O Brasil e os atentados de 11 de setembro de 2001
Introdução
O dia 11 de setembro de 2001 foi daqueles que ainda nas suas primeiras horas se
viu entrar para a história. Os atentados perpetrados contra os EUA neste dia
repentinamente realinharam as relações internacionais, do mesmo modo como
aconteceu em 9 de novembro de 1989, quando ruiu o Muro de Berlim, e em 24 de
outubro de 1962, quando chegou-se às portas da eclosão de um conflito nuclear
entre as superpotências, em decorrência do adiantamento da crise diplomática
que se abriu em virtude da instalação de mísseis soviéticos em Cuba. Em recuo
mais distante, chega-se a 12 de março de 1947, quando foi anunciada a Doutrina
Truman, que proclamava a política de contenção do comunismo internacional, e
com isso, se dava início à guerra fria. Dias como esses são datas cruciais das
relações internacionais porque representam o início e o fim de processos que
marcaram em profundidade e intensidade as relações internacionais
contemporâneas. Em alguns casos ' como 1947 e 1989 ' tem-se a instauração e a
finalização simbólicas da ordem internacional que caracterizou as relações
internacionais ao longo de toda a segunda metade do século XX, enquanto 1962
marca a grande inflexão dessa ordem, a partir da qual os principais atores
passariam a atuar de modo distinto, criando-se a partir de então condições para
a manifestação de comportamentos internacionais crescentemente nuançados.
Nesse sentido, 11 de setembro de 2001 tem para o mundo pós-guerra fria a mesma
importância que a semana de outubro de 1962 assumiu para a ordem bipolar,
podendo ser interpretado como o início de uma grande inflexão nas relações
internacionais contemporâneas, que força a rápida atualização de temas
fundamentais, como a segurança internacional. Com efeito, os atentados
terroristas cometidos contra as Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova
York, e contra o Pentágono, em Washington, além dos prejuízos materiais e
morais evidentes que causaram aos EUA, impõem a necessidade da atualização
urgente dos valores que informam a ordem em construção a partir do início da
década de noventa ' afinal, o fim do aspecto fundamental da oposição Leste-
Oeste acarretou, sobretudo, uma mudança do eixo de centralidade das relações
internacionais contemporâneas, que deixaram de se organizar prioritariamente em
torno da política e da estratégia, e passaram a girar em função da economia. A
tragédia norte-americana reinsere, portanto, as questões relativas à cooperação
internacional e às novas noções de segurança internacional no centro da agenda
diplomática mundial.
É certo que os atentados e as suas repercussões por muito tempo darão a tônica
do debate acadêmico sobre as questões internacionais, que cuidará de avaliar a
sua importância para a ação internacional dos EUA em particular, e para o
futuro das relações internacionais em geral. Pelo momento, importa-nos pensar
como um país que se situa na periferia dos acontecimentos, como o Brasil,
entendeu e se movimentou com os impactos do dia 11 de setembro, sob a ótica
singela com a qual Celso Lafer recentemente sintetizou a inédita complexidade
das relações internacionais contemporâneas e o modo como é percebida pelas
sociedades nacionais ' ou seja, como o mundo se "internaliza" na vida dos
países e, portanto, também do Brasil. É esse o objetivo desse ensaio.
O Brasil e a ordem que os atentados temperam
A ordem internacional que é temperada com os atentados de 11 de setembro de
2001 é especialmente caracterizada pela emergência descontrolada de forças que
dormiram embaladas pelos ruídos da Guerra Fria. Portanto, os riscos de
desagregação da ordem estavam crescentemente identificados com o vigor dos
fundamentalismos, dos nacionalismos e dos ideais de superioridade étnica, com
as manifestações de governos radicais ou marginais, com o crescimento
demográfico descontrolado, com os atentados contra o meio-ambiente, com a
realidade do narcotráfico e dos terrorismos transnacionais.
Percebia-se, desde o início dos anos noventa, que esses elementos eram
doravante os vetores da instabilidade internacional, e que crescentemente
contribuiriam para tornar relativos os ganhos da segurança coletiva construídos
no início da era pós-bipolar. Entretanto, enquanto não pusessem em risco os
valores da ordem em construção, seriam manejados, como efetivamente foram, pela
concertação diplomática e/ou militar mais ou menos intensa entre as grandes
potências, dependendo do caso, sendo essa uma das expressões daquilo que Paulo
Roberto de Almeida denominou Pax Consortis1.
Assim, a atuação relativamente homogênea e concertada das grandes potências no
encaminhamento dos problemas e tensões que vinham surgindo nas relações
internacionais desde o início dos anos noventa realçava outras tendências que
prometiam se firmar. Do ponto de vista da necessidade de se prover estabilidade
ao sistema, por exemplo, verificava-se que as coalizões internacionais vinham
se tornando cada vez mais complexas e tópicas, sendo articuladas em função de
necessidades de intervenção específicas, uma vez que a solução dos conflitos
crescentemente pressupunha a articulação de consensos políticos entre os
principais atores e condições de funcionamento de formas de dissuasão
multilaterais, portanto legais e legitimadas 2.
