O impacto dos mecanismos de urgência no sucesso presidencial: uma análise do
caso argentino à luz da experiência brasileira
INTRODUÇÃO
A publicação do trabalho de Shugart e Carey (1992) levantou uma importante
agenda de pesquisa, ainda não resolvida, no interior da literatura
institucionalista, particularmente nos trabalhos que focalizaram o desempenho
das democracias presidencialistas. Se é verdade que o presidencialismo tem
desempenho distinto em virtude da combinação com as demais variáveis do
arcabouço institucional de um sistema político, o que explicaria o desempenho
governativo do Executivo?
Grosso modo, há na literatura dois tipos de explicação para o desempenho do
presidencialismo. A primeira corrente centra o foco de análise no momento
eleitoral. Em outras palavras, é o processo de competição política e,
particularmente, as variáveis que condicionam esse momento da dinâmica política
que explicariam a dinâmica das relações Executivo-Legislativo. Nesses termos, o
número de partidos (Shugart e Carey, 1992; Mainwaring e Shugart, 1997; Cox e
McCubbins, 2001; Morgenstern, 2004); o calendário eleitoral (Shugart e Carey,
1992; Cox e McCubbins, 2001); e o tipo de lista eleitoral (Carey e Shugart,
1995; Cox e McCubbins, 2001) seriam as variáveis centrais para a definição da
capacidade governativa do Executivo.
Em contrapartida, uma série de estudos voltou a atenção para o interior da
organização do processo decisório. Essa corrente analítica destacou a
importância da distribuição dos poderes de agenda no processo de formulação e
discussão da produção legislativa. Aqui, o desempenho do governo está associado
ao grau de centralização do processo decisório medido, basicamente, pela
capacidade de iniciar o processo de alteração do status quo, bem como os
controles sobre os mecanismos que permitiriam a alteração do timing do processo
legislativo (Figueiredo e Limongi, 1999; 2000; Cheibub e Limongi, 2002;
Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2002; Santos, 2003) e o padrão da formação dos
gabinetes ministeriais (Amorim Neto, 2006).
Minha leitura é a de que o debate acerca da performance do presidencialismo na
América Latina não deu a devida importância à análise das regras que determinam
os trabalhos legislativos em perspectiva comparada. Esses trabalhos seguem uma
tradição iniciada pelos modelos da conexão eleitoral (Mayhew, 1974; Cain,
Ferejohn e Fiorina, 1987) na qual a estrutura interna do Legislativo é tomada
como variável dependente1, ou seja, é o modo como se dá a conexão eleitoral que
define como serão estruturados os trabalhos legislativos. Em outros termos, as
análises institucionalistas têm concentrado seus esforços principalmente nas
chamadas macroinstituições do sistema político.
Este artigo pretende discutir a influência dos mecanismos de controle de
agenda, particularmente o de urgência no sucesso presidencial do sistema
político argentino. Pretendo mostrar que a análise das microinstituições que
regulam os trabalhos legislativos oferece um diagnóstico distinto daqueles
decorrentes das análises que centram seu foco na conexão eleitoral sobre a
capacidade governativa das democracias presidencialistas. Meu argumento é que
as baixas taxas de sucesso do governo argentino decorrem da falta de controle
dos mecanismos de tramitação especial para seus projetos de lei. Dessa forma, o
governo é incapaz de minimizar a atuação das comissões, o que torna mais
custosa a aprovação dos seus projetos.
A estratégia aqui utilizada é entender a organização do processo Legislativo
como variável independente. Esta perspectiva analítica é minoritária nos
estudos sobre o funcionamento do presidencialismo em perspectiva comparada,
sendo as objeções metodológicas contrárias a ela neste trabalho de natureza
teórica e empírica. A crítica de natureza teórica decorre, fundamentalmente, da
clássica objeção levantada por Riker sobre o suposto caráter endógeno das
instituições, ou seja, regras do jogo não poderiam ter status explicativo, pois
seriam epifenômenos das relações de poder entre os atores. Dessa forma, elas
não teriam estabilidade no tempo e sofreriam do mesmo problema de instabilidade
característicos das preferências dos atores. No interior da literatura norte-
americana sobre os estudos legislativos, alguns trabalhos adotam essa
perspectiva analítica. Segundo Aldrich e Rohde (2000), as regras que comandam
os trabalhos legislativos são endógenas, logo, não poderiam ser tomadas como
dadas, mas deveriam ser explicadas. Esta é a perspectiva analítica que sustenta
o trabalho comparado acerca da natureza do Poder Legislativo nas democracias
presidencialistas contemporâneas, desenvolvido pelo comparativista Scott
Morgenstern (2004). Do ponto de vista empírico, quanto à objeção do autor sobre
a incapacidade de os poderes de agenda explicarem as evidências empíricas sobre
desempenho governamental na América Latina, veremos que, de fato, as
microinstituições podem contribuir para uma leitura mais precisa do desempenho
das democracias presidencialistas.
O questionamento desenvolvido por Morgenstern não me parece suficientemente
convincente para justificar a ausência da organização legislativa como variável
independente nas análises comparativas. No limite, nos termos do argumento do
autor, teríamos uma regressão ao infinito e seria preciso explicar a emergência
de toda e qualquer regra. Diermeier e Krehbiel (2003) argumentam que existem
duas agendas de pesquisa no interior do neo-institucionalismo: teorias
institucionais (instituições são variáveis independentes) e teoria das
instituições (instituições são variáveis dependentes). Seguindo Diermeier e
Krehbiel, não haveria qualquer objeção em tratar as variáveis relativas à
organização interna do Legislativo como variáveis independentes. Trata-se de
uma opção analítica.
Tal opção metodológica nos permite escapar do suposto normativo que informa o
debate sobre as relações Executivo-Legislativo em sistemas presidencialistas.
Esse antagonismo entre os poderes é decorrente do foco exclusivo nas
macroinstituições do processo político. De fato, estas macroinstituições
importam para o desempenho dos sistemas políticos, contudo, as
microinstituições que regulam o processo decisório definem incentivos e
punições que importam para o padrão legislativo de um sistema político. Em
outros termos, não podemos inferir o comportamento dos atores políticos
exclusivamente a partir das macroinstituições (Cox e McCubbins, 1993;
Figueiredo e Limongi, 1999; Cheibub e Limongi, 2002; Santos, 2003).
O objetivo central deste estudo é contribuir para a literatura comparada
buscando preencher uma lacuna no que diz respeito às análises sobre a natureza
do processo legislativo nas diferentes democracias presidencialistas. Como
veremos posteriormente, essas variáveis não receberam, da literatura
institucionalista, tratamento necessário. Meu objeto de análise será o caso
argentino, e a base empírica utilizada será o processo de tramitação dos
projetos convertidos em lei entre 1983 e 1998. A idéia é buscar compreender
através de uma análise agregada algum elemento que permita entender o que
explica a capacidade governativa do sistema político argentino. O foco estará
centrado na capacidade de o Legislativo alterar os projetos de lei, bem como no
controle dos mecanismos de alteração do trâmite legislativo.
A escolha de análise da tramitação dos projetos de lei na Argentina se deve aos
achados da literatura brasileira acerca dos efeitos da organização do processo
legislativo no desempenho governamental. Figueiredo e Limongi (1999) mostraram
que a chance de um projeto de lei ser aprovado está positivamente associada à
existência de alterações no ritmo da tramitação na fase de aprovação. Assim, a
capacidade governativa do Executivo será mais efetiva quando ele estiver no
controle dos mecanismos que regulam o processo legislativo. Nessa mesma linha
de raciocínio, Santos (2003) mostrou que o mecanismo de urgência foi uma das
principais alterações institucionais que permitiram explicar o desempenho do
Executivo nos diferentes períodos democráticos do Brasil.
