Continuidades e descontinuidades da Federação Brasileira: de como 1988
facilitou 1995
[...] não podemos deixar ao bel-prazer das leis
complementares estaduais a criação de municípios.
[...] temos a oportunidade de cumprir o mandato
constitucional que determina a regulamentação do
[principal imposto estadual] através de lei complementar
[federal].
As afirmações acima não são de autoria de nenhum dos pensadores autoritários da
década de 1920, tampouco podem ser interpretadas como uma reação centralizadora
à excessiva autonomia conferida aos governos estaduais no arranjo federativo
vigente. A primeira é de um deputado federal do Partido da Frente Liberal (PFL)
baiano. Foi pronunciada na Câmara dos Deputados, em 14 de abril de 1996, por
ocasião dos debates em torno da aprovação da emenda constitucional (EC) nº15/
1996, que restringiu ainda mais o escopo de autoridade exclusiva que a
Constituição Federal de 1988 (CF 88) havia conferido aos Estados, devolvendo a
autoridade sobre a criação de municípios ao governo federal. A segunda foi
pronunciada por um deputado federal do Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB) paranaense, em 27 de agosto de 1996, no papel de relator do projeto de
lei complementar que deu origem à Lei Kandir, que regulamentou detalhadamente a
forma como os governos estaduais arrecadariam o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS).
Embora expressivas por seu conteúdo - visto que justificam decisões que
suprimiram autoridade decisória dos governos estaduais -, a EC nº15/1996 e a
Lei Kandir foram apenas parte de um conjunto de leis federais que impôs
expressivas perdas de receita aos Estados e municípios brasileiros, assim como
regulou o exercício de suas competências tributárias, de gasto e de
implementação de políticas públicas. De fato, não foram de pequena monta as
mudanças no status quofederativo brasileiro dos anos 1990. Elas implicaram
"expressivo fortalecimento do controle exercido pelo governo federal" (Melo,
2005:845), aproximando o Brasil de "um regime hierárquico, estreitamente
administrado, não distinto daquele encontrado em muitos sistemas unitários"
(Rodden, 2006:247). A maior parte dos analistas interpretou a aprovação dessa
legislação como um processo de recentralização federativa (Abrucio e Costa,
1999; Almeida, 2005; Arretche, 2005; Melo, 2005; Rodden, 2006; Souza, 2002).
Mudanças dessa magnitude requerem explicação, uma vez que esses resultados
apontam para a direção oposta àquela esperada por postulados do federalismo
comparado, segundo os quais a formação de uma federação supõe um contrato
constitucional entre unidades constituintes, que definem proteções
institucionais a fim de evitar futuras expropriações por parte das demais
unidades ou do governo central. Assim, como foi possível ao governo federal
"expropriar" receitas, bem como autoridade sobre impostos, gastos e políticas
dos governos subnacionais, sob condições de perfeita normalidade democrática?
Ao longo do século XX, algumas federações - tais como a Austrália e os Estados
Unidos - ampliaram a margem de autoridade do governo central sobre os governos
subnacionais (Castles e Uhr, 2005; Chibber e Kollman, 2004; Obinger, Leibfried
e Castles, 2005; Pierson, 2007). Outras - tais como a Áustria, a Índia e a
Alemanha - já nasceram centralizadas (Chibber e Kollman, 2004; Manow, 2005;
Obinger, Leibfried e Castles, 2005). Nesses casos, a centralização é explicada
por contextos excepcionais - tais como guerra ou ameaça de guerra, recessão
econômica, construção do Estado nacional ou desenvolvimento do Estado de Bem-
Estar (Chibber e Kollman, 2004:227; Obinger, Leibfried e Castles, 2005) -, que
criaram condições propícias para que as elites centralizadoras reduzissem as
proteções institucionais das unidades constituintes.
Embora, no caso brasileiro, a crise fiscal tenha permitido às elites do governo
central justificar medidas de regulação federal como uma urgente necessidade,
desempenhando assim um papel análogo ao da "guerra", essa explicação
dificilmente pode ser apresentada como convincente para o conjuntodas medidas
aprovadas, tal como destacou Melo (2005). Diferentes explicações já foram
apresentadas para as mudanças no status quofederativo dos anos 1990. Almeida
(2005) explorou o papel das ideias argumentando que as elites políticas
brasileiras, mesmo quando favoráveis à descentralização, partilham de
princípios normativos centralizadores. Abrucio e Costa (1999) atribuíram essas
mudanças aos impactos fiscais do Plano Real sobre as preferências dos
governadores, as quais teriam causado um comportamento cooperativo das bancadas
estaduais em relação às iniciativas legislativas do presidente Fernando
Henrique Cardoso. Cheibub, Figueiredo e Limongi (2006; 2009) demonstraram que a
aprovação dessas medidas pode ser atribuída ao papel dos partidos no comando
das votações parlamentares, bem como à baixa coesão das bancadas estaduais e à
limitada influência dos governadores sobre seu comportamento.
Curiosamente, a despeito da centralidade do federalismo na agenda de pesquisa
sobre as instituições políticas brasileiras, o impacto das regras que regem as
interações entre os entes federativos - um tema central do federalismo
comparado - não foi suficientemente explorado pela literatura, visto que a
maior parte das análises sobre o processo decisório se concentra nas relações
entre os poderes, assumindo que o presidente e a União podem ser tomados como
análogos1, o que significaria assumir que "relações entre poderes" seriam
analiticamente equivalentes a "relações entre União e Estados". No caso
brasileiro, as instituições que regem as interações entre as unidades
constituintes permitem que o jogo legislativo "comece e termine" no Congresso.
Requer explicação, entretanto, que o jogo se estabeleça nesses termos em vista
do postulado de que é próprio das federações criar uma multiplicidade de pontos
de veto no processo decisório. Apenas tipos particulares de federações, que
centralizam o processo decisório da legislação que afeta os interesses das
unidades constituintes, permitem que os principais atores sejam o Executivo
federal e o Congresso.
Neste artigo, é examinado o impacto das instituições federativas sobre a
possibilidade de o governo federal legislar sobre as políticas dos governos
subnacionais com base em duas teorias do federalismo comparado: a das
jurisdições e a do poder de veto. Para tanto, é examinado em que medida as
instituições federativas brasileiras, instaladas pela CF 88, enableou
constraino centro (Stepan, 1999). Em outras palavras, se a ampliação da
regulação federal nos anos 1990 foi realizada nos marcos das instituições
políticas2que regem as interações entre as elites do governo central e dos
governos subnacionais, estabelecidas pela Constituição de 1988, é possível
avaliar sua influência sobre o processo decisório de matérias de estrito
interesse federativo.
O argumento central deste trabalho é que os formuladores da CF 88 criaram um
modelo de Estado federativo que combina ampla autoridade jurisdicional à União
com limitadas oportunidades institucionais de veto aos governos subnacionais.
Não criaram um ambiente institucional que congelasse a distribuição original de
autoridade de 1988, pois não estabeleceram regras que exigiriam, no futuro, a
mobilização de supermaiorias para alterar aquele contrato original. Além disso,
as regras que regem as interações entre as elites do governo federal e dos
governos subnacionais favorecem as elites políticas instaladas no centro e
limitam as oportunidades de veto das elites instaladas nos governos
subnacionais. São essas condições institucionais que permitiram a expansão da
autoridade da União sobre os governos subnacionais, além da preponderância do
Executivo sobre o Legislativo. Assim, há mais continuidade entre as mudanças
aprovadas nos anos 1990 e o contrato original de 1988 do que a noção de uma
ruptura entre os dois períodos autorizaria supor.
O artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução e das conclusões.
A primeira apresenta hipóteses de trajetórias possíveis para a centralização
ocorrida nos anos 1990 com base em duas teorias do federalismo comparado: a das
jurisdições e a do poder de veto, como já mencionado. A segunda seção apresenta
os procedimentos da análise. A terceira está dedicada à análise das mudanças na
legislação federal que afetaram interesses dos governos subnacionais, com base
na distinção conceitual entre execução de políticas e autoridade decisória
sobre essas mesmas políticas. A quarta seção explora os determinantes
propriamente federativos dessas mudanças. Testa empiricamente se elas podem ser
atribuídas a (i) mudanças na agenda da presidência ou a (ii) mudanças no
comportamento dos atores com (provável) interesse e capacidade de veto, ambas
controladas por mandato presidencial. Essa seção conclui que, em 1995, ocorreu
uma mudança na agenda do governo federal, ao passo que o comportamento das
bancadas estaduais é constante para todos os mandatos presidenciais. A quinta
seção explora o impacto das instituições federativas sobre esse processo
decisório.
CENTRO FRACO OU FORTE?
A análise comparada apresenta dois argumentos para interpretar os mecanismos
pelos quais Estados federativos podem afetar mudanças no status quo: a tese da
autoridade sobre jurisdições e a tese dos pontos de veto.
A primeira estabelece que a distribuição de autoridade legislativa pode operar
como um limitador das iniciativas do governo federal na medida em que a
Constituição não confira autoridade a este último para iniciar legislação sobre
uma dada área de política (Buchanan, 1995; Inman e Rubinfeld, 1997; Leibfried e
Pierson, 1995; Leibfried, Castles e Obinger, 2005; Obinger et alii, 2005;
Weingast, 1995). Nesse caso, portanto, um governo central limitado seria aquele
em que a União estivesse constitucionalmente proibida de apresentar propostas
em políticas específicas. O argumento que sugere que um extensivo "poder
residual dos estados" é indicador de um governo central fraco está relacionado
a essa tese (Stepan, 1999). Logo, o efeito do federalismo sobre a capacidade de
iniciativa do governo federal dependeria criticamente das áreas de política em
que este pode iniciar legislação.
