacionais. Mais adiante, explora os impactos de mudanças na
ordem internacional sobre os modelos de capitalismo coordenado, destacando as
pressões por mudança, mas também as fontes de resistência. Por fim, mostra como
a Alemanha e o Japão vêm respondendo aos desafios, o que é seguido por uma
breve conclusão. Como uma questão central, pergunta se a diferença entre os
modelos de capitalismo continua relevante ou se tende a perder importância em
face de uma possível convergência em direção a um modelo liberal.
INSTITUIÇÕES E MODELOS DE CAPITALISMO
Diferenças importantes marcaram a organização do capitalismo nos Estados
Unidos, na Alemanha e no Japão no século XIX. Os Estados Unidos desenvolveram
um modelo de produção à parte, marcado, entre outros aspectos, por introdução
de peças intercambiáveis, grande padronização na produção e altos salários.
Como destaca Landes (1994), uma combinação de desafios e respostas levou os
Estados Unidos a introduzirem inovações decisivas no padrão manufatureiro,
lançando as bases do sistema fordista, que, juntamente com as grandes
corporações multidivisionais, atribuíram ao país a liderança industrial durante
grande parte do século XX. A Alemanha, além de contar com um Estado forte e
intervencionista no início da industrialização, beneficiou-se de uma rica
herança histórica, cujas origens remontam às ligas hanseáticas e ao
desenvolvimento comercial e manufatureiro no período medieval. No Japão, o
Estado teve um papel decisivo no início da industrialização, constituindo
empresas estatais que, depois de privatizadas, foram absorvidas pelos grandes
grupos empresariais que conduziram a industrialização nas décadas seguintes.
A reconstrução de Alemanha e Japão, depois da derrota na Segunda Grande Guerra,
teve fortes implicações na consolidação de suas instituições econômicas. A
reconstrução da economia japonesa foi caracterizada pela reorganização dos
grupos empresariais, sob novas bases, mas com algumas semelhanças com os
antigos zaibatsus. Preservaram-se, assim, os mecanismos de coordenação
empresarial e a proximidade entre bancos e empresas, em um arranjo que muito
contribuiu para as altas taxas de investimento verificadas no pós-guerra. A
burocracia conservou seu poder e foi intensamente influente no rápido processo
de industrialização (Johnson, 1982). Nas relações de trabalho, a presença de
instituições como emprego vitalício e senioridade (pagamento crescente de
acordo com o tempo no emprego) favoreceu uma relação de comprometimento entre o
trabalhador e a empresa. Da mesma forma, a grande qualificação e a maior
autonomia dos trabalhadores no chão da fábrica possibilitaram a bem-sucedida
alternativa japonesa ao fordismo, com fortes vantagens para vários setores da
indústria.
Na Alemanha, a reconstrução do modelo foi mais inclusiva, com grande ênfase na
obtenção de legitimidade e na incorporação dos trabalhadores (Streeck, 1997;
Guimarães, 2006a). O capitalismo assumiu moldes sociais, caracterizado pelo
grande papel desempenhado pelas associações empresariais e pelos sindicatos no
exercício de funções quase públicas. As associações empresariais assumiram a
parte de favorecer a colaboração entre as empresas, driblando os dilemas da
ação coletiva e estabelecendo normas para a resolução de conflitos. Passaram,
assim, a exercer um papel fundamental no encorajamento da troca de informações,
no engajamento das firmas em programas conjuntos de treinamento e pesquisa e
desenvolvimento (P&D), na transferência de tecnologia e no aumento da
disposição para colaborar com o governo. Por sua vez, instituições como co-
determinação, que assegurava a participação dos trabalhadores nas decisões das
empresas, e negociação salarial coletiva proporcionaram aos trabalhadores forte
influência. Um sistema articulado de treinamento, com participação de
trabalhadores e associações empresariais, garantiu a qualificação necessária
para um modelo que se especializou em produtos de alta qualidade. Enfim, a
relação próxima entre bancos e empresas foi favorável ao reduzir o risco e ao
fornecer um capital mais paciente e de longo prazo.
Enquanto isso, os Estados Unidos preservaram, até os anos 1980, um modelo muito
ancorado em práticas fordistas, que passou a apresentar, a partir dos anos
1960, sinais de declínio. A intervenção do Estado era muito pequena em setores
não ligados ao complexo militar, e as empresas eram muito dependentes do
mercado de ações. As ligações entre bancos e empresas eram fracas e havia
poucas redes de interação entre as empresas, características influenciadas pela
regulação antitruste e outras regulamentações adotadas no início do século XX2
(Hollingsworth, 1997; Coates, 2000).
Em síntese, o passado histórico e os eventos do pós-guerra levaram à
configuração de instituições muito distintas, incluindo a forma e o grau de
intervenção do Estado, os canais de influência dos trabalhadores e as formas de
organização do capital. Em face de contextos e instituições diferentes, a
reação racional dos agentes inclina-se também a ser diferente. O paradigma dos
modelos de capitalismo capta muito bem essas diferenças, mostrando como a
combinação de instituições tende a produzir um conjunto de relações sistêmicas
que conduz os agentes a certas posições e o modelo a certos resultados.
No capitalismo coordenado, a coordenação se dá, além do mercado e das
hierarquias, por via de networks, que marcam tanto a relação entre as firmas
como a relação bancos-empresas. No caso alemão, destacam-se as associações
empresariais e seu papel regulador e potencializador da colaboração entre
firmas em um mesmo setor e em setores afins. Destacam-se também os mecanismos
de colaboração entre trabalhadores e empresários, que favorecem um maior
comprometimento de ambas as partes com as necessidades da indústria. O Estado
dá importante suporte a atividades como P&D e transferência de tecnologia,
protege pequenas e médias empresas e favorece um contexto de estabilidade e
previsibilidade bastante positivo para a atividade econômica.
No caso japonês, a coordenação foi favorecida, nos anos áureos do pós-guerra,
pelas práticas de administrative guidance (Johnson, 1982), em que a ação de uma
agência burocrática poderosa e capacitada, o Ministério da Indústria e Comércio
Exterior ' MITI, objetivou, em colaboração com o setor privado, promover o
desenvolvimento industrial e tecnológico. As formas de coordenação via
networksse deram principalmente no âmbito dos grupos empresariais, em que as
práticas de ações cruzadas constituíram importante mecanismo de coordenação, ao
mesmo tempo em que favoreceram a colaboração entre as empresas3. A relação com
os trabalhadores, realizada dentro da própria firma, por meio de práticas como
emprego permanente, senioridadee menor distância entre gerentes e
trabalhadores, favoreceu o maior comprometimento com a firma, a maior
qualificação e a maior autonomia no chão da fábrica. Enfim, as práticas de
subcontratação, estabelecendo relações muito próximas e de longo prazo entre
empresas e fornecedores, que incluíam assistência técnica e estímulo à
inovação, constituem outra forma de networka favorecer os resultados do modelo
japonês.