Este artigo está dividido em quatro seções. Na primeira, faço uma revisão da
literatura comparada buscando mostrar os problemas analíticos advindos do foco
exclusivo nas variáveis externas ao processo decisório (macroinstituições).
Afirmo que o foco exclusivo nesse tipo de variável leva a concluir que há um
conflito estrutural entre os dois poderes.
A segunda seção apresenta alguns indicadores empíricos presentes na literatura
sobre sucesso presidencial no caso argentino à luz da experiência brasileira.
Pretendo demonstrar empiricamente a importância da análise do processo
legislativo. Os números para o caso argentino apontam para um paradoxo, a
saber: as evidências empíricas mostram a coexistência de partidos altamente
disciplinados com taxas de sucesso relativamente baixas, o que demonstraria a
existência de mecanismos distintos na explicação da disciplina partidária e do
sucesso presidencial.
A terceira seção traz os dados empíricos acerca do processo legislativo. A
análise da tramitação dos projetos aprovados mostra que o Poder Legislativo tem
capacidade de modificar os projetos, particularmente no interior das comissões,
o que torna fundamental a existência de mecanismos para alterar o trâmite de um
projeto, buscando contornar pontos de veto. Meus achados mostram que as
alterações de timing não se concentram prioritariamente nos projetos de origem
no Executivo, o que, por sua vez, explicaria as baixas taxas de sucesso
demonstradas na segunda seção. Por fim, a conclusão resume os achados do
estudo.
UM BALANÇO DA LITERATURA COMPARADA
Minha intenção em revisitar o debate institucionalista é demonstrar que as
discussões sobre o funcionalismo dos sistemas presidencialistas estão baseadas
no suposto de que são as variáveis no momento eleitoral que definiriam a
natureza das relações Executivo-Legislativo e, por conseqüência, a capacidade
legislativa dos governos. O foco nas variáveis externas do processo decisório
leva a uma noção de contradição estrutural entre os poderes no
presidencialismo, esse antagonismo necessário é o fator determinante para a
paralisia decisória.
Essa tensão aparece no pioneiro trabalho de Shugart e Carey, expressa na forma
Executivo, "nacional", versus Legislativo "local". O antagonismo está na base
do segredo ineficiente. Trata-se de um conceito que expressaria a forma menos
adequada de conjugar dois dilemas típicos da democracia: a eficiência e a
representatividade, conforme definidos por Shugart e Carey (1992:3-4).
"O dilema central em regimes democráticos está relacionado com a
divergência entre o que as assembléias representativas têm de melhor
e o que o Executivo deve fazer para a democracia funcionar bem.
Assembléias, ou pelo menos as câmaras baixas, pretendem ser
representativas de toda a população. Uma típica assembléia
democrática é eleita com o propósito de 'dar voz' aos interesses das
localidades, das diversidades ideológicas ou divisões partidárias na
polity e na sociedade. Ou seja, elas são, por natureza, paroquiais. O
Executivo, em contrapartida, fica encarregado das políticas que
afetam amplos interesses sociais, articulando objetivos nacionais"
(ênfases e tradução do autor).
O argumento acerca da tensão entre os problemas é pensado com referências à
conexão eleitoral. Assim, há uma associação entre balança horizontal e sistema
eleitoral utilizado. O Executivo seria representante da totalidade da
comunidade política, visto que o processo eleitoral ocorre em distrito
nacional. Em contrapartida, os legisladores seriam representantes de
localidades específicas (estados ou distritos). Assim, o Executivo aparece como
defensor de políticas públicas que expressariam o "interesse nacional", ao
passo que os legisladores teriam interesses em políticas públicas
distributivistas, visando ao atendimento às bases particularistas. O lócus da
efetividade seria o Poder Executivo, ao passo que o Poder Legislativo, a
expressão da representatividade do sistema político nas democracias
presidencialistas.
O conflito entre os poderes seria agravado ainda mais em decorrência do tipo de
lista utilizada no pleito eleitoral. Nos sistemas de lista aberta, a conexão
eleitoral se dá em bases pessoais, seja pelo estabelecimento de políticas
locais, seja pelos atributos pessoais dos representantes. A conexão eleitoral
partidária, via lista fechada, seria uma tentativa de conter esse freio
localista inerente à atividade legislativa. Nota-se, contudo, que os partidos
políticos não aparecem como pontes entre os poderes, mas como um mecanismo
centralizador das barganhas do Legislativo, e que as preferências dos atores
são exógenas ao processo de decisão das políticas, isto é, elas se formariam no
momento anterior ao processo legislativo. Um sistema político, então, deveria
combinar de maneira mais eficaz os princípios de eficiência legislativa e
simetria na representação.
A diferença de performance dos sistemas presidencialistas advém da forma como
tais princípios estão relacionados. Todavia, não fizemos referência aos
instrumentos utilizados pelos analistas para mensurar o grau de
representatividade e eficiência dos poderes. Shugart e Carey resolvem essa
questão recorrendo ao número efetivo de partidos como o indicador mais
favorável para resolver o problema de quantificação. Em suas palavras: "A
utilização desse indicador [número efetivo de partidos] é justificada porque é
a maneira mais simples de expressar, em um único número, tanto a eficiência
eleitoral como o grau de representatividade" (1992:179, tradução do autor).
Ora, o que se depreende desta passagem é que, no limite, a variável explicativa
da performance do Poder Legislativo é o número de partidos2. Assim sendo,
assume-se que instituições legislativas com maior número de partidos serão
necessariamente mais paroquialistas do que sistemas com menor fragmentação. Se
os legisladores buscam necessariamente atividades particularistas e o número de
partidos mensura o número de grupos sociais que barganham recursos, então,
sistemas com maior número de grupos sociais representados teriam o Poder
Legislativo voltado para preocupações locais. Há, contudo, diversos supostos
implícitos para que seja verdade que o número de partidos implique no número de
"grupos sociais que barganham recursos". Não é o caso, aqui, de reconstruir os
passos necessários para que essa relação se estabeleça. Cabe, no entanto,
salientar que os autores "resolvem" de forma pouco fundamentada um ponto
essencial do argumento acerca das relações Executivo e Legislativo, a ausência
de explicações sobre o comportamento e os interesses específicos dos
legisladores vis-à-vis o Executivo. Na verdade, essas lacunas analíticas
decorrem do suposto básico que orienta a análise: o Executivo e os legisladores
necessariamente possuem interesses diversos. Qual é o problema com essa
variável explicativa?
O número de partidos efetivos põe o foco sobre a demanda, isto é, consegue
captar o número de forças políticas que barganham recursos para um determinado
grupo ou localidade; entretanto, nada nos diz sobre a oferta de recursos
disponíveis, ou seja, não consegue definir a distribuição de poder entre os
atores no processo de alocação de recursos que condiciona quem e em quais
situações terão acesso a eles. Não há por que inferir, a priori, que todas as
forças políticas terão seus pedidos atendidos. É necessário, então, buscar
outras variáveis para entender os determinantes institucionais dessa barganha
política. Trata-se da organização da estrutura legislativa tomada como variável
independente (Cox, 1987; Huber, 1996; Figueiredo e Limongi, 1999). Um olhar
estritamente externalista possui um limite explicativo para o entendimento da
natureza do Poder Legislativo.
Esse argumento, presente em Shugart e Carey (1992), foi revisitado e modificado
em alguns estudos posteriores sobre presidencialismo em perspectiva comparada.