A segunda tese estabelece que as federações tendem a apresentar mais pontos de
veto no processo decisório do que os sistemas unitários (Tsebelis, 1997; Weaver
e Rockman, 1993), aumentando assim a influência de grupos contrários às
iniciativas de reforma (Immergut, 1996). Adicionalmente, as federações criariam
instituições específicas para proteger as unidades constituintes de tentativas
futuras de expropriação por parte do centro ou de outras unidades, tornando os
governos subnacionais veto playersdecisivos em matérias que afetem diretamente
seus interesses (Rodden, 2006). Além do bicameralismo, dificuldades para
emendar a Constituição, exigências de supermaiorias, referendos, arenas
adicionais de veto propiciariam tais poderes de veto (Immergut, 1996; Lijphart,
1999; Obinger, Castles e Leibfried, 2005:8 e ss; Skocpol, 1992). Coalizões
supermajoritárias ou condições excepcionais seriam fatores necessários para
alterar uma dada distribuição original de competências. Portanto, esses
resultados dependem criticamente domodo como instituições que criem
oportunidades de veto às minorias se combinam nos contextos nacionais (Pierson,
1995; Gibson, 2004).
As duas teses permitem formular hipóteses explicativas para as mudanças no
status quofederativo ocorridas no Brasil. Aprimeira permite atribuí-las à
conversão de um governo central limitado (ou fraco)para iniciar legislação em
um governo central forte, com base na superação de obstáculos de ordem
jurisdicional. Um governo central, impedido pela Constituição de legislar sobre
determinadas áreas, teria aprovado emendas constitucionais transferindo
autoridade jurisdicional para o governo federal (Quadro_1, trajetória T1). Essa
conversão - de fracopara forte -também poderia ter ocorrido pela superação da
"armadilha da decisão conjunta"3, em que um governo central com poderes
jurisdicionais amplos está limitado pelo poder de veto dos governos
subnacionais (Qu adro 1, trajetória T2). Nessa trajetória, governos
anterioresao governo de controle apresentariam taxas de fracasso parlamentar
superiores às dos governos posteriores à alteração das regras.
Assim, se os formuladores da CF 88 desenharam instituições federativas
orientadas para constranger a União -isto é, para tornar o governo federal
fraco -, as matérias legislativas aprovadas nos anos 1990 só podem ser
explicadas por fatores institucionais se o governo federal tiver sido bem-
sucedido em T1, em T2 ou em ambas (ver Quadro_1).
Alternativamente, é possível que a explicação para as mudanças nos anos 1990
não seja institucional. Isto é, é possível que elas resultem de um contexto -
excepcional - de coincidência de preferências entre as elites do governo
central e as elites subnacionais (ou, pelo menos, parte expressiva destas).
Nesse caso, os governos subnacionais contariam com poder institucional de veto,
mas este não foi exercido4. Assim, uma explicação institucional para a
legislação aprovada em 1995 supõe distinguir efeitos de instituições dos
efeitos das preferências dos atores aos quais se atribui poder de veto.
É plausível supor ainda que a explicação para as mudanças no status
quofederativo nãosejam derivadas da conversão de um governo central fraco em um
governo central forte, caso as regras do jogo estabelecidas em 1988 já tivessem
colocado a União no quadrante inferior direito do Quadro_1, o que significa que
o governo federal não foi obrigado a se deslocar de uma situação de
constrangimento institucional para obter aprovação para sua agenda.
Diferentemente, as mudanças no status quofederativo seriam compatíveis com
processos de dependência da trajetória em que elites políticas se apoiam em
vantagens competitivas, derivadas de espaços políticos previamente ocupados,
para obter permanente superioridade sobre seus concorrentes (Pierson, 2004:71 e
ss). Nesse caso, as elites políticas de um governo central já forte teriam
aumentadosua capacidade de regular as ações dos governos subnacionais, porque a
União não teve de obter autorização constitucional para iniciar legislação de
interesse direto dos governos subnacionais (como seria o caso na Suíça) nem o
Executivo federal teve de reunir supermaiorias para aprovar essa legislação
(como seria o caso na Alemanha).
Essas hipóteses são bastante simples e podem ser testadas empiricamente. Para
examiná-las, é preciso investigar se a centralização dos anos 1990 é explicada
por (a) mudanças nos poderes jurisdicionais da União; (b) mudanças nas
iniciativas do Executivo federal; (c) mudançasnas oportunidades de veto postas
pelas instituições federativas ou, finalmente, por (d) mudanças nas
preferências dos atores com poder de veto.
DEFINIÇÕES E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE
Este artigo pretende identificar os fatores institucionais que tornam possível
à União aprovar legislação que afete (mesmo que negativamente) interesses dos
governos subnacionais no Brasil. Para isso, foram selecionadas para análise
todas as iniciativas legislativas de interesse federativo - envolvendo matérias
relativas à distribuição de autoridade em questões de tributação, gastos e
encargos -, submetidas à votação na Câmara dos Deputados, do governo Sarney
(posteriormente à aprovação da CF 88) ao primeiro governo Luiz Inácio Lula da
Silva: no total, 59 iniciativas legislativas que tramitaram pelo Congresso
entre 1989 e 2006.
Em um segundo passo, o conteúdo de cada iniciativa legislativa foi examinado
com base nas análises do projeto original, dos debates em plenário e da decisão
final, em consulta aos Diários da Câmara dos Deputados. Essa análise permitiu
classificar as 59 iniciativas de acordo comotipo de interesse dos governos
subnacionais afetado porseu conteúdo, a saber:
(a) matérias que afetaram as receitas de Estados e municípios;
(b) matérias em que a legislação federal afeta a autonomia decisória
dos governos subnacionais na arrecadação de seus próprios impostos;
(c) matérias em que a legislação federal afeta a autonomia decisória
dos governos subnacionais no exercício de suas próprias competências;
(d) matérias em que a legislação federal afeta a autonomia decisória
dos governos subnacionais para decidir sobre a alocação de suas
próprias receitas.
O Quadro_2 apresenta essas matérias classificando-as segundo o tipo de
interesse federativo afetado, bem como segundo seu efeito sobre as deliberações
da CF 885. Esse quadro nos permite constatar que essa análise agregada envolve
matérias em relação às quais não seria de se esperar a mobilização de veto por
parte dos governos subnacionais, tal como sugerido por Desposato (2004:279). A
classificação por tipo de assunto permite identificar quais unidades
constituintes eram afetadas pelas medidas (quarta coluna do Quadro_2) e testar
hipóteses relativas a seu (provável) interesse de veto. Além disso, essa
seleção abrangente6 visou evitar o risco de um viés de seleção pela variável
dependente, frequentemente associada aos estudos de caso, permitindo avaliar a
inteira variação da variável dependente (King, Keohane e Verba, 1994:115 e ss).
O terceiro passo da análise consistiu em testar empiricamente as hipóteses
apresentadas anteriormente, isto é, se a legislação aprovada é explicada por
(i) mudanças na distribuição jurisdicional de autoridade, por (ii) mudanças nas
oportunidades institucionais de veto dos governos subnacionais ou ainda por
(iii) mudanças nas estratégias dos principais atores, quais sejam: o
presidente, os governadores ou as bancadas estaduais na Câmara dos Deputados.
Para controlar os resultados pelas mudanças nas iniciativas do presidente,
foram examinados todos os governos posteriores à aprovação da Constituição
Federal de 1988, ou seja, governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso I e
II, e Luiz Inácio Lula da Silva I7.Por fim, para controlar os resultados por
mudanças no comportamento dos atores, foi examinado o comportamento das
bancadas estaduais nas votações nominais na Câmara dos Deputados. Para tanto,
foi mensurada a coesão de cada bancada estadual com base no índice de Rice8,
bem como suas taxas de disciplina partidária9 em relação à orientação de voto
do governo10 e em relação aos respectivos governadores11. Note-se que o
objetivo desta seção consiste em examinar se ocorreram mudanças no
comportamento dessas variáveis ao longo de todo o período, a fim de testar
empiricamente sua coincidência temporal com as mudanças na variável
dependente12.
O QUE DE FATO MUDOU NOS ANOS 1990?
Nesta seção, é analisado o conteúdo da legislação aprovada a partir de 1989,
visando identificar em que medida as mudanças reverteram a distribuição
original de autoridade sobre a arrecadação de tributos, a implementação de
políticas públicas, a autoridade sobre gastos, assim como sobre as receitas dos
governos subnacionais. Essa análise foi realizada com base na distinção
conceitual entre responsabilidades na execução de políticase autoridade
decisóriasobre tais competências, em linha com os modelos adotados por Chibber
e Kollman (2004), Stegarescu (2005) e Sellers e Lidström (2007). São
analisados, portanto, os quatro tipos de matéria de interesse federativo
descritos no Quadro_2.
A aprovação do FSE, até a DRU (Desvinculação de Receitas da União), passando
pelo FEF, afetou negativamente as receitas de estados e municípios. Para fazer
seu próprio ajuste fiscal, o governo federal reverteudecisões da CF 88 por meio
de duas medidas combinadas: (a) flexibilização das alíquotas que vincularam
receitas da União a destinos específicos de gasto; e (b) retenção de parte das
transferências constitucionais a Estados e municípios. Essa última revertia uma
das mais reconhecidas medidas descentralizadoras da CF 88, pois reduziu o
montante de receitas tributárias que a União é obrigada a transferir para
Estados e municípios. As medidas afetaram, portanto, as receitas de todas as
unidades federativas, mas seu maior impacto foi sobre as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, bem como sobre os municípios pequenos, sabidamente
mais dependentes das transferências constitucionais.