Neste contexto, a gerência da ordem passou a carecer de uma ampliação das bases
tradicionais de legitimidade, com o que surgiram condições para o
fortalecimento da noção de "comunidade internacional", representada
especialmente pela ONU, mas também em foros regionais de expressão (como a
OEA). Embora o Estado permaneça como o ator par excellence das relações
internacionais, assiste-se à multiplicação de agentes que participam direta e
ativamente da configuração dos problemas internacionais contemporâneos
(empresas, organizações não-governamentais, opinião pública), ao que se soma a
constatação da emergência inédita de temas cujo encaminhamento solicitam níveis
crescentes de cooperação internacional, como o meio-ambiente, direitos humanos,
questões científicas e tecnológicas, narcotráfico, crime organizado,
terrorismo, para citar os mais visíveis. O tratamento desses temas demandou a
formulação de teses que amparassem a intervenção ' dever de ingerência,
intervenção humanitária, governança global, extraterritorialidade das leis,
entre outros.
A evolução das relações internacionais a partir da década de noventa portou
para os países em desenvolvimento, e para o Brasil em particular, novos
desafios, tão inéditos quanto difíceis de serem enfrentados. Afinal, o
significado conceitual da conjuntura de transição residia na clara redefinição
das regras do jogo internacional e na transformação da própria natureza do
sistema internacional, com conseqüências diretas para os atores que dele
participam.
O desmoronamento da ordem internacional da bipolaridade no final dos anos 80,
ao impor a constatação da morte súbita das categorias que emprestavam
organicidade ao discurso e à prática política do nacional-desenvolvimentismo,
em conjunção com o avanço irrefreável da vaga liberal, acabou por criar
condições para o rompimento do consenso que se articulou em torno da Política
Exterior do Brasil, pelo menos, desde a década de setenta. De fato, a sua
eficácia seriamente comprometida pelas transformações políticas e econômicas
externas e internas impunha a rearticulação de prioridades, que passam pelo
abandono das posturas defensivas acerca do meio-ambiente, direitos humanos,
não-proliferação, entre outros temas da nova agenda internacional, e por uma
crescente interação e participação nos processos de regionalização e no
exercício de uma insuspeita capacidade de liderança regional, especialmente
focada na América do Sul.
Por outro lado, é relativamente fácil observar uma grande tensão entre a
prática e o discurso internacional característico da política exterior do
Brasil a partir dos anos noventa, uma vez que decididamente não se definiu um
discurso orgânico que definisse claramente as novas prioridades internacionais
do país. É certo que a "integração competitiva" aos fluxos econômicos
internacionais dá a tônica da ação internacional do país, interesse aos quais
se subordinaram outros grandes projetos, como a negociação e a consolidação da
integração econômica sub-regional, e mesmo a adoção de uma postura pró-ativa
acerca dos temas globais, que deveria ser articulada na frente doméstica e
apresentada para consumo externo como nova credencial internacional do país.
Enquanto possível, essa nova "identidade", moderna e afeita à integração e ao
ritmo da globalização, permitiu a atração de grandes fluxos de capitais
estrangeiros, mas também aprofundou a dependência estrutural do meio
internacional, contra a qual manifestara-se durante boa parte da sua
experiência anterior.
Por outro lado, por mais paradoxal que possa parecer, permanece o discurso
diplomático brasileiro se alimentando de idéias gerais da praxis de antanho, às
quais foram adicionadas outras, pautadas pelos imperativos da ordem econômica
internacional, o que não pode deixar de ser entendido como sendo o sintoma de
um grande desconforto entre a adequação das tradições de ação internacional e a
perplexidade causada pela ordem emergente. O lamento diante da "globalização
desigual", por exemplo, evidencia essa ordem de idéias, tratando o Brasil de
denunciar, especialmente pela diplomacia presidencial, a existência de uma
dicotomia entre as oportunidades, os desafios e os riscos decorrentes da
globalização, e a maneira diferenciada como esta afeta as sociedades, a um só
tempo gerando benefícios para as nações já integradas ao processo, mas também
dele excluindo os países de menor desenvolvimento, numa tendência
crescentemente perniciosa para a estabilidade e segurança internacionais.
A ação internacional do Brasil que entra no novo milênio tem, portanto,
problemas de vulto que se devem às escolhas do Estado, aos quais se somam
outras deficiências, estas localizadas na incapacidade da sociedade civil
organizada de interagir de modo adequado no processo de formulação da política
exterior. É justo reconhecer que esse processo tornou-se crescentemente
permeável às demandas dos diferentes setores da sociedade brasileira, o que se
deve inclusive à constatação por parte dos próprios agentes de Estado da
inviabilidade de políticas que não se amparassem em ampla participação e
manifestação dos diversos interesses nacionais em jogo. Assim, em algumas
dimensões da agenda internacional, como nos temas ambientais, verificou-se
desde os anos noventa, a participação crescente de novos atores, como as
organizações não-governamentais, mas esse é, sem dúvida, caso raro em agenda
cheia. Em geral, o empresariado, a academia, os sindicatos e outros atores
sociais de vulto permaneceram alheios aos sinais de fragilidade do processo de
decisão emitidos pelo Estado, não porque não tenham vontade de dele participar,
mas por incapacidade de facto. Afinal, faltam quadros (e portanto inteligência
instalada) para a compreensão da magnitude dos interesses em jogo e para a
tradução dos desafios do meio internacional e dos riscos e oportunidades que
lhes são inerentes na forma de políticas e interesses a serem defendidos junto
ao Estado. Esse quadro ganha cores fortes especialmente quando se percebe a
absoluta incapacidade que tem a imprensa brasileira de informar de modo
consistente e para um público diverso sobre os impactos que a cena
internacional porta para o Brasil e para a vida cotidiana do cidadão.
