Átomos na integração: a aproximação Brasil-Argentina no campo nuclear e a
construção do Mercosul
Em fins de novembro de 1985, o Presidente do Brasil, José Sarney, e o
Presidente da Argentina, Raúl Alfonsín, assinaram a Declaração do Iguaçu, que
abriu uma nova página no singular relacionamento entre as duas nações.
A aproximação brasileiro-argentina coincidiu com o relaxamento das tensões
entre as Superpotências que levou ao fim da Guerra Fria. Surgiam igualmente
duas tendências importantes no plano internacional: a crescente globalização da
economia, fundada na utilização intensiva de tecnologias avançadas, redefinindo
a divisão internacional do trabalho; e a consolidação de uma nova agenda
internacional, inspirada pelos países industrializados. Destacavam-se, nesta
agenda, as medidas para coibir o desenvolvimento, a produção e o armazenamento
de armas de destruição em massa, bem como a proliferação nuclear, mormente
através de barreiras à transferência de tecnologias sensíveis, isto é, que
poderiam ser utilizadas tanto para fins pacíficos quanto com objetivos bélicos.
Para o Brasil e a Argentina essa quadra histórica foi marcada pela restauração
da democracia e por esforços para retomar o crescimento econômico, seriamente
comprometido pela crise da dívida externa e pela instabilidade econômica
associada com altas taxas de inflação. Os dois países vinham de uma rivalidade
política de várias décadas. A análise dessa rivalidade e de seus contenciosos
deu margem à convicção de que o ganho de um país correspondia necessariamente à
percepção de perda por parte do outro, tanto em termos materiais, quanto de
poder e prestígio. À sombra dessa percepção germinara a idéia de ameaça
recíproca, que seria determinante no esforço para atingir a curto prazo o pleno
desenvolvimento nuclear.
A colocação das relações bilaterais num novo patamar implicava, todavia,
esforços e medidas para superar suspicácias históricas e para promover uma
política de aproximação que levasse os dois países de uma situação de
rivalidade à condição de sócios. Tal condição requeria estreita interação entre
os Governos e entre a sociedade civil dos dois países, com importantes
repercussões econômicas e políticas regionais e internacionais.
O presente trabalho tenciona ser uma reflexão sobre a importância da
aproximação brasileiro-argentina no campo nuclear como fundamento para a
construção de um relacionamento novo que superasse a rivalidade histórica e a
irracionalidade consubstanciada numa competição pelo domínio da técnica nuclear
que tinha como uma de suas motivações uma suposta ameaça recíproca à
integridade e soberania nacionais. O trabalho se baseará em discursos de
líderes e de altos funcionários de um e outro país, bem como em documentos
públicos que serviram de base para a construção da nova fase nas relações
brasileiro-argentinas, a partir de 1985.
O objetivo principal do trabalho é mostrar que o processo de aproximação entre
Brasil e Argentina, encetado com um desiderato aparentemente econômico, tinha
uma dimensão estratégica. As repercussões desse esforço iam além dos interesses
bilaterais imediatos para repercutirem na inserção internacional dos dois
países num momento de transformações profundas nos planos interno e
internacional.
Em busca da racionalidade
A aproximação entre Brasília e Buenos Aires no terreno da segurança, na segunda
metade dos anos 80 e nos anos 90, teve significado regional, mas ganhou valor
imediato no plano bilateral. Neste terreno, concorreu para o abandono do
emocionalismo que perpassara as relações Brasil-Argentina no passado recente,
agravado pelo contencioso em torno do aproveitamento hidrelétrico do Rio
Paraná.
Esta era uma questão estratégica para os dois países. Segundo o Chanceler
argentino Carlos Pastor, "a harmonização dos pontos de vista afastaria o risco
de desencontros e conflitos permanentes em um ponto de interesse estratégico
vital"1. Na opinião do Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Saraiva
Guerreiro, "em um mundo em que se desenham grandes integrações regionais e se
caracterizam forças de ação internacional subordinadoras, parece-nos necessário
que nosso subcontinente supere suas dificuldades e limitações conjunturais, bem
como suas quizílias familiares"2.
Ambos os discursos, pronunciados por ocasião da assinatura do acordo, de 1979,
que põe fim à divergência sobre a construção das usinas de Itaipu e de Corpus,
deixam implícito o preço da disputa para os interesses de cada país. A ênfase
de Pastor no "interesse estratégico" refletia a influência da concepção
geopolítica que permeara fortemente a percepção argentina, em particular no
meio militar, sobre suas relações exteriores. Guerreiro, ao sublinhar a
"integração" e ao se referir às "forças de ação internacional subordinadoras",
deixa claro o interesse brasileiro em procurar um novo relacionamento com os
vizinhos sul-americanos, ao mesmo tempo em que, implicitamente, contrapõe essa
opção às ações desenvolvidas pelos países mais poderosos da Europa e da América
do Norte. A integração não é apenas uma linha de Política Externa regional, mas
uma carta que cumpria valorizar num cenário internacional onde os interesses
globais brasileiros se viam inibidos pela ordem vigente.
As conseqüências da perturbação causada pelo contencioso hidrelétrico e a
importância de solucioná-lo ficaram atestados no depoimento do Embaixador
Guerreiro: "Sem a eliminação dessa controvérsia, não teria sido possível
desenvolver as relações com a Argentina no grau de intimidade e confiança mútua
que as caracterizou no Governo Figueiredo e criou as bases para seu incremento
progressivo em governos sucessivos. Sem a solução dessa última grande
controvérsia do Brasil na região, teria sido impossível a política latino-
americana do Presidente."3
Outro elemento referencial para a compreensão das relações Brasil-Argentina no
campo nuclear são as dificuldades financeiras e a ausência de consenso na
sociedade brasileira sobre a política nuclear que, em 1980, inibiam o
cumprimento do acordo, assinado em 1975, com a Alemanha e que previa a
construção de oito centrais nucleares no país além da transferência de
tecnologia de enriquecimento de urânio. Esse acordo foi objeto de fortes
pressões por parte dos Estados Unidos, tanto em Brasília quanto em Bonn. Neste
contexto, cumpre sublinhar que, não obstante as divergências em torno do
aproveitamento do Rio Paraná, a Argentina apoiou o Brasil quando das pressões
dos Estados Unidos contra o acordo nuclear Brasil-Alemanha4. De acordo com o
Almirante Castro Madero, ex-Presidente da Comissão Nacional de Energia Atômica
(CNEA) da Argentina, "essa atitude abriu o caminho para estabelecer uma efetiva
cooperação com o Brasil, que se materializou em 1980"5.
A posição argentina tinha um precedente histórico: a atuação conjunta de
Brasília e Buenos Aires fora determinante nos resultados das negociações do
Tratado de Proscrição das Armas Nucleares na América Latina (Tratado de
Tlatelolco), entre 1964 e 19676. Ambos haviam também se recusado a ratificar o
Tratado de Não-proliferação das Armas Nucleares (TNP), de 1968, por considerá-
lo discriminatório7. A atuação coordenada dos dois países no plano multilateral
buscava, na ocasião (anos 60), manter abertas vias de suprimento de materiais e
tecnologia nucleares, bem como legitimar suas políticas e/ou projetos nacionais
no campo nuclear. A colaboração nas negociações de Tlatelolco seria relembrada
pelo Chanceler Saraiva Guerreiro em entrevista à imprensa em Buenos Aires, após
a assinatura, por ocasião da visita do Presidente João Figueiredo a Buenos
Aires, do Acordo de Cooperação entre o Governo da República Federativa do
Brasil e o Governo da República Argentina para o Desenvolvimento e Aplicação
dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear, de maio de 1980. Guerreiro recordou
então que "os dois países sempre defenderam um princípio de que deve haver o
princípio do direito ao acesso a toda a tecnologia nuclear para fins pacíficos,
inclusive o acesso ao explosivo nuclear para o emprego pacífico exclusivamente
e sob, evidentemente, as salvaguardas, os controles necessários para que não
possa haver um desvio para fins não pacíficos"8.
A posição histórica dos dois países em matéria de não-proliferação nuclear
decorria de uma opção autonomista quanto à utilização e desenvolvimento da
energia atômica. Disto foi reflexo mais evidente o programa autônomo de
tecnologia nuclear, desenvolvido pelo Brasil com a intensa participação de suas
Forças Armadas, nos anos 70 e começo da década de 80. A resistência americana
ao Acordo Nuclear com a Alemanha, a recusa brasileira de aderir ao TNP e a
repercussão internacional causada pela detonação de um explosivo nuclear pela
Índia, em 1974, fizeram com que aquele programa enfrentasse restrições
crescentes ao acesso à tecnologia sensível, impostas pelo regime de não-
proliferação estruturado em torno do TNP. Não obstante os diferentes caminhos
escolhidos por Brasil e Argentina para desenvolvimento dos respectivos
programas nucleares9, vários setores tinham potencial para empreendimentos
conjuntos. Entre aqueles citam-se pesquisa básica e aplicada, formação de
recursos humanos, licenciamento e segurança de instalações, proteção física de
material nuclear e pesquisa aplicada para geração de energia núcleo-elétrica,
fornecimento de serviços e equipamentos de reatores.
O desenvolvimento autóctone na área nuclear era visto pelo Brasil e pela
Argentina como elemento essencial para alcançarem a autonomia tecnológica10. Na
Argentina, a busca dessa autonomia no terreno nuclear estava claramente
vinculada à defesa11, sobretudo levando-se em conta a existência de problemas
fronteiriços com o Chile, com o qual quase chegou a um confronto militar, nos
anos 70, por causa do canal de Beagle. Para o Brasil, a capacitação endógena se
constituía em instrumento para o desenvolvimento econômico, o qual era elemento
central da doutrina de segurança nacional que inspirava o regime militar até a
metade dos anos 80. Para seus seguidores, tanto na Argentina quanto no Brasil,
o domínio do átomo incrementaria o peso específico do país nos planos
continental e mundial.
Observa-se, assim, que a política nuclear de cada país tinha por inspiração a
consolidação do poder de cada um e o conseqüente aumento de sua segurança.