Vale enfatizar que algo muito diferente ocorre no caso do capitalismo liberal,
em que as relações entre as firmas se dão, basicamente, via mercado e contratos
formais, até porque a legislação proíbe e dificulta a colaboração próxima entre
empresas, uma vez que tende a ser vista como ameaça à concorrência. Dada a
inexistência de associações empresariais e de outras formas de networks, as
empresas sentem-se inseguras e não estão dispostas a trocar informações. Falta
um mecanismo que favoreça a ação conjunta e o monitoramento. Nesse contexto,
não resta outra opção senão o monitoramento dos acionistas a partir do balanço
das empresas. Daí a necessidade de regras claras e transparentes (Hall e
Soskice, 2001). Da mesma forma, a falta de associações tende a inibir o
engajamento em processos conjuntos de pesquisa, troca de informações e
treinamento4. Assim, no capitalismo liberal, o processo de troca de informações
é, freqüentemente, feito por meio da transferência de cientistas e técnicos,
muitas vezes, efetivado com a aquisição de empresas ' uma prática recorrente
para adquirir conhecimento e habilidades. Licenciamento e compra de tecnologia
assumem também grande importância.
Um ponto decisivo do argumento dos "modelos de capitalismo" é a
interdependência que tende a marcar as instituições, destacando as
interrelações entre a organização do sistema financeiro, a organização das
empresas e as relações de trabalho. No capitalismo liberal, as firmas são muito
dependentes do mercado financeiro, de onde retiram grande parte de seus
recursos. Assim, elas tornam-se muito sensíveis a bons resultados no curto
prazo, dado que uma baixa lucratividade pode levar à queda no preço das ações e
ao risco de takeover(aquisição por parte de outras empresas).As empresas
precisam, pois, ajustar-se rapidamente a imprevistos e a novas situações.
Esta necessidade reflete-se em uma forma de organização empresarial na qual os
gerentes são autônomos e não encontram obstáculos para adotar as medidas
necessárias para aumentar a lucratividade. Deste modo, as empresas encontram na
flexibilidade conferida por sua organização interna uma vantagem que
potencializa sua flexibilidade e agilidade. Da mesma forma, tais imperativos
refletem-se no funcionamento do mercado de trabalho, que também precisa ser
flexível, não havendo muitos mecanismos de proteção ao emprego. Uma vez que as
empresas precisam responder prontamente a variações no ciclo de negócios,
precisam ter facilidade para contratar e demitir. Assim, a legislação favorece
a flexibilidade requerida5.
Essas características refletem-se também na escolha dos agentes no que tange à
formação e aquisição de habilidades. Dada a fluidez do sistema e a falta de
garantias, é pouco racional para os indivíduos especializarem-se em ativos
específicos a uma firma ou, mesmo, a um setor. É muito mais racional o
investimento em habilidades gerais, e daí a atratividade que um grau acadêmico
tem nesses países6. Da mesma forma, tende a ser irracional para uma firma arcar
com altos custos em investimentos em ativos específicos, dado que há pouca
garantia de que outras firmas não roubarão o trabalhador (Hall e Soskice,
2001).
Algo muito diferente ocorre nos países de capitalismo coordenado. As empresas
são mais dependentes dos bancos que do mercado de ações, e tanto na Alemanha
como no Japão desenvolveram relações mais próximas e de longo prazo com os
bancos. Assim, elas não sofrem a pressão por resultados imediatos no curto
prazo ' é muito menor o risco de takeover ' e podem se engajar em estratégias
mais pacientes, voltadas para aumentar a parcela de mercado e consolidar uma
posição no longo prazo.
A ausência desse tipo de pressão permite às firmas desenvolver relações de
trabalho de longo prazo, em que existem garantias no emprego e estímulo para
que os trabalhadores invistam em habilidades específicas à própria firma7. No
caso alemão, tanto os trabalhadores quanto os bancos têm canais
institucionalizados de participação nas decisões das empresas. No caso japonês,
apesar da maior autonomia relativa da gerência, os trabalhadores participam
também de várias decisões. Assim, ao contrário do capitalismo liberal, os
gerentes têm de ouvir outros stakeholders e têm menos flexibilidade e autonomia
para adotar medidas direcionadas a aumentar a lucratividade das firmas.
Em um contexto no qual os trabalhadores têm voz e as demissões são menos
freqüentes, os indivíduos estão propensos a investir em habilidades específicas
às firmas. Portanto, isso dá uma justificação econômica para a alta
regulamentação e para instituições como negociação salarial, co-determinação e
emprego vitalício. Elas criam uma salvaguarda capaz de estimular o investimento
em ativos específicos, reduzindo os custos de transação e tornando-se muito
importantes para a capacidade competitiva em vários setores (Thelen, 2001;
Estevez-Abe, Iversen e Soskice, 2001)8.
É interessante enfatizar a complementaridade entre as instituições. Enquanto na
Alemanha e no Japão a relação com os bancos e a existência de um mercado
financeiro mais paciente permitem às firmas evitar demissões e desenvolver uma
ligação de longo prazo com os trabalhadores, nos Estados Unidos e na Inglaterra
a pressão por altos lucros e o risco de takeover dão poucas opções às firmas,
que precisam se ajustar rapidamente. Da mesma forma, um mercado de trabalho
fluido e um mercado financeiro ágil complementam-se no capitalismo liberal,
permitindo às firmas responder rapidamente a novas oportunidades e engajar-se
em novos empreendimentos.
VANTAGENS COMPARATIVAS
As características institucionais destacadas têm implicações interessantes para
entender as diferenças na constituição de vantagens comparativas. Como
enfatizam Hall e Soskice (2001:37), embora expliquem a existência de clusters,
as teorias da aglomeração são incapazes de explicar por que no Vale do Silício
há uma especialização em atividades de alto risco e altas taxas de turnover
(rotação de mão-de-obra), enquanto em Baden-Wurttemberg, na Alemanha, os
clusters são especializados em setores de baixo risco, cujas inovações são
incrementais e o tempo médio de permanência no emprego é muito mais elevado. Na
mesma direção, Boyer (2003) argumenta que a estrutura de inovações na Alemanha
e nos Estados Unidos é espelho uma da outra: a Alemanha, concentrada em
inovações mais incrementais; e os Estados Unidos, em inovações mais radicais.
Ainda segundo Hall e Soskice (2001), os Estados Unidos e a Inglaterra têm
fortes vantagens em setores nos quais a tecnologia muda rapidamente, e em que
se requer rápido desenho e desenvolvimento do produto, tornando-se, portanto,
necessário inovar com maior rapidez. Dada a excelência de suas universidades e
dos setores ligados à pesquisa básica, os países de capitalismo liberal tendem
também a ser muito fortes em setores intensivos em pesquisa, como
biotecnologia, software e semicondutores. Há, também, vantagens em nichos do
setor de telecomunicações, em setores ligados à defesa e no setor de serviços,
destacando propaganda, lazer e companhias aéreas9. As desvantagens, por sua
vez, encontram-se em setores em que são requeridas habilidades mais específicas
e uma relação de confiança e longo prazo com a mão-de-obra.