Cox e McCubbins (2001) procuram estabelecer uma distinção entre separação de
poderes e separação de propósitos. No primeiro caso, trata-se de um mecanismo
institucional inerente às democracias constitucionais, que não seria
exclusividade dos sistemas presidencialistas. A separação de propósitos seria o
determinante estrutural da tendência à paralisia decisória em regimes
democráticos presidenciais. Ela resultaria de três fatores centrais: o
calendário eleitoral, os incentivos do sistema eleitoral e a congruência de
constituency (base eleitoral). Mais uma vez, a natureza das relações Executivo-
Legislativo seria definida no momento anterior ao processo político.
Argumento de natureza semelhante está na base da tipologia dos legislativos na
América Latina, desenvolvida por Cox e Morgenstern (2002). Os autores buscam
mostrar que o Poder Legislativo não seria "disfuncional" para a efetividade
política, mas assumiria um caráter eminentemente reativo. A variação encontrada
seria decorrente das estratégias da ação presidencial, definidas a partir de
uma leitura sobre o grau de cooperação do Legislativo. A variável fundamental,
nesse diagnóstico, é a porcentagem de apoio do partido presidencial (idem:457).
Em suma, a natureza do argumento não sofreu modificações. As variáveis externas
ao processo decisório são tomadas como determinantes das relações entre
Executivo e Legislativo.
A noção de um antagonismo estrutural entre os poderes tem suas origens nos
federalistas e é a expressão do mecanismo de freios e contrapesos proposto
pelos "pais fundadores". A lógica é que não deveria haver cooperação entre
eles, mas, sim, competição, para que os perigos da tirania da maioria fossem
evitados. Na versão moderna, a tensão institucional derivada dos modos de
representação e, por conseguinte, da "vontade própria" de cada poder assumiu a
forma do conflito Nacional versus Paroquial (Shugart e Carey, 1992). O foco
exclusivamente nas macrorregiões não permitiria avaliações desamarradas desse
princípio orientador do presidencialismo norte-americano.
O PARADOXO ARGENTINO: LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
Do ponto de vista da engenharia institucional, a literatura comparada (Shugart
e Carey, 1992; Mainwaring e Shugart, 1997; Cox e Morgenstern, 2002) ressalta
que, comparativamente ao caso brasileiro, o sistema político argentino
possuiria os mecanismos necessários para garantir a eficiência da produção
legislativa e, por conseguinte, da sua governabilidade. Se examinarmos essa
literatura, veremos que a Argentina fez a lição de casa. Presidentes
relativamente fracos (do ponto de vista constitucional), conexão eleitoral
partidária, partidos institucionalizados e poucos partidos com representação
congressual possibilitariam o bom funcionamento do presidencialismo argentino.
O caso brasileiro aparece na literatura como o pior dos mundos. A combinação de
presidencialismo com representação proporcional de lista aberta, partidos
fracos e a fragmentação parlamentar impossibilitaria ao Executivo formar
maioria congressual estável, forçando-o a utilizar mecanismos unilaterais de
governo (medidas provisórias ' MPs), colocando em risco a estabilidade
democrática. A tensão entre os poderes seria estrutural ao sistema
presidencialista brasileiro. O quadro a seguir mostra a comparação entre as
macrovariáveis institucionais que seriam determinantes na performance das
democracias presidencialistas.
As evidências empíricas utilizadas pela literatura para mensurar a dinâmica da
produção legislativa de um sistema político são: a dominância legislativa ' que
se refere ao controle da atividade legislativa entre os poderes, visualizada a
partir da origem do total das medidas aprovadas; a taxa de sucesso ' encontrada
através da proporção dos projetos aprovados em relação ao total de projetos
enviados pelo governo, o indicador ideal da capacidade governativa do
Executivo; e o grau de disciplina partidária ' a capacidade dos partidos em
coordenar e controlar o comportamento dos legisladores individuais, usualmente
medida pelo índice de Rice4.
Do ponto de vista da literatura institucionalista comparada, o cotejo dos dados
da Argentina com os números para o caso brasileiro deveria apontar para a maior
capacidade governativa do Executivo na Argentina. Não é isso que os dados
mostram. A produção legislativa na Argentina está dividida entre os dois
poderes. Os dados apresentados por Molinelli, Palanza e Sin (1999:438) indicam
que cerca de 50% da legislação aprovada entre 1983 e 1997 é originária do
Executivo. Durante o governo Carlos Menem, o Legislativo aprovou mais medidas
do que o Executivo (56,5% contra 44,5%). Este quadro não se altera se
incluirmos os decretos de necessidade e urgência ' DNUs5. Negretto6 (2004:553)
mostrou que, entre 1983 e 1999, a produção legislativa esteve equilibrada entre
os dois poderes. A inclusão dos DNUs torna o Executivo o ator com mais
preponderância legislativa, ainda que o Legislativo tenha sido um ator
competitivo durante todo o período. O Executivo conseguiu seu nível máximo
durante o primeiro governo Menem (58% contra 44%).
Vejamos as evidências do caso brasileiro. De acordo com o levantamento da
produção legislativa desenvolvido pelo Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento ' Cebrap, o Executivo é o grande legislador do sistema político
brasileiro. A capacidade de iniciar legislação do Legislativo é irrisória, não
havendo espaço para que os interesses institucionais (leia-se defesa de
interesses paroquiais) do Congresso se materializem na produção legal, afinal,
86% das leis aprovadas no período foram de iniciativa do Executivo, e somente
14% das leis aprovadas tiveram origem no Legislativo.
No que diz respeito às taxas de sucesso do Executivo, as evidências empíricas
também sinalizam para um quadro contrário ao esperado pela literatura. No
período entre 1983 e 1997, a taxa média de sucesso do governo no sistema
político argentino foi de 60% (Molinelli, Palanza e Sin, 1999:434). O contraste
com o caso brasileiro, ainda que de menor magnitude do que nos índices de
dominância, é claro. O banco de dados legislativos do Cebrap indica que a taxa
de sucesso do governo entre 1989 e 2000 foi de 72,7%. O menor índice do governo
foi 65,6%, alcançado no período Fernando Collor, número maior que a média do
governo na Argentina. Os números mais relevantes, todavia, dizem respeito ao
paradoxo argentino. Trata-se da coexistência de altas taxas de disciplina
partidária e sucesso relativamente fraco do Executivo7. Esse é o dilema a ser
explicado. As baixas taxas de sucesso do governo não se devem à baixa
disciplina partidária do seu partido no Legislativo. Vejamos os números para o
governo Menem.
As variáveis explicativas encontradas na literatura associam o desempenho do
governo a dois fatores essenciais: o tamanho do partido (base) do presidente e
a capacidade das lideranças partidárias de garantir a cooperação dos
legisladores individuais. Assim, há uma associação esperada entre partidos
disciplinados e presidentes com altas taxas de sucesso legislativo. Em minha
leitura, a combinação de partidos altamente disciplinados e baixa taxa de
sucesso que caracterizam a produção legislativa mostra que a influência das
variáveis externas ao processo decisório não necessariamente atua no sentido de
garantir maior sucesso ao governo. Em outras palavras, as macrovariáveis
institucionais do sistema político argentino incentivam o comportamento
disciplinado dos partidos políticos. Assim, a relativa baixa capacidade de
sucesso do Executivo argentino não se deve a fatores exógenos ao processo
decisório, mas está relacionada, como veremos na seção seguinte, com a
incapacidade do Executivo argentino de controlar os mecanismos de alteração do
timing do processo legislativo.