Notava-se também que a competição, acirrada pelo contencioso hidrelétrico nos
anos 70, não impedia atitudes cooperativas, como mostram as declarações de
Madero e Guerreiro. O enfoque das relações bilaterais a partir de uma
perspectiva de poder era consentâneo com o protagonismo de correntes políticas
nacionalistas que pregavam um modelo de desenvolvimento no qual o Estado era
instrumento central e essencial para o avanço econômico e tecnológico.
Mesmo com a diminuição da influência dos nacionalistas, sobretudo após a
derrocada dos regimes militares, a autonomia tecnológica continuou a ser
considerada elemento crucial para acelerar as mudanças sociais e econômicas,
assegurar a competitividade das economias e aumentar o peso específico dos dois
países nos cenários regional e internacional12. A propósito, sobre o debate em
torno da questão nuclear, vale transcrever o seguinte comentário do Embaixador
Marcos Azambuja, que por muitos anos cuidou dos temas de desarmamento no
Itamaraty:
"Grande potência, em termos de percepções convencionais, o Brasil nunca soube
superar, de forma categórica, a ambigüidade que provoca a opção de dotar-se ou
não de uma capacidade nuclear. Embora a posição do Governo tenha sido sempre
absolutamente clara e coerente, ' a de que o Brasil não persegue essas armas '
o sentimento difuso da opinião nacional é contraditório. Identificam-se setores
que vêem nessas armas, ou minimamente na maestria de como produzi-las, o sinal
mais prestigioso de que, também nesse campo, temos todos os atributos de grande
potência. Outros setores não só não vêem nenhum cenário para o emprego de tais
armas, como pressentem que, numa América Latina nuclearizada militarmente, as
vantagens permanentes de nosso peso e profundidade seriam desfavoravelmente
afetadas pelo nivelador que constituiriam as armas nucleares nas mãos de países
próximos"13.
Em suma, a posse de armamento nuclear pelo Brasil e pela Argentina colocaria
esta num patamar de poder semelhante ao do Brasil. Considerando-se o poder como
uma equação cujas variáveis incluem tanto recursos de ordem geográfica,
econômica, social e ambiental, quanto aspectos estratégicos e militares, pode-
se compreender que o potencial de destruição dos artefatos atômicos tornaria
praticamente sem valor vantagens naturais do Brasil na região como a dimensão
territorial, disponibilidade de recursos naturais, base industrial, etc.
O controle oligopolístico do comércio de bens e tecnologias sensíveis, exercido
pelos países industrializados, foi, igualmente, um dos principais motivos para
que as autoridades brasileiras e argentinas se engajassem, no início dos anos
80, na cooperação nuclear. O primeiro passo nesse sentido foi o citado acordo
com a Argentina para o desenvolvimento e aplicação da energia nuclear, de maio
de 1980. O ajuste teve, na verdade, um propósito político maior: celebrado
poucos meses após o acordo sobre Itaipu-Corpus, pretendia infirmar a impressão
de que os dois países estivessem engajados numa corrida armamentista na área
nuclear. Superado o contencioso hidrelétrico, buscavam os dois Governos
substituir uma dinâmica de competição por outra de colaboração. Houve a clara
intenção de, no preâmbulo do acordo, definir-se o marco político da cooperação:
ali se afirmava o propósito de utilização exclusivamente pacífica dos frutos da
colaboração, bem como eram repudiados os controles de exportação exercidos
pelos países industrializados, ao se declarar que o domínio da tecnologia
necessária para a utilização da energia nuclear para fins pacíficos é um
direito dos países em desenvolvimento14. O acordo também sublinhava a
divergência filosófica dos dois países com o TNP, ao ressaltar a necessidade de
impedir a proliferação de armas nucleares através de medidas restritivas não
discriminatórias que visassem obter o desarmamento geral e completo sob estrito
controle internacional. Com vistas a dar eficácia a essa posição, o artigo IX
previa consultas e coordenação de posições entre as Partes sobre "situações de
interesse comum que sejam suscitadas no âmbito internacional com relação à
aplicação da energia nuclear para fins pacíficos".
O acordo teve um sentido geral de modo a permitir protocolos específicos que
lhe dessem operacionalidade. Na mesma ocasião, foram celebrados um Convênio
Básico de Cooperação entre a CNEA e a Comissão Nacional de Energia Nuclear
(CNEN), outro entre a CNEA e as Empresas Nucleares Brasileiras (NUCLEBRÁS), e
um Protocolo de Cooperação Industrial CNEA-NUCLEBRÁS. Estes instrumentos e
outros que viessem a ser negociados ao abrigo do acordo dispensariam aprovação
dos respectivos Congressos, o que dava ao Executivo maior mobilidade para a
condução da cooperação. Um dos resultados mais importantes esperados era a
possibilidade de participação da NUCLEBRÁS na construção do terceiro reator
nuclear da Argentina, enquanto esta forneceria ao Brasil urânio e outros
materiais para combustível nuclear15.
O conflito das Malvinas, em 1982, colocou uma interrogação sobre as
perspectivas de evolução da cooperação nuclear16, a julgar-se pela
intempestividade da ação argentina na disputa com a Grã Bretanha17. O eventual
retrocesso que poderia ter sido desvendado por esse episódio não se
concretizou. Em novembro de 1983, poucos dias após a eleição de Raúl Alfonsín
como Presidente (depois de sete anos de regime militar), a Argentina anunciou
que lograra enriquecer urânio pelo método de difusão gasosa. Esse anúncio foi
objeto de carta do Presidente argentino, General Reynaldo Bignone, ao
Presidente Figueiredo, na qual destaca que o desenvolvimento da tecnologia se
dera sem qualquer ajuda externa, que a Argentina aderia firmemente à não-
proliferação de armas nucleares. Ressaltava ainda que "o êxito alcançado tem
importantes projeções de ordem regional pois constitui um significativo passo
para a auto-suficiência da América Latina numa área de tal transcendência no
campo dos usos pacíficos da energia nuclear como a do enriquecimento do urânio,
com a conseqüente implicação favorável no longo e difícil mas tão desejado
processo de integração regional"18.
Dois aspectos cabem ser observados na carta de Bignone: de um lado, a Argentina
tinha uma política nuclear cujo objetivo último era afirmá-la como a grande
potência latino-americana; e, de outro, o desenvolvimento nuclear era percebido
pelas autoridades de Buenos Aires como alavanca para que a Argentina pudesse
ter papel preponderante num projeto de integração regional na América Latina, o
qual naquele momento era apenas incipiente e carecia de vontade política dos
demais países da região.
O projeto argentino de enriquecimento do urânio fora desenvolvido em segredo,
para evitar as pressões e as limitações impostas à transferência de tecnologia
pelo Grupo de Supridores Nucleares19. Tal projeto envolveu a construção da
usina de reprocessamento de urânio de Pilcaniyeu, a qual se afirma que era
desconhecida das autoridades brasileiras20 e dos próprios serviços de
informação ocidentais21, que tampouco estava submetida às salvaguardas da
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Em busca da confiança mútua
A restauração democrática na Argentina, em 1983, e no Brasil, em 1985, abriu
possibilidades para maior interesse e escrutínio da opinião pública, em
particular da imprensa, sobre as questões nucleares. Para os governos civis da
Argentina e do Brasil, a retomada da cooperação preexistente encerrava grande
simbolismo, pois implicava assumirem plenamente um setor complexo e sensível,
onde continuava a existir forte influência e controle militar nos dois países.
A democratização trazia consigo maior permeabilidade do sistema político de
cada país, tanto devido a fatores internos quanto externos, bem como dava maior
legitimidade e exigia maior transparência em suas relações. A democracia
garantia "senão processos de aproximação mais permanente, pelo menos as bases
de um diálogo, mesmo sobre diferenças, que assegura a possibilidade de
cooperação" 22.Exemplo disso foi a proposta do Presidente Raúl Alfonsín, por
ocasião da visita do Presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, no sentido da
realização de inspeções recíprocas nas usinas nucleares. Tancredo teria anuído
à sugestão argentina, a qual, entretanto, não teria sido encampada pelo
Presidente Sarney23, ante a delicadeza do processo de transição democrática no
Brasil. Cumpre, entretanto, ter presente que Tancredo e Sarney chegaram à
Presidência em condições bastante distintas. A posse de Sarney, num quadro
político e institucional dramático, em decorrência da doença e morte de Tacredo
Neves, foi um acontecimento central para a implantação da democracia no Brasil.
É lícito, por isso pensar que, ao invés de rejeitar a proposta de Alfonsín, o
Presidente Sarney, consciente do momento político, tenha preferido congelar a
idéia das inspeções recíprocas para uma ocasião politicamente mais propícia. A
questão, entretanto, era passível de tratamento no mais alto nível, como se
veria com a evolução das tratativas dos dois países em matéria nuclear.
O tema nuclear tinha grande valor político. Contava não só para o esforço de
aproximação bilateral mas também para a sinalização à comunidade internacional,
em particular para as demais nações latino-americanas, de que as relações entre
os dois maiores países do Cone Sul haviam entrado em nova fase. A Declaração
Conjunta sobre Energia Nuclear, outro instrumento assinado pelos Presidentes
Sarney e Alfonsín, em Foz do Iguaçu, em novembro de 1985, foi o primeiro passo
para a reativação da cooperação bilateral, que definhava especialmente em
decorrência da crise da dívida externa, após 1982. Três preocupações ficam
patentes na declaração: a importância da tecnologia nuclear para o
desenvolvimento dos dois países; o reconhecimento explícito de que ambos
enfrentavam dificuldades crescentes no suprimento de equipamentos e materiais
nucleares; e a reafirmação dos propósitos exclusivamente pacíficos da
colaboração. Para o tratamento desses assuntos em nível operacional, foi criado
um Grupo de Trabalho conjunto sob a responsabilidade das chancelarias e
integrados por membros das respectivas comissões e empresas nucleares. O
mandato do Grupo reafirmava a continuidade do trabalho que fora iniciado sob a
égide do acordo de 1980, através do fomento das relações bilaterais no terreno
nuclear; e o esforço pela autonomia tecnológica dos dois países, por meio da
promoção do desenvolvimento de tecnologia nuclear.