A reação brasileira aos atentados de 11 de setembro
O Brasil que viu pela televisão, perplexo e em tempo real, o arremesso de dois
aviões contra as Torres Gêmeas de Nova York no dia 11 de setembro, e vislumbrou
o potencial de destruição do terrorismo fundamentalista, é um país que
procurou, ao longo da década de noventa, se adequar aos constrangimentos da
ordem internacional que se estabelecia sem preocupações focadas nas questões de
segurança, e muito menos nas suas manifestações mais heterodoxas. É esse país,
com tradições e princípios internacionais bem estabelecidos e que se
manifestaram ao longo da sua experiência diplomática ' na qual sempre se
considerou a restrita capacidade de influência em situações de crise como esta
', que teve que avaliar rapidamente os impactos que o tempero proporcionado à
ordem internacional pelos atentados portam para os seus interesses, e como pode
ganhar a forma de novos constrangimentos para a sua ação internacional.
As primeiras reações do governo brasileiro aos atentados de 11 de setembro
foram manifestações de preocupação relativas aos impactos econômicos que podem
sobrevir em função do instantâneo deslocamento das prioridades do governo
norte-americano e, evidentemente, pelo clima de insegurança que se abateu
rapidamente sobre os mercados3. Com efeito, além da retração dos investimentos
estrangeiros, que já se observava em função da recessão mundial, o terror
produzirá impactos extremamente negativos sobre o trânsito de capitais e
mercadorias, ao que se soma o fato de que a reação norte-americana, com a
conseqüente instalação dos novos aspectos da segurança no centro das
preocupações internacionais, reduzirá inevitavelmente o espaço de articulação
existente entre os arranjos de comércio, como ALCA, Mercosul e União Européia.
Com isso, a diplomacia e as agências econômicas brasileiras avaliavam que o
primeiro impacto a ser sentido pelo Brasil se situa na ordem comercial e,
provavelmente, comprometerá a política de promoção de exportações, consagrada
recentemente como nova prioridade da ação internacional do país4.
Pela avaliação das agências econômicas, se antes dos atentados as previsões
para a evolução do Produto Interno Bruto em 2001 já eram pessimistas, o novo
ambiente internacional aprofundará a tendência à estagnação e mesmo à retração.
De acordo com levantamento do jornalValor Econômico, no curto prazo os
economistas esperam que se realize rapidamente uma retração dos investimentos,
seguida de fuga para ativos reais e para papéis seguros ' como os títulos do
Tesouro dos EUA ' retração nas correntes comerciais, aumento do preço do
petróleo, agravamento do quadro recessivo internacional e desconfiança
crescente do mercado norte-americano. Na média, as estimativas apontavam para
um crescimento do PIB estimado para 2001 entre 1,0% e 1,5% e, com o cenário de
retração mundial, espera-se crescimento inferior a 2,0% em 2002 5. Outra
repercussão extremamente negativa da nova instabilidade internacional se situa
na tendência do fechamento do crédito internacional, que já se observava
anteriormente em função das possibilidades de contágio pela evolução da crise
argentina, portando impactos para a capacidade de financiamento do déficit
externo brasileiro em 2002.
Ainda na dimensão econômica, outra preocupação da primeira hora dizia respeito
aos atrasos nas negociações da ALCA, que inevitavelmente irão ocorrer, uma vez
que a preparação da reação dos EUA mudou o foco das suas prioridades
diplomáticas, e o temor de uma nova onda de ataques terroristas comprometerá o
seu interesse em costurar novos acordos comerciais em curto prazo. De acordo
com o professor Hélio Jaguaribe, "os atentados devem endurecer a política
externa americana, que não deverá mais fazer concessões; a partir de agora,
eles devem adotar uma postura unilateral, o que deve enterrar a ALCA"6.
No nível da Chancelaria e da Presidência da República, além das manifestações
esperadas de repúdio aos atentados e de solidariedade ao governo e ao povo
norte-americanos, verificou-se uma avaliação rápida e acertada da magnitude da
crise que se abria naquele 11 de setembro. Se é certo que o Presidente da
República não tinha esclarecidos todos os elementos para uma análise da
conjuntura internacional nas primeiras horas pós-atentados, a convocação do
Conselho de Defesa Nacional7, ainda na tarde daquele dia, evidencia a percepção
de que, quaisquer que fossem as conseqüências, elas seriam de uma magnitude e
de importância cruciais. A avaliação inicial da Presidência da República
reiterava a avaliação de repercussões extremamente negativas para a economia,
que deverão se aprofundar especialmente no último ano do governo Fernando
Henrique Cardoso. Acresce que a crise que se instalava terá desdobramentos
políticos inevitáveis, tornando mais difícil a eleição de um candidato do
governo.
As primeiras reações da diplomacia brasileira, ao lado das já evidenciadas
preocupações econômicas, foram de cautela. O Itamaraty preferiu colher
informações e preparar o auxílio aos brasileiros residentes nos EUA mas, com o
adiantamento das repercussões em nível internacional, demorou-se em
providenciar explicações acerca dos impactos que os atentados portarão para a
ordem dos interesses políticos e econômicos, em médio e longo prazos. Esse
retardo foi evidentemente percebido pela imprensa, que registrou ao longo das
semanas subseqüentes a falta de um discurso diplomático articulado sobre o
assunto desde o início da crise internacional que se instalou8.