As vantagens comparativas alemãs, por sua vez, estão concentradas em setores em
que se destacam as inovações incrementais e faz-se importante a acumulação de
habilidades específicas por uma mão-de-obra qualificada, fruto de longa
experiência e amplo treinamento. Nesse processo, destacam-se os mecanismos que
conferem participação ao trabalhador, favorável a inovações incrementais
realizadas no chão da fábrica. Assim, a Alemanha tem vantagens nos setores de
bens de capital, máquinas-ferramentas, bens duráveis e equipamento de
transportes. As desvantagens, por sua vez, dão-se naqueles setores nos quais
são necessárias inovações radicais e mudanças rápidas, dificultadas, nesse
modelo, pelo grande número de stakeholders que participam das decisões das
firmas10.
Embora o exemplo usado tenha se centrado na comparação entre os Estados Unidos
e a Alemanha, vale também uma breve referência ao Japão. No caso japonês,
destacam-se as inovações realizadas no chão da fábrica, frutos da autonomia e
da alta qualificação da mão-de-obra e de outras vantagens do modelo de produção
enxuta. O grande investimento das firmas em P&D e treinamento, a excelência
do sistema educacional e as sinergias verificadas dentro dos grupos
empresariais também contribuíram para a competitividade da indústria japonesa.
A principal deficiência encontra-se nos limites do sistema de inovação
científica, como atestado pelo baixo número de patentes e citações de artigos
(Boyer, 2003).
WELFARE STATE E INDICADORES SOCIAIS
Outra relação interessante é a que existe entre os tipos de capitalismo e as
políticas sociais. Em geral, países de capitalismo coordenado como a Alemanha e
os países escandinavos tendem a ter sistemas de Welfare State mais generosos11.
Isto se explica, em parte, pela força dos atores diretamente envolvidos, como
os sindicatos, e pelo significado de práticas mais igualitárias para a coesão
social. No entanto, a persistência do Welfare State é também reforçada pelo seu
significado econômico, uma vez que favorece o desenvolvimento de habilidades
requeridas por esse tipo de capitalismo12. Isto explica o apoio dos empresários
a certas políticas13. Da mesma forma, existe também uma racionalidade econômica
para o capitalismo liberal ter uma política social diferente. Uma vez que
precisam responder rápido e manter a lucratividade, as empresas são favoráveis
a um seguro-desemprego mínimo, que obrigue o trabalhador a reinserir-se
rapidamente no mercado de trabalho.
Nesse sentido, o approach "modelos de capitalismo" também ajuda a entender a
posição dos empresários em relação aos trabalhadores. Como há muitas formas de
cooperação no capitalismo coordenado, os empresários estão prontos a defender
medidas que garantam o comprometimento e a colaboração dos trabalhadores. Por
sua vez, no capitalismo liberal, em que faltam instituições e estímulos para a
cooperação, a atitude racional é enfraquecer os trabalhadores, uma vez que
representam obstáculos à capacidade de as firmas responderem rapidamente a
novas oportunidades.
Ante essas diferenças na regulamentação do trabalho e nas políticas sociais, o
capitalismo coordenado tem resultados muito melhores em termos de distribuição
de renda e outras variáveis sociais14. Além dos efeitos distributivos do
Welfare State, outras políticas refletem maiores oportunidades para grupos
menos favorecidos. O sistema de treinamento alemão, por exemplo, oferece ampla
oferta de qualificações para os trabalhadores, traduzindo em melhores
oportunidades de emprego. Já o capitalismo liberal tende a condenar os
trabalhadores sem habilidades acadêmicas a salários muito ruins e a condições
de trabalho muito precárias (Estevez-Abe, Iversen e Soskice, 2001).
Essas distinções traduzem-se em resultados díspares em termos de indicadores
sociais e de distribuição de renda. Em 1974, a renda já era bem mais
concentrada nos Estados Unidos do que na Alemanha e no Japão, e esta
disparidade aumentou nas décadas seguintes. Entre 1974 e 1995, a renda dos três
decis superiores cresceu mais nos Estados Unidos do que na Alemanha e no Japão,
enquanto a renda dos três decis inferiores caiu mais rápido. Isso se explica
pelo fato de um sistema de baixa regulamentação, que favorece as forças de
mercado, tender a beneficiar aqueles com maior qualificação e acesso a novas
tecnologias, enquanto os mais pobres têm poucos mecanismos de defesa (Yamamura,
2003:134).
Além disso, como aponta Yamamura (idem:135), a pobreza nos Estados Unidos é
atualmente maior do que algumas décadas atrás, assim como é maior o tempo que
as pessoas, em média, levam para deixar a situação de pobreza. Estes números se
explicam, em parte, devido ao grande número de assalariados que estão abaixo da
linha de pobreza. Além disso, a taxa de mortalidade infantil dos Estados
Unidos, em 2002, era duas vezes superior à da Alemanha, enquanto as taxas de
homicídio e encarceramento eram dez vezes superiores nos Estados Unidos quando
comparadas com as da Alemanha e Japão.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Outra aplicação do approach "modelos de capitalismo" é sua utilização como uma
teoria das relações internacionais. Este é o ponto defendido por Fioretos
(2001), que mostra como a posição adotada pela Alemanha e pela Grã-Bretanha em
negociações ligadas à União Européia reflete as características internas dos
respectivos sistemas de economia política.
No intuito de entender a oposição britânica ao Tratado de Maastricht, Fioretos
(idem) mostra que a existência de valores conservadores contra o euro e a União
Européia é apenas uma parte do processo. Um fator decisivo relaciona-se ao
projeto de John Major de fazer da Grã-Bretanha o centro empresarial da Europa.
Isto implicava criar um ambiente desregulamentado, com um sistema financeiro
ágil e um mercado de trabalho flexível, necessário para manter a
competitividade das empresas britânicas e atrair capital de outros países. Daí
a oposição ao Tratado de Maastricht, que oferecia aos demais países a
capacidade de votar questões que afetariam decisivamente o funcionamento da
economia britânica.
Em relação à carta social, a posição britânica foi defender regulamentações
mínimas, dado que não podia concordar com políticas que aumentassem a
regulamentação de seu mercado de trabalho. A justificativa para esta posição é
bem sintetizada por Major: "A Europa pode ter sua Carta Social. Queremos
empregos. Jacques Delors nos acusa de criar um paraíso para os investidores
estrangeiros; fico feliz de me declarar culpado" (apud Fioretos, 2001:230,
tradução do autor). Assim, o resultado das negociações foi considerado bem
satisfatório, dado que permitiu, ao mesmo tempo, preservar a baixa
regulamentação e os baixos custos do trabalho e ter acesso ao mercado europeu,
condição fundamental para a atração de investimento externo.
Da mesma forma, o approach "modelos de capitalismo" é útil para entender a
postura britânica em relação à política industrial européia. Os britânicos não
tinham interesse em uma agência tecnológica européia, uma vez que já dispunham
de vantagens em setores de alta tecnologia e não tinham interesse em fomentar a
capacidade tecnológica de potenciais concorrentes.
O approach funciona igualmente bem para entender a posição alemã. Inicialmente,
Helmut Kohl procurou usar a União Européia para restringir a competição
estrangeira, especialmente japonesa, que ameaçava a supremacia alemã em vários
nichos de alta qualidade. Um dos intuitos do governo alemão nas negociações foi
manter uma regulação social que impedisse o dumping social, embora reconhecendo
a inviabilidade de expandir seu modelo social para os demais países. Da mesma
forma, procurou garantir um regime monetário nos moldes alemães, considerado
fundamental para a competitividade da economia15. Além disso, devido à relação
especial existente entre bancos e empresas, a Alemanha era contrária a uma
radical desregulamentação financeira.