Em suma, a comparação da produção legislativa entre Argentina e Brasil, bem
como o paradoxo argentino, sugerem a necessidade de observarmos a organização
interna do processo decisório para um melhor entendimento dos determinantes do
sucesso presidencial. A distribuição do poder de agenda parece ser uma
importante variável tanto no entendimento da comparação da produção legislativa
entre Argentina e Brasil, como da relativa baixa taxa de sucesso presidencial
na Argentina, a despeito dos partidos políticos disciplinados.
O PROCESSO DECISÓRIO NA ARGENTINA
O sistema político argentino combina presidencialismo com representação
proporcional pré-ordenada pelos partidos políticos, usualmente chamada de lista
fechada. De acordo com Jones et alii (2002), os líderes partidários locais
seriam os principais atores na definição da ordem dos candidatos no interior de
cada lista. Os distritos eleitorais nas eleições proporcionais em âmbito
federal confundem-se com os territórios dos estados (23 províncias mais a
capital federal). Há um número fixo de deputados por províncias (cinco
deputados), delimitado constitucionalmente. Os deputados são eleitos para um
mandato de quatro anos; porém, a renovação para a Câmara dos Deputados (metade
das cadeiras) ocorre a cada dois anos, o que significa dizer que a renovação
parcial da bancada legislativa não coincide com as eleições presidenciais.
A Constituição argentina, no art. 77, estabelece a faculdade para as duas casas
legislativas e para o Executivo iniciarem o processo da produção legal do país.
A transformação de um projeto em lei deve necessariamente passar pelo crivo
desses três atores (art. 78). Um projeto de lei, quando aprovado pela casa
inicial, passa à Câmara revisora, que possui três opções: rejeitar todo o
projeto, aprovar com a redação proposta pela Câmara que iniciou o processo ou
aprovar com modificações. No primeiro caso, o projeto rejeitado será
engavetado, não podendo ser reapresentado no mesmo ano legislativo (art. 81).
Se a Câmara revisora aprovar o projeto em sua redação original, ele segue para
a sanção do Executivo, que pode aprová-lo e, nesse caso, o projeto está pronto
para ser convertido em lei, ou vetá-lo e enviá-lo com observações de volta para
a Câmara que iniciou a tramitação. A Constituição estabelece maioria
qualificada (dois terços dos membros) para que o projeto reinicie o processo de
tramitação. Se ambas as câmaras aprovam a mesma versão, o projeto segue para o
Executivo sancioná-lo sem direito a veto. Nos casos em que a Câmara revisora
modifica a versão oriunda da Câmara inicial, o projeto retorna à primeira casa,
que delibera em cima das modificações introduzidas. Se estas forem introduzidas
por maioria qualificada (dois terços dos membros), a Câmara inicial pode
insistir na redação original somente com maioria qualificada ou aceitar as
modificações mediante a aprovação de projeto por maioria absoluta dos membros
(art. 81). É importante ressaltar que a casa que iniciou a tramitação não
poderá engavetar um projeto que tenha sido alterado pela Câmara revisora (art.
81). Isto insere no sistema uma lógica mais consensual, na medida em que força
a cooperação entre as duas casas.
A Carta Constitucional argentina confere ao Executivo o poder de alterar o
status quo de maneira unilateral. De acordo com o art. 99, terceiro parágrafo:
"somente quando circunstâncias excepcionais tornarem impossível seguir o
trâmite ordinário previsto pela Constituição para a sanção de leis e não
tratarem de normas que regulem matéria penal, tributária, eleitoral ou regime
dos partidos políticos poderá emitir decretos de necessidade e urgência [...]"
(tradução do autor).
As regras de aprovação dos DNUs estabelecem que o Executivo (chefe de gabinete)
deve submeter o decreto ao Congresso, que analisará seu mérito através de uma
comissão bicameral. A comissão tem 10 dias para enviar o projeto à votação do
plenário. O Poder Legislativo não tem capacidade de emendar os DNUs, a votação
em plenário é para aprovação ou rejeição do decreto de forma integral. As
possíveis modificações em matérias reguladas pelos DNUs são feitas por projetos
de lei que seguem o ritual ordinário de aprovação9. Contudo, a regulamentação
em caso do não-cumprimento desse prazo não está prevista na Constituição.
Assim, o que prevalece é a prática anterior à incorporação dos DNUs ao texto
constitucional. Se o Congresso não se pronunciar nesse período, está implícita
sua aprovação; trata-se de um mecanismo de aprovação tácita (Negretto, 2004).
A Constituição argentina, diferentemente do caso brasileiro, não prevê nenhum
monopólio de legislação para o Executivo em nenhuma área (art. 61)10. De acordo
com Figueiredo e Limongi (1999; 2000), áreas de iniciativa exclusiva são
importantes instrumentos do Executivo no controle da agenda, pois não é
possível alteração no status quo que não seja da preferência do presidente.
Ainda, não há no caso argentino previsão constitucional sobre alteração no
ritmo de tramitação de um projeto de lei, diversamente do caso brasileiro, que
prevê a faculdade do Executivo em pedir tramitação urgente para seus projetos;
em circunstâncias assim, o Legislativo deverá se manifestar sobre a proposição
no prazo de 45 dias (art. 64), reforçando seu poder de agenda setting.
Em linhas gerais, o processo legislativo no interior da Câmara dos Deputados na
Argentina está organizado em torno dos blocos parlamentares. Cada bloco é
composto por pelo menos três legisladores, e seus presidentes possuem uma série
de recursos, tais como: indicação de deputados para as comissões
especializadas, recursos orçamentários e de assessoria e participação na
definição da agenda. Fundamentalmente, os dois principais lócus de decisão do
processo legislativo na Argentina são a Comisión de Labor Parlamentaria ' CLP e
as comissões especializadas. É a CLP, composta pelo presidente da Câmara, os
vice-presidentes e os líderes dos blocos partidários, que definirá os temas a
serem tratados no plenário. Em relação ao processo de formação das comissões,
do ponto de vista legal, quem faz a distribuição dos assentos é o presidente da
Casa; contudo, essa indicação respeita sempre as preferências dos líderes
partidários, representando o tamanho da bancada de cada bloco. O presidente, em
consulta com os líderes partidários, define como ficarão distribuídos os postos
de lideranças das comissões, não havendo restrição à participação dos deputados
em mais de uma comissão simultaneamente.
Gostaria de chamar atenção para dois elementos fundamentais à compreensão do
processo de definição da agenda no sistema político argentino. No meu entender,
as regras do jogo estão desenhadas de maneira a permitir o conflito entre os
dois poderes na iniciativa da produção legal. A Constituição não estabelece com
clareza qual poder é o agenda setter, ou seja, é contraditória na definição do
ator responsável pelo controle da atividade legislativa. Se, por um lado, ela
garante ao Executivo tanto poderes pró-ativos (poder de emitir decretos com
força de lei) quanto reativos (poder de veto com maioria de dois terços para
que seja derrubado) ' o que deixaria o Executivo em posição privilegiada vis-à-
vis o Legislativo ', ela não determina o mecanismo de urgência constitucional
que garantiria privilégios na tramitação dos projetos enviados pelo Executivo,
tampouco atribui prerrogativas exclusivas. Assim, tanto o Executivo como o
Legislativo não conseguem ser os atores preponderantes na definição do timing e
da natureza das matérias a serem discutidas.
De forma geral, os modelos teóricos encontrados na literatura fazem a
contraposição entre processo decisório descentralizado, isto é, sistemas nos
quais as comissões são os atores preponderantes na definição da agenda, e
sistemas centralizados nos quais a agenda é definida por um agente central,
representante da maioria, seja ela do plenário ou do partido majoritário
(Krehbiel, 1991; Cox e McCubbins, 1993; 1995).