A flexibilização dos gastos vinculados da União - pela retenção prévia de 20%
do total da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União - foi
sucessivamente aprovada em todas as edições da medida, período que vai do
governo Itamar ao governo Lula. Entretanto, a retenção de 20% das
transferências constitucionais encontrou crescentes dificuldades de aprovação
parlamentar, o que levou o presidente Fernando Henrique a um recuo desse
componente da estratégia já em sua reedição de 1999. A primeira edição do FSE -
aprovada no governo Itamar Franco - foi a mais dura do ponto de vista da
imposição de perdas a Estados e municípios, visto que combinou simultaneamentea
desvinculação de gastos da União, a elevação da alíquota da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a retenção de parte das receitas dos fundos
constitucionais por um período de dois anos. As edições posteriores do FSE
prorrogaram o Fundo por um período mais reduzido - caso da reedição de 1996 -
ou foram acompanhadas de regras (também) constitucionais de ressarcimento
(ainda que parcial) das perdas fiscais de Estados e municípios - caso da
reedição de 199713.
No entanto, ainda que essas decisões tenham envolvido concessões, o saldo
líquido foi amplamente favorável à União. Embora a aprovação dessas medidas
tenha envolvido intensas negociações, todos os presidentes - de Itamar a Lula -
conseguiram aprovar a reedição do FSE/FEF/DRU, e as concessões feitas foram
residuais quando comparadas aos ganhos da União.
As matérias em que a União legislou sobre impostos estaduais e municipaisforam
aprovadas no governo Fernando Henrique. Trata-se da aprovação da Lei Kandir e
da autorização para que os municípios incluíssem as tarifas de pedágio na
cobrança do ISS e instituíssem taxas de iluminação pública. A Lei Kandir impôs
perdas importantes de receita aos Estados exportadores14, ao passo que as
tarifas de pedágio ampliaram a base tributária dos municípios. Contudo, a
aprovação dessas leis não apenas não alteroua distribuição de autoridade
tributária prevista na CF 88 como de fato representou a continuidadedas
disposições dessa Constituição.
A Lei Kandir ficou conhecida como a lei que desonerou as exportações e os
produtos semielaborados da incidência do ICMS. Entretanto, teve um alcance
muito mais amplo, pois foi discutida na Câmara dos Deputados como a lei que
unificou todas as normas de arrecadação do ICMS, envolvendo inclusive as regras
pelas quais os Estados devolveriam a quota-parte de seus próprios municípios.
Para os parlamentares, na Câmara dos Deputados, a Lei Kandir veio resolver uma
"ausência" de normatização da CF 88, que havia atribuído "provisoriamente" aos
Estados a autoridade para normatizar a cobrança do ICMS, pois o Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias havia determinado que o ICMS fosse
regulado por uma lei complementar "federal"15. Assim, a aprovação dessa lei em
nada alterou a distribuição jurisdicional de autoridade tributária da
Constituição de 1988, que já previa que alegislaçãoque regulaaarrecadação do
ICMS deveriaser federal. Na verdade, os formuladores da CF 88 conceberam uma
modalidade de distribuição vertical de autoridade tributária que centraliza, na
União, a prerrogativa de definir as normas de arrecadação e a base de
incidência dos impostos estaduais e municipais. Essa centralização é a
contrapartida necessária da homogeneidade dessas regras no território nacional.
O mesmo princípio regeu a tramitação legislativa dos impostos municipais.
Crédulos da propalada tese de que se haviam convertido em entes federativos
autônomos e que tinham autonomia sobre seus próprios impostos, muitos
municípios ampliaram a cobrança de ISS sobre os pedágios e instituíram taxas de
iluminação pública. As concessionárias das estradas recorreram ao Supremo
Tribunal Federal (STF), que lhes deu ganho de causa com base no argumento de
que o art. 156 da CF 88 estabelecia que uma lei complementar deveria fixar as
alíquotas e os serviçosincluídos na cobrançado ISS.
Observe-se, portanto, que a interpretação do STF - instância que desempenha o
papel de Suprema Corte para conflitos federativos no Bra-sil-foideque caberia à
União definir o que é passível de cobrança nos impostos sob tributação
exclusiva dos municípios. Se uma determinada base de incidência não está
prevista na lei federal, o município não pode taxá-la. Somente após a aprovação
da lei complementar nº100/1999, as prefeituras puderam cobrar ISS sobre as
tarifas de pedágio.
Trajetória semelhante teve a aprovação da cobrança da taxa municipal de
iluminação pública. À credulidade dos prefeitos em suas prerrogativas
tributárias correspondeu o acolhimento do STF dos recursos que não autorizavam
sua cobrança. Nesse caso, o art. 145 (CF 88) não autorizava a incidência de
taxas sobre a base de impostos. Mais que isso, o fato de que cobrança das taxas
tivesse sido autorizada por meio de uma lei ordinária foi derrubada no STF por
inconstitucionalidade, sendo, portanto, necessária a aprovação de uma emenda
constitucional para autorizar os municípios a cobrarem essa taxa16.
O processo decisório dessas matérias pôde, assim, ser interpretado com base na
teoria do poder jurisdicional. Não apenas o governo federal não estava impedido
de legislar sobre essas matérias como estava na verdade autorizado pela CF 88 a
iniciar esse tipo de legislação. Na verdade, a Constituição de 1988 limitou os
governos subnacionaisaadotar novas bases de tributação sem prévia autorização
da legislação federal. Longe de ser fraco para legislar sobre matérias desse
tipo, o governo federal estava instado a fazê-lo. É por essa razão que, como
veremos adiante, a maior parte dessa legislação tramitou sob a forma de
projetos de lei complementar.
Os governos do presidente Fernando Henrique aprovaram extensa produção legal,
em que a União legislou sobre as competências de Estados e municípios. Foram
aprovadas, entre outras, leis tão importantes quanto a Lei de Concessões, a
LDB, a reforma administrativa, o Estatuto da Cidade. Em conjunto, essa
legislação disciplina o modo como Estados e municípios devem exercer as
competências que lhes foram atribuídas pela CF 8817. Essa legislação estabelece
regras homogêneas para todos os governos subnacionais, detalhando o modo como
devem exercer suas próprias competências. Longe de representar uma reversão do
contrato original firmado em 1988, essa centralização decisória em nada
contraria os dispositivos estabelecidos por seus formuladores, representando,
na verdade, sua continuidade18.
A Constituição de 1988 havia previsto competências privativas da União em
políticas a serem executadas por Estados e municípios. Essa decisão revela que
os constituintes não apenas não pretenderam limitar a União em sua autoridade
para legislar sobre as ações de Estados e municípios como lhe autorizaram
exclusividade para legislar sobre políticas que estavam, nesse mesmo contexto,
sendo transferidas para Estados e municípios.
Essa extensão da autoridade regulatória da União poderia ter gerado uma reação
de defesa da autonomia dos governos subnacionais na medida em que fortalecia o
controle exercido pelo governo federal. Mais que isso, poderia ter dado origem
a uma ampla coalizão de veto, uma vez que afetava negativa e simultaneamente a
autonomia decisória de Estados e municípios.
Nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique, a aprovação de matérias em
que a União limita a autonomia decisória dos gastos estaduais e
municipaisrevela que esse tema veio para o centro da agenda de governo. Essa
legislação, de fato, representou uma mudança importante em relação às
deliberações da CF 88, que conferia ampla autonomia de gasto a Estados e
municípios, excetuada a área de ensino. A aprovação dessa legislação significou
substancial redução da autonomia decisória dos governos estaduais e municipais
sobre a alocação de suas próprias despesas.
Além da Lei Camata, apenas o Fundef foi aprovado no primeiro mandato de
Fernando Henrique. Seu segundo mandato, contudo, foi extremamente ativo na
aprovação da legislação que vinculou receitas de Estados e municípios à saúde;
obrigou Estados e municípios a criarem fundos de combate à pobreza; determinou
as condições e os prazos de pagamento de precatórios; estabeleceu tetos para o
gasto dos legislativos municipais, bem como com pessoal ativo e inativo;
regulou os regimes previdenciários, além de criar restrições ao endividamento e
à expansão do gasto19.
As emendas constitucionais de fato não apenas reverteramos princípios de
autonomia de gastoda CF 88 como também legislaram com detalhe a alocação dos
gastos dos governos subnacionais, autorizando a intervenção da União caso esses
dispositivos não fossem cumpridos.
Entretanto, parte dessa agenda de ordenamento das finanças dos governos
subnacionais estava dando continuidade às deliberações da Constituição de 1988.
Em seus arts. 163 e 169, a CF 88 remeteu para lei complementar federal a
definição das normas das finanças públicas e os limites de despesa com pessoal
ativo e inativo. Assim, os conteúdos da LRF e da Lei Camata não estavam
previstos pelos constituintes, mas a regulamentação federal das finanças
subnacionais não apenas não foi negada pelo contrato original como era esperado
que assim o fosse.