O silêncio observado na Chancelaria, além do temor de se incorrer em análises
precipitadas que repercutiriam negativamente na opinião pública, pode também
ser creditado à ambição de preparar iniciativas de maior repercussão política,
que a um só tempo tivessem a virtude de exteriorizar a solidariedade política
para com a reação que seria impetrada pelos EUA, mas também de consolidar o
perfil pró-ativo que o Brasil vem demonstrando desde a convocação da
Conferência dos Chefes de Estado da América do Sul em setembro de 2000 na
arregimentação da solidariedade em nível hemisférico e na organização dos
esforços de cooperação política e policial. Essas iniciativas conformam, para o
Brasil e para a América Latina, mas especialmente para o consumo norte-
americano, a expectativa de que o país deve realmente exercer a sua capacidade
de articulação internacional, que se funda nas boas tradições da negociação e
do pacifismo, para consolidar as suas responsabilidades para com a estabilidade
sistêmica, pelo menos em nível regional, ao que se somam reticências para
endossar peremptoriamente todas as formas de reação dos EUA, em qualquer nível
e intensidade.
Nesta perspectiva, a manifestação de maior impacto oferecida pelo governo
brasileiro se situa na proposta de enquadrar a reação dos países latino-
americanos no âmbito do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca ' TIAR,
de 1947. Esse projeto foi esboçado entre os dias 13 e 14 de setembro, a tempo,
portanto, de prestar uma satisfação articulada ao tipo de apoio que os latino-
americanos poderiam prestar à ação diplomática e militar dos EUA. Apresentada
por ocasião da XXIII Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores
da Organização dos Estados Americanos, realizada a 21 de setembro, em
Washington, para organizar a ação solidária dos estados americanos em caso de
agressão, a iniciativa brasileira contou com o apoio de 22 dos 34 países
membros da organização9.
A iniciativa brasileira, de cunho essencialmente político e diplomático, tinha
a intenção de inserir a reação dos países da região em moldura estritamente
jurídica, de modo que os países que a ela aderissem pudessem responder
conjuntamente ao desafio da necessidade de prestar solidariedade a um dos
membros do TIAR agredido, como não poderia deixar de ser compreendidos os
ataques de 11 de setembro a Nova York e Washington. Nas palavras do chanceler
Celso Lafer, "o governo brasileiro entende que cabe considerar a adoção de
medidas apropriadas no âmbito do nosso hemisfério. ( ) O TIAR, como sabem, é
parte do sistema mais amplo da Organização dos Estados Americanos. No nosso
entender seriam relevantes os textos dos artigos 3 e 6 do Pacto do Rio de
Janeiro. O artigo 3 do TIAR indica que um ataque armado, por parte de qualquer
Estado, a um Estado americano, será considerado um ataque contra todos os
Estados americanos. Este artigo 3º do TIAR está em consonância com o artigo3
letra "h" da Carta da OEA e é, na verdade, um dos seus princípios. E o artigo 6
do TIAR prevê as medidas a serem adotadas no caso de uma agressão que não seja
um ataque armado e que atinja a inviolabilidade ou a integridade do território
ou a soberania ou independência política de qualquer Estado americano. Trata-se
do único instrumento jurídico vinculante em matéria de segurança coletiva do
hemisfério"10.
A iniciativa brasileira é, felizmente, coerente. Não se sabe ainda se tem a
dose de inteligência e de sofisticação na decisão que as suas conseqüências
podem indicar, sendo a principal delas a de articular uma reação genuinamente
nacional, portanto, autônoma e refratária às pressões do meio (especialmente
dos EUA). A grande virtude da proposta é a de não contradizer os princípios
tradicionais da atuação diplomática brasileira, subordinando o apoio às reações
dos norte-americanos aos ataques que sofreram a um quadro jurídico bem
delimitado, inclusive de natureza multilateral, com o que são estabelecidos
limites à solidariedade e à possível internalização da repressão anti-
terrorista no próprio hemisfério. Acresce que, com essa iniciativa, o governo
brasileiro não entra em contradição com as posições que adotou em outros
episódios de intervenção armada patrocinados pelos EUA ao longo da década de
noventa, vinculando o seu apoio à contingência superior do quadro multilateral
e da própria manifestação da comunidade internacional, conforme entendia o
apoio declarado da Organização das Nações Unidas a qualquer medida de
intervenção.
O relançamento do TIAR sob os auspícios da iniciativa brasileira, por outro
lado, permitiu o esclarecimento das posições dos principais países da América
Latina quanto às intenções das suas políticas em médio e longo prazos. Este foi
o caso do México, que se declarou radicalmente contrário à ressurreição
inusitada do Tratado, que considera instrumento antiquado da Guerra Fria,
resistência que permite entrever, no nível hemisférico, as novas linhas do seu
projeto internacional, atualizadas sob o governo Vicente Fox, e que fazem que o
país busque um perfil mais atuante, possivelmente animado pela busca do
reconhecimento das suas pretensões de liderança. A Argentina, por seu turno,
estabeleceu um perfil de atuação discreto, provavelmente sem condições de
esboçar discurso e ação mais sofisticado em razão da agudeza da crise
econômico-política pela qual se arrasta desde o início do governo de Fernando
de la Rua.
O outro pólo da reação organizada do governo brasileiro aos atentados
terroristas de 11 de setembro se firmou, desde as primeiras horas, na
Presidência da República, que se manifestou em diversas ocasiões sobre a nova
crise internacional.