Na dicotomia presente nessa literatura (Cox, 1987; Figueiredo e Limongi, 1999;
2000; Cheibub e Limongi, 2002), a disciplina partidária e o sucesso legislativo
caminham na mesma direção. Nos sistemas centralizados, os líderes partidários
teriam recursos disponíveis para punir o comportamento não-cooperativo dos
parlamentares rank and file. O espaço para atuação indisciplinada dos
parlamentares é mínimo. A estratégia de não-cooperação implicaria na
incapacidade de os parlamentares obter recursos necessários para sua reeleição.
Além disso, o controle da agenda permitiria ao Executivo e aos líderes
partidários controlarem o timing do processo legislativo, colocando em pauta
apenas os assuntos consensuais entre os membros da base (partido) governista,
garantindo assim a coesão partidária e apoio ao Executivo. Nesses sistemas, o
Executivo aparece como o legislador efetivo, pois a tramitação de seus projetos
contaria com privilégios, sendo sua aprovação muito menos custosa se comparada
às iniciativas individuais dos parlamentares.
Em contrapartida, nos processos decisórios descentralizados, as comissões
seriam atores autônomos na definição dos temas passíveis de modificação,
funcionando com poderes de veto, bem como no timing do processo. O processo de
auto-seleção na composição das comissões permitiria aos legisladores
construírem sua relação com os eleitores à margem da atuação partidária. Os
parlamentares escolheriam a comissão que serviria aos interesses de sua base
eleitoral, moldando seu vínculo pessoal. Assim, os cargos e recursos no
interior do Legislativo não seriam monopólios dos líderes partidários.
Nesses casos, os líderes partidários e o Executivo não teriam os instrumentos
necessários para recompensarem o comportamento partidário dos parlamentares. Em
outras palavras, faltariam mecanismos que garantissem tanto a coesão (através
do controle da agenda) como a disciplina (controle dos benefícios
intralegislativos) dos parlamentares. Haveria, então, uma associação entre
sistema descentralizado e participação efetiva do Poder Legislativo na produção
de políticas públicas, já que o Executivo não contaria com nenhum privilégio na
aprovação das matérias. O resultado desse processo seria indisciplina
partidária e falta de suporte legislativo às medidas do Executivo (Cain,
Ferejohn e Fiorina, 1987).
O processo de definição da agenda nos sistemas políticos decorre,
fundamentalmente, de duas variáveis: as preferências dos atores e as regras
institucionais (Shepsle, 1979). A idéia, neste artigo, é analisar os mecanismos
de alteração no ritmo do processo legislativo. A escassez de tempo é uma grande
arma nas mãos do órgão central para controlar a agenda (Cox e McCubbins, 1993).
A literatura sobre o caso brasileiro (Figueiredo e Limongi, 1999) mostrou que o
regime especial de tramitação é fundamental para agilizar a aprovação de um
projeto de lei, pois esvazia os trabalhos das comissões que são o principal
espaço de participação dos parlamentares no processo de formulação de
políticas.
Do ponto de vista formal, o principal mecanismo para o caso argentino é o
tratamiento sobretablas. Este expediente funciona como um importante atalho do
processo legislativo, pois leva à votação, na mesma sessão, qualquer matéria,
tenha ou não a comissão emitido um dictamén. De acordo com o art. 134 do
regimento da Câmara: "é moção sobretablas toda proposição que tenha por
objetivo um assunto na mesma seção tenha ou não um relatório da comissão"
(tradução do autor). Os deputados podem requerer esse tipo de tratamento
durante meia hora no início das sessões legislativas. A aprovação do
requerimento requer o suporte de dois terços dos parlamentares, nesses casos, o
projeto será o primeiro a ser tratado na ordem do dia.
Outro expediente importante na definição do ritmo do trâmite legislativo é a
moção de preferência. Ele permite o tratamento do tema em uma data definida ou
na sessão seguinte como o primeiro assunto da ordem do dia sem haver
necessariamente o pronunciamento da comissão. Se o projeto tiver o parecer das
comissões, é necessária maioria absoluta dos membros para aprovação, caso
contrário, o pedido de urgência é aprovado somente mediante o apoio de dois
terços dos membros.
Nossa base de dados consiste na tramitação dos projetos de lei aprovados na
Argentina, excluindo-se a aprovação dos DNUs, entre dezembro de 1983 e outubro
de 1998. Foram levantados 1.834 projetos de lei. A análise empírica aqui
desenvolvida deverá dar evidências a duas questões, quais sejam, o principal
lócus de negociações políticas e alterações nos projetos de lei no sistema
político argentino e em que medida os recursos de tramitação especial são
utilizados. Qual a origem desses projetos? Afirmo que se a maioria das
alterações de um projeto se dão na comissão, os mecanismos de tramitação
especial são fundamentais no entendimento do sucesso legislativo do governo.
Vejamos o que acontece com um projeto no interior do Legislativo. Em primeiro
lugar, concentrar-me-ei na relação entre comissão e plenário, para verificar a
semelhança nas preferências entre esses dois momentos do processo legislativo.
Quando as comissões têm suas preferências respeitadas pelo plenário, tem-se um
dos componentes de uma estrutura descentralizada dos trabalhos legislativos. Os
números estão na Tabela_2.
Os dados mostram que a participação do Poder Legislativo na definição das
políticas públicas é relativamente pequena. A maioria (59,9%) da produção
legislativa no período passou no Legislativo sem sofrer nenhum tipo de
alteração. Os números mostram que as comissões, à primeira vista, são o
principal lócus das discussões e resoluções dos conflitos intrapartidários. Do
total aprovado, um quarto dos projetos sofreu alterações, ao passo que a
participação do plenário foi irrisória (8,3%). Se excluirmos os projetos
referentes a acordos internacionais (n=536), a porcentagem de projetos
aprovados com modificações nas comissões sobe para 35,5% (n=464). Se
considerarmos os projetos que sofreram alterações na comissão e no plenário,
veremos que o total de projetos aprovados que foram alterados representa 45,7%,
um número não desprezível.
Entretanto, não é possível, a partir desses números, verificar se as
preferências das comissões estão sendo respeitadas no plenário. Para resolver
essa questão, examinarei mais de perto os projetos aprovados com alterações.
Os números mostram que o sistema de comissões não é apenas o espaço no qual os
projetos são mais modificados, mas também tem suas preferências respeitadas
pelo plenário. A maioria expressiva dos projetos foi modificada somente nas
comissões (63,2%), o que demonstra que o plenário aceita as modificações
introduzidas nas comissões. A alta taxa de concordância com o plenário revela
que o sistema de comissões é o principal lócus de negociação entre os partidos.
Quando um projeto é aprovado na comissão, dificilmente é alvo de alterações. Em
outras palavras, o crivo das comissões aumenta a probabilidade de aprovação de
um projeto de lei.
O grosso das modificações recai sobre os projetos originários do Poder
Legislativo. Apenas 29,2% dos projetos modificados tiveram origem no Executivo,
ao passo que 70,8% foram iniciados por parlamentares. De acordo com argumento
aqui exposto, isso não deveria ocorrer. Assumindo que a separação de propósitos
no sistema político argentino é acentuada, deveríamos esperar que as
modificações do Legislativo ocorressem nos projetos do Poder Executivo. Por que
isso não ocorre? Minha explicação é que os projetos apresentados pelo Executivo
são, em sua maioria ' aproximadamente 62,3% (536) do total ', acordos
internacionais. Como a costura de acordos internacionais é exclusividade do
Executivo, o Legislativo não possui subsídios para competir nessa área. A baixa
taxa de alteração, assim, está menosprezada pela natureza de sua agenda.