Em suma, nos anos 1990, as elites do governo central foram muito bem-sucedidas
em aprovar extensa legislação federal, que fortaleceu a autoridade da União
sobre Estados e municípios na medida em que essa legislação regulou
extensivamente o modo como os governos subnacionais arrecadavam seus impostos
exclusivos, implementavam as políticas sob sua responsabilidade e gastavam seus
próprios recursos. A noção de que essa legislação teria representado uma
ruptura radical em relação ao contrato original de 1988 obscurece, contudo, os
elementos de continuidade entre 1988 e 1995. Ruptura e continuidade estiveram
presentes nas deliberações dos anos 1990. Ruptura em relação à autonomia
subnacional sobre gastos, mas continuidade de um modelo de Estado federativo
que confere autoridade à União para regular o modo como Estados e municípios
devem executar suas próprias competências sobre impostos, políticas e gastos. A
legislação federal dos anos 1990 não inaugurou um novo modelo de Estado
federativo. Seus princípios normativos já estavam presentes na Constituição de
1988.
DE COMO 1988 FACILITOU 1995: DETERMINANTES INSTITUCIONAIS DAS MUDANÇAS
Nesta seção, são examinados os determinantes institucionais da legislação
aprovada nos anos 1990 cujo conteúdo afetou negativamente as receitas, bem como
a autoridade sobre impostos, políticas e gastos dos governos subnacionais. A
seção anterior e o Quadro_2 revelam que a maior parte dessa legislação foi
aprovada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, confirmando o que
demonstraram diversos auto-res (Abrucio e Costa, 1999; Samuels e Mainwaring,
2004; Melo, 2005), embora os governos Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva
também tenham aprovado medidas de conteúdo similar. Entretanto, para
identificar os fatores que explicam o sucesso parlamentar dos presidentes, é
necessário dar um passo adicional à identificação do presidente cujo mandato
concentrou matérias legislativas aprovadas. É preciso testar empiricamente se a
ausência de medidas aprovadas está associada ao fracasso parlamentar dos
presidentes anteriores (hipótese do governo central fraco) ou,
alternativamente, se essa ausência se deve ao fato de os presidentes anteriores
não iniciarem esse tipo de legislação. Em segundo lugar, para testar a hipótese
de que o sucesso parlamentar de Fernando Henrique se deveu a uma atualização do
cálculo político dos governadores, causando comportamento cooperativo das
bancadas estaduais no Congresso, é preciso testar empiricamente se esse
comportamento não foi cooperativo com os presidentes anteriores.
As Preferências dos Presidentes
Os governos Fernando Collor de Mello e Itamar Franco foram extremamente tímidos
para submeter ao Congresso matérias de interesse federativo. Collor não
partilhava a preferência pelo modelo descentralizado de execução de políticas
públicas aprovado na CF 88. Na verdade, pretendeu reverter esse modelo. Nomeou
para ministro da Saúde um ex-dirigente do Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps) e vetou 25 artigos da Lei Orgânica da
Saúde, aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados (Arretche, 2004). Além
disso, a agenda política do segundo ano de seu mandato esteve fortemente
ocupada por seu impeachment. É difícil precisar a agenda da ampla coalizão de
sustentação do curto e tempestuoso mandato de ItamarFranco,
emboraaLDB,aLeideConcessões eaprimeira-emais dura-versão do FSE tenham sido
aprovadas em seus dois anos de mandato. Sua gestão como governador de Minas
Gerais, no entanto, autoriza a duvidar que Itamar tivesse claras preferências
por um modelo de Estado federativo em que a União exercesse sua autoridade para
regular as políticas e os gastos dos governos subnacionais20.
O senador Fernando Henrique Cardoso, ao contrário, já havia apresentado, em
1991, um projeto de lei que disciplinava as concessões de serviços públicos em
todos os níveis de governo, cuja proposta original já revelava sua preferência
por um modelo de Estado federativo compatível com aquele adotado pelos
constituintes em 1988.
A regulação dos impostos, das políticas e dos gastos dos governos subnacionais
esteve no centro da agenda do presidente Fernando Henrique. Seus dois mandatos
foram bem mais ativos do que os de seus antecessores na proposição de matérias
legislativas desse tipo (ver Tabela_121). Das 59 matérias desse estudo,
quatorze tramitaram no Congresso em seu primeiro mandato contra apenas três no
governo Fernando Collor e seis no governo Itamar. Seu segundo mandato foi ainda
mais ativo do que o primeiro, tendo submetido à votação 24 matérias que
afetavam os interesses de Estados e municípios.
Essa mudança na agenda da presidência pode ser mais bem observada no Gráfico_1.
Para qualquer uma das matérias examinadas, o Congresso foi chamado para
deliberar sobre um maior número de iniciativas legislativas durante os mandatos
de Fernando Henrique Cardoso. Seu primeiro mandato deu prioridade à regulação
das políticas executadas por Estados e municípios, ao passo que, durante seu
segundo mandato, o Congresso foi chamado para deliberar sobre a regulação
federal dos impostos, das políticas e dos gastos dos governos subnacionais.
Fernando Collor e Itamar Franco não obtiveram fracasso parlamentar em suas
iniciativas. A Câmara dos Deputados aprovou todas as matérias votadas durante
os governos Collor, Fernando Henrique e Lula I, tendo rejeitado apenas uma
matéria votada no governo Itamar (ver Tabela_1).
Pode-se argumentar, corretamente, que essas medidas quantitativas são
excessivamente cruas, por considerarem equivalentes matérias de relevância e
conteúdo muito distintos. Não se pode afirmar, contudo, que a Lei de
Concessões, a Lei Camata, a Lei de Licitações e a LDB sejam irrelevantes; e
foram aprovadas nos governos Collor e Itamar quando submetidas à votação.
Portanto, não há evidência empírica de que o fortalecimento da regulação
federal no governo Fernando Henrique tenha sido precedido de fracasso
parlamentar dos presidentes anteriores. O fato é que Fernando Collor e Itamar
Franco tiveram muito poucas iniciativas para regular os governos subnacionais.
Em suma, as mudanças institucionais ocorridas a partir de 1995 são parcialmente
explicadas pela mudança na agendada presidência, não havendo evidências de
fracasso parlamentar dos presidentes anteriores e posteriores a Fernando
Henrique Cardoso.
Mudanças no Comportamento das Bancadas Estaduais
As 59 matérias totalizaram 450 votações nominais. Foram excluídas vinte
votações inválidas - aquelas em que não houve quórum para votação - e 131
votações unânimes - aquelas em que todas as lideranças partidárias tiveram a
mesma orientação de voto22-, razão pela qual não é possível determinar a
fidelidade dos parlamentares. Restam, portanto, 308 votações nominais para as
quais é possível examinar a coesão e a fidelidade dos parlamentares por bancada
estadual.
Em todos os gráficos desta seção, as bancadas estaduais estão
ordenadasdaesquerdaparaadireita pelo índice de Rice23. Assim, caso a bancada
estadual votasse de modo coeso, esse índice seria próximo de cem. Caso
contrário, se a bancada estadual estivesse rigorosamente dividida, seria
próximo de zero24. As demais medidas avaliam a disciplina dos parlamentares em
relação à orientação de voto de seu respectivo líderpartidário, à orientação de
voto do líder do governo e à orientação de voto do líder do partido a que
pertence o governador do respectivo Estado.
No governo Fernando Collor (Gráfico_2), foram aprovadas a Lei de Concessões e a
Lei Camata, além do primeiro turno da Lei de Licitações (ver Tabela_1_do
Anexo). Portanto, essas matérias limitavam a autoridade de todosos governos
subnacionais, indistintamente,sobre suas próprias políticas e seus próprios
gastos. A despeito disso, as bancadas estaduais não vetaram as propostas,
visando defender a autonomia de gasto e de contratação de seus governadores e
prefeitos. Em apenas um caso (Distrito Federal), a maioria da bancada votou
contra o governo. Isso significa que, caso governadores e prefeitos tenham sido
contrários a essas medidas, não foram capazes de mobilizar suas bancadas para
vetar a medida. Mais que isso, o voto contrário à orientação do líder do
governo não pode ser creditado à orientação do governador, pois o comportamento
regular dos parlamentares foi de fidelidade à orientação dos líderes
partidários (observe-se que a taxa de fidelidade ao respectivo líder partidário
é sistematicamente superior àquela que mede a fidelidade ao partido do
governador). Isso significa que, quando os parlamentares não votam com o líder
do governo - isto é, não cooperam com o presidente -, esse resultado é
explicado pela dificuldade de o presidente obter apoio dos partidos, em
particular do PMDB25.
No governo Itamar Franco (Gráfico_3), foram votadas a Lei de Licitações, a LDB,
uma lei de autoria do senador Fernando Henrique que excluiria as exportações do
(então) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), um projeto de lei
que criaria um sistema nacional de educação tecnológica e um projeto de lei
complementar que criaria uma aposentadoria especial para os profissionais de
saúde de todos os níveis de governo, além da versão mais dura do FSE, que
"expropriava" 20% das transferências constitucionais a Estados e municípios
(ver Tabela_1_do_Anexo). Portanto, as medidas votadas afetavam tanto a
autonomia decisória dos governos subnacionais sobre suas próprias políticas
quanto receitas dos Estados mais pobres da federação e dos municípios pequenos,
sabidamente dependentes das transferências federais.
A despeito disso, em todos os estados, a maioria dos parlamentares votou
favoravelmente à orientação de voto do líder do governo. Assim, o plausível
interesse de veto dos "perdedores" - governadores dos Estados das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste - não se traduziu em voto contrário da maioria
dos representantes das bancadas desses Estados. Os governadores não tiveram
capacidade de comando superior à dos líderes partidários nessas votações, visto
que (com exceção de Sergipe) a taxa de fidelidade à orientação de voto do líder
partidário foi superior à taxa de fidelidade à orientação de voto do partido do
governador.