Não seria exagero afirmar que o Planalto ofereceu para consumo interno um
discurso muito mais sofisticado do que a Chancelaria, vindo a público em
diversas ocasiões para se manifestar sobre as conseqüências da crise que se
instalava, inclusive em cadeia de rádio e televisão, como no pronunciamento à
Nação do dia 8 de outubro. Nessas ocasiões, o presidente cuidou de alertar a
opinião pública para o fato de que o Brasil não está necessariamente longe do
conflito, não sendo esta, portanto, questão que diga respeito exclusivamente
aos EUA e aos seus aliados. Assim, nas palavras do presidente, "não é este
momento para ilusões. Não podemos pensar que estamos longe do palco do
conflito, porque ele não terá palco definido", ao tempo em que lembrava que o
governo estará especialmente atento aos impactos que a crise que se instalou
portará sobre a ordem econômica nacional, do mesmo modo que empreenderá
esforços para impedir que células terroristas encontrem guarida no território
nacional, determinando rigor nos portos e aeroportos, o reforço da vigilância
do espaço aéreo, o controle e a fiscalização severos nas áreas de fronteira e a
intensificação do combate à lavagem de dinheiro, ao contrabando de armas e ao
narcotráfico 11.
A tônica da palavra de Cardoso era a mesma quando tiveram início as operações
militares contra o terrorismo, sendo que desta vez já ensaiava uma adesão de
princípio à causa da contenção, que aqui deve ser entendida como um esforço
coordenado e amplo, mas não necessariamente de natureza militar. Segundo ele,
"a vocação de paz do povo brasileiro e seu repúdio ao terrorismo são preceitos
constitucionais que orientam a política externa do país. Nossa posição é clara.
Se repudiamos o terrorismo em todas as suas formas, e quaisquer que sejam suas
origens, estamos também do lado da racionalidade e da sensatez. Este não é um
conflito deflagrado contra um povo, um Estado ou uma religião. O objetivo é um
só: conter e eliminar o flagelo do terrorismo"12.
Vê-se que as manifestações do Chefe de Estado brasileiro ganham densidade
apenas com o adiantamento da crise, mas expressam uma sofisticação conceitual
crescente e, especialmente, um senso de oportunidade que, decididamente, não
foram característicos da política externa do seu governo. Nessa direção, as
iniciativas presidenciais, especialmente aquelas dirigidas para a "comunidade
internacional", procuram resgatar o discurso que se tornou característico,
pautado pela postura de desassossego diante da repartição desigual dos
benefícios da globalização. Assim, a construção mais interessante de todo o
governo brasileiro nas primeiras semanas que se seguiram aos atentados de 11 de
setembro é aquela que pretende relançar em nível global uma agenda para o
desenvolvimento, vinculada aos esforços de contenção do terror. A intenção
manifesta era a de aproveitar a união internacional contra o terrorismo para
desencadear um movimento articulado de combate à pobreza e em prol de uma
inserção mais ativa dos países emergentes nos processos decisórios
internacionais. De acordo com o que o Presidente expressou em carta firmada na
primeira semana de outubro aos Chefes de Estados de vários países e ao
Secretário-Geral da ONU, a luta contra o terror "requer também absoluta
cooperação e solidariedade no combate à pobreza, no desenvolvimento, no acesso
maior dos países emergentes aos níveis decisórios no plano mundial".
A incomum vinculação de duas agendas que parecem, em princípio, incompatíveis,
pode ser melhor desenvolvida no futuro, mas representa no presente o resgate da
velha vertente do discurso que emprestava à ação internacional a função
supletiva de prover recursos para o desenvolvimento ' e, por isso, bebe do
mesmo senso de oportunidade que levou Juscelino Kubitschek a lançar, em 1958, a
Operação Pan-Americana, como estratégia para conter a expansão do comunismo no
hemisfério. Em alguma medida, a agenda proposta por Cardoso é uma reafirmação
da postura reivindicatória que caracterizou a ação multilateral do Brasil
especialmente entre as décadas de sessenta e oitenta. Vê-se, portanto, que
também se alimenta da tradição plantada pelo discurso dos três "D's" de Araújo
Castro (1963) ' descolonização, desarmamento e desenvolvimento ' ou, se
preferível, da atualização dessa plataforma, que ganhou expressão em 1993 na
mesma Organização das Nações Unidas, quando o chanceler Celso Amorim propunha
que, ao lado de uma agenda para a paz, a comunidade internacional envidasse
esforços em prol de uma agenda para o desenvolvimento, que seria então
sintetizada nas palavras de ordem "democracia, desenvolvimento e desarmamento"
13.
A iniciativa de Cardoso pode representar uma retomada das tradições
reivindicatórias como ênfase da ação internacional do Brasil, mas o que é mais
provável é que permaneça como categoria de discurso, desvinculada da praxis
diplomática. Não há dúvidas que isso se deve à conjuntura hostil para arroubos
de principismo, uma vez que o calor do momento é mais caracterizado pela ânsia
de Washington em tomar satisfações pela sua dor, do que propriamente pela
intenção de demonstrar qualquer sensibilidade para com os anseios de
desenvolvimento ou para firmar modos alternativos de prevenção ao terror. Por
outro lado, a proposta presidencial é uma boa manifestação do que Lafer tem
conceituado como a capacidade de "moderação construtiva", que na interpretação
do Presidente da República, "não deve ser tomada como uma capitulação diante do
argumento do outro, senão que se tome como essa capacidade nossa de
plasticidade, de pluralismo, de entender que é preciso entender o outro, é
preciso não ter, portanto, nenhum amor a qualquer forma de totalitarismo ou de
pensamento simplista de tipo binário. ( ) É saber que temos que lidar sempre
com uma multiplicidade de interlocutores. Isso nos impõe mais
responsabilidades. Isso é visível em tudo"14.