Verifica-se na citada Declaração Conjunta sobre Energia Nuclear uma permanência
dos conceitos fundamentais que haviam balizado o acordo assinado em 1980. A
novidade era o propósito do Grupo de "criar mecanismos que assegurem os
superiores interesses da paz, da segurança e do desenvolvimento da região".
Isto representou uma acomodação do interesse argentino na realização de
inspeções recíprocas nas instalações nucleares de cada país. Tomando emprestada
a conceituação de Kenneth Waltz, estabeleceu-se uma estrutura com o objetivo de
produzir resultados a partir de uma variedade de insumos que afetariam o
comportamento de cada país, tanto em suas relações bilaterais quanto em sua
interação com os demais países, sobretudo aqueles mais influentes em matéria
nuclear.24
Na mesma data da assinatura da Declaração Conjunta sobre Política Nuclear,
Sarney e Alfonsín firmaram a Declaração do Iguaçu, que estabeleceu o marco
político da nova fase da cooperação entre Brasil e Argentina e relançava o
processo de integração econômica bilateral. Este era retomado num momento em
que os dois países se achavam sufocados pelo problema da dívida externa,
aumentavam suas transferências de capital para o exterior e enfrentavam o
protecionismo nos mercados internacionais.
A preocupação gerada por essa situação é observada em dois momentos. Na
Declaração do Iguaçu (1985), os dois Presidentes concordaram quanto à "urgente
necessidade de que a América Latina reforce seu poder de nego-ciação com o
resto do mundo, ampliando sua autonomia de decisão e evitando que os países da
região continuem vulneráveis aos efeitos de políticas adotadas sem sua
participação". O Presidente Sarney retomaria o tema ante o Congresso argentino,
em julho de 1986: "chegamos à conclusão de que, isoladamente, nossos países
pouco ou quase nada irão mudar na ordem mundial. Juntos, ao contrário,
haveremos de saber influir gradativamente nas decisões internacionais sobre as
questões que nos interessam diretamente"25.
Havia a percepção clara de que a crise da dívida extrapolava sua dimensão
econômica para se converter num inibidor da própria ação política dos países
por ela afetados, agravando a assimetria dos dois países e da América Latina em
relação aos países industrializados. As dificuldades econômicas e políticas
enfrentadas pelo Brasil e pela Argentina, em meados dos anos 80, colocavam em
questão o peso internacional das decisões adotadas pelos respectivos Governos.
A instabilidade econômica dos dois países teve repercussão muito maior junto
aos investidores e instituições internacionais de crédito do que medidas
econômicas ou declarações dos dois Governos. A propósito, é oportuno citar
Arthur Stein, para quem "um Estado pode ser independente no sentido de possuir
autonomia decisória, mas ser totalmente dependente no sentido de que suas
decisões são inconseqüentes".26 A referência à América Latina na Declaração do
Iguaçu é reveladora do desejo de conseguir respaldo dos demais países da região
para a aproximação bilateral, bem como para posições defendidas por ambos em
foros multilaterais.
Por ocasião da visita de Sarney a Buenos Aires, em 1986, foram assinadas a Ata
para Integração Brasileiro-Argentina e seus protocolos, que estabeleceram o
Programa de Integração e Cooperação Econômica Brasil-Argentina. Este era um
ambicioso projeto político orientado tanto para o desenvolvimento econômico
quanto para reforçar a projeção internacional dos dois países. Um de seus
pilares era incrementar a autonomia tecnológica em cada país, como se pode
notar nos discursos por ocasião da visita do Presidente argentino a Brasília em
novembro de 1986.
Segundo Alfonsín, "A integração nos permite associar nossos esforços de
crescimento ao desenvolvimento de uma estrutura exportadora que nos permita a
inserção num mercado internacional altamente competitivo, sobre bases mais
sólidas e com maior capacidade de negociação. Para que isto seja possível,
devemos incorporar, além da expansão das exportações e do crescimento
industrial, um terceiro elemento: a mudança tecnológica. Com efeito, a
tecnologia pode ser um poderoso fator de integração regional, possibilitando
incrementos na produtividade e na renda; relações cada vez mais estreitas entre
os diferentes setores de nossas economias; elevação dos padrões de organização
das empresas privadas e públicas e da capacidade gerencial do Estado e a
possibilidade de transformar nossas relações internacionais, projetando ao
resto do mundo uma realidade social e econômica mais rica. (...) Argentina e
Brasil devem avançar na criação de espaço tecnológico comum, que se estenda ao
resto da América Latina. Se não o fizermos, vamos perder a possibilidade de
exercer com autonomia nossa opção tecnológica, ingressando no século XXI sob o
signo da dependência"27.
Para Sarney, "O desafio de nossa história, a meta que inspirou nossa vida desde
a independência, foi sem dúvida criar uma verdadeira autonomia para nossos
países, reduzir a dependência externa, fazendo das relações internacionais uma
opção consciente de nossa soberania, e não um constrangimento marcado pela
desigualdade, pelo servilismo. O programa de integração Brasil-Argentina é um
marco desse esforço. Com ele, dignifica-se a dimensão externa das nossas
economias, ao se criarem bases de interesse recíproco, sem vantagens
unilaterais. Com ele, dois povos comprometidos com o desenvolvimento e ansiosos
por consolidar conquistas nos campos político, econômico e social, percebem as
vantagens da cooperação diante da competição e se lançam na exploração de
caminhos conjuntos. Com ele finalmente a América Latina encontra uma nova
contribuição ao seu indispensável processo de integração, única forma capaz de
assegurar ao continente o lugar a que tem direito na história"28.
A integração é o novo caminho para a inserção internacional dos dois países. O
desenvolvimento tecnológico é instrumento de integração, de geração de
economias de escala e de independência e de redução do diferencial que separava
os dois países e a região dos países centrais. Tanto Sarney quanto Alfonsín
vêem-no como veículo para estreitar a colaboração e como instrumento de poder.
Os discursos, entretanto, não configuram uma política tecnológica. Não traziam
diretrizes que estabelecessem nova orientação para os esforços nacionais na
área. Tampouco, tocavam no aspecto da formação de recursos humanos, essencial
tanto para a melhoria da competitividade externa dos dois países quanto para a
inovação tecnológica. No plano da cooperação nuclear, o Programa de Integração
serviria como catalisador para ampliação da cooperação bilateral, inclusive no
plano regulatório, de que é exemplo o Protocolo sobre Informação Imediata e
Assistência Recíproca em Caso de Acidentes Nucleares e Emergências
Radiológicas29. Ofereceria também o quadro para aproximar as políticas de
segurança dos dois países, revertendo uma histórica percepção de ameaça
recíproca. A Argentina foi mais ousada neste particular, como se depreende do
discurso de Alfonsín, por ocasião da assinatura dos atos entre Brasil e
Argentina durante sua visita a Brasília, em dezembro de 1986: "(...) Creio que
estamos em tempo de gerar formas associativas que nos permitam incorporar os
elementos do desenvolvimento tecnológico. Neste sentido, ademais, quero
destacar a importância de alentar o desenvolvimento nuclear com fins pacíficos
como um resultado da cooperação e do esforço comum de nossos técnicos. (...)
Igualmente no aspecto militar, nossas Forças Armadas devem seguir programando o
desenvolvimento de estudos estratégicos conjuntos, o que implica um avanço
substancial nesse campo"30.
A sugestão de Alfonsín reflete a busca de uma compensação aos militares, os
quais, com a crescente aproximação bilateral no terreno nuclear, viam erodida
sua influência num tema crucial para a segurança nacional. A proposta do
Presidente argentino também sugere que persistiriam desvios de percepção de
parte das Forças Armadas argentinas em relação à capacitação e às intenções de
suas homólogas brasileiras. Observe-se, porém, que, se esses desvios de
percepção existiam, eles não impediram que os dois Governos fizessem suas
escolhas políticas nem determinaram os resultados destas.31
Durante a viagem de Sarney à Argentina, em julho de 1987, outro passo
importante na colaboração político-estratégica dos dois países foi dado com a
visita à Usina de Enriquecimento de Urânio de Pilcaniyeu 32. Esta visita fora
precedida de outra, por funcionários argentinos, ao Instituto de Pesquisas
Nucleares (IPEN), em dezembro de 1986, onde a Marinha do Brasil realizava
pesquisas sobre enriquecimento e reprocessamento de urânio, as quais chegariam
à produção de urânio enriquecido em setembro de 198633. Tal como Pilcaniyeu, o
IPEN não estava submetido às salvaguardas da AIEA34. A visita a Pilcaniyeu foi
complementada, em 1988, pela de Alfonsín ao Centro Experimental de Aramar, em
Iperó35, onde se desenvolve a construção de um reator para propulsão de um
submarino nuclear. Na ocasião, foi assinada a Declaração de Iperó, que
registrou a decisão de incrementar as visitas e intercâmbio de informações, com
o objetivo de ampliar o conhecimento recíproco dos respectivos programas
nucleares e a transformação do Grupo de Trabalho Conjunto, criado pela
Declaração do Iguaçu, em Comitê Permanente. No final de 1988, o Presidente
Sarney visitou o Laboratório de Processos Radioquímicos da CNEA, em Ezeiza36,
destinado à produção de combustível para a usina nuclear de Atucha I e para o
reator de água pesada de Embalse, contratado com o Canadá para produção de
energia para Córdoba, principal centro industrial argentino fora de Buenos
Aires.
Nesta viagem foram assinados o Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento entre o Brasil e a Argentina e a Declaração de Ezeiza sobre
Política Nuclear37. O Tratado consolidava num documento juridicamente
obrigatório o processo de integração e cooperação econômica, lançado pela
Declaração do Iguaçu. A Declaração de Ezeiza assinalava a decisão dos dois
países de desenvolver um projeto conjunto de reatores regeneradores rápidos
(fast breeders)38,"no quadro do objetivo comum de garantir a independência
energética". O tratado foi adotado poucas semanas depois de a Assembléia
Constituinte brasileira haver aprovado uma nova Constituição que estabelece o
controle congressual das atividades nucleares, as quais terão fins
exclusivamente pacíficos.