No governo Fernando Henrique Cardoso I (Gráfico_4), foram votadas tanto medidas
que suprimiam receitas de Estados e municípios (como o FSE e a Lei Kandir)
quanto iniciativas legislativas que disciplinaram o modo como os governos
territoriais arrecadariam seus próprios tributos (Lei Kandir), exerceriam suas
próprias competências (Lei de Concessões, previdência, capítulo da
Administração Pública, LDB) e gastariam suas próprias receitas (Fundef).
Portanto, o conteúdo das propostas votadas na Câmara dos Deputados, no governo
Fernando Henrique, não é substancialmente distinto daquele votado durante os
mandatos dos presidentes anteriores.
Entretanto, não há evidência de que os fatores que permitiram o sucesso
parlamentar dos presidentes anteriores sejam distintos dos observados para o
governo Fernando Henrique. Esse sucesso não pode ser interpretado como derivado
de uma estratégia de apresentação de propostas não polêmicas que tenha obtido
apoio porque foi capaz de antecipar o voto contrário de bancadas potencialmente
hostis. As matérias que tramitaram no Congresso foram majoritariamente
caracterizadas pela "imposição de perdas" aos governos territoriais, em
particular nos mandatos do presidente Fernando Henrique. A retenção das
transferências constitucionais reverteu, por um período de cinco anos, 20% das
receitas automáticas de Estados e municípios, penalizando mais fortemente os
estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e os pequenosmunicípios, ou
seja,unidadessubnacionaisàsquais se atribuio poder de veto de minorias
sobrerrepresentadas no Congresso. A Lei Kandir penalizou as receitas dos
Estados exportadores - unidades subnacionais às quais se atribui poder de veto
associado à sua importância econômica na federação. A limitação da autonomia
decisória das unidades federativas sobre seus próprios gastos afetou
negativamente todos os governos subnacionais. A Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), bem como um conjunto de outras leis, ampliou a extensão em que a União
normatiza o modo como Estados e municípios executam suas próprias políticas e
recolhem seus próprios impostos, afetando todos os membros da federação (Quadro
1). Em suma, o conjunto de medidas impôs perdas a todos os tipos de minoria
subnacional aos quais a literatura tem atribuído poderes de veto para impedir
sua aprovação.
Além disso, na tramitação da maior parte desses projetos, a oposição utilizou
extensivamente o argumento do ataque às prerrogativas dos governos subnacionais
para impor custos políticos à coalizão de sustentação do presidente. A despeito
disso, o comportamento das variáveis que estamos analisando é basicamente o
mesmo para todos os presidentes: da mesma forma que para os governos
anteriores, a maioria dos parlamentares de cada Estado apoia as iniciativas do
governo federal, sendo sua fidelidade à orientação de voto dos líderes
partidários que explica esse comportamento.
Nos grandes Estados, agora comandados por governadores do mesmo partido do
presidente - a saber, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro -, as bancadas
apresentam taxas de coesão inferiores a 60%, indicando que pelo menos 20% dos
parlamentares presentes nãovotaram de acordo com a maioria da bancada. Na
verdade, em média, 40% dos parlamentares das bancadas de São Paulo e Rio de
Janeiro que compareceram às votaçõesvotaram contra aorientação de voto do líder
do governo. Portanto, não é possível creditar o sucesso parlamentar do
presidente na aprovação dessas medidas ao apoio dos governadores de seu
partido. Nem sequer é possível creditar esse sucesso exclusivamente ao apoio
dos governadores.
Como já apontado anteriormente, o segundo governo Fernando Henrique foi
extremamente ativo na aprovação de um pacote de medidas que (i) disciplinou a
arrecadação dos impostos municipais, definindo as bases de incidência do ISS;
(ii) disciplinou as finanças públicas estaduais e municipais, com a aprovação
da LRF; (iii) reverteu a autonomia de gasto dos governos subnacionais prevista
na CF 88, com a aprovação dos Fundos de Combate à Pobreza, da vinculação de
gasto com saúde, da legislação que rege o pagamento de precatórios eosgastos
dos legislativos municipais, bem como (iv) definiu como os governos municipais
exerceriam suas próprias competências, com a aprovação do Estatuto da Cidade.
É razoável esperar que governadores e prefeitos mobilizassem seus
representantes para vetar essas matérias. No entanto, como se pode observar,
caso o tenham feito, não obtiveram sucesso, pois o voto favorável é, em média,
superior a 60% em cada bancada estadual. Não há evidências que autorizem
afirmar que o apoio dos governadores tenha sido essencial para o sucesso
legislativo do governo Fernando Henrique II. Observe-se que as taxas de
fidelidade à orientação de voto do partido do governador são as mais baixas
para quase todas as bancadas estaduais (Gráfico_5).
Nesse segundo mandato, o PSDB perdeu as eleições em Minas Gerais e no
RiodeJaneiro,ficando no comando do Estado de São Paulo, que tem a maior bancada
do país. Entretanto, observe-se que São Paulo apresentou uma das mais baixas
taxas de coesão, acompanhada de uma elevada taxa de fidelidade partidária, isto
é, a bancada paulista estava rigorosamente dividida - situação indicada pelo
fato de as taxas de fidelidade ao líder do governo e ao partidodo governado
restarem em torno de 50%. Observe-se que o comportamento da bancada do Rio de
Janeiro é bastante similar, embora o governador não fosse do partido do
presidente. Na verdade, o fato de o comportamento sistemático das bancadas
estaduais apresentar taxas de fidelidade partidária próximas de 100% indica que
os conflitos em torno dessas matérias foram processados em termos partidários,
o que significa que os parlamentares dos partidos de oposição tenderam
predominantemente a não votar com o governo. Em outras palavras, os
governadores do partido do presidente não parecem ter obtido o voto favorável
dos parlamentares da oposição.
No governo Lula I (Gráfico_6), foi votada a DRU, que teria como efeito reduzir
o montante das transferências voluntárias a Estados e municípios, e foram
aprovadas a legislação que disciplinaria os regimes previdenciários de Estados
e municípios, a contratação de agentes de saúde, as Parcerias Público-Privadas
e o Fundeb. O conteúdo dessas matérias, bem como o fato de que muitos Estados
eram comandados por governadores da oposição, não impediu o presidente de
aprovar essas medidas, visto que, para todas as bancadas, o voto favorável foi
superior a 60%. Mais uma vez, é a fidelidade dos parlamentares a suas
respectivas lideranças partidárias que explica o sucesso parlamentar do
presidente na aprovação dessas medidas.
Em suma, o comportamento das bancadas estaduais na votação de matérias de
interesse federativo não parece ter apresentado alteração significativa no
período pós-1988. Desse modo, não se pode atribuir o fato de os mandatos de
Fernando Henrique Cardoso terem concentrado a aprovação dessas matérias a uma
mudança no comportamento das bancadas estaduais em relação ao presidente.
Assim, embora os governadores possam ter atualizado seu cálculo político no que
tange à sua relação com o presidente, essa mudança não parece ser a causado
sucesso parlamentar de Fernando Henrique. Em primeiro lugar, porque, como
também demonstraram Cheibub, Figueiredo e Limongi (2006; 2009), não há
evidências robustas de que os governadores tenham maior poder de comando sobre
o voto dos parlamentares do que os líderes partidários. Em segundo lugar,
porque as matérias que foram à votação na Câmara dos Deputados obtiveram apoio
da maioria das bancadas estaduais, a despeito de seu conteúdo de "imposição de
perdas". Na verdade, a mudança ocorrida no governo Fernando Henrique Cardoso
diz respeito à agenda do presidente, esta, sim, concentrada em fortalecer a
capacidade de regulação do governo federal sobre os governos subnacionais.
INSTITUIÇÕES FEDERATIVAS E PODER DE VETO
Resta examinar por que a tramitação dessas matérias é essencialmente um jogo
entre o presidente, as bancadas estaduais e os partidos políticos no Congresso.
Requer explicação o fato de as matérias de interesse federativo serem
processadas nesses termos. Isso diz respeito às regras estabelecidas pela CF88
para processar as interações futuras entreas unidades da federação.
A Autoridade Jurisdicional da União
Os formuladores da Constituição não parecem ter pretendido limitar as
iniciativas legislativas da União. No mesmo ato com que aprovaram um modelo de
Estado federativo que transferia competências sobre a execuçãode políticas para
os governos subnacionais, aprovaram dispositivos constitucionais que davam
ampla autoridade à União para legislar sobre essas mesmas políticas. Também não
parecem ter pretendido construir um Estado federativo em que os governos
subnacionais tivessem autoridade exclusiva para legislar e executar suas
próprias políticas. Longe de criar uma federação com um centro limitado,
conferiram amplos poderes jurisdicionais à União.
É, de certo modo, surpreendente que esse aspecto tenha sido pouco explorado
pela literatura, a despeito da centralidade do federalismo na agenda de
pesquisas sobre as instituições políticas brasileiras. De fato, em muitos
países - federativos, bem como unitários -, a disputa entre jurisdições é um
elemento central dos conflitos sobre a produção de políticas públicas (Obinger
et alii, 2005:266 e ss; Moore, Jacoby e Gunlicks, 2008).
ACF 88 (no art. 21) lista 25 áreas de competência da União, que incluem as
políticas de comunicação, de infraestrutura, de desenvolvimento urbano, de
energia e de transporte, além de "elaborar e executar planos nacionais e
regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social".
