As negociações comerciais entre Mercosul e União Européia
Introdução
Após o difícil lançamento de negociações sobre uma futura associação bi-
regional entre o Mercosul e a União Européia, durante a Cimeira da América
Latina, Caribe e UE, realizada no Rio de Janeiro em junho e julho de 1999, a
afirmação de que elas serão "longas e difíceis" tornou-se uma cantilena nas
chancelarias. Mas uma nota dissonante foi aparentemente emitida no início de
julho de 2001, por ocasião da quinta reunião do Comitê de Negociações,
realizada em Montevidéu, quando os representantes europeus apresentaram um
conjunto de propostas de redução de barreiras tarifárias hoje aplicadas às
exportações dos países do Mercosul.
À primeira vista, a União Européia passou a adotar uma postura mais ativa,
demonstrando o claro desejo de fazer as negociações avançarem. Paralisados por
uma nova crise em sua aliança regional, aberta pelas declarações do ministro
argentino Domingo Cavallo contrárias à Tarifa Externa Comum (TEC) e à política
de taxas de câmbio flutuantes no Brasil, os países do Mercosul encontraram-se
incapacitados de apresentar sua própria oferta.1
A iniciativa européia surpreendeu e, embora não satisfaça plenamente às
expectativas de empresários e negociadores brasileiros, notadamente na questão
dos subsídios oferecidos pela UE a seus agricultores, tem sido interpretada
como um importante gesto político, uma prova de real interesse em estabelecer
um acordo de liberalização comercial com o Mercosul.2 Ao mesmo tempo, denota a
preocupação da Comissão Européia em manter tais negociações emparelhadas, ou
até mesmo à frente, ao processo de criação de uma Área de Livre Comércio das
Américas (Alca), com data de lançamento marcada para o dia 1° de janeiro de
2006.
A estratégia da Comissão reflete o óbvio receio europeu em ver sua
predominância junto aos mercados dos países do Mercosul minguar caso a Alca um
dia torne-se uma realidade. Juntos, os 15 países da União Européia foram
responsáveis por cerca de 28% das importações brasileiras em 1999.3 É o
principal parceiro comercial do Brasil. Os Estados Unidos vêm a seguir, com 23%
das importações, também segundo dados de 1999. A União Européia é também o
maior investidor estrangeiro no Mercosul, com um estoque de 80,3 bilhões de
euros em 1999. Suas empresas são responsáveis por cerca de 50% do capital
externo presente no setor produtivo argentino e cerca de 40% no brasileiro.4
Entre os funcionários da Comissão Européia encarregados pelas negociações com o
Mercosul, a necessidade constante de manter ao menos uma paridade com o
processo de avanço da Alca explica-se pelo receio de uma repetição do caso
mexicano, que ao longo da década de 90 teve praticamente todo seu antigo
comércio com os países europeus desviado para os EUA, em especial depois de sua
adesão ao Nafta (Área de Livre Comércio da América do Norte) em 1993. Tal
preocupação foi expressa claramente, por exemplo, às vésperas da uma visita
realizada por Chris Patten, comissário das Relações Exteriores da Comissão
Européia, ao Brasil em novembro de 2000: "Temos um interesse enorme em fechar
esse acordo com o Mercosul, para não perdermos espaço para os Estados Unidos,
como aconteceu no México".5
A mesma lógica vale para as negociações que a União Européia mantém com o
Chile. Mal fora anunciada a possibilidade deste país aderir ao Nafta para que a
Comissão Européia, por sua vez, viesse a admitir o desejo de assinar um acordo
de livre comércio com os chilenos durante a segunda Cimeira da América Latina,
Caribe e União Européia, que será realizada em maio de 2002, em Madri.6
Uma rápida retrospectiva sobre o processo de criação da Alca e da proposta de
conclusão de um acordo bi-regional com o Mercosul é suficiente para demonstrar
como cada passo dado do outro lado do Atlântico é seguido com atenção pela
Comissão Européia em Bruxelas.
À procura de um acordo bi-regional: dos anos 80 a nossos dias
Ao final da década de 80, a crise da dívida externa, a agonia do modelo de
confrontação bipolar entre Estados Unidos e União Soviética no cenário político
mundial e a crescente globalização econômica criam um contexto favorável à
reorientação do modelo de desenvolvimento nacionalista e autárquico adotado
pela maioria dos países latino-americanos até então. Abertura comercial, busca
de maior integração regional e distanciamento de antigas políticas terceiro-
mundistas marcam a virada dos anos 80 para os 90 no subcontinente. A política
externa passa a privilegiar os contatos com as nações industrializadas e com os
países vizinhos, ao invés de explorar alianças estratégias nas brechas da
Guerra Fria entre as duas superpotências. Os objetivos são econômicos: melhoria
da competitividade, conquista dos mercados de exportação e reforço da
capacidade de negociação comercial com os países desenvolvidos.7
Diversas iniciativas e processos de integração regional tiram partido deste
contexto favorável. Em 1987, os países-membros da então chamada Comunidade
Econômica Européia (CEE) haviam firmado o Ato Único Europeu, pelo qual
decidiram a criação de um mercado comum sobre as bases de sua união aduaneira.
Às antigas motivações políticas, de garantia da paz e da estabilidade no
continente, ele atende à necessidade de melhorar as condições de
competitividade das empresas européias frente à concorrência japonesa e norte-
americana no mercado mundial. No ano seguinte, Estados Unidos e Canadá criam a
Área de Livre Comércio da América do Norte (Nafta).
No Cone Sul, o processo de integração tem início em 1988, quando os presidentes
do Brasil e da Argentina, José Sarney e Raul Alfonsín, assinam a Ata de Buenos
Aires. O marco fundamental do Mercosul acontece em março de 1991, com a
assinatura do Tratado de Assunção, por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Ao prever a criação de uma união aduaneira entre esses países, a partir de 1º
de janeiro de 1995, ele estabelece um pólo de integração sul-americano
alternativo ao Nafta.
A partir de então, o Mercosul torna-