As visitas presidenciais a Pilcaniyeu, Aramar e Ezeiza representaram o ponto
alto do processo político encetado pelo Brasil e pela Argentina no campo
nuclear. Seu significado foi tanto maior quando se percebe que a idéia de
Alfonsín, antes mencionada, de se realizarem inspeções conjuntas nas
instalações nucleares não interessou às autoridades brasileiras na época em que
foi proposta.
Sendo Brasil e Argentina os dois países mais avançados no campo nuclear na
América Latina, as visitas recíprocas às respectivas instalações determinaram
uma alteração no conhecimento de cada país sobre a capacitação do outro. A
conseqüência prática foi uma progressiva transformação dos interesses
brasileiros e argentinos em matéria nuclear, contribuindo para uma cooperação
que seria plasmada em tratados internacionais e abrangeria instâncias
multilaterais de participação universal, como a AIEA.
Em busca da transparência
O ano seguinte, 1989, registraria um dos momentos de inflexão da história da
humanidade, com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. Para a
Argentina e para o Brasil seria também um ano marcado pela chegada ao poder dos
Presidentes Menem e Collor. O novo Presidente brasileiro trazia um projeto de
maior inserção internacional do país que tinha entre seus principais pontos a
abertura e modernização da economia. No bojo desse projeto, estavam a redução
dos programas tecnológicos conduzidos pelas Forças Armadas ' que passariam a
ser controlados pelo poder civil ', e a adesão do Brasil aos regimes de não-
proliferação nuclear. Menem patrocinou um rápido processo de privatização e de
desengajamento do Estado, que afetou seriamente os projetos tecnológicos de
interesse dos militares. Modificaram-se as posições argentinas em matéria de
segurança internacional, inclusive como parte do interesse do novo Governo no
estreitamento das relações com os Estados Unidos39.
Estas circunstâncias concorreram para a adoção, em nível presidencial, da
Declaração sobre Política Nuclear Comum Brasileiro-Argentina, assinada em
novembro de 1990, em Foz do Iguaçu. Por ela, seria estabelecido o Sistema Comum
de Contabilidade e Controle (SCCC) de aplicação a todas as atividades nucleares
dos dois países. Eram igualmente previstas negociações com a AIEA para um
acordo conjunto de salvaguardas baseado no SCCC. Os termos da Declaração
resultaram do reconhecimento de que, sem providências concretas e permanentes
para assegurar transparência nos programas nucleares dos dois países, se
incrementariam as restrições internacionais para acesso à tecnologia
sensível40.
O Sistema Comum de Contabilidade e Controle fora desenvolvido pelo Comitê
Permanente Brasileiro-Argentino sobre Política Nuclear e representava o
cumprimento do mandato outorgado na Declaração sobre Política Nuclear, de 1985,
no sentido de se criarem mecanismos para a manutenção da paz, da segurança e do
desenvolvimento na América Latina. Por outro lado, sua implementação
dificultaria o desvio das atividades nucleares para programas não submetidos a
salvaguardas, como acontecera nos anos 80. A harmonização do SCCC com registros
e relatórios submetidos por outros países à Agência, conforme os acordos de
salvaguardas vigentes, representava buscar uma via híbrida para o cumprimento
das exigências da AIEA sem que os dois países tivessem que aderir ao TNP. Um
acordo conjunto de salvaguardas com a AIEA daria legitimidade internacional ao
Sistema e reafirmaria os compromissos dos dois países com a não-proliferação.
Esta via foi pavimentada em duas etapas. A primeira, pelo Acordo Brasil-
Argentina para o Uso Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear, celebrado em
Guadalajara, em 18 de julho de 1991; a segunda, pelo Acordo Quadripartite entre
Brasil, Argentina, Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle
(ABACC) e a AIEA, firmado em Viena, em 13 de dezembro de 1991.
O Acordo de Guadalajara afirma o propósito exclusivamente pacífico do uso de
todo o material e de todas as instalações nucleares sob jurisdição e controle
de cada país. Neste particular, representou um avanço em relação ao Acordo de
1980, cujo artigo VII restringia o compromisso de uso pacífico apenas aos
materiais e equipamentos fornecidos no contexto de sua implementação. Argentina
e Brasil igualmente assumiram, em 1991, o compromisso de banir completamente as
armas nucleares de seu território. Reconheceram, ademais, "a inexistência de
distinção técnica entre explosivos nucleares para fins pacíficos e os
destinados a emprego militar, abstendo-se, em conse-qüência, de realizar,
fomentar ou autorizar (...) ou de participar de qualquer maneira no teste, uso,
fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de qualquer dispositivo
nuclear explosivo, enquanto persista a referida limitação técnica" (artigo I).
Tal dispositivo representou o abandono da posição que fora enunciada pelo
Chanceler Guerreiro, em 1980, no sentido de que Brasil e Argentina se
reservavam o direito a realizarem explosões pacíficas.
Por outro lado, o Acordo estabeleceu como pacífico o uso de energia nuclear
para a propulsão de submarinos (artigo III). Esta cláusula, baseada no artigo
5° do Tratado de Tlatelolco, resguardava as pesquisas em curso pela Marinha
brasileira, no Centro de Aramar, orientadas para a construção de um submarino
nuclear e, ao mesmo tempo, servia para consolidar o apoio militar a uma
política mais aberta em matéria nuclear.
A criação, pelo Acordo de Guadalajara, da Agência Brasileiro-Argentina de
Contabilidade e Controle (ABACC), com personalidade jurídica própria, para
administrar e aplicar o SCCC, foi uma modalidade inovadora para aplicar
salvaguardas, bem como para estabelecer um vínculo com o regime internacional
de não-proliferação nuclear.
Por seu turno, o Acordo Quadripartite de Salvaguardas Nucleares estabelece que
estas serão aplicadas pelos Estados-Parte "a todos os materiais nucleares em
todas as atividades nucleares realizadas dentro de seu território, sob sua
jurisdição ou sob seu controle em qualquer lugar, com o objetivo único de
assegurar que tais materiais não sejam desviados para aplicação em armas
nucleares ou outros dispositivos nucleares explosivos"41. As salvaguardas
aplicam-se tanto às atividades nucleares realizadas por conta própria quanto
àquelas resultantes de cooperação internacional42. O processo de ratificação do
Acordo Quadripartite sofreu pressões contrárias por parte de setores envolvidos
com as atividades nucleares, os quais viam-no como mecanismo para sucatear a
indústria nuclear brasileira através da importação de tecnologia.
Note-se que sob o Governo Collor, a questão nuclear deixou de ser associada à
busca da autonomia tecnológica, como o fora durante o período militar e sob o
Governo Sarney. A preocupação maior era com o acesso à tecnologia, e procurava-
se um tratamento multilateral mais transparente que legitimasse essa opção.43
Outro passo para a consolidação da política nuclear da Argentina e do Brasil
foi a proposta dos dois países de emendar o Tratado de Tlatelolco, de 1967. O
Brasil o assinara em 1967, ratificando no ano seguinte, mas não dispensara a
ratificação ou adesão pelos Estados com possessões na América Latina, nem a
assinatura e ratificação pelos Estados reconhecidos como potências nucleares de
jureou de factodo Protocolo Adicional I, anexo ao Tratado.44 A Argentina
somente o ratificou em 1993. As emendas, apresentadas ao México em fevereiro de
1992, relacionavam-se com as responsabilidades da Organização para a Proscrição
das Armas Nucleares na América Latina (OPANAL), estabelecida para atuar como
Secretaria do Tratado. A Conferência Geral da OPANAL aprovou as emendas em
agosto daquele ano.
No Brasil e na Argentina o processo de ratificação foi lento. No Brasil, foi
concluído apenas em novembro de 1993, e referia-se unicamente às emendas. Essa
demora esteve associada às dificuldades internas relacionadas com o impeachment
do Presidente Collor e com as investigações pelo Congresso sobre
irregularidades na aprovação do orçamento. Na Argentina, o processo foi mais
complexo, uma vez que envolvia a ratificação do Tratado em sua inteireza.
A transparência buscada através desses diferentes acordos refletem uma
alteração profunda na visão do Brasil e da Argentina em relação a suas ações
nacionais e suas relações com os países detentores de tecnologias avançadas.
Verificou-se uma revisão da estratégia de inserção internacional de cada um dos
países, com uma disposição para se tornar parte do regime internacional de não-
proliferação e seu conseqüente credenciamento como parceiros confiáveis,
sobretudo no que se refere à utilização de tecnologias de duplo uso, isto é,
aptas tanto para emprego civil quanto militar. Essa escolha, no caso do Brasil,
manteve a posição de não aderir ao TNP, embora a Argentina o tenha feito.
Representou ainda o reconhecimento de uma nova tendência na distribuição do
poder mundial surgida com a derrocada da União Soviética e dos regimes
comunistas na Europa Oriental. Essa tendência, marcada pela abertura econômica
e o livre funcionamento do mercado, conduziria a uma nova ordem mundial na qual
países não engajados nos esforços de não-proliferação seriam tratados como
párias internacionais e teriam dificultado seu acesso a bens e serviços
baseados nas tecnologias mais modernas. Portanto, as escolhas estratégicas de
Brasil e Argentina no terreno nuclear, no início dos anos 90, foram decisões
baseadas numa avaliação realista dos rumos do regime de não-proliferação
nuclear. O robustecimento desse regime passou ser considerado prioritário pelos
países industrializados, sobretudo após a descoberta do avanço logrado pelo
Iraque em sua tentativa de adquirir armas nucleares. O fortalecimento do regime
levaria a um crescente estrangulamento do acesso do Brasil e da Argentina a
bens e tecnologias avançadas não só para uso nuclear mas também em outros
esforços, como nas áreas espacial e de informática.
A aproximação nuclear e a construção do MERCOSUL
Conforme observado, a negociação nuclear entre Brasil e Argentina foi conjugada
com o estabelecimento de novos laços econômico-comerciais entre os dois países.