Assim, já em 1988, a União estava autorizada a legislar sobre todasas políticas
estratégicas, mesmo que estas fossem implementadas pelos governos subnacionais.
Além disso, o art. 22 lista 29 áreas de competência privativada União, que
incluem políticas que seriam executadaspor Estados e municípios, tais como:
todas as áreasdo direito, águas, energia, telecomunicações, radiodifusão,
transportes, emprego, polícias militares, seguridade social, diretrizes da
educação, assim como normas de licitação e contratação (ver Quadro_3). Somadas,
essas áreas representam 56 itens. Ao atribuir sua competência à União, os
constituintes limitaram, de fato, a formulação autônoma de políticas porparte
dos governos subnacionais.
O art. 24, que conta com apenas 16 incisos, lista as áreas em que as
competências são concorrentes, ou seja, aquelas sobre as quais União, Estados e
municípios poderiam legislar. Essas áreas incluem o meio ambiente, a educação,
a previdência, bem como a assistência à juventude (ver Quadro_3).
Em outros termos: em que área de política pública estava a União impedida de
legislar pela CF 88? Se a resposta a essa questão listasse a área de
desenvolvimento urbano, por exemplo, o Estatuto da Cidade teria sido barrado na
Comissão de Constituição e Justiça, por ter a União atravessado uma fronteira
de jurisdição. Se a resposta a essa questão envolvesse as normas de contratação
de pessoal, o governo federal seria obrigado a adotar a estratégia T1 (no
Quadro_1) para apresentar a PEC que tratou do capítulo da Administração
Pública. Ou, alternativamente, este teria que ter tido um alcance muito mais
limitado, pois não poderia reger as normas de contratação de Estados e
municípios. Longe de limitar a União, os legisladores de 1988 conferiram-lhe
amplos poderes jurisdicionais.
Além disso, um aspecto pouco observado diz respeito às disposições transitórias
da Constituição. A Lei Camata e a LRF, por exemplo, que tiveram um impacto
significativo sobre as finanças dos governos subnacionais, estavam baseadas nos
arts. 163 e 169 da CF 88, que remetiam para lei complementar federal a
definição das normas das finanças públicas e os limites de despesa com pessoal
ativo e inativo. A tramitação parlamentar de matérias tão importantes como a
Lei Kandir, a Lei de Concessões, a Lei de Licitações, a LDB, o Estatuto da
Cidade, o capítulo da Administração Pública e a Lei das Parcerias Público-
Privadas não envolveu nenhuma alteração de poder jurisdicional, pois sua
apresentação não obrigou a União a atravessar uma fronteira de jurisdição (T1
no Quadro_1). Essas matérias apenas deram continuidade às disposições da
Constituição.
Em resumo, as preferências dos constituintes já haviam sido no sentido de
atribuir à União autoridade para legislar sobre as regras segundo as quais
Estados e municípios arrecadariam seus próprios tributos, bem como as regras
segundo as quais os governos subnacionais executariam parte importante das
políticas descentralizadas.
Os constituintes poderiam, entretanto, ter produzido um modelo de Estado
federativo que produzisse sistematicamente joint-decision traps(Scharpf, 1988),
caso tivessem combinado ampla autoridade jurisdicional da União com exigências
de supermaiorias para aprovação de matérias de interesse federativo.
Examinemos, portanto, se as regras previstas pelos constituintes para reger as
interações futuras entre as unidades constituintes exigiam supermaiorias para
aprovar mudanças no status quofederativo.
Poderes Institucionais de Veto dos Governos Subnacionais
O contrato original de 1988 não previu nenhum processo decisório distinto para
matérias legislativas que envolvam o status quofederativo. Isto é, iniciativas
legislativas que afetam interesses dos entes federativos têm as mesmas regras
de tramitação que qualquer outro tipo de matéria nas arenas legislativas
federais. Portanto, os formuladores da Constituição não parecem ter previsto
instituições políticas que impusessem proteções especiais às iniciativas de
revisão da distribuição original de competências de 1988.
Emendas à Constituição
De 1989 a 2006, foram aprovadas 53 emendas constitucionais. Destas, 28 disseram
respeito a matérias de interesse federativo. Esse resultado significa uma taxa
anual de emendamento de 3,5. Em termos internacionais, essa taxa é muito
superior à dos países que adotaram estratégias restritivas para aprovação de
emendas à Constituição. Nestes, a taxa é igual ou inferior a 1,3 (Lutz,
1994)26. Se medirmos apenas as matérias de exclusivo interesse federativo, a
taxa anual seria de 1,8, ainda assim superior à taxa geral de aprovação de
emendas constitucionais dos países que adotam estratégias restritivas de
emendamento, segundo o modelo adotado por Lutz.
Das 59 matérias examinadas (ver Tabela_1), 23-portanto, pouco mais de um terço
- eram propostas de emenda constitucional, o que confirma a interpretação de
que a agenda legislativa pós-1988 envolveu revisões constitucionais (Melo,
2002; Couto e Arantes, 2006). Entretanto, o fato de a CF 88 requerer alterações
futuras - considerando sua extensão - não é condição suficiente para explicar
sua elevada taxa de emendamento posterior. Em outros termos, a necessidadede
emendar a Constituição não explica o sucessodo emendamento. De fato, como
demonstrado por Lutz (1994), constituições extensas e detalhadas apresentam
altas taxas de emendamento quando esse fator está combinado com regras que
facilitam a aprovação das emendas. Em outros termos, o fato de que tenham sido
aprovadas 21 emendas constitucionais que afetaram o status quofederativo - das
23 PECs com esse conteúdo votadas na Câmara dos Deputados - revela que não há
obstáculos institucionais de grande monta para aprovar emendas constitucionais
no Brasil, mesmo quando seu conteúdo "expropria direitos das unidades
constituintes".
Embora a aprovação de emendas constitucionais seja a modalidade mais exigente
de alteração no status quoda legislação brasileira, esta é comparativamente
pouco exigente em termos internacionais (Arretche, 2002; 2008). Os
constituintes de 1988 optaram por requerer dois turnos de votação, na Câmara
dos Deputados e no Senado, da mesmalegislatura. Nesses termos, a incerteza em
relação à obtenção de maioria na segunda votação é praticamente zero. A opção
pela regra de maioria parlamentar também foi a mais baixa em termos
internacionais, de apenas três quintos. Assim, não são necessárias
supermaioriaspara aprovar emendas à Constituição, visto que uma maioria de 60%
em quatro sessões relativamente próximas permite alterar a Carta.
Além disso, federações que buscaram criar oportunidades de veto para emendar a
Constituição instituíram arenas adicionais de decisão27. No Brasil,
diferentemente, a formação de uma coalizão majoritária nas arenas decisórias
centrais é condição suficiente para emendar a Constituição. Nesse caso,
aprovada uma emenda constitucional pelo Congresso, ela passará a ter imediata
validade para todos os entes federativos sem que estes tenham uma nova
oportunidade institucional de veto. São essas regras que permitem que o jogo
"comece e termine" como essencialmente um jogo entre o presidente, as bancadas
estaduais e os partidos no Congresso.
Em suma, os formuladores da Constituição não parecem ter pretendido exigir que
fossem necessárias supermaiorias para que mudanças na CF 88 fossem aprovadas.
Nem pretenderam oferecer oportunidades de veto aos opositores de reformas pela
via de uma multiplicidade de arenas decisórias. Ao contrário, desde 1988, as
oportunidades de veto dos governos territoriais foram pensadas como limitadas
na medida em que estão concentradas, nas arenas decisórias centrais, em uma
mesma legislatura. Assim, um presidente que consiga reunir uma coalizão
majoritária e estável nas duas casas legislativas terá grandes chances de
aprovar emendas à Constituição, mesmo que estas afetem negativamente os
interesses dos governos territoriais. Em outras palavras, minorias têm
limitadas oportunidades institucionais de veto desde o contrato original de
1988.
Disposições Constitucionais, Poder Jurisdicional e Poder de Veto
Um aspecto ainda pouco explorado das mudanças no status quofederativo
dizrespeitoaofatodeque essasmudanças nãoenvolveram apenasemendas à
Constituição. Como já mencionado, matérias tão importantes como a Lei Kandir, a
Lei Camata e a LRF foram, na origem, projetos de lei complementar. Como
declarou o relator da Lei Kandir, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), em
uma das citações no início deste artigo, os formuladores da CF88 haviam
conferido provisoriamenteaos Estados a autoridade para normatizar a cobrança do
ICMS atéque uma lei complementar federal o fizesse. Igualmente, a Lei Camata e
a LRF também foram amparadas em disposições do mesmo tipo.
É certo que os formuladores da CF 88 não haviam previsto qual seria o conteúdo
dessa legislação, mas já haviam atribuído à União a competência para legislar
sobre as finanças subnacionais. As deliberações sobre essas matérias não
envolveram, portanto, recentralização da autoridade na União, mas sim
continuidade e desenvolvimento de decisões da Assembleia Constituinte.
Mais que isso, ao conferir à União a autoridade para dar continuidade à
elaboração da Constituição em matérias dessa natureza, os constituintes não
pretenderam exigir supermaiorias para sua aprovação. Projetos de lei
complementar podem ser iniciados em qualquer uma das casas legislativas -
Câmara dos Deputados ou Senado. A casa revisora pode apresentar emendas; mas,
em caso de aprovação, a casa iniciadora não precisa aceitá-las, ainda que,
nesse caso, o projeto deva retornar à casa iniciadora. Além disso, é necessária
a maioria dos membros das duas casas tanto para a votação nominal quanto para a
aprovação. Se houver aprovação nas duas casas, um projeto de lei complementar
pode ser aprovado por 51% dos membros em um turno de votação.