A postura moderada e tranqüila, ao lado da disposição permanente para o diálogo
e para a negociação, e da capacidade de compreender e promover a diversidade da
vida internacional, são a síntese das melhores tradições diplomáticas do Brasil
' e, portanto, Cardoso não inova nessa direção. Mas há um complemento na
proposta presidencial que deve ser ressaltado porque tem vínculos diretos com
as tradições de um ator internacional que se reputa importante e dotado de uma
visão de mundo sofisticada ' a necessidade de franquear o acesso dos países
emergentes ao politburo internacional, integrando-os nos "níveis decisórios no
plano mundial". Será isso uma recolocação da candidatura brasileira a um
assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? Sendo o caso, a hora pode
ser auspiciosa, uma vez que o Brasil aprendeu ao longo da sua experiência
histórica que a conjuntura que segue aos momentos de crise como o atual são
caracterizados por altíssima plasticidade, o que permite o rearranjo de
posições, o redesenho de instituições e a consagração de novos regimes. Assim,
o país que oferece a sua "moderação construtiva" como elemento de ponderação a
uma comunidade inflamada, ao que soma uma folha de serviços prestados em prol
da estabilidade sistêmica em nível regional e global, pode fazer por merecer
ser alçado, finalmente, à condição de membro do establishment mundial.
Os atentados de 11 de setembro e a opinião pública brasileira
Como os brasileiros perceberam os atentados terroristas de 11 de setembro nos
EUA? Teria sido adequada e suficiente a informação disponível sobre as
conseqüências que os atentados portam para a vida cotidiana do cidadão? Essas
não são inquietações despropositadas ' afinal, é conhecida, e já foi objeto de
grande e diversificado debate, a incapacidade que tem a imprensa brasileira de
apresentar de modo minimamente satisfatório e inteligente a complexidade das
questões internacionais, ou seja, a sua incompetência em avançar para além da
descrição da movimentação diplomática e, realmente, traduzir a magnitude das
relações internacionais para o consumo amplo.
Nesse sentido, uma análise superficial da cobertura proporcionada pelas mídias
brasileiras aos atentados de 11 de setembro e às suas conseqüências políticas e
econômicas deve levar qualquer leitor ou expectador, das mais diversas
extrações sociais, ao júbilo ' pela primeira vez, os brasileiros foram servidos
com uma cobertura de um grande acontecimento ou processo internacional
relativamente competente. Por isso, os atentados marcarão não apenas a história
das relações internacionais, mas especialmente a da imprensa brasileira, uma
vez que o episódio permitiu à mídia impressa, em geral, e à televisiva em
particular, uma das mais brilhantes coberturas da sua história.
Verificou-se, por exemplo, que os principais diários do país dedicaram partes
expressivas das suas edições ' entre os dias 12 e 17 de setembro, a metade do
conteúdo editorial publicado, em média (à exceção dos cadernos locais,
evidentemente) ' para informar sobre os atentados e sobre o início da
movimentação do governo dos EUA na preparação da sua revanche, ao mesmo tempo
em que cuidaram de repercutir as avaliações feitas por autoridades e
especialistas brasileiros acerca do impacto que a crise recém-instalada
portariam para o Brasil 15. As revistas semanais nacionais seguiram a mesma
receita, dedicando, em média, cerca de 50% das edições subseqüentes à cobertura
dos fatos e à análise das conseqüências que se seguiriam, sendo que a revista
IstoÉ chegou mesmo a dedicar ao tema um número especial, publicado ainda no dia
1216.
Foi possível perceber que, em geral, a cobertura dos principais veículos
impressos foi de boa qualidade, sendo mesmo pluralista e responsável. O único e
crucial problema da cobertura proporcionada pela imprensa nacional aos
atentados reside na sua absoluta incapacidade de produzir autonomamente
análises inteligentes e de elevado padrão técnico sem o recurso às agências de
notícias internacionais e aos pacotes jornalísticos por elas fornecidos. Em
outras palavras, a mídia brasileira é desprovida de capacidade de análise sobre
temas internacionais porque lhe faltam articulistas dedicados e jornalistas
especializados nos grandes temas que impactam a agenda internacional
contemporânea ' carecem, portanto, de quadros que sejam capazes de traduzir o
complexo, interpretar o movimento, propor linhas de reflexão, estabelecer
cenários e, por que não, como decorrência do bom exercício do ofício,
influenciar a decisão. Viu-se, com a cobertura dos atentados de 11 de setembro
e as suas repercussões, que a imprensa nacional evoluiu a passos largos, mas
que não possui ainda envergadura suficiente na área internacional para
consolidar a notícia e a informação pura, contextualizando-as e costurando-as
em análises maduras e coerentes.
Com raríssimas exceções, as editorias internacionais dos grandes veículos
brasileiros são freqüentemente desprestigiadas, e justamente por isso, a muito
custo conseguem fazer vingar uma grande matéria na primeira página. A cultura
que acabou por se formar nas redações brasileiras acerca dessas editorias se
traduz em um comando simples ' tudo o que não é nacional ou esportes, deve ser
internacional e ali se escreve e publica notícias indistintamente sobre a
morte e o casamento de celebridades, sobre as descobertas arqueológicas recém-
anunciadas em algum país distante, como também, sobre guerras e conflitos
internacionais. Essa cultura parece se alimentar do fato de que as editorias-
gerais consideram que a agenda internacional não interessa ao leitor, o que nem
sempre é verdadeiro, como se verifica com o grande interesse demonstrado pelos
atentados de 11 de setembro, ao ponto em que as manchetes internacionais se
reproduziram por semanas inteiras, dando origem inclusive a cadernos e a
edições especiais.