Estas negociações, por tocarem mais diretamente a vida quotidiana dos dois
povos, acabaram por ganhar maior espaço nos meios de comunicação. O efeito foi
uma minimização da dimensão política da integração econômica bilateral, lançada
em 1985 45, bem como da constituição do MERCOSUL deflagrada com o Tratado de
Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em novembro de 1988, que levou ao
Tratado de Assunção, de 1990, que criou formalmente o mercado comum.
A vertente de segurança consubstanciada nos documentos sobre política nuclear e
a vertente econômica complementaram-se e retroalimentaram-se. Dificilmente se
lograria a harmonização dos interesses econômicos sem uma distensão política
que sepultasse a rivalidade entre os dois países no terreno da segurança. Por
outro lado, a perspectiva de ganhos concretos num projeto comum de
desenvolvimento econômico avalizava as medidas no sentido de se alcançar a
transparência necessária para afastar suspeitas mútuas e da comunidade
internacional em relação aos desígnios brasileiros e argentinos no terreno
nuclear. Cabe recordar que a própria cooperação nuclear prevista no acordo de
1980 tinha no intercâmbio comercial um de seus elementos mais importantes,
envolvendo as comissões brasileira e argentina de energia nuclear e a
NUCLEBRÁS. Ressalte-se ademais que a ordem seguida pelos dois Governos no
terreno nuclear foi um pouco diferente daquela observada nas negociações entre
as Superpotências. Enquanto estas elegiam a verificação como passo inicial para
uma futura cooperação, Brasil e Argentina escolheram os empreendimentos
conjuntos como o caminho que levaria às inspeções mútuas e à transparência 46.
A redemocratização no Brasil e na Argentina, em meados dos anos 80, foi
acompanhada de um esgotamento do modelo de industrialização mediante
substituição de importações e de fortes pressões no sentido de reduzir a
presença do Estado na economia. A debilidade econômica causada pela crise da
dívida e pela inflação requereu, tanto na Argentina quanto no Brasil, ajustes
estruturais monitorados pelo Fundo Monetário Internacional, os quais incluíam o
fim dos subsídios, a privatização de empresas estatais e a derrubada dos
mecanismos de proteção à indústria nacional. Tais ajustes se faziam através de
políticas econômicas recessivas e elevado custo social. Por outro lado, naquela
mesma época, as economias industrializadas viviam um período de expansão
econômica. Tal crescimento, estimulado pelo emprego de tecnologias avançadas,
levou à ampliação do mercado atendido pela produção das grandes empresas, bem
como a utilização de componentes, partes e serviços de países com menores
custos de produção. Consolidava-se, ainda, a formação de grandes espaços
econômicos com o Acordo de Livre Comércio entre os Estados Unidos e o Canadá,
de 1987, mais tarde ampliado na negociação do Acordo de Livre Comércio da
América do Norte (NAFTA), que incluiu o México e entrou em vigor em 1994. Esses
espaços econômicos convivem com novos esquemas de comércio intra-industriais,
instrumentalizados em ajustes-acordos entre empresas e/ou governos dos países
exportadores, e empresas e/ou governos dos países importadores47.
Esse quadro naturalmente impunha ao Brasil e à Argentina encontrar novas formas
de inserção econômica. Às pressões para uma abertura da economia ' derivadas da
globalização da produção e do imperativo de retomar o desenvolvimento após a
crise da dívida ' correspondia melhorar a competitividade das empresas para o
que se faziam necessários capitais e tecnologia.
O processo de integração criaria uma teia de interesses que promovessem não só
o intercâmbio comercial e a integração das duas economias, mas também que se
constituísse em sustentáculo para as reformas que permitissem a estabilização
econômica nos dois países. Como assinalou o Presidente Alfonsín, "o processo de
integração não é uma alternativa para a reforma de nossas estruturas econômicas
e produtivas. Tais reformas são necessárias, já estão em andamento e terão que
ampliar-se no enorme esforço pela modernização de nossos países (...). (...)
[O] esforço de integração não é uma tarefa exclusiva dos governos e dos
empresários. É, a rigor, um empreendimento que interessa a todos os setores"48.
Como se nota, o discurso de Alfonsín estabelece uma relação entre a agenda
interna dos dois países e sua relação bilateral. Ao realçar o interesse geral
no processo de integração, reconhece a influência de uma multiplicidade de
atores novos, os quais tenderão a refletir na discussão desse processo suas
preocupações setoriais. Legitima-se, assim, internamente a integração enquanto
projeto político, que sobreviveria às eventuais alternâncias partidárias no
poder. Recorde-se, a propósito, que o processo de integração deu-se num momento
de grande sensibilidade política nos dois países, que pode ser caracterizado em
três instâncias. Em primeiro lugar, a Constituição de 1988, estabeleceu a
promoção da integração latino-americana como um dos princípios das relações
internacionais do Brasil. 49 Segundo, aguçava-se a crise do Estado tanto
política quanto fiscal. A crise inflacionária e a falta de investimentos
afetavam os programas nucleares argentino e brasileiro. O endividamento externo
reduzia a capacidade do Estado de impulsionar o processo de acumulação
capitalista, bem como de arbitrar conflitos entre os setores modernos e
arcaicos da economia. Os dois países passaram igualmente a enfrentar pressões
dos países industrializados, sobretudo dos Estados Unidos, em matéria
comercial, inclusive com a imposição de sanções a suas exportações para o
mercado norte-americano.
Finalmente, em terceiro lugar, o processo de democratização foi elemento
essencial na aproximação entre Brasília e Buenos Aires ao implicar maior
transparência nas atividades governamentais. Como assinalou Sônia Camargo, "num
contexto político autoritário em que o arbítrio, o segredo e a discriminação
fazem parte do próprio exercício do poder, dificilmente propostas de cooperação
e desenvolvimento regional poderiam encontrar campo de atuação" 50.
Em suma, a interação das agendas domésticas com os interesses externos dos dois
países incrementou a interdependência 51 entre eles. Os interesses gerados pelo
esforço de integração concorreram para alterar o enfoque de cada país, seja
quanto à forma e conteúdo de seu respectivo processo de reforma, seja quanto à
sua própria experiência de desenvolvimento. O discurso de Alfonsín, há pouco
referido, feito à comunidade empresarial do Brasil e da Argentina, ao mencionar
a reforma das estruturas produtivas, sinalizava que o processo de integração
traria necessariamente a abertura econômica. Esta, naquele momento (1986), já
era motivo para pressões dos parceiros industrializados dos dois países e era
reivindicada por setores produtivos internos, em especial os voltados para a
exportação, que dependiam de insumos importados. Para conviver com essa
abertura impunha-se uma adaptação do parque produtivo dos dois países que
funcionasse como antídoto ao temor de seu sucateamento que permeava setores
importantes do empresariado.
A maior exposição à concorrência externa promovida pela integração era,
portanto, um fenômeno político. Os textos da Ata para Integração e do Tratado
de Assunção mostram como se evoluiu de um prudente delineamento do processo de
integração para a constatação de sua inevitabilidade, ante as transformações
verificadas no cenário internacional.
A Ata para Integração Brasileiro-Argentina, de 1986, assinala que o Programa de
Integração "será equilibrado no sentido de que não deve induzir uma
especialização das economias em setores específicos; de que deve estimular a
integração intra-setorial; de que deve buscar um equilíbrio progressivo,
quantitativo e qualitativo, do intercâmbio por grandes setores e por segmentos
através da expansão do comércio; propiciará a modernização tecnológica e maior
eficiência na alocação de recursos nas duas economias". O preâmbulo do Tratado
de Assunção, celebrado em março de 1991, destaca a "evolução dos acontecimentos
internacionais, em especial a formação de grandes espaços econômicos, e a
importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países".
O texto da Ata para Integração Brasileiro-Argentina revela a intenção dos dois
Governos de irem além da complementação econômica ou do melhor aproveitamento
das vantagens comparativas de cada país. Ao estimular a integração intra-
setorial, o equilíbrio do intercâmbio, a modernização tecnológica e a maior
eficiência na alocação de recursos, o compromisso subscrito pressupunha uma
nova interação entre ambos os Governos, entre estes e o setor privado, bem como
entre empresários brasileiros e argentinos. Isso implicava negociações tanto
para a formulação de políticas públicas quanto para a escolha de opções para a
implementação do acordado. Tais tratativas, porém, não poderiam ficar limitadas
a uma visão estreita do intercâmbio bilateral. À luz do Tratado de Assunção
deveriam ser orientadas à "adequada inserção internacional" dos sócios do
MERCOSUL.
O Tratado representou, assim, uma consolidação da mudança operada nas relações
no Cone Sul, a partir da aproximação entre o Brasil e a Argentina, bem como um
instrumento para a interação com os demais países e blocos econômicos. Tal
esforço somente poderia ser implementado num contexto democrático, isto é, onde
houvesse abertura para debates, divergências e alianças.
Por outro lado, ficou à discrição de cada signatário do Tratado definir a
"adequada inserção internacional". Esta, como se tem observado, não se limita
ao plano econômico, mas abrange igualmente o político. Neste particular, é útil
atentar para as diferentes opções das políticas exteriores do Brasil e da
Argentina. É verdade que a vagueza do texto do Tratado de Assunção deixa espaço
para posições não coincidentes de cada país quanto a temas da agenda
internacional. Por outro lado, abre também possibilidades para uniformizar
procedimentos em áreas não comerciais, como educação, ou mesmo para aprofundar
a colaboração brasileiro-argentina no terreno da segurança52.
O processo que levou ao mercado comum revelou também a percepção nos países
envolvidos sobre a necessidade de regimes jurídicos e mecanismos institucionais
que contribuíssem para a reversão da queda dos investimentos internacionais
destinados à América Latina, e em particular a esses países, verificada nos
anos 80. Essa retração dos investimentos coincidiu com o surgimento dos blocos
econômicos regionais. Um dos propulsores dessa tendência foi o crescimento dos
vínculos entre empresas localizadas na região. Estas, ao incrementarem sua
escala e poderem investir e se adaptarem tecnologicamente, tiveram
possibilidade de expandir suas exportações para os principais mercados mundiais
e, no caso das empresas transnacionais, fornecerem insumos e produtos mais
baratos para suas matrizes53.