Assim, desde o contrato original em 1988, as elites do governo central não
tinham diante de si a difícil tarefa de reunir supermaiorias em uma
multiplicidade de pontos de veto para aprovar matérias tão importantes quanto a
LRF, por exemplo. Na verdade, um projeto de lei complementar tem as exigências
mínimas de formação de maioria absoluta. Em outras palavras, para vetar a LRF,
a minoria não contava com muitas oportunidades de veto.
Pode-se argumentar, corretamente, que muitas disposições transitórias das
constituições brasileiras permanecem letra morta. Entretanto, o argumento
apresentado aqui não é que essa legislação foi iniciada porque a CF assim o
exigiu. Diferentemente, o argumento sustenta que as disposições transitórias
não impediramque as elites do governo central iniciassem esse tipo de matéria.
Ou melhor, as disposições transitórias permitiram que a agenda de governo
federal, que visava regular as finanças e as políticas dos governos
subnacionais, tenha sido apresentada e processada sob condições institucionais
que facilitaram sua aprovação parlamentar, bem como limitaram as oportunidades
de veto dos governos subnacionais.
Matérias tão importantes quanto a LDB, o Estatuto da Cidade, a Lei de
Concessões, a Lei de Licitações e as Parcerias Público-Privadas puderam
tramitar sob a forma de projetos de lei. Isso porque legislavam sobre políticas
que, embora executadas por Estados e municípios, eram de competência exclusiva
da União. Essas matérias, portanto, não envolveram recentralização decisória ou
supressão de prerrogativas dos governos subnacionais. Envolveram apenas a
deliberação sobre questões que, desde a CF 88, estavam previstas como matérias
em que a União deveria legislar. Em outras palavras, puderam tramitar sob essa
forma porque não exigiram que a União tivesse que adotar a estratégia T1
(Quadro_1) para legislar sobre essas matérias.
O poder jurisdicional da União, nesses casos, facilita significativamente sua
aprovação, bem como limita o veto dos governos subnacionais. Projetos de lei
não exigem nem sequer maioria absoluta para aprovação. Sua tramitação é
semelhante à dos PLPs, isto é, a casa iniciadora não está obrigada a incorporar
mudanças apresentadas pela casa revisória. Em outras palavras, se a casa
revisora não rejeitar o projeto, a maioria nas duas casas é suficiente para
aprovação de um projeto de lei. Este pode ser aprovado pela maioria simples dos
presentes na sessão e por votação simbólica. A minoria pode exigir, no máximo,
uma votação nominal para aprovação do requerimento de urgência. Resta,
portanto, para a oposição, unicamente a estratégia de tornar visível a
responsabilidade pela decisão, tentando impor custos eleitorais à aprovação de
medidas de imposição de perdas. No entanto, as oportunidades de veto das
minorias são bastante limitadas.
Em suma, a combinação dos poderes jurisdicionais com as regras que regem o
processo decisório em matérias de interesse federativo fornece amplas
oportunidades de iniciativa e aprovação parlamentar às matérias iniciadas pelas
elites do governo central. Na verdade, são as elites dos governos subnacionais
que têm suas oportunidades de veto restringidas a reunir maiorias
oposicionistas na Câmara dos Deputados, casa em que se inicia a maior parte das
iniciativas legislativas. A única estratégia de veto consiste em reunir uma
maioria oposicionista no Senado ou na Câmara dos Deputados. O jogo tem grandes
chances de terminar se o presidente conseguir reunir uma coalizão majoritária
baseada nos partidos que lhe dão sustentação no Congresso.
CONCLUSÕES
Os formuladores da Constituição de 1988 combinaram ampla autoridade
jurisdicional à União com limitadas oportunidades institucionais de veto aos
governos subnacionais. Assim, formularam um desenho de Estado federativo em que
os governos subnacionais têm responsabilidade pela execução de políticas
públicas, mas autorizaram a União a legislar sobre suas ações. Além disso,
formularam regras que permitem que a maioria, nas arenas decisórias centrais,
aprove mudanças no status quofederativo.Em suma, a CF88 não produziu
instituições políticas que tornariam o governo central fraco em face dos
governos subnacionais.
Os constituintes de 1987-1988 também autorizaram a União a legislar - em
algumas áreas, privativamente - sobre todas as matérias que dizem respeito às
ações de Estados e municípios. Assim, o modelo de Estado federativo brasileiro
autoriza as elites do governo central a apresentar iniciativas legislativas em
todas as áreas relevantes de políticas públicas, em particular naquelas cuja
execução é de competência de Estados e municípios. Em outras palavras, os
formuladores da Constituição atribuíram à União a autoridade para regular as
regras de execução das competências dos governos subnacionais - tais como a
arrecadação de seus próprios impostos, a seleção de seus próprios governantes e
representantes, e a implementação de suas principais políticas. Nesse sentido,
limitaram as iniciativas dos governos subnacionais.
Além disso, não criaram muitas oportunidades institucionais de veto às
minorias, promovendo requerimentos especiais para aprovação de matérias
legislativas que afetem os interesses dos governos subnacionais. Não previram
fortes proteções institucionais para evitar que a União tomasse iniciativas
para expropriar suas receitas ou mesmo sua autoridade sobre os impostos e as
políticas sob sua competência.
Em suma, os formuladores não criaram um ambiente institucional que congelasse a
distribuição original de autoridade de 1988, dificultando emendas à
Constituição. Adotaram uma das fórmulas mais facilitadoras para mudar a
Constituição no leque de regras existentes no mundo. Maiorias de três quintos
em duas sessões de cada casa legislativa, na mesma legislatura, são suficientes
para alterar as disposições do contrato original. As oportunidades de veto à
mudança constitucional se restringem a essas arenas, limitando as oportunidades
de veto das minorias.
Também parecem ter entendido como incompleta a Carta que estavam entregando à
nação. Assim, já em sua versão original, indicaram que ela deveria ser
complementada por legislação adicional, mas não consideraram que supermaiorias
fossem necessárias para aprovação dessa legislação complementar. Em suma, não
estabeleceram regras que exigiriam a mobilização de supermaiorias para alterar
aquele contrato original.
Desse modo, não criaram instituições federativas que tenham colocado as
gerações futuras em joint-decision traps, qual seja, um desenho institucional
em que o centro está simultaneamente autorizado a legislar sobre as políticas
dos governos subnacionais, mas paralisado por seus poderesdeveto.
Diferentemente, as instituições que rege mas interações entre as elites do
governo central e as elites regionais permitem que uma preferência majoritária
nas duas casas centrais não encontre obstáculos institucionais para converter-
se em política. Preenchida essa condição, são limitadas as oportunidades de
veto das minorias.
Na verdade, leis federais que regulem as políticas executadas por Estados e
municípios podem até mesmo surgir via projetos de lei ordinária - nas diversas
áreas em que a União conta com competências privativas -, cujas regras de
aprovação requerem maioria simples dos parlamentares presentes nas sessões para
converter-se em leis.
A combinação de um presidente com uma agenda de reformas federativas, apoiado
em uma coalizão majoritária, concretizou-se apenas em 1995. São esses fatores
que explicam as amplas mudanças no status quofederativo ocorridas desde então.
Apartir de 1995, as elites do governo central usaram estrategicamente essas
oportunidades institucionais para ampliar a capacidade de regulação da União
sobre as políticas de Estado e municípios. Essa não foi, portanto, uma
trajetória de ruptura de um governo central fraco em direção a um governo
central forte. Antes, um centro forte tornou-se ainda mais forte; 1988
facilitou 1995.
A centralização federativa de 1995 ocorreu porque as regras que regem as
interações entre as elites do governo federal e dos governos subnacionais
favorecem as elites políticas instaladas no centro e limitam as oportunidades
de veto das elites instaladas nos governos subnacionais. Desse modo, conflitos
entre essas duas categorias de elites governamentais tendem a facilitar a
aprovação das preferências das primeiras. Elites políticas instaladas no
governo federal tendem a ter suas preferências de políticas alavancadas por um
centro forte - porque autorizado a legislar sobre as ações de Estados e
municípios, e sem necessidade de mobilizar coalizões supermajoritárias de
apoio. Assim, há mais continuidade entre as mudanças na estrutura federativa da
segunda metade da década de 1990 e o contrato original de 1988 do que a noção
de uma ampla reestruturação das relações intergovernamentais autorizaria supor.
Na verdade, as interpretações sobre a CF 88 maximizaram seus aspectos
descentralizadores, ignorando inteiramente a extensão em que seus formuladores
adotaram princípios centralizadores e mantiveram, na esfera da União, decisões
que diziam respeito ao modo como os governos territoriais executariam suas
próprias políticas.
As frases que abrem este artigo são complementares. A afirmação do deputado
Antonio Geraldo (PFL-BA) - pronunciada por ocasião dos debates parlamentares na
tramitação da PEC nº41/1991, que restringiu a autoridade dos Estados sobre a
criação de municípios -, bem como a afirmação do deputado Luiz Carlos Hauly
(PSDB-PR) - relator da Lei Kandir -, é reveladora da continuidade entre
preferências majoritárias na constituinte de 1987-1988 e no processo decisório
da segunda metade dos anos 1990, cujo resultado foi tornar mais forte o centro
da federação brasileira.