Uma outra medida do interesse demonstrado pela opinião pública pelas
repercussões pode ser dada pelas pesquisas de opinião empreendidas pelo
Instituto IBOPE e pelo DataFolha. O mínimo que se pode afirmar sobre o assunto
é que essa não é, decididamente, uma tradição brasileira, ao contrário do que
acontece em diversos países europeus ' na França, por exemplo, onde se verifica
a repetição contumaz de enquêtes sobre temas relativos à agenda externa e de
especial interesse para a inserção internacional do país. As pesquisas de
opinião empreendidas em dois momentos distintos permitem averiguar o nível de
conhecimento que os brasileiros têm sobre assunto que terá, certamente,
conseqüências as mais diversas sobre as suas vidas e, especialmente, permitem
suspender, ainda que não definitivamente, o julgamento rigoroso que se faz
usualmente nos meios acadêmicos, políticos e mesmo na mídia, sobre o restrito
interesse da opinião brasileira sobre temas internacionais.
O Instituto DataFolha perguntou, no dia 18 de setembro, qual era o grau de
conhecimento que os brasileiros tinham acerca dos atentados terroristas que
atingiram os EUA uma semana antes, e verificou que 92% dos entrevistados
declararam ter tomado conhecimento dos acontecimentos17. Neste universo, 29%
dos brasileiros acreditavam estar bem informados, 48% estavam mais ou menos
informado, 15% mal informado. Apenas 8% não tomaram conhecimento. Ainda segundo
a pesquisa do DataFolha, 49% dos brasileiros estavam certos que os atentados
terão uma influência muito grande sobre o Brasil em geral, percentual que se
eleva para 51% quando se perguntou sobre os impactos que portariam para a
economia, para 35% para a política nacional e 27% para as eleições para
Presidente da República em 2002.
Da enquete do Instituto DataFolha saltam outros dados bastante interessantes.
Por exemplo, quando perguntados quanto à sua opinião sobre a atitude que o
governo norte-americano deveria tomar em relação aos atentados, 74% dos
brasileiros acreditavam que os EUA deveriam localizar, prender, e levar a
julgamento os responsáveis pelos atentados, visão que, pode-se dizer, converge
grosso modo para uma interpretação juridicista das possibilidades de ação que
tinham os EUA naquele momento, e é inegável que essa visão também é a que mais
se aproximaria da interpretação realista que o governo brasileiro tenderia a
fazer das possibilidades da hora18. Quando perguntados se estariam a favor ou
contra uma eventual participação das forças armadas brasileiras no ataque dos
EUA aos países que abrigassem os responsáveis pelos atentados terroristas, como
era de se esperar, 78% dos brasileiros se manifestaram contrários e apenas 17%
se declararam a favor (enquanto 5% responderam ser indiferentes ou não
saberem).
Os resultados da pesquisa de opinião empreendida pelo IBOPE convergem para a
reafirmação do interesse suscitado pelas questões relativas aos atentados entre
os brasileiros 19. Por exemplo, quando perguntados se acreditam no sucesso das
operações empreendidas pelos EUA, 62% dos brasileiros responderam que estavam
convencidos de que os EUA conseguirão encontrar os culpados e puní-los pelos
atentados terroristas de 11 de setembro, ao tempo em que quase o mesmo
percentual (64%) se declarou convencido de que os atentados terroristas no
mundo, de uma maneira geral, irão aumentar caso os EUA declarem guerra contra
algum país por causa do terror de que foi vítima. Nessa tendência, percebe-se
também uma certa inquietação para com os rumos da ordem, que foi expressa por
51% dos brasileiros, que afirmam temer que a evolução da reação norte-americana
leve, em algum momento, à eclosão da terceira guerra mundial.
Conclusão
Os atentados terroristas perpetrados contra símbolos do poder econômico e
militar dos EUA no dia 11 de setembro de 2001 inseriram na ordem internacional
em gestação desde o início da década de noventa, de forma brutal e quase
instantânea, os efeitos de novos parâmetros constituídos pela atualização das
questões de segurança e do seu impacto para a noção de estabilidade sistêmica.
Para países como o Brasil, a nova configuração das relações internacionais
porta prejuízos e riscos, especialmente para o comércio e para as finanças
nacionais, pelo fechamento de oportunidades e pela retração de mercados
consumidores e de fontes supridoras de capitais vitais para o financiamento do
setor externo. Do mesmo modo, o retardo no encaminhamento das relações com os
grandes blocos comerciais, o quase certo surgimento de novos regimes na área da
segurança internacional, a consagração da cooperação policial e a militarização
de aspectos triviais da vida dos cidadãos são impactos que também se farão
sentir em curtíssimo prazo. Entretanto, essas são dimensões das vidas nacionais
que, mais cedo ou mais tarde, encontrarão um eixo de normalidade, sendo os seus
impactos crescentemente "internalizados" na vida das nações.
Para o Brasil, entretanto, o que há de mais sério na conjuntura de crise e de
transformação que se abriu em 11 de setembro é o fim das nuances que vinham
caracterizando a ordem em construção desde a década de noventa, é o
ressurgimento do "certo" e do "errado", é a constatação de que noções
ancestrais das relações internacionais, e especialmente, da guerra e da paz '
como a noção do inimigo incorporado em um Estado-nação, que se opunha a outro
Estado ou a coalizões ' desapareceram. Por outro lado, justamente por abrirem
uma nova conjuntura de crise, à qual se seguirá uma nova conjuntura de
estabilização, as relações internacionais no mundo pós-atentados podem ser
caracterizadas por altíssima plasticidade, podendo o país ganhar condições de
mudar a sua posição relativa na escala das nações. Para o Brasil, esse é,
enfim, um mundo perigoso, mas prenhe de oportunidades.