A Alemanha defendia uma política industrial horizontal, capaz de estimular a
cooperação entre os países. Era, no entanto, contrária a uma política
discricionária, como a defendida pela França, em que a União Européia teria
poderes e controlaria um fundo para estimular certos setores16. O objetivo
alemão era uma política industrial que ajudasse a suprir as fragilidades do seu
setor de alta tecnologia. Daí a defesa de uma política que estimulasse o
desenvolvimento e a transferência de tecnologia.
Assim, à semelhança da Grã-Bretanha, a Alemanha procurou moldar a União
Européia de acordo com os interesses inerentes ao seu sistema de economia
política. É interessante notar que os governos que sucederam a Major e Kohl,
apesar de serem de partidos diferentes, preservaram as orientações. Tony Blair
procurou vetar as direções que ameaçassem os traços do capitalismo inglês e o
projeto de atrair capital estrangeiro. Por sua vez, Schroeder conservou a
posição anterior, preocupado em evitar desvalorizações da moeda, exigindo uma
regulação que evitasse o dumping social e defendendo uma política tecnológica
que ajudasse a Alemanha nos setores de alta tecnologia. Assim, a conclusão de
Fioretos (idem:242) é que as forças associadas à globalização não levam à
convergência de interesses. Cada país, ao ter um modelo de capitalismo
específico, abraça posições diferentes em negociações supranacionais que afetam
as respectivas economias.
FORÇAS DE MUDANÇA
As diferenças entre os modelos foram muito pronunciadas até o início dos anos
1980. Por essa época, vários scholarsamericanos reconheceram dificuldades e
fontes de fragilidade do capitalismo americano e reiteraram a necessidade de
reconstrução em outras bases, aprendendo com certas vantagens demonstradas pelo
capitalismo coordenado, principalmente o japonês. Em 1989, um amplo estudo do
Massachusetts Institute of Technology ' MIT, coordenado por Robert Solow,
destacou, como causas do declínio da indústria norte-americana: negligência de
investimentos em recursos humanos, falhas na educação e no treinamento, adoção
de estratégias muito voltadas para o curto prazo e limites na capacidade de
cooperação ' em síntese, muitos problemas associados a características do
capitalismo liberal e a uma economia ainda muito emersa em práticas fordistas,
explicando o baixo crescimento da produtividade e a perda de competitividade em
setores importantes, como aço, automóveis, máquinas-ferramentas, eletrônica de
consumo e equipamento de escritório (Coates, 2000).
No entanto, todo um processo de mudança estava em curso, cujos resultados,
alguns anos depois, inverteram drasticamente as posições. Enquanto, a partir do
final da década de 1980, a economia americana se recuperou de forma muito
vigorosa, os modelos de capitalismo coordenado passaram a sofrer, na década de
1990, sérias dificuldades. Em face das profundas transformações internacionais,
que intensificaram o papel do mercado, as instituições do capitalismo
coordenado foram colocadas em xeque; as transformações internacionais, na
direção mais liberalizante, impuseram sérias dificuldades para sistemas de
economia política que valorizavam, por meio de suas networks, formas de
coordenação alternativas ao mercado. Como enfatiza Vogel (2003:309), a
intensificação do fluxo de mercadorias e capital entre os países tem
dificultado o insulamento de um país e de suas instituições.
A internacionalização leva corporações nacionais a atuarem no exterior,
adaptando-se a um ambiente institucional diferente (Vogel, 2003). Por sua vez,
empresas estrangeiras não necessariamente adotam práticas institucionais
vigentes no país em questão. Além disso, muitas firmas passam a atuar em bolsas
de valores internacionais, que demandam maior padronização das formas de
governança corporativa. O resultado de todo esse processo é a diluição de
barreiras entre os tipos de capitalismo. Ao se ajustarem aos padrões
internacionais e aproximarem-se de firmas estrangeiras, cresce o número de
firmas interessadas em criar um contexto institucional que favoreça uma maior
flexibilidade e aumente a velocidade de resposta.
Na mesma direção, as oportunidades abertas pela internacionalização modificaram
o interesse tanto dos bancos como das grandes empresas em conservar relações
próximas e de longo prazo. Os grandes bancos passaram a atuar como global
players, aproveitando as amplas oportunidades abertas pela desregulamentação e
pela internacionalização financeira. Por sua vez, o desenvolvimento e a
disseminação de práticas financeiras, incluindo a subscrição de títulos, papéis
e ações, reduziram a dependência das empresas em relação às operações
bancárias. Além disso, o fortalecimento de investidores institucionais e o
desejo de atrair capital tendem a favorecer mudanças que privilegiem o
interesse do acionista (idem).
Outra fonte de pressão por mudanças vem do advento de um novo paradigma
tecnológico, ligado à tecnologia da informação e a tecnologias afins. Este novo
paradigma, ao apresentar novas tecnologias e novas oportunidades de
investimento, implicando fortes mudanças nos preços relativos, vem favorecendo
o capitalismo liberal, dada sua maior capacidade de responder rapidamente e de
inovar radicalmente. Assim, países como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha
beneficiam-se da facilidade de contratar e demitir e da facilidade de levantar
capital. Por sua vez, a baixa regulamentação favorece a ocorrência de altas
taxas de lucro, forte estímulo à inovação (Yamamura e Streeck, 2003).
Nesse contexto, o capitalismo coordenado alemão, com sua forte regulamentação e
um sistema fraco em inovações radicais, vem perdendo terreno17. As dificuldades
refletem-se em termos de performance econômica, com redução do crescimento
econômico, perda de competitividade em certos setores e aumento do
desemprego18. Em face das dificuldades econômicas, acumulam-se pressões por
mudanças na direção de redução da regulamentação e aumento da flexibilidade.
Pressões similares ocorrem no Japão. A grave crise ocorrida nos anos 1990,
fortemente relacionada à explosão da bolha financeira, abalou a estrutura de
ações cruzadas e a proximidade entre bancos e empresas. Ao mesmo tempo,
fortaleceu as pressões por instituições mais transparentes, menor intervenção
do Estado, agências regulatórias independentes e flexibilização do mercado de
trabalho.
FONTES DE RESISTÊNCIA E MUDANÇA INSTITUCIONAL
Ao analisar as perspectivas de mudanças na organização dos respectivos modelos
de capitalismo, faz-se necessário contrastar às forças de mudança também as
fontes de resistência e conservação. É necessário, ainda, destacar o desafio
crítico por que passam estas sociedades. De um lado, algumas reformas tocam
pilares centrais da organização do capitalismo nesses países; de outro, recusar
as reformas tende a implicar fortes custos em termos de capacidade de
competição e eficiência, que pode, até mesmo, inviabilizar a manutenção do
pacto social.