NOTAS
1. Samuels e Mainwaring (2004:86; tradução da autora), por exemplo, descrevem "
[...] o federalismo como um jogo de barganhas entre o governo central (o
presidente, em particular) e os estados".
2. Neste estudo, "instituições federativas" estão definidas como as "regras que
regem mudanças legislativas em matérias que afetam interesses das unidades da
federação". Seu emprego aqui tem apenas a finalidade de distinguir a variável
dependente - mudanças legislativas - da variável independente - regras do jogo.
Esse procedimento tem sido crescentemente empregado pelos autores para
contornar o problema de que as análises sobre federalismo não contam com
consensos mínimos sobre os termos utilizados, sendo marcadas pela profusão de
termos iguais para designar objetos diferentes, bem como pelo emprego de termos
diferentes para analisar objetos empíricos semelhantes. A esse respeito, ver
Almeida(2001);Gibson (2004); Treisman (2007); e Souza (2008).
3. O conceito de joint-decision trap(Scharpf, 1988) é empregado para descrever
contextos institucionais de paralisia decisória derivados da combinação entre
centralização jurisdicional da autoridade e poderes de veto dos governos
subnacionais.
4. Esta parece ser a interpretação de Abrucio e Costa (1999), para quem os
impactos fiscais do Plano Real, bem como a aprovação do Fundo Social de
Emergência (FSE), no governo Itamar, quando Fernando Henrique Cardoso era
ministro da Economia, teriam afetado negativamente as receitas dos governos
territoriais, tornando os governadores mais propensos a cooperar com o
Executivo federal. Essa mudança nas preferências dos governadores, por sua vez,
explicaria o comportamento cooperativo das bancadas estaduais no Congresso
durante o governo Fernando Henrique.
5. No Quadro_2, as políticas listadas envolveram mais de uma iniciativa
legislativa. As 59 iniciativas examinadas referem-se apenas aos temas listados
no Quadro_1, como pode ser observado na Tabela_1_do_Anexo.
6. Foram excluídos desta análise dois tipos de matéria legislativa: (i) aquelas
em que o governo federal encaminhou soluções para seus problemas de equilíbrio
fiscal via criação de novas fontes de receita, tais como as propostas relativas
ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e à criação do Imposto
Provisório sobre Manutenção Financeira (IPMF)/Contribuição Provisória sobre
Manutenção Financeira (CPMF) e da Contribuição de Intervenção do Domínio
Econômico (Cide); (ii) aquelas que envolveram revisão dos critérios de
distribuição das transferências constitucionais entre as unidades federativas.
7. No governo Sarney, nenhuma matéria legislativa que preenchesse todos os
critérios da análise foi à votação nominal na Câmara dos Deputados. Assim, não
é possível fazer nenhuma afirmação sobre o comportamento parlamentar em
matérias de interesse federativo em seu governo.
8. O índice de Rice foi calculado com base na diferença, em cada votação
nominal, entre os votos SIM e NÃO da bancada estadual, excluídas as abstenções
e faltas.
9. A disciplina partidária foi calculada com base na média de parlamentares de
cada bancada que seguiram a orientação de seu respectivo líder partidário para
cada votação em que essa indicação ocorreu, excluídas as abstenções e faltas.
10. A disciplina em relação ao governo foi calculada com base na média de
parlamentares de cada bancada estadual que seguiram a orientação do líder do
governo para cada votação em que essa indicação ocorreu, excluídas as
abstenções e faltas.
11. A disciplina em relação ao governador foi calculada com base na média de
parlamentares de cada bancada estadual que seguiram a orientação do líder do
partido a que pertencia o governador para cada votação em que essa orientação
ocorreu, excluídas as abstenções e faltas.
12. Esta seção não pretende, portanto, explicar o comportamento dos
parlamentares na Câmara dos Deputados. Cheibub, Figueiredo e Limongi (2006;
2009), e Desposato (2004) empregaram métodos estatísticos mais sofisticados
para determinar os fatores que afetam esse comportamento.
13. Para mais detalhes sobre o processo de tramitação parlamentar dessas
matérias, ver Arretche (2008).
14. Na verdade, tais perdas se estendem aos municípios em virtude de sua quota-
parte na arrecadação do ICMS.
15. Os termos aspeados reproduzem as palavras do relator do PLP nº95/1996 (Lei
Kandir) quando da discussão do projeto em votação de primeiro turno na Câmara
dos Deputados em 27/8/1996.
16. Para mais detalhes sobre a tramitação dessas matérias, ver Arretche (2008).
17. Essa legislação envolve os regimes previdenciários de Estados e municípios,
bem como sua participação nos regimes de previdência complementar; determina
salários e subsídios dos cargos eleitos em todos os níveis de governo;
estabelece os termos para a concessão de serviços públicos dos governos
subnacionais, assim como as regras para contratações e licitações; define as
regras para criação de municípios no âmbito de cada Estado; disciplina as
normas gerais para demissão de funcionários públicos, além de disciplinar as
regras segundo as quais os municípios devem exercer suas competências na
política de desenvolvimento urbano. Em suma, em conjunto, esse tipo de
legislação disciplina grande parte das condições de execução das políticas
públicas sob competência de Estados e municípios.
18. O Estatuto da Cidade apenas regulamenta o art. 182 da CF 88, que estabelece
que as diretrizes gerais da política urbana a ser executada pelos municípios
seriam definidas por lei federal, assim como o art. 21, que define como
competência da União "instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano". Do
mesmo modo, a LDB é uma decorrência direta do art. 22, que estabelece como
competência privativa da União instituir as "diretrizes e bases da educação
nacional". Igualmente, a Lei de Concessões decorre de uma competência privativa
da União (art. 22).
19. O Fundef (EC nº14/1996) teve o potencial de "expropriar" até 15% das
receitas de Estados e municípios (Castro, 2000). O Fundeb amplia essa
"expropriação potencial" para 20%, além de estabelecer um piso para os salários
dos professores das redes estadual e municipal (aprovado no governo Lula I). A
EC nº29/2000, por sua vez, vincula 12% das receitas dos Estados e 15% das
receitas dos municípios com gastos em saúde. AEC nº25/2000 reviu o art. 29 da
CF 88, que previa que os municípios seriam autônomos para definir a remuneração
de seus vereadores, estabelecendo que o total da despesa com o financiamento do
poder legislativo municipal não poderia ultrapassar o percentual que varia de
3% a 8% do somatório da receita tributária e das transferências, de acordo com
a quantidade de habitantes de cada município. A EC nº31/2000, que criou o Fundo
de Combate à Pobreza federal, obriga também os Estados e municípios a criarem
seus respectivos fundos de combate à pobreza. Finalmente, a EC nº30/2000
alterou o art. 100 da CF 88, fixando prazos para o pagamento dos precatórios
judiciais e delimitando as condições em que estes poderiam ser convertidos em
títulos da dívida pública.
20. Em duas situações, essa posição de Itamar Franco como governador assumiu
dimensões dramáticas: em relação ao pagamento das dívidas do Estado de Minas
Gerais e à colaboração do Estado no enfrentamento da crise de energia.
21. Essa tabela sintetiza informações mais detalhadas apresentadas na Tabela_1
do_Anexo.
22. Há onze votações que foram unânimes e inválidas porque não atingiram o
quórum necessário para aprovação do projeto em questão.
23. Para todos os gráficos apresentados, o desvio padrão é sistematicamente
inferior às médias, o que indica que estas são medidas confiáveis. Estão
apresentados no extremo direito dos gráficos os Estados para os quais não foi
possível obter informação para a orientação de voto do partido do governador
por este pertencer a um pequeno partido. Quando o governador pertence a um
partido pequeno, não há indicação da orientação do partido. Nesses casos, o N
de votações ao qual foi possível determinar a indicação de votação fica
prejudicado.
24. Observe-se que essa definição considera que a ausência e a abstenção na
votação de matérias de interesse federativo não sejam computadas como
evidências de falta de coesão, o que tende a subestimar a fidelidade dos
parlamentares aos prováveis interesses da bancada caso esta estivesse coesa no
objetivo de vetar uma iniciativa legislativa que afetava negativamente os
interesses dos governos territoriais.
25. Essa interpretação está baseada no exame dos debates nas sessões que
precederam a votação da Lei de Concessões, da Lei de Licitações e da Lei
Camata, sendo confirmada pelos resultados da votação.
26. Lutz comparou 32 países examinando a relação entre as estratégias para
aprovação de emendas à Constituição e as taxas de emendamento, encontrando
elevada correlação entre essas variáveis. A estratégia menos exigente seria
aquela em que uma votação legislativa seria suficiente para emendar a
Constituição. Nesses países, a taxa anual média de emendamento é de 5,6. Em sua
classificação, uma exigência adicional, capaz de afetar negativamente as taxas
de aprovação, consistiria em requerer uma eleição interveniente entre duas
votações sobre a mesma proposta de emenda. Nesse caso, a taxa média anual de
emendamento cai para 1,3.
27. Os Estados Unidos, por exemplo, adotaram o princípio de que as alterações
devem ser referendadas por uma maioria de quatro quintos das assembleias
estaduais. Na Suíça e na Austrália, mudanças legislativas que afetem os
interesses das regiões devem ser aprovadas por um referendo, com aprovação da
maioria dos eleitores e da maioria dos Estados. Ambas as estratégias criam
arenas adicionais de veto, conferindo oportunidades de veto às minorias
afetadas pelas decisões tomadas pela maioria nas arenas decisórias centrais.