Notas
1 ALMEIDA, Paulo Roberto de. "Os anos 1980: da nova guerra fria ao fim da
bipolaridade". In: SARAIVA, José Flávio S. (Org.). Relações Internacionais '
dois séculos de história: entre a Ordem bipolar e o policentrismo (de 1947 a
nossos dias), Vol. II. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais ' IBRI, 2001.
2 A propósito, SARAIVA, Miriam Gomes. "11 de setembro ' Os Estados e a Ordem
Internacional". Meridiano 47 ' Boletim de Análise de Conjuntura em Relações
Internacionais, No. 16, outubro de 2001.
3 A propósito, ROCHA, Antônio Jorge Ramalho da. "Paz aos mortos... Mas o mundo
é dos vivos!". Meridiano 47 ' Boletim de Análise de Conjuntura em Relações
Internacionais, No. 16, outubro de 2001.
4 AMARAL, Ricardo. "Terrorismo põe em risco política de exportações". Valor
Econômico, 13/09/01.
5 NEUMANN, Denise, GÓES, Francisco & DURÃO, Vera S. "País cresce menos e
pode aprofundar ajuste fiscal em 2002". Valor Econômico, 12/09/2001. Essas avaliações convergem com aquelas produzidas pelo jornal Gazeta
Mercantil no mesmo dia.
6 ROCKMANN, Roberto. "Empresários temem atraso nas negociações da ALCA". Valor
Econômico, 12/09/2001.
7 O Conselho de Defesa Nacional é o órgão de consulta do Presidente da
República para assuntos relacionados à soberania e à defesa do Estado
democrático, e é composto pelo próprio Chefe de Estado, pelo vice-presidente e
pelos ministros da relações exteriores, justiça, defesa, pelos presidentes da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, e pelos comandantes do Exército,
Marinha e Aeronáutica.
8 Por exemplo, Revista Veja, edição 1721, 10/10/2001. Registros semelhantes
podem ser colhidos nas outras publicações semanais nacionais e mesmo em
editoriais dos principais jornais.
9 "Discurso do Ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, na XXIII Reunião
de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da Organização dos Estados
Americanos ' Washington, 21 de setembro de 2001". Boletim A Palavra
Internacional do Brasil, No. 27, 21/09/2001, veiculado em RelNet ' Site
Brasileiro de Referência em Relações Internacionais.
10 "Entrevista coletiva concedida pelo Senhor Ministro de Estado das Relações
Exteriores, Embaixador Celso Lafer, sobre a atuação do Governo brasileiro na
Organização dos Estados Americanos (OEA) ' Palácio Itamaraty, Brasília, 14 de
setembro de 2001". Boletim A Palavra Internacional do Brasil, No. 26, 17/09/
2001, veiculado em RelNet ' Site Brasileiro de Referência em Relações
Internacionais.
11 Pronunciamento do Presidente Fernando Henrique Cardoso em cadeia nacional de
rádio e televisão, em 08/10/01. Radiobrás. Disponível em http://
www.radiobras.gov.br/abrn/integra_0810_1.htm.
12 Nota do Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o início de operações
militares contra alvos no Afeganistão, 07/10/01. Radiobrás, disponível em http:
//www.radiobras.gov.br/abrn/integras/01/integra_0710_1.htm
13 BRASIL. FUNAG-MRE ' Fundação Alexandre de Gusmão (Org.). A Palavra do Brasil
nas Nações Unidas (1946-1995). Brasília: FUNAG, 1995, p. 555-568.
14 "Discurso do Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na
solenidade de formatura dos alunos do Instituto Rio Branco e inauguração da
galeria de fotos dos ex-Secretários-gerais ' Palácio Itamaraty, Brasília, 10 de
outubro de 2001". Boletim A Palavra Internacional do Brasil, No. 31, 11/10/01,
veiculado em RelNet ' Site Brasileiro de Referência em Relações Internacionais.
15 A mostra que ampara essas afirmações baseia-se nas edições dos jornais Folha
de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, Correio BrazilienseeValor
Econômico.
16 Ver edições das Revistas Veja (Edições No. 1718,19/09/01;No. 1719, de 26/09/
01; 1720, 03/10/01; e 1721, 10/10/2001) , IstoÉ (Edição extraordinária, 12/09/
01; No. 1668, 19/09/01; No. 1669, 26/09/01; No. 1670, 03/10/01; e No. 1671, 10/
10/01), e Época ( Edições No. 174, 17/09/01; No. 175, 24/09/01; 176, 01/10/01;
178, 08/10/01; e 179, 15/10/01).
17 Pesquisa de opinião do Instituto DataFolha, realizada no dia 19 de setembro
de 2001, com 2830 brasileiros de ambos os sexos, maiores de 16 anos, em todas
as regiões do país, e distribuídos em municípios localizados em regiões
metropolitanas ou no interior.
18 Para a mesma pegunta, outros 10% acreditavam que os EUA deveriam promover um
boicote econômico ao país ou países que abrigam is responsáveis pelos
atentados, enquanto 8% estavam convencidos de que os norte-americanos deveriam
atacar militarmente o país ou os países que abrigam os responsáveis pelos
atentados, e apenas 1% acreditavam que Washington deveria se empenhar em
promover a paz (11% deram outras respostas ou não sabiam opinar).
19 Pesquisa de opinião do IBOPE realizada entre 21 e 26 de setembro, tendo sido
entrevistados 2 mil brasileiros de ambos os sexos, maiores de 16 anos, em todas
as regiões, e distribuídos em municípios localizados em regiões metropolitanas
ou no interior.
Outubro de 2001