Por outro lado, desde o início do processo de integração aumentaram
significativamente as trocas entre Brasil e Argentina. Em 1985, o Brasil foi o
destino de 5,9% das exportações argentinas, enquanto que os produtos
brasileiros corresponderam a 16% das importações da Argentina; em 1990, o
Brasil absorveu 11,5% das exportações argentinas, enquanto que 17,6% das
importações da Argentina foram de produtos brasileiros. Esse intercâmbio, visto
do lado do Brasil, mostra que, em 1985, a Argentina foi o destino de 2,1% das
exportações brasileiras, enquanto que os produtos argentinos corresponderam a
3,4% das importações brasileiras; em 1990, as exportações brasileiras
permaneceram no mesmo nível, mas as importações subiram para 6,7%. Em 1994, 20%
das importações da Argentina foram de produtos brasileiros, enquanto que 22,8%
das exportações argentinas foram absorvidos pelo Brasil. Em 1996, os produtos
brasileiros corresponderam a 22,4% das importações argentinas; bens e serviços
argentinos significaram 12,7% das importações brasileiras. Visto de outro
ângulo, o Brasil absorveu 26% das exportações argentinas daquele ano, enquanto
que a venda de produtos e serviços brasileiros para a Argentina correspondeu a
10,83% do total de nossas exportações54. Ou seja, a partir de 1994, o Brasil
passa a ser o principal destino da exportação de bens argentinos; naquele ano,
a Argentina alcançou a condição de segundo mercado para o comércio exterior
brasileiro. O livre comércio estabelecido pelo MERCOSUL juntamente com o
processo de estabilização da economia brasileira resultaram na forte
concentração das exportações argentinas no mercado brasileiro, dando origem ao
que alguns setores de opinião argentinos denominam "Brasildependência".
O aumento dos fluxos econômicos bilaterais exigiu a harmonização, ainda em
curso, de políticas macroeconômicas com o objetivo de atrair investimentos e
tecnologia, sobretudo dos países industrializados. As medidas nessa área são
especialmente importantes para o aumento da formação de capital ' a qual
diminuiu sensivelmente no auge da crise da dívida externa ' podendo ser
consideradas como um dos derivativos da maior interdependência entre o Brasil e
a Argentina. O processo de formulação dessas medidas é, entretanto,
essencialmente político e demanda tanto negociações internas e entre os sócios
do MERCOSUL, quanto concessões na esfera interna e no contexto internacional.
A competição global estimula a formação de joint ventures e de alianças
estratégicas entre empresas, no contexto das quais o aumento da escala e a
redução dos custos de produção juntamente com maior o acesso à tecnologia são
elementos fundamentais 55. Em conseqüência, os dois países ingressaram numa
fase de criação de um aparato jurídico-institucional para reger suas atividades
econômicas que responda à reivindicação das grandes empresas por normas
uniformes para se estabelecerem em seu território.
A liberalização econômica e a revisão do conteúdo e da dimensão da presença do
Estado no Brasil e na Argentina criou, como assinala Etel Solingen, uma
"coalizão liberalizadora". A atuação desta foi facilitada com a intenção dos
Governos democráticos, sobretudo de Collor e Menem, de reduzir e colocar as
atividades nucleares militares sob estrito controle civil56. O interesse de
ganhos econômicos no processo de integração aumentou a receptividade à
alteração nos rumos da política nuclear em cada país57. É exemplificativa, a
propósito, a declaração do Ministro Domingo Cavallo, pouco antes de assumir a
Chancelaria argentina: "Temos tratado de estar presentes e fazer discursos
muito principistas em distintos foros internacionais sobre diversos temas,
muitos dos quais estão muito distantes de nossa problemática quotidiana, e não
temos orientado adequadamente nossa Política Exterior a facilitar a solução dos
problemas econômicos e sociais que afetam os argentinos. A nova Política
Exterior vai contrastar com esta tendência do passado, ver-nos-á menos
presentes na discussão em nível mundial de temas distantes de nossa
problemática e encontrar-nos-á preocupados em conseguir que a relação com o
resto do mundo facilite a integração econômica da Argentina à economia mundial,
à obtenção de capitais e à simplificação dos problemas gravíssimos que afetam
nossa gente"58.
Collor foi ainda mais explícito quanto à relação da política nuclear com os
ganhos econômicos ao discursar na Assembléia Geral da ONU, em 1991: "O fluxo de
bens, serviços e conhecimentos de tecnologias sensíveis é hoje um tema vital.
Devemos encontrar fórmulas que conciliem dois interesses básicos: evitar a
possibilidade de que tais tecnologias venham a ser utilizadas em armas de
destruição em massa, e manter abertos canais de acesso que permitam sua
obtenção para fins pacíficos. Esse é um requisito essencial da modernização e
da capacitação tecnológica de países como o Brasil"59.
Os dois discursos mostram uma preocupação imediatista, exemplificada na
"solução dos problemas econômicos e sociais que afetam os argentinos" (Cavallo)
e na "modernização" (Collor), e o propósito de marcar um rompimento com
atitudes ou posições políticas passadas. A idéia do desenvolvimento enquanto
processo apoiado por uma forte participação do Estado no setor produtivo cede
lugar à noção de modernização, segundo a qual o país deve tirar proveito do que
de melhor existe no mercado globalizado. A opção pela modernização foi adotada
ainda que a indústria nacional tivesse que ser submetida ' como foi o caso no
Brasil e na Argentina ' a um choque externo que significou a exclusão de várias
empresas do mercado, com inegáveis custos sociais. Em suma, a modernização
implicou uma reconsideração do desenvolvimento econômico enquanto fator de
afirmação da autonomia nacional. Por outro lado, o enfoque pragmático anunciado
no discurso do ex-Ministro Cavallo levaria a Argentina a realinhamentos
dramáticos em sua Política Exterior, como sua retirada do Movimento Não-
Alinhado.
Conclusão
O projeto de integração Brasil-Argentina extrapolou a dimensão econômico-
comercial para se constituir numa parceria estratégica. Elemento essencial
dessa parceria, a cooperação nuclear Brasil-Argentina refletiu uma avaliação
por parte de cada Governo de que, se de um lado, inexistiam regras unanimemente
aceitas e aplicáveis coercitivamente por uma instituição central no campo da
não-proliferação (vide as resistências, na época, ao TNP), de outro, havia um
movimento crescente, através dos regimes de controle de exportação de
tecnologias sensíveis, no sentido de restringir o acesso a elas pelos países
não parte desses regimes. Assim, programas nucleares dos dois países não
submetidos às salvaguardas da AIEA revelaram-se empecilhos para seus propósitos
de acelerar o desenvolvimento tecnológico e incrementar o poder nacional de
cada país.
A evolução da atitude dos dois países em relação à política nuclear (mas que
pode ser estendida para o campo das tecnologias sensíveis) pode ser vista como
resultado da eficácia dos regimes de não-proliferação, aliada à constatação das
vantagens de implantar um projeto de integração econômica numa macroestrutura
internacional marcada pela regionalização e pela globalização. Neste contexto,
e como um dos resultados imediatos do relaxamento das tensões entre as
Superpotências, a política nuclear deixou de ser vista como elemento para
atingir a autonomia tecnológica para se tornar fator de acesso às tecnologias
avançadas geradas no exterior e a bens e serviços nelas baseados.
As decisões tomadas no terreno nuclear e no campo econômico criaram uma teia de
interesses com o objetivo de se alcançar benefícios não só no terreno da
cooperação econômico-comercial mas também em termos da interação do Brasil e da
Argentina com outros atores. Assinale-se que esta interação se dá num momento
em que dois processos ainda acontecem: em uma região na qual de um lado aumenta
o aprofundamento das diferenças entre os países da região decorrente de sua
resposta histórica aos desafios econômicos e políticos que enfrentavam em
decorrência do autoritarismo e da crise econômica; de outro, em nível mundial,
pelo surgimento de novos competidores por investimentos, tecnologia e mercados.
Concebida inicialmente como um esforço bilateral ao qual se somariam no futuro
outras nações da América Latina, o processo de integração entre Brasília e
Buenos Aires logo envolveu o Uruguai e o Paraguai, países cujas caraterísticas
geográficas e econômicas sempre os induziram a políticas pendulares entre o
Brasil e a Argentina. Os dividendos econômicos da aproximação entre os últimos
não teriam sido possíveis sem a remoção das respectivas suspicácias alimentadas
durante décadas e das quais a falta de transparência em seus programas
nucleares era conseqüência concreta.
A transformação decorrente dessa aproximação implicou a adoção de políticas de
médio e longo prazo, nos planos interno e internacional, bem como intensas
negociações entre os participantes. Todavia, a mencionada crise econômica e
social, que se abateu sobre os países latino-americanos, nos anos 80 e início
dos anos 90, atuou como um inibidor de avanços mais rápidos e profundos na
conformação da nova realidade emergente daquela mudança ao exigir políticas
pontuais e de curto prazo.
O processo de aproximação entre o Brasil e a Argentina representou clara opção
em favor de políticas de colaboração e de coordenação com vistas a resolução
respectivamente de dilemas de interesse comum e de dilemas relacionados a
aversões comuns60. Procurou-se mostrar que o discurso utilizado pelos dois
países reconheceu a importância da tecnologia e do conhecimento para a
formulação de tais políticas. A alta tecnologia é vista como essencial para a
capacitação das empresas a fim de competirem no mercado mundial. A
possibilidade de aplicação dual dessas tecnologias (para fins civis e
militares) bem como a importância estratégica de que se reveste seu domínio
requerem medidas que protejam seu fluxo. Algumas destas medidas 61 têm
relevância política interna e externa, cuja percepção nem sempre é coincidente.
Exemplo disso são a participação nos regimes internacionais de controle de
exportações de tecnologias sensíveis e a adoção de regras para proteção de
propriedade intelectual. No terreno do conhecimento, a maior transparência dos
programas e a colocação sob salvaguarda das instalações nucleares foram
condição necessária para que a interação entre os dois países, e destes com a
região e com os países industrializados se tornasse mais fluida.