Verifica-se na Tabela_4 se os projetos aprovados tiveram sua tramitação
facilitada por algum expediente interno ao Legislativo.
Uma simples observação na freqüência de projetos aprovados sob regime de
tramitação extraordinário mostra que tramitação especial na aprovação dos
projetos na Argentina não é a regra. Vimos na Tabela_3 que o número de projetos
aprovados que tramitaram sob regime especial é comparativamente pequeno. Apenas
36,8% das leis tiveram tramitação especial. O contraste com o caso brasileiro é
marcante. Figueiredo e Limongi (1999:58) mostraram que, no período entre 1989-
1994, das 514 leis aprovadas no Brasil, 282 (55%) foram objetos de pedido de
urgência. Ainda, apenas 159 (29%) tiveram sua tramitação ordinária. Em
contrapartida, na Argentina, 63,5% das leis foram aprovadas sem nenhum
expediente que acelerasse o processo legislativo.
Entre os expedientes expostos na Tabela_4, o que dá maior agilidade ao processo
de tramitação é o tratamiento sobretablas, pois retira imediatamente o projeto
da comissão, reduzindo sua capacidade de atuação, já que o mecanismo de
preferência não garante necessariamente que o projeto seja votado na mesma
sessão. O fato desse mecanismo ser pouco utilizado (25,8%) significa que as
comissões são rotas quase obrigatórias na aprovação de um projeto.
Vê-se na Tabela_3 que a capacidade do Executivo vis-à-vis o Legislativo em
utilizar mecanismos que aceleram o processo legislativo é irrisória. Do total
de projetos que tiveram sua tramitação facilitada (669), 32,1% tiveram sua
origem no Executivo. Além disso, 75% de seus projetos seguiram o ritmo de
tramitação normal.
Se construirmos uma variável dicotômica ' "tipo de tramitação" (tramitação
especial ou tramitação) ' a partir dos dados da Tabela_4 e fizermos um cálculo
da razão de chance de um projeto do Legislativo sofrer alteração no ritmo de
tramitação em relação aos projetos do Executivo, veremos que a possibilidade
desta aceleração ocorrer é 2,63 vezes maior (ou 163,3%).
Os projetos oriundos do Executivo não possuem nenhum privilégio em sua
tramitação, ou seja, ele não é capaz de determinar o timing do processo
Legislativo11. A estrutura interna do Legislativo argentino garante espaço para
que suas próprias medidas tenham privilégio na sua aprovação; 67,9% dos
projetos aprovados foram originados dos próprios parlamentares. E mais, quase a
metade (46,7%) de seus projetos teve sua tramitação facilitada. O Legislativo,
então, é superior ao Executivo na utilização desses expedientes, tanto em
números absolutos (dominante) como em termos mais relativos (eficiente)12.
O contra-argumento à minha leitura é que o Executivo utiliza tais instrumentos
apenas nos projetos que lhe interessa acelerar a tramitação, utilizando, assim,
seus recursos escassos para garantir um comportamento cooperativo dos
parlamentares apenas nos projetos que ele considera importantes. De fato, os
dados da Tabela_4 não permitem afirmar nada nesse sentido. Dessa forma,
analisarei não os projetos aprovados com tramitação especial, mas a freqüência
de uso desses expedientes por parte de cada Poder.
Se olharmos exclusivamente para o número de projetos aprovados, poderemos estar
subestimando a capacidade dos atores em acelerar o ritmo de tramitação dos
projetos, pois o mesmo projeto pode ter seu expediente modificado em diferentes
momentos do processo Legislativo, ou seja, o mesmo projeto pode ter seu ritmo
modificado mais de uma vez. Os dados da Tabela_5, contudo, não corroboram a
hipótese de aumento da participação do Executivo no uso dos mecanismos para
garantir a agilidade na aprovação dos projetos prioritários de sua agenda.
O Executivo, em comparação ao Legislativo, continua sendo menos eficiente em
agilizar os projetos. Do total de expedientes aprovados, apenas 32,2% (300)
recaíram sobre projetos do Executivo, o que reforça a natureza descentralizada
do processo decisório na Argentina. É esta descentralização que torna a
separação de poderes mais acentuada na Argentina em comparação ao caso
brasileiro.
Esta não é a única leitura possível dos dados apresentados até aqui. Poder-se-
ia argumentar que o Executivo é tão determinante na agenda legislativa que seus
projetos não necessitariam de mecanismos extraordinários para sua aprovação. O
número de cadeiras do partido presidencial seria suficiente para garantir uma
relação harmoniosa entre os dois poderes. A baixa freqüência no uso desses
expedientes refletiria, assim, o domínio e não a fraqueza do Executivo. Tal
interpretação ignora as baixas taxas de sucesso legislativo do Executivo. Se o
Executivo pudesse abrir mão desses expedientes especiais, não encontraríamos
essas taxas tão baixas. Creio, portanto, que é patente a falta de capacidade do
Executivo de controlar a agenda e, por esse expediente, garantir o controle
sobre a produção legislativa.
Por fim, há ainda a hipótese de que esses expedientes não influenciam a
aprovação de um projeto de lei. Em outras palavras, esses mecanismos não
ajudariam a explicar o sucesso legislativo do Executivo. Assim, há a
necessidade de verificar a associação entre aprovação sob regime especial e a
taxa de sucesso do Executivo. A taxa de sucesso do governo Raúl Alfonsín foi
maior do que durante o período do governo Menem (69% x 56%). Logo, se esses
mecanismos são armas importantes no processo legislativo, deveríamos encontrar
um uso maior deles por parte de Alfonsín. Vejamos, na Tabela_6, os resultados:
A associação esperada entre eficiência no uso dessas armas e uma maior taxa de
sucesso do Executivo confirmou-se. Durante o governo Alfonsín, 28,9% dos
projetos do Executivo tramitaram sob regime especial, ao passo que, no período
Menem, 22,5% tiveram tramitação extraordinária. Em termos absolutos, a Tabela_6
mostra que, durante o governo justicialista, o Executivo foi mais eficiente em
diminuir o tempo de tramitação dos seus projetos. Isto é decorrência da duração
do mandato de cada governo. Se calcularmos o número de projetos que tiveram sua
tramitação acelerada pelo número de anos de governo, encontraremos que, no
período Alfonsín, o Executivo teve uma média anual de projetos apreciados em
regime especial de 16,7/ano; enquanto no governo Menem a média foi 12,9/ano. A
razão de chance de Alfonsín ter um projeto aprovado em tramitação especial, em
relação a Menem é 1,4 vezes, ou 40% maior. Assim, a razão do maior sucesso
legislativo do governo Alfonsín passa pela utilização dos recursos que permitem
influenciar o timing do processo legislativo. É verdade que o governo Menem foi
muito mais habilidoso no uso dos DNUs; no meu entender, esse fato é menos um
sinal de força governativa e mais de incapacidade (ou falta de vontade) de
legislar por via ordinária.
O que os dados informam sobre a dinâmica legislativa do sistema político
argentino e seu paradoxo ' partidos disciplinados e governo com baixa taxa de
sucesso?
A organização do processo decisório é composta basicamente de dois elementos:
os poderes legislativos do Executivo e a estrutura interna do Poder
Legislativo. São estes dois fatores que definirão o poder de agenda dos atores.
Esses recursos institucionais determinarão a capacidade do Executivo para
garantir a cooperação dos parlamentares, minimizando a separação de propósito
entre os dois Poderes. O argumento é que os líderes partidários têm monopólio
na distribuição dos cargos no interior do Legislativo. Em contrapartida, o
Executivo não dispõe de poder de agenda para garantir a cooperação dos
parlamentares.