O processo de mudança institucional é complexo, o que se reflete nas
dificuldades enfrentadas pelas tentativas de teorização (Cruz, 2004). Uma
referência importante são os trabalhos de Douglas North (North, 1981; North e
Weingast, 1989). Uma de suas contribuições consiste em mostrar como a
existência de instituições e de práticas que atendiam aos interesses da elite
dominante dificultaram, durante muitos séculos, a emergência de um sistema
institucional que garantisse direitos de propriedade adequados para o
desenvolvimento econômico. Foi a capacidade de vencer estes obstáculos, por
meio da luta política, que deu à Inglaterra e à Holanda um arcabouço
institucional favorável ao desenvolvimento capitalista e manufatureiro (North e
Weingast, 1989). Por outro lado, foram muitos os exemplos de países que,
incapazes de adotar reformas e de modificar suas instituições, caíram vítimas
de desagregração interna ou de conquista externa (Skocpol, 1979).
O institucionalismo econômico fornece interessantes insights para pensar os
desafios à mudança institucional que aqui se coloca. Segundo tal approach, os
atores procuram desenhar arranjos que, em um contexto de racionalidade limitada
e oportunismo, reduzam os custos de transação (Williamson, 1985). Várias
instituições do capitalismo, como a grande corporação multidivisional e, mesmo,
a produção em fábricas, são exemplos de tais arranjos. Essa analogia vale para
algumas instituições existentes no Japão e na Alemanha. As práticas de
negociação central e a co-determinação, por exemplo, cumprem a função de gerar
estabilidade e paz nas relações de trabalho, facilitando o comprometimento dos
trabalhadores, o investimento em habilidades específicas e a geração de
inovações no chão da fábrica. No caso japonês, funções similares são
desempenhadas pelo emprego vitalício, pela senioridade e pelos canais de
participação dos trabalhadores nas empresas. Por sua vez, o estabelecimento de
relações próximas e de longo prazo com os fornecedores aumenta a confiança e
reduz os custos de transação, permitindo conservar empresas menores, mais
flexíveis e menos hierarquizadas que no modelo americano (Coates, 2000).
Assim, as instituições, além de incorporarem e cristalizarem interesses, têm
também um significado econômico, o que reforça a resistência a mudanças. Isso
explica, por exemplo, o apoio de empresários alemães a um sistema mais
centralizado de negociações salariais, uma vez que temem que uma
descentralização radical leve à politização das negociações (Thelen, 2001;
Thelen e Kume, 2003)19. A importância desses arranjos tende a crescer no atual
contexto de globalização, em que a competição está mais acirrada e há muitos
limites a práticas de proteção por parte dos governos.
Na tentativa de entender as mudanças, North (1981) acredita que elas tendem a
ser impulsionadas por variações nos preços relativos, que alteram a influência
relativa dos atores políticos e seus interesses em manter certos arranjos. No
caso em questão, as mudanças internacionais descritas, incluindo a
desregulamentação financeira, a intensificação da internacionalização produtiva
e as mudanças tecnológicas, teriam contribuído para fortalecer certos
interesses e para enfraquecer outros, com destaque para os trabalhadores e para
os interesses mais conectados ao arranjo social-democrata (Alemanha) e à maior
intervenção do Estado (Japão).
Entretanto, as possibilidades de mudanças precisam ser analisadas à luz dos
inúmeros pontos de veto presentes em cada país. Existem forças contrárias às
mudanças, e sua capacidade de resistência depende dos canais de acesso ao
processo de policy making. Na Alemanha, o processo é mais institucionalizado,
dando tanto a empresários como a trabalhadores consideráveis canais de acesso.
É interessante observar que tanto nas associações empresariais como nos
partidos políticos encontram-se interesses a favor e contrários às mudanças.
Além disso, o sistema político alemão, marcado por vários partidos e por
governos de coalizão, e o sistema federalista favorecem o surgimento de vários
pontos de veto, dificultando a adoção de reformas radicais. Portanto, além dos
interesses dos trabalhadores e dos grupos mais ligados à causa social-
democrata, interesses regionais e direitos expressos constitucionalmente tendem
a tornar as mudanças mais difíceis (Streeck, 1997). Tudo isso tende a favorecer
uma solução de compromisso, o que é muito bem exemplificado pelos dilemas e
perspectivas da Grande Coalizão que se encontra hoje no poder (Guimarães,
2006b).
No Japão, os empresários têm representação em muitos conselhos, destacando
também os contatos informais e as personal networks, que aumentam
consideravelmente a influência de certos atores. O governo é mais insulado, e
não são tantos os obstáculos legais à aprovação de reformas. Mas no caminho do
Legislativo, muitas tendem a ser as concessões, bem como os compromissos. Outra
resistência vem de setores influentes, como o da agricultura e o de pequenos
negócios, que têm relações especiais com o partido político e com a
burocracia20. A resistência da burocracia é também considerável, dado que
desempenhou papel ativo até pouco tempo e não está disposta a renunciar à sua
autonomia e à sua influência em certas áreas.
RESPOSTAS: ENFRENTANDO O DESAFIO
Tanto o Japão como a Alemanha têm procurado introduzir mudanças no intuito de
reduzir os custos e aumentar a flexibilidade. No entanto, não se pode falar em
convergência, uma vez que as iniciativas de reformas vêm sendo combinadas com a
preservação de importantes instituições do modelo de capitalismo coordenado.
Isto se verifica para as transformações nas formas de financiamento, na
governança corporativa e, principalmente, nos canais de participação dos
trabalhadores.
Houve, em ambos os países, enfraquecimento da relação bancos-empresas e maior
direção das finanças para o mercado. Na Alemanha, os bancos reduziram suas
operações como bancos comerciais, passando a operar como bancos de
investimento. Reduziram, assim, seu envolvimento nas operações das empresas e
sua participação nos conselhos de direção das mesmas. As grandes firmas vêm
diminuindo sua dependência em relação aos empréstimos bancários e aumentando a
utilização de fontes internas de financiamento, como lucros retidos e reservas
da previdência. No entanto, as pequenas empresas continuam muito dependentes
dos empréstimos bancários, com destaque para os bancos públicos regionais
(Vitols, 2003). No Japão, a crise financeira, ao desacreditar a relação bancos-
empresas, constituiu-se em forte catalisador das mudanças. Desde então, vem
ocorrendo enfraquecimento dos laços internos aos grupos empresariais e das
práticas de ações cruzadas. Ao mesmo tempo, a desregulação financeira deu às
empresas mais instrumentos para se autofinanciarem, contribuindo também para
reduzir os laços com os bancos. No entanto, as dificuldades financeiras de
muitos bancos e empresas, tornando-os dependentes do Estado, vêm freando o
ritmo da liberalização.
Em ambos os países, reformas foram aprovadas visando aumentar a transparência
das empresas e adotar agências regulatórias independentes. Na Alemanha, os
auditores tornaram-se mais independentes, e uma nova lei aumentou a influência
dos acionistas, reduzindo a participação dos bancos nos votos e assentos nos
conselhos diretores das empresas (Jackson, 2003:270). No Japão, as agências
regulatórias ficaram mais independentes em relação ao Ministério da Fazenda, e
várias medidas aumentaram a independência do Banco do Japão, favorecendo maior
transparência no processo de policy-making. A crise financeira favoreceu também
reformas que aumentaram a transparência das empresas, dificultando a
preservação de práticas destinadas a esconder os prejuízos das subsidiárias. No
entanto, os burocratas ainda continuam influentes, e os empresários, embora
favoráveis à maior transparência e à independência no monitoramento, defendem o
não abandono da estrutura de ações cruzadas, uma vez que protegem as firmas
contra takeovers.