A nova dinâmica do sistema internacional impulsionada pela facilidade das
comunicações, pela rapidez dos fluxos financeiros e pela mudança do paradigma
tecnológico alterou em profundidade as relações econômicas entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento. Essas transformações ainda não configuram
um desenho definitivo da macroestrutura internacional que substituirá aquela
que prevaleceu durante a Guerra Fria. Entretanto, uma de suas conseqüências
mais imediatas para os países da América Latina é o abandono das premissas que
estiveram na base do processo de substituição de importações, notadamente a
participação estatal62, como vimos no caso do Brasil e da Argentina.
Outra conseqüência muito importante foi a revisão de posições que se haviam
incorporado à política exterior dos dois países, mas que as mudanças ocorridas
no cenário internacional ensejaram uma atualização. O exemplo mais eloqüente é
a decisão brasileira, em junho de 1997, de solicitar ao Congresso Nacional,
autorização para a adesão ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares
(TNP). No discurso que pronunciou na cerimônia de assinatura da mensagem que
encaminha o texto do tratado ao Congresso, o Presidente Fernando Henrique
Cardoso recordou que o Brasil, desde a abertura do TNP à assinatura pelos
Estados, mantivera uma atitude crítica em relação a ele por considerar seus
termos discriminatórios. Reconheceu a correção dessa postura, sobretudo porque
a corrida armamentista nuclear representava um descumprimento das obrigações
assumidas no tratado pelas potências nucleares. Todavia, os acordos de
limitação de armamentos entre os Estados Unidos e a Rússia levaram a cortes
importantes em seus respectivos arsenais, ao mesmo tempo em que, com a
prorrogação indefinida do TNP, na conferência de revisão de 1995, foi
estabelecida uma lista de princípios e objetivos de não proliferação e
desarmamento nuclear, bem como um mecanismo de exame e revisão semi-permanente
do cumprimento dos objetivos do tratado. A adesão do Brasil ao tratado se
afigura, assim, como elemento para a integração do país nos diversos esforços
em favor da não proliferação e como um reforço da posição do país como
interlocutor importante no debate de um tema central da agenda internacional.
A colaboração encetada deixou de ser um jogo de soma zero para converter-se num
empreendimento em que o ganho de um pode também representar dividendos para o
outro. Tais resultados são função do peso de fatores geográficos, econômicos e
culturais, influenciados por circunstâncias políticas e sociais. Há, porém, que
se ter presente a advertência de Dougherty e Pfaltzgraff de que um
relacionamento dessa natureza não significa que estejam resolvidos todos os
problemas de conflitos nas relações entre os atores.63 É a partir dessa
perspectiva que cumpre analisar eventuais diferenças de atitude e de posições
entre Brasil e Argentina, seja no campo intra-MERCOSUL, seja como resultado de
escolhas para sua atuação no contexto global.
Através do programa de integração e do MERCOSUL buscou-se estabelecer uma
arquitetura político-jurídica, através de declarações e acordos que permitissem
um ajustamento tanto do Brasil quanto da Argentina a essa dinâmica. A rápida
evolução do intercâmbio entre os quatro sócios do MERCOSUL criou uma realidade
que extrapola o campo econômico e projeta-se no terreno político, como
evidenciado na crise político-institucional de abril de 1996 no Paraguai.
Naquela data, os Governos do Brasil, Argentina e Uruguai deixaram claro, ante a
ameaça de ruptura de ordem institucional no Paraguai, que a participação no
MERCOSUL pressupõe a observância e a promoção da democracia pelos sócios. Essa
dimensão política, que começa a despontar na atuação dos quatro, é resultado
direto da racionalidade e da confiança mútua inoculadas nas relações Brasil-
Argentina, a partir dos anos 80. É lícito esperar que a evolução das relações
entre os membros do MERCOSUL os leve a uma crescente coordenação e concertação
em torno de temas marcadamente políticos, como forma não só de afiançar os
laços econômicos, mas também de reforçar seu diálogo com outros países ou
grupos de países e sua atuação em foros internacionais.
Notas
1 Ministério das Relações Exteriores, Resenha de Política Exterior do Brasil,
nº 23, outubro, novembro, dezembro de 1979, "Saraiva Guerreiro: acordo entre
Itaipu e Corpus aproxima os povos brasileiro, argentino e paraguaio" p. 89.
2 Idem ib., p. 91.
3 R. Saraiva Guerreiro, Lembranças de um Empregado do Itamaraty, p. 92. A
questão do aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná condicionou profundamente
a relação entre o Brasil e a Argentina por quase vinte anos. Não é intenção
aqui elaborar sobre o tema, o qual está abordado de maneira bastante completa
no livro de Christian G. Caubet, As Grandes Manobras de Itaipu. São Paulo:
Editora Acadêmica, 1989.
4 Mitchell Riess, Bridled Ambitions: Why Countries Constrain Their Nuclear
Capabilities, p. 54.
5 Carlos Castro Madero & Esteban Tackacs, Política Nuclear Argentina:
avance o retroceso?, p. 155
6 John R. Redick, "Latin America's Emerging Non-Proliferation Consensus", in:
Arms Control Today, March 1994.
7 Esta posição estava relacionada com o fato de o TNP impor obrigações no
sentido da não transferência, controle, fabricação, e aquisição de armas
nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares pelos países considerados
militarmente não nucleares, sem impor obrigações aos países militarmente
nuclearizados no sentido de eliminarem seus arsenais nucleares.
8 Ministério das Relações Exteriores, Resenha de Política Exterior do Brasil,
nº 25, abril, maio e junho de 1980, p. 48. Assinale-se que a tecnologia para
efetuar uma "explosão pacífica" não difere daquela utilizada para fins
militares.
9 O Brasil utilizava a tecnologia do urânio enriquecido enquanto a Argentina a
do urânio natural.
10 A questão do acesso à tecnologia e suas repercussões no desenvolvimento do
Brasil e na ordem mundial é preocupação histórica da diplomacia brasileira. Em
Conferência na Escola Superior de Guerra, em 1958, o Embaixador João Augusto de
Araujo Castro assinalava: "A revelação de um progresso tecnológico importante
(...) pode levar a mudanças de julgamento sobre o poder relativo das nações.
(...) Para o Brasil o caminho mais rápido, mais direto para o Poder Nacional é
o próprio caminho de seu desenvolvimento econômico e expansão industrial. (...)
Não estamos necessariamente condenados a percorrer todos os estágios de
desenvolvimento percorridos por países que se adiantaram a nós na economia e na
indústria; a ciência e a tecnologia aplicadas com imaginação e com audácia, na
utilização de nossos recursos naturais, poderão levar-nos, num futuro próximo,
a uma posição de força no cenário internacional. Não obstante todos os
desajustamentos e incertezas de nosso panorama econômico e financeiro, esses
objetivos de desenvolvimento ' que se confundem com os próprios objetivos
estratégicos e de Segurança ' terão que ser mantidos e ampliados". João Augusto
de Araujo Castro, "O Poder Nacional. Limitações de Ordem Interna e Externa",
in: Rodrigo Amado (org.) Araujo Castro, p. 9.
11 K D Kapur ' Nuclear Non-Proliferation Diplomacy: nuclear power programmes in
the Third World, p. 115.
12 Vide, a propósito, discursos dos Presidentes Alfonsín e Sarney no almoço
oferecido por empresários argentinos e brasileiros em 11.12.86, in: Ministério
das Relações Exteriores, Visita do Presidente da Argentina Raúl Alfonsín ao
Brasil, 8 a 11 de dezembro de 1986.
13 Marcos Castrioto de Azambuja, "Desarmamento ' Posições Brasileiras", in:
Gelson Fonseca Júnior & Valdemar Carneiro Leão, Temas de Política Externa
brasileira, pp. 180/181.
14 Este é um princípio que o Brasil em diferentes ocasiões esgrimiu para
defender sua política nuclear. Em 1977, marcado pelas pressões americanas
contra o acordo com a Alemanha, o Chanceler Silveira sustentou na abertura do
debate geral da Assembléia Geral da ONU que "o verdadeiro sentido da não-
proliferação é sustar a disseminação das armas nucleares, e não impedir a
difusão da tecnologia nuclear. O acesso à tecnologia para os usos pacíficos da
energia nuclear, atendidos os controles adequados, não deve estar sujeito a
restrições discriminatórias".
15 Vide Convênio de Cooperação entre a CNEN e a CNEA e Protocolo de Cooperação
entre a NUCLEBRÁS e a CNEA.
16 Riess, op. cit., p. 54.
17 O Governo brasileiro reafirmou, desde a eclosão do conflito, o apoio do
Brasil à soberania argentina sobre as ilhas, que data de 1833, mesmo se a
conduta argentina se chocasse com a posição de princípio do Brasil contrária ao
uso da força para a resolução de disputas territoriais. Vide "Declaração do
Chanceler Saraiva Guerreiro em Nova York, em 2 de abril", in:, Ministério das
Relações Exteriores, Resenha de Política Exterior do Brasil, nº 63, abril,
maio, junho de 1982.
18 Ministério das Relações Exteriores, Resenha de Política Exterior do Brasil,
nº 39, outubro, novembro, dezembro de 1983, p. 122.
19 O Grupo de Supridores Nucleares, também conhecido como Clube de Londres, foi
estabelecido em 1974, logo após a explosão nuclear pela Índia. Em dezembro de
1976, o Governo Canadense condicionou sua cooperação nuclear à adesão dos
países recipiendários ao TNP ou à aceitação de inspeções por parte da AIEA.
Isto teve repercussões importantes na construção, pela Argentina, da usina de
reprocessamento de Embalse, a qual estava sendo feita através de um acordo de
transferência de tecnologia celebrado com a Atomic Energy Canadian Limited
(AECL). Vide Castro Madero e Tackacs, op. cit.,p. 56 et passim.