A literatura (Mustapic, 2002; Jones et alii, 2002) mostrou que existe uma
tendência no sistema político argentino para a criação de postos no interior do
processo legislativo. Segundo Mustapic (2002:35), tanto a criação de
instituições dos blocos parlamentares (aumento no número de presidentes, novos
cargos etc.) como o aumento no número de comissões permanentes funcionam como
incentivos seletivos para garantir a cooperação dos parlamentares. De fato,
como demonstrado por Jones et alii (2002), as presidências das comissões são
ocupadas fundamentalmente por parlamentares que possuem vínculos estreitos com
as lideranças partidárias. De todo modo, o que gostaria de acentuar é que os
postos intralegislativos ' sejam nas comissões, sejam cargos nos blocos
parlamentares ' estão nas mãos dos líderes partidários. Esta é uma das razões
que ajudam a explicar a elevada disciplina partidária.
As baixas taxas de sucesso, em minha interpretação, são decorrentes do baixo
poder de agenda do Executivo, seja da perspectiva da dominância legislativa,
seja do controle do ritmo da tramitação. Diferentemente do caso brasileiro, o
Executivo não tem capacidade de interferir significativamente, pelo menos não
do ponto de vista institucional, nos trabalhos legislativos. A organização do
processo legislativo na Argentina é descentralizada. A retirada de um projeto
da comissão sem sua apreciação é exceção, portanto, não há constrangimento
temporal para atuação dos parlamentares nessa arena. As comissões representam,
assim, o principal lócus de resolução de conflitos intrapartidários, visto que
o grosso das modificações dos projetos se dão em seu interior. O que é ainda
mais fundamental é que o plenário respeita as decisões das comissões,
referendando a maioria expressiva das alterações.
As taxas de dominância legislativa revelam que o conteúdo da produção legal é
dividido entre o Executivo e o Legislativo. Quanto ao timing do processo
decisório, o que os dados mostraram é que grande parte dos instrumentos que
facilitam a tramitação é utilizada nos projetos de origem do Poder Legislativo.
Não há privilégios para medidas tomadas pelo governo. Assim sendo, os
instrumentos nas mãos do presidente não são suficientes para alterar as
preferências dos legisladores e garantir a cooperação entre eles. As baixas
taxas de sucesso do Executivo, então, são decorrentes da sua falta de poder de
agenda. Resta-me ainda expressar o vínculo entre poder de agenda e a
cooperação. Que mecanismo permite ao Executivo transformar o controle da agenda
em sucesso legislativo? Vejamos uma passagem do desenho da organização
decisória no Brasil: "A organização interna dos trabalhos legislativos é, antes
de tudo, marcada pela atuação do Executivo. O Poder Legislativo se encontra em
posição tal que o Executivo é capaz de ditar o conteúdo, o tempo e o ritmo dos
trabalhos no Congresso" (Figueiredo e Limongi, 1999:55).
A passagem anterior indica que o controle da atividade legislativa é
determinante no processo de formulação de políticas. Isto é, o ator que detém
poder de agenda é quem define como, quando e onde um projeto de lei será
passível de alteração. No caso brasileiro, esse ator é o Executivo. Assim, se
os parlamentares desejam ter alguma influência na formulação de políticas
públicas no Brasil, eles devem ter um comportamento cooperativo com o governo,
já que apenas pelos seus trabalhos no interior do Parlamento um parlamentar não
é capaz de deixar sua marca na política. A estrutura interna do Legislativo
brasileiro minimiza a participação do parlamentar individualmente.
É justamente essa ferramenta que está ausente no sistema político argentino. O
Executivo não possui o controle sobre o processo de formulação de políticas
públicas e não tem como criar incentivos para que os parlamentares cooperem. A
influência do governo na agenda legislativa não é determinante, daí a falta de
apoio às medidas oriundas do governo. O Legislativo é capaz de definir sua
própria agenda, mas tal capacidade passa, fundamentalmente, pelas mãos dos
líderes partidários, afinal, são eles que estão representados na CLP e possuem
o controle para a nomeação das comissões. Os parlamentares do "baixo clero", se
quiserem ter alguma participação na formulação de políticas, devem cooperar com
os líderes partidários. Esta é a origem da elevada disciplina partidária no
Legislativo argentino.
CONCLUSÃO
A análise do impacto do mecanismo de urgência na Argentina à luz da literatura
sobre o caso brasileiro desenvolvida neste artigo teve como preocupações
básicas aprofundar o conhecimento acerca do funcionamento das instituições
políticas na Argentina13 e dialogar com a literatura comparada acerca da
performance das democracias presidencialistas. A estratégia analítica aqui
utilizada consistiu em um deslocamento das variáveis macro que formam o
arcabouço institucional em direção ao mecanismo de controle da atividade dos
parlamentares.
Meu argumento é que, a despeito das macrovariáveis (Quadro_1) encontradas na
literatura comparada apontarem para a melhor performance do presidencialismo na
Argentina vis-à-vis o caso brasileiro, os efeitos da separação de poderes são
mais visíveis no caso argentino devido à descentralização do processo
decisório. Essa separação de propósitos é evidenciada na dinâmica da produção
legal no caso argentino. Contrariamente ao esperado pela literatura
institucionalista (Shugart e Carey, 1992; Mainwaring e Shugart, 1997; Cox e
McCubbins, 2001; Cox e Morgenstern, 2002), o sistema político brasileiro é mais
eficiente, do ponto de vista da produção legal, do que o sistema político
argentino.
O presidente, no sistema político brasileiro, é o agente que domina a produção
legal e possui taxas de sucesso significativamente superiores ao caso
argentino. Ao controlar o processo de tramitação das políticas, o Executivo
brasileiro é capaz de controlar o conteúdo e o timing da produção legal do
sistema político, garantindo, assim, a cooperação dos parlamentares com as
medidas oriundas do Executivo. A estratégia ótima dos parlamentares é atuar de
maneira cooperativa com o Executivo; daí as taxas de sucesso relativamente
altas no Brasil, sobretudo quando comparadas ao caso argentino.
Em contrapartida, no sistema político argentino, o Executivo é incapaz de
controlar o ritmo da tramitação dos projetos de lei e, por conseqüência, não é
capaz de superar os obstáculos gerados pela atividade das comissões
permanentes, tornando mais vagaroso o processo de aprovação das políticas. Não
é por acaso que o governo Menem recorreu sistematicamente aos DNUs, pois o rito
ordinário aumenta a barganha dos parlamentares no interior das comissões, como
demonstram as baixas taxas de sucesso, se comparadas ao caso brasileiro. A
análise da produção legal argentina mostrou a importância do conteúdo do timing
do processo legislativo. A fraqueza do Executivo não ocorre no momento das
votações nominais ' de fato, os partidos argentinos apresentam uma coesão quase
perfeita ', mas na incapacidade de priorizar suas medidas em detrimento dos
projetos oriundos do Legislativo.
Cox e McCubbins (2001) argumentam que a separação de poderes em si não leva
necessariamente à paralisia decisória (indecisiviness). A separação de
propósitos entre os poderes é o elemento que definirá em que medida há
divergência entre os poderes. O propósito de cada poder é dado,
fundamentalmente, pelo sistema eleitoral. Assim, em sociedades muito
heterogêneas, que contam com um sistema eleitoral permissivo, os diferentes
interesses dos grupos sociais estariam representados, e a separação de
propósitos tenderia a ser muito mais acentuada. Deveríamos encontrar, então, um
cenário prejudicial à governabilidade decorrente do impasse entre os poderes.