Ambos os países têm adotado medidas que favorecem o interesse dos acionistas,
embora o processo venha sendo mais rápido na Alemanha que no Japão. Uma nova
cultura de administração vem beneficiando os gerentes, que têm aumentado seus
salários e outras formas de remuneração. No entanto, a introdução de stock
options vem sendo cautelosa, e os gerentes ainda recebem muito menos na
Alemanha e no Japão do que nos Estados Unidos21. Apesar das medidas
regulatórias favoráveis ao acionista, não se pode falar em convergência em
direção a um modelo liberal. Tanto no Japão como na Alemanha, a participação do
capital estável e comprometido com a empresa ' constituído por outras empresas,
bancos, companhias de seguro e pelo Estado ' continua muito elevada, tendo
atingindo, em 2001, 59,8% na Alemanha e 52,8% no Japão22. Assim, em ambos os
países a concentração da propriedade continua alta, algo muito diferente do
capitalismo liberal, em que há grande pulverização da posse e clara dominância
de investidores orientados financeiramente. Além disso, as empresas ainda são
pouco dependentes do mercado de ações para financiamento23 e as fusões e
aquisições ainda têm importância limitada24.
Existem, também, em ambos os países, regulamentações e práticas que inibem os
takeovers. No Japão, as práticas de ações cruzadas, as dificuldades de integrar
sistemas de emprego típico das companhias e o papel do Estado são importantes
obstáculos a fusões e aquisições. Na Alemanha, o papel das associações no
monitoramento, o papel dos bancos no conselho de direção das empresas, a
estrutura deste conselho ' que divide funções de supervisão e gerenciamento ' e
o sistema de co-determinação, além do papel do Estado, tendem a dificultar os
takeovers (idem:292).
Em 2003, um importante pacote de reformas, a Agenda 2010, foi proposto na
Alemanha pelo chanceler Schroeder com o objetivo de reduzir os gastos com o
Welfare State e os impostos e flexibilizar o mercado de trabalho. Apesar das
medidas voltadas para facilitar demissões, da redução do prazo de recebimento
do seguro-desemprego e do corte de gastos, deve-se enfatizar que o grau de
regulamentação do emprego25 e a magnitude do Welfare State continuaram
elevados. As práticas de negociação salarial e a co-determinação continuam
firmes, embora mudanças nas empresas tenham colocado dificuldades para a
representação dos trabalhadores26 e os gerentes continuem buscando formas para
driblar a paridade na representação.
Os trabalhadores continuam influentes e têm participado ativamente das
estratégias de mudanças na organização da produção e na governança corporativa.
Para manter o emprego, os trabalhadores têm feito várias concessões, que
incluem: redução do prêmio implícito nos salários, flexibilização das horas
trabalhadas e negociação com as empresas no intuito de manter investimentos no
país. Ao mesmo tempo, concordam com as medidas que aumentam a influência dos
acionistas, mas procuram atuar no sentido de evitar que os gerentes deixem de
lado os interesses de longo prazo das firmas (idem). Em síntese, os canais de
participação dos trabalhadores e os direitos sociais vêm sendo conservados,
apesar de ter ocorrido redução no número de trabalhadores que estão se
beneficiando desses direitos.
No caso japonês, as firmas têm reagido cortando trabalhadores temporários e
transferindo o ônus para aqueles fornecedores que não adotam relações de
trabalho de longo prazo. Outra reação tem sido a criação de subsidiárias e a
transferência de trabalhadores para essas empresas, cujas relações de trabalho
não são tão regulamentadas (Estevez-Abe, Iversen e Soskice, 2001:163). Têm
ocorrido também mudanças no sentido da introdução de pagamento por performance
como forma de atrair jovens talentos. No entanto, os números mostram que a
maior parte das grandes empresas ainda preserva práticas como trabalho
vitalício e senioridade, e que a introdução de trabalho por performance é,
portanto, ainda bastante restrita (Thelen e Kume, 2003)27. As práticas de
consulta aos trabalhadores continuam muito fortes, tendo sido adotadas por 78%
dos sindicatos e por 100% dos sindicatos nas firmas com mais de 5 mil
trabalhadores (Jackson, 2003:286). As relações industriais continuam
cooperativas, e as grandes empresas mantêm o comprometimento com o emprego
permanente. Apesar da forte crise, não houve grandes demissões e o
reajustamento do emprego tem sido lento28.
Em síntese, embora mudanças significativas venham ocorrendo, não tem havido
convergência em direção a um modelo liberal. Jackson (idem) fala da emergência
de um modelo híbrido, que favorece práticas mais orientadas para o mercado mas
que também preserva as formas anteriores de coordenação e participação dos
trabalhadores. Há também uma divisão no sistema financeiro: enquanto as
empresas maiores ficam mais dependentes do autofinanciamento e do mercado de
capitais, as empresas menores continuam muito dependentes dos bancos. Jackson
(idem) enfatiza que não se trata de diferenças de grau, dado que existe uma
lógica muito diferente na organização dos sistemas de capitalismo no Japão e na
Alemanha quando comparados com os Estados Unidos.
Um ponto importante é o impacto das mudanças nas fontes de vantagens
comparativas, construídas, como visto, por meio da colaboração entre um capital
paciente e uma força de trabalho comprometida com a empresa. No novo contexto,
um capital mais voltado para o mercado pode ameaçar essas relações, tornando
mais difícil para as empresas seguir estratégias de baixo risco e acomodar
altos custos de trabalho. No entanto, as práticas de colaboração, baseadas em
competências organizacionais duramente construídas, podem significar vantagens
para a Alemanha e o Japão, principalmente quando o paradigma atual entrar em
outra fase, reduzindo a importância das inovações radicais (idem; Vogel,
2003)29. Isso, contudo, dependerá da capacidade de adaptar as instituições ao
novo environment, preservando e reforçando o grau de complementaridade.
Existem também os riscos e desafios que podem advir desse modelo híbrido,
incluindo as dificuldades para os bancos conciliarem seu papel mais ativo no
mercado com a relação mais próxima que ainda mantêm com as empresas. Da mesma
forma, há o risco de constituição muito rápida de um mercado financeiro
secundário, aumentando a volatilidade e o risco de especulação e tornando as
empresas mais sensíveis à necessidade de obter altos lucros no curto prazo. O
takeover recente da Mannesman indica que, a despeito dos mecanismos de proteção
e da particularidade das instituições alemãs, o risco vem crescendo
significativamente.
CONCLUSÃO
O approach "modelos de capitalismo", ao explorar as relações entre instituições
e desempenho econômico e social, é muito útil para entender importantes
aspectos que marcam a organização da economia em diversos países. O approach
ajuda a entender diferenças nas fontes de vantagens comparativas, nas políticas
sociais, na participação em negociações internacionais e, mesmo, nas
performances das economias em anos recentes. Ajuda a entender, por exemplo, a
inflexão da economia americana nos anos de 1990, uma vez que, em dificuldades
no início dos anos 1980, se beneficiou amplamente de um contexto internacional
mais desregulamentado e do advento de um novo paradigma tecnológico.
O argumento dos "modelos de capitalismo" é muito importante para entender os
desafios e impasses da economia alemã nos governos Schroeder e Ângela Merkel. A
economia alemã vem, desde o final dos anos 1980, enfrentando sérias
dificuldades econômicas. Tais dificuldades refletem fatores externos ao modelo,
como a unificação alemã e a recente valorização do euro, fatores que têm
afetado negativamente o déficit público, o desemprego e as exportações. Mas os
problemas devem-se também a dificuldades internas ao modelo, ligadas à baixa
capacidade de inovação radical, às dificuldades de conservar a liderança em
nichos de alta qualidade e aos obstáculos em adaptar-se ao novo contexto
internacional e ao novo paradigma tecnológico30. Além disso, os limites da
capacidade de inovação em setores que valorizam a pesquisa básica, que têm
ganhado importância no novo paradigma, constituem outra dificuldade crítica.
Em face deste quadro, mudanças são essenciais. Estas chocam-se, no entanto, com
direitos adquiridos e com traços centrais do modelo social-democrata, o qual
permitiu, durante várias décadas, conciliar boa performance econômica com
resultados sociais mais justos. A dificuldade enfrentada pela coalizão hoje no
poder reflete em grande parte esse impasse. A presença de muitos interesses nos
dois principais partidos e a existência de vários pontos de veto são
dificuldades adicionais. O que deve acontecer é a aprovação de algumas reformas
consensuais, incluindo a redução dos gastos com o Welfare State, a redução de
impostos e encargos incidentes sobre as empresas, a desregulamentação de certas
áreas e a reforma do sistema federalista (Guimarães, 2006b).
As relações de trabalho, no entanto, continuarão muito regulamentadas. Os
alemães resistirão muito a adotar alguns preceitos do modelo liberal, uma vez
que reconhecem os problemas deste modelo (incluindo a alta pobreza e
desigualdade) e sabem que não resolverá muitos de seus problemas internos. A
recuperação da economia alemã, impulsionada pela recuperação do consumo, pela
redução dos custos e por uma desvalorização do euro, pode aliviar os problemas
econômicos imediatos e dar maior fôlego para a introdução de reformas
incrementais ao modelo. Em todos os cenários, uma melhoria no sistema de
inovação torna-se imprescindível.
No caso japonês, a forte crise econômica e financeira mostrou que o tipo de
relação entre os bancos e as empresas não era compatível com o novo contexto de
desregulamentação financeira. Durante o período do Developmental State, o
controle sobre as operações do sistema financeiro e sobre a conta de capitais
manteve baixos os riscos de que uma relação muito próxima entre bancos e
empresas levasse a uma grande crise financeira. Mas com a desregulamentação
financeira, as fragilidades do sistema de regulação japonês vieram à tona,
agravadas pela valorização do iene, pelo aumento dos investimentos japoneses no
exterior e por uma política de juros baixos (Gao, 2001).
Como resposta à crise, houve melhoria na regulação e maior transparência. Os
conglomerados foram reformados e houve redução significativa das práticas de
ações cruzadas. O papel do Estado é hoje muito menor, e o fracasso em
intervenções recentes muito contribuiu para depreciar o status da burocracia,
hoje muito diferente daquele vigente nos áureos anos do pós-Segunda Guerra. A
vitória recente do primeiro ministro Koizumi, obtendo apoio para a privatização
dos correios, tem sido destacada como um marco importante para a adoção das
reformas necessárias. Entretanto, é importante destacar a conservação de muitas
práticas anteriores, que deixam bem marcadas as diferenças em relação a um
modelo liberal. Estas são mais pronunciadas no que diz respeito à maior
intervenção do Estado, aos controles contra takeovers, à organização das
empresas e às relações de trabalho. Emprego permanente, senioridade, canais de
participação dos trabalhadores no interior das firmas, fatores inerentes às
práticas de produção enxuta (agora copiados pelos principais concorrentes),
práticas de subcontratação e relações de longo prazo com os fornecedores
continuam a ser aspectos distintivos do modelo japonês, os quais tendem a
continuar impactando positivamente a performance da economia. Mas, à semelhança
da Alemanha, torna-se fundamental melhorar o sistema de inovação,
principalmente no que tange à pesquisa básica.
NOTAS
1. Herrigel (1996) ilustra muito bem esse ponto, mostrando a consolidação de
realidades muito diferentes na Alemanha no século XIX. Em uma parte da
Alemanha, as empresas evoluíram em direção ao desenvolvimento de grandes
corporações verticalmente integradas, à semelhança do ocorrido nos Estados
Unidos. Em uma outra região, por sua vez, consolidou-se uma relação de intensa
colaboração entre firmas menores, com o desenvolvimento de fortes redes de
cooperação entre as empresas e entre estas e o poder local.
2. As políticas após 1914 dificultaram o desenvolvimento de bancos de
investimento, e a Lei Antitruste impediu a estrutura de ações cruzadas entre as
empresas. O resultado foi aumentar a dependência das firmas em relação ao
mercado financeiro, além de dificultar a colaboração entre as empresas e
favorecer sua verticalização.
3. A organização empresarial japonesa em forma de conglomerado favoreceu a
troca de informações entre as firmas e o engajamento em processos conjuntos de
pesquisa, desenvolvimento do produto e transferência de tecnologia.
4. A exceção são as networks organizadas pelo Estado, que, nos Estados Unidos,
se constituíram em setores com vínculo com o complexo militar. Estas networks
foram e continuam muito importantes para a consolidação de vantagens
comparativas em vários setores (Coates, 2000).
5. Tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, o tempo necessário para
registrar uma empresa é muito reduzido. Este levava, segundo Schmidt (2002:
129), duas semanas nos Estados Unidos e quatro semanas na Inglaterra, contra
oito semanas na Alemanha.
6. Vale também destacar que a educação universitária nos países anglo-saxões,
mesmo em áreas como engenharia e negócios, tende a ser muito geral, não estando
ligada a um setor econômico específico (Estevez-Abe, Iversen e Soskice, 2001:
172).
7. Isto reflete-se no maior tempo médio de permanência no emprego. Streeck
(1997:38) mostra que o tempo médio de permanência no emprego era, em 1990, 10,4
anos na Alemanha; 10,9 anos no Japão; 6,7 anos nos Estados Unidos; e 7,9 anos
no Reino Unido. Também a mediana de permanência no emprego foi bem maior nos
países de capitalismo coordenado: 7,5 e 8,2 anos para Alemanha e Japão contra
4,4 e 3 anos para Reino Unido e Estados Unidos.
8. Em países como Itália e Japão, a estabilidade do emprego é garantida por
práticas internas às firmas. Já na Holanda e Dinamarca, as firmas são pequenas
e não podem arcar com tantas regulamentações; cabe, pois, ao Estado, via uma
política de seguro-desemprego generosa, a tarefa de proteger trabalhadores e
estimular o investimento em habilidades específicas. A Alemanha combina os dois
tipos de estímulo, embora, recentemente, as pressões venham crescendo para
redução tanto dos benefícios sociais como da regulamentação do mercado de
trabalho.
9. No caso americano, como enfatizado, um papel muito importante é também
desempenhado pelas networks organizadas pelo Estado em setores ligados à
defesa.
10. Usando dados de Porter (1990), Soskice (1999:113) mostra que a Alemanha
tinha vantagem comparativa em 46 nichos da indústria de máquinas, contra 18 do
Reino Unido e 17 dos Estados Unidos. Os resultados invertem-se para o setor de
serviços, em que os Estados Unidos tinham capacidade competitiva em 44 nichos;
o Reino Unido, em 27; e a Alemanha, em apenas 7.
11. Isto, no entanto, não se aplica ao Japão, cujos gastos em Welfare State se
situaram em níveis muito reduzidos, sendo que muitas funções de welfare eram
desempenhadas diretamente pelas grandes empresas.
12. Um seguro-desemprego generoso, dando tempo para o trabalhador encontrar um
emprego condizente com suas habilidades, tende a favorecer investimento em
habilidades específicas (Estevez-Abe, Iversen e Soskice, 2001).
13. Este é o ponto defendido por Estevez-Abe, Iversen and Soskice (2001:182),
que argumentam que o modelo de capitalismo, ao requerer certas habilidades e
certo comportamento, aumenta o apoio social a certas políticas, ajudando a
explicar a conservação de vários traços do Welfare State. Eles acrescentam, no
entanto, que essa hipótese precisa ser melhor testada por meio de estudos
centrados no comportamento eleitoral.
14. A exceção é em relação ao gênero, uma vez que o capitalismo liberal
discrimina menos as mulheres e lhes confere oportunidades mais similares aos
homens.
15. O modelo alemão de capitalismo coordenado foi caracterizado, desde o pós-
guerra, por um banco central independente que garantia estabilidade e
previsibilidade (Streeck, 1997).
16. Vale enfatizar que uma intervenção discricionária contraria os próprios
moldes de funcionamento do modelo alemão, cujo Estado é pouco intervencionista
e muitas funções são desempenhadas diretamente pelas associações empresariais e
sindicatos. Isto não elimina, no entanto, o relevante papel desempenhado pelo
Estado por meio de investimentos em educação, apoio ao sistema de treinamento e
gastos em P&D.
17. A rigor, as dificuldades alemãs já aparecem nos anos 1970, quando sua
indústria passou a sofrer forte concorrência dos produtores japoneses. Esses
eventos deixaram claras as deficiências no sistema de inovação, comprometendo a
capacidade de o modelo manter empregos em uma economia de altos salários
(Streeck, 1997; Jurgens, 2003). A partir dos anos 1980, o atraso do setor
eletrônico trouxe dificuldades adicionais, uma vez que a integração mecânico-
eletrônica passou a ganhar grande importância em setores como máquinas-
ferramentas e bens de capital (Boyer, 2003).
18. Nos últimos anos, a Alemanha teve taxas de crescimento menores que a média
da Europa e bem menores que a Inglaterra. O desemprego, que se situava em 200
mil nos anos 1970, atingiu 5 milhões de pessoas em 2005. Às dificuldades
internas do modelo, somaram-se também as fortes conseqüências da unificação
alemã (Streeck, 1997).
19. Isto explica, como mostram Thelen e Kume (2003:197), a relutância de certos
empresários em apoiar a ofensiva de uma central empresarial para redução dos
benefícios trabalhistas na indústria automobilística. Também no Japão há bons
exemplos de apoio dos empresários às instituições vigentes. Segundo Thelen e
Kume (idem:195), "a Toyota, por exemplo, tem defendido tenazmente a preservação
de práticas tradicionais como a única forma de reter trabalhadores qualificados
e comprometidos com a empresa" (tradução do autor).
20. Como argumenta Gao (2001), o governo japonês preservou e protegeu vários
nichos desses setores, estimulando a formação de cartéis em setores
ineficientes e incapazes de enfrentar a competição externa. Isto se justifica
pela ausência de um Estado do Bem-Estar, fazendo com que o governo procurasse
formas alternativas de proteger grupos vulneráveis. Trata-se de uma
característica do arranjo instituído no pós-guerra que continua presente e
constitui fonte de resistência a reformas mais profundas.
21. Segundo Jackson (2003), em 1999, um CEO (Chief Executive Officer) ganhava
no Japão 11 vezes mais que um trabalhador médio. Na Alemanha, a diferença era
de 13 vezes e nos Estados Unidos era de 34 vezes. Em face da grande
disparidade, vem ocorrendo na Alemanha pressões para aumentar a remuneração dos
gerentes e reduzir a diferença em relação aos Estados Unidos.
22. Entre 1990 e 2001, essa participação caiu de 64,8% para 52,8% no Japão e de
60% para 59,8% na Alemanha (Jackson, 2003:275).
23. Na Alemanha, a participação dos investidores institucionais vem aumentando,
enquanto mais famílias têm investido em ações, comportamento que tende a
crescer com a reforma do sistema de aposentadoria. Entretanto, a participação
das ações nos ativos das famílias é ainda bem reduzida.
24. Em 1999, por exemplo, as operações de fusões e aquisições representaram 25%
do Produto Interno Bruto da Grã-Bretanha, contra apenas 12,3% no caso alemão
(Schmidt, 2002:120).
25. Regras foram adotadas para redução da regulamentação do emprego para
trabalhadores novos em firmas com até 10 empregados e para os trabalhadores com
mais de 50 anos. Para os outros trabalhadores, a regulamentação contra
demissões continuou elevada (Guimarães, 2006a).
26. As empresas têm ficado mais complexas e descentralizadas, tornando os
interesses dos trabalhadores mais heterogêneos. Algumas decisões são tomadas em
outras instâncias, e os gerentes da fábrica deixam de ser bons interlocutores;
da mesma forma, os trabalhadores não sabem o papel da fábrica nas decisões
gerais das empresas. As dificuldades são agravadas no caso de fusões com
empresas de países que não seguem as práticas de co-determinação.
27. Segundo Thelen e Kume (2003:194), apenas 18,7% das companhias em um survey
com 380 grandes empresas, realizado em 1997, introduziram um sistema salarial
baseado em performance como alternativa ao sistema tradicional baseado na
senioridade. Entre essas empresas, a grande maioria (87%) aplicou o novo
sistema apenas para os gerentes e não para os trabalhadores na produção.
28. No entanto, tem havido modificação das relações de trabalho nas margens do
sistema, em postos não-sujeitos às práticas de emprego vitalício e senioridade.
Isto, somado a pressões para introdução de práticas de pagamento por
performance, vem causando o receio de aprofundamento na distinção entre
trabalhadores centrais e periféricos, com possíveis impactos negativos em
termos de motivação da força de trabalho (Thelen e Kume, 2003:206).
29. Este é um argumento importante de Vogel (2003), segundo o qual os
paradigmas tecnológicos anteriores também apresentaram uma primeira fase de
rápidas mudanças, que favoreceu os países com maior capacidade de inovar
radicalmente. A esta primeira fase, no entanto, tende a se seguir outras fases
mais estáveis, em que a capacidade de inovação incremental ganha importância.
30. O novo contexto, vale reforçar, tem valorizado a maior capacidade de
resposta, o que tende a chocar-se com a forte regulamentação existente no
modelo alemão.