20 Mitchell Riess, op.cit., p. 54. As afirmações de Riess e de Redick devem ser
tomadas com alguma cautela. A intensidade da pressão internacional exercida
para frear o programa nuclear argentino, não parece consoante com o
desconhecimento de um fator crítico para o desenvolvimento daquele programa
como a usina de Pilcaniyeu.
21 John R. Redick, op. cit., p. 5.
22 Gelson Fonseca Jr., "Aspectos da teoria de Relações Internacionais: notas
didáticas", in: Política Externa, vol. 3, nº 3, dez./1994, jan.-fev./1995, p.
92.
23 John R. Redick, op. cit., p. 5 e Mitchel Riess,op. cit.,p. 55.
24 Kenneth Waltz, Theory of International Politics, pp. 73/74.
25 Ministério das Relações Exteriores, Visita do Presidente José Sarney à
República Argentina, p. 18.
26 Arthur Stein, Why Nations Cooperate, página 15.
27 Discurso do Presidente Raul Alfonsín no almoço oferecido por empresários
argentinos e brasileiros ' 11.12.86, in: Ministério das Relações Exteriores,
Visita do Presidente da Argentina Raúl Alfonsín ao Brasil, 8 a 11 de dezembro
de 1986, pp. 25-26.
28 Discurso do Presidente José Sarney no almoço oferecido por empresários
argentinos e brasileiros ' 11.12.86, in: Ministério das Relações Exteriores,
Visita do Presidente da Argentina Raúl Alfonsín ao Brasil, 8 a 11 de dezembro
de 1986, pp. 31-32.
29 Este protocolo antecipou-se às convenções internacionais sobre Pronta
Notificação de Acidentes Nucleares e Assistência Mútua em Caso de Acidente
Nuclear ou Emergência Radiológica, celebradas no âmbito da AIEA em setembro de
1986.
30 Discurso do Presidente Alfonsín na Cerimônia de assinatura de Atos Brasil-
Argentina no Palácio do Planalto 10.12.86, in: Ministério das Relações
Exteriores, Visita do Presidente da Argentina Raúl Alfonsín ao Brasil, 8 a 11
de dezembro de 1986, p. 15.
31 Sobre o tema dos desvios de percepção sobre as capacidades e intenções dos
atores no plano internacional, vide Arthur Stein, op. cit., página 59.
32 Vide "Declaração Conjunta sobre Política Nuclear", 17.07.87, in Ministério
das Relações Exteriores, Visita do Presidente José Sarney à República
Argentina, 15 a 17 de julho de 1987, p. 16.
33 Tal como acontecera quando a Argentina lograra o enriquecimento de urânio em
Pilcaniyeu, o Governo Argentino foi previamente informado do êxito alcançado
pelo IPEN.
34 Por volta de março de 1988, técnicos argentinos teriam visitado todas as
instalações nucleares brasileiras que não se encontravam sob o regime de
salvaguardas da AIEA. Mitchell Riess, op. cit., p. 57.
35 Na ocasião o Centro foi inaugurado com a entrada em funcionamento da unidade
Almirante Álvaro Alberto da usina de enriquecimento isotópico de urânio.
36 Embora a usina de reprocessamento de Ezeiza estivesse sob salvaguardas da
AIEA, por exigência do Canadá, argüía-se que quando funcionasse com plena
capacidade, seria capaz de, no reprocessamento, extrair plutônio suficiente
para construir duas bombas atômicas por ano (Vide Mitchell Riess, op. cit., p.
47). Castro Madero e Esteban Tackacs assinalam, entretanto, que "a Argentina
não teve, nem tem como objetivo fabricar uma bomba atômica"; e justificam a
busca da capacitação na área de reprocessamento afirmando que "se a Argentina
que ter um papel como exportador de tecnologia nuclear, é muito conveniente
aparecer nesse mercado tão competitivo, com capacidade em todas as etapas do
ciclo combustível" (Vide Castro Madero e Estebán Tackacs,op. cit., pp. 46 e
77).
37 A Declaração de Ezeiza foi a última sobre política nuclear emitida pelos
Presidentes Sarney e Alfonsín.
38 Esse tipo de reator utiliza plutônio como combustível e era objeto de
pesquisas em alguns países desenvolvidos. Os projetos de construção de reatores
regeneradores rápidos acabaram por serem abandonados em todos os países
desenvolvidos, a exceção do Japão. As causas para essa decisão estiveram
associadas aos custos de construção, bem como as pressões da opinião pública
contra a utilização do plutônio como combustível, por causa dos perigos a ele
associados, em particular o armazenamento dos rejeitos.
39 Monica Hirst, Security Policies, Democratization and Regional Integration in
the Southern Cone, pp. 9-10.
40 Ministério das Relações Exteriores, Resenha de Política Exterior do Brasil,
nº 67, outubro, novembro e dezembro de 1990, "Brasil e Argentina assinam
Declaração de Política Nuclear: Discurso de Presidente Fernando Collor na
cerimônia de assinatura da 'Declaração sobre Política Nuclear Comum Brasileiro-
Argentina', realizada em Foz do Iguaçu, em 28 de novembro de 1990", p. 42.
41 Acordo entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a
Agência Brasileira de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) e
a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para Aplicação de
Salvaguardas, artigo 1º.
42 Paulo Nogueira Batista, "A Política Externa de Collor: modernização ou
retrocesso?", in: Política Externa, vol. 1, nº 4, março de 1993, p. 122.
43 Vide a declaração do Embaixador Marcos Azambuja, quando ocupava a Secretaria
Geral de Política Exterior do Itamaraty: "O Brasil deverá empenhar-se
crescentemente no sentido de tornar abertos os canais de acesso do País às
tecnologias avançadas, através de propostas para tratamento multilateral mais
transparente e de medidas de "confidence building" do que são exemplo: os
entendimentos na área nuclear entre Brasil e Argentina, in: Conjuntura
Internacional: Centros Mundiais de Poder, Conferência proferida durante o Curso
de Altos Estudos da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, e Curso de
Altos Estudos de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra, Rio de
Janeiro, 23 e 24 de maio de 1991, p. 35.
44 Pelo Protocolo Adicional I, as potências nucleares se comprometem "a aplicar
nos territórios que de jure ou de facto estejam os sua responsabilidade
internacional, compreendidos dentro dos limites da área geográfica estabelecida
no Tratado para Proscrição das Armas Nucleares na América Latina, o estatuto de
desnuclearização para fins bélicos, que se encontra definido nos artigos 1°,
3°, 5° e 13° do mencionado Tratado."
45 O processo de integração, como assinalado anteriormente, teve como
instrumentos fundadores a Declaração do Iguaçu e a Ata para Integração
Brasileiro-Argentina e Protocolos.
46 Georges Lamazière & Roberto Jaguaribe, "Au-delà du raffermissement de la
confiance: la coopération nucléaire argentino-brésilienne", in: Disarmament,
Vol. XV, nº 13, 1992.
47 Exemplo disso, foi o contencioso automobilístico entre o Japão e os Estados
Unidos que levou ao acordo de 1995, bem como as negociações entre o Japão e a
Comunidade Européia, cuja conseqüência foi o comprometimento das empresas
japonesas de adotarem voluntariamente medidas específicas para reduzir o
superavit comercial japonês.
48 Discurso do Presidente Alfonsín no almoço com empresários brasileiros e
argentinos, in: Ministério das Relações Exteriores, Visita do Presidente José
Sarney à Argentina, 28 a 30 de julho de 1986, pp. 30-31.
49 Vide Constituição da Repúblca Federativa do Brasil, art. 4°, parágrafo
único.
50 Sonia Camargo, "Brasil-Argentina: a integração em questão", in: Contexto
Internacional, Ano 4, nº 9, janeiro/junho de 1989.
51 Sobre a relação entre a interdependência entre os Estados e sua política
interna, vide Stanley Hoffmann, "Domestic Politics and Interdependence", in
"Janus and Minerva:Essays in the Theory and Practice of International
Politics", p. 270.
52 Exemplo disso foram as manobras conjuntas entre as Forças Armadas dos dois
países em outubro de 1996, bem como o Memorando de Entendimento sobre Consulta
e Coordenação firmado entre Brasil e Argentina, por ocasião do encontro entre
os Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem, em abril de 1997. Este
Memorando de Entendimento pode ser visto como a concretização da proposta de
Alfonsín, de dezembro de 1986, mencionada anteriormente.
53 Lydia Goldenstein, Repensando a Dependência, pp. 109-111.
54 Fonte: MICT/SECEX/DTIC.
55 Renato Baumann, "Dimensões da Inserção Internacional do Brasil", in: João
Paulo dos Reis Velloso (coord.), MERCOSUL e NAFTA: o Brasil e a integração
hemisférica, p. 47.
56 Monica Hirst, op. cit., 1995, p. 10.
57 Etel Solingen, "La Economia Política de la Limitación Nuclear", in: Revista
Occidental, Año 12, Número 1, 1995, p. 52.
58 Declaração ao Clarín, 25 de junho de 1989, citada em José Paradiso, Debates
y Trayetoria de la Política Exterior Argentina, p. 197.
59 Ministério das Relações Exteriores, A Palavra do Brasil nas Nações Unidas
1946-1995, p. 534.
60 Arthur Stein, op. cit., p. 39.
61 Exemplo dessas medidas é a participação nos regimes plurilaterais de
controles de exportação, que procuram disciplinar o comércio de tecnologias de
uso duplo. Esses regimes incluem o Missile Technology Control Regime (MTCR), o
Nuclear Suppliers Group (NSG), o Grupo da Austrália, na área química; e o Grupo
de Wassenaar, que substituiu o Comitê Coordenador Multilateral para Controles
de Exportação (COCOM), que funcionou durante a Guerra Fria. A decisão de se
juntar esses mecanismos implicou um processo negociador encetado separadamente
pelo Brasil e pela Argentina, tendo em vista o diferente grau de avanço
tecnológico alcançado por cada um nos setores submetidos aos controles.
62 Lydia Goldenstein, Repensando a Dependência, pp. 105-108.
63 James E. Dougherty e Robert L. Pflatzgraff Jr. "Contending Theories of
International Relations: a Comprehensive Survey", p. 523ç