A baixa fragmentação é um pressuposto necessário para a boa performance do
presidencialismo. Minha análise mostrou que parece não haver uma relação de
causa entre o número de partidos e a performance legislativa. O Executivo no
Brasil ' comparativamente com o caso argentino ' é um ator muito mais efetivo
do ponto de vista da produção de políticas, mesmo se relacionado a um
Parlamento fragmentado.
A análise do caso argentino à luz dos achados para o caso brasileiro mostrou
que a organização do processo legislativo pode ser outra variável capaz de
reduzir os efeitos da separação dos poderes. O processo decisório centralizado
pode funcionar como contraponto aos possíveis incentivos fragmentadores do
sistema eleitoral, negando a essa diversidade de atores espaço na produção das
políticas. A arena decisória não é essencialmente um simples reflexo da arena
eleitoral.
Este estudo procurou sustentar a tese de que o diagnóstico sobre o desempenho
dos sistemas políticos pode ser em grande medida distinto se não tomarmos essa
associação como necessária. Se a leitura estiver correta, a organização do
processo decisório deveria fazer parte das variáveis independentes na
construção de modelos analíticos que tenham como objeto a comparação da
performance do presidencialismo na América Latina. Meu argumento não afirma que
os efeitos do sistema eleitoral (e o número de partidos) não são relevantes
para o entendimento das relações entre os poderes. É evidente que, nas
democracias, a formação de maiorias é essencial para o funcionamento do
sistema. O que o modelo de agenda nos mostra é que maiorias podem ser
construídas, visto que o ator que controla a agenda possui o controle sobre a
formulação de políticas e, portanto, tem instrumentos para garantir a
cooperação necessária para a tomada de decisões. O caso brasileiro é
paradigmático. Dada a fragmentação partidária, o partido do presidente obtém
uma parcela pequena do número de cadeiras, insuficiente para garantir a
governabilidade. Contudo, os poderes de agenda e sua capacidade de distribuir
benefícios seletivos permitem ao Executivo montar uma coalizão de governo
estável que consegue evitar o cenário de paralisia decisória. Presidencialismos
podem formar e formam coalizões de governo (Figueiredo e Limongi, 1999; Cheibub
e Limongi, 2002; Cheibub, Przeworski e Saiegh, 2002).
A questão é saber por que os presidentes argentinos apoiados por partidos que
contam com um número de cadeiras proporcionalmente maior do que no caso
brasileiro têm menor sucesso? Minha interpretação é que o número reduzido de
partidos efetivos na Argentina dificulta a obtenção de apoio nos demais
partidos. Não há espaços para partidos satélites que, devido a sua baixa
capacidade eleitoral, gravitam em torno do Executivo. O recorte governo/
oposição é mais nítido.
Do ponto de vista analítico, o estudo mostrou que o modelo de agenda não é
simplesmente uma explicação ad hoc para o funcionamento do caso brasileiro e
deve ser incorporado de maneira mais sistemática pela literatura comparada.
Esse procedimento joga luz em elementos pouco ressaltados pela literatura. O
exame dos mecanismos de tramitação especial é apenas um recorte possível, e
espero que mais trabalhos caminhem nessa direção.
A discussão desenvolvida ao longo do artigo possui algumas implicações para a
agenda das reformas institucionais presente em partes significativas dos países
latino-americanos. Ora, se a organização do processo decisório importa para o
padrão de produção legislativa e, conseqüentemente, para a governabilidade e a
natureza da representação de um sistema político, parte das demandas por
melhorias no desempenho das democracias presidencialistas podem ser decorrentes
do formato dessas instituições menos visíveis.
NOTAS
1. Morgenstern (2002:5) aponta três "olhares" sobre o Legislativo tomado como
variável dependente: as relações Executivo-Legislativo; os partidos políticos e
a estrutura interna do Legislativo; e a produção de políticas públicas.
2. A grande contribuição de Shugart e Carey para o debate foi a incorporação do
impacto do calendário eleitoral na natureza das relações entre os poderes. A
simultaneidade ou não das eleições para o Legislativo e para o Executivo é
determinante para o número de partidos no Legislativo que, em última instância,
irá definir o caráter do mesmo. Na verdade, os autores discutem os efeitos
sobre os poderes legislativos do Executivo; contudo, tais poderes seriam
prejudiciais à governabilidade, dado seu caráter antagônico.
3. Não há um consenso na literatura sobre a força relativa dos poderes de
agenda em perspectiva comparada na América Latina. Aqui, trato o Executivo
argentino como mais fraco que o brasileiro, dada sua impossibilidade de alterar
o processo de tramitação de um projeto de lei e a ausência de prerrogativas
exclusivas em determinada área de políticas. Voltarei a esse ponto mais
adiante. Para uma leitura diferente da empregada neste artigo, ver Shugart e
Haggard (2001) e Morgenstern (2002).
4. O índice de Rice é obtido subtraindo o número de parlamentares que votaram a
favor de uma proposta do total de parlamentares que votaram contra.
5. Mecanismo que equivale às MPs no Brasil. Para mais detalhes, ver a próxima
seção.
6. O autor leva em consideração apenas os DNUs reconhecidos pelo governo.
7. A disciplina partidária entendida no seu sentido mais restrito, tal como o
conceito aparece na literatura institucionalista. Trata-se do grau de
semelhança do comportamento dos atores em plenário medido nas votações
nominais. As baixas taxas de sucesso do Executivo na Argentina expressam a
falta de cooperação entre o governo e o partido no Legislativo. Esta é uma das
lições do caso argentino: disciplina em plenário não está necessariamente
associada com cooperação em outros momentos do processo legislativo.
8. Os números de votações nominais que compõem a amostra dos autores são: 78
(1989-91); 48 (1991-93); 47 (1993-95); 45 (1995-97). Eles representam as
votações nominais controversas, nas quais pelo menos 20% dos presentes votaram
na opção derrotada. O total das votações nominais no período foram: 103 (1989-
91); 66 (1991-93); 47 (1993-95); 64 (1995-97).
9. Agradeço ao parecerista anônimo de DADOS por chamar atenção para esse ponto.
10. A exceção é o processo orçamentário. O art. 100, § 6, define que é
prerrogativa do Executivo iniciar o processo de elaboração do orçamento
submetendo o projeto de lei à apreciação do Poder Legislativo.
11. Isso não quer dizer que a influência do Executivo na definição da agenda no
sistema político argentino seja desprezível. Seguindo o argumento de Moe e
Howell (1999), uma das formas pelas quais o Executivo influencia a agenda
legislativa se dá por mecanismos não-formais. Um institucionalismo hard é
incapaz de detectar o poder do Executivo. Nesse sentido, o Executivo
influenciaria a agenda legislativa devido a seu destaque na opinião pública.
Meus dados não me permitem fazer inferências sobre o argumento.
12. A comparação não deve ser entre o Executivo e os parlamentares
individualmente. Se tomados individualmente, o poder dos parlamentares na
determinação da agenda congressual é inferior ao Executivo. Para a finalidade
deste artigo, o cotejo deve ser feito no agregado, comparando as instituições
do sistema político argentino.
13. Na verdade, análises agregadas não permitem mensurar o significado
substantivo a respeito da natureza da produção legislativa. Análise do conteúdo
substantivo dessa legislação pode oferecer diagnóstico distinto do caso
argentino. Meu estudo não tem a pretensão de desvendar o caso argentino, mas
tão-somente jogar luz em uma arena pouco explorada pela literatura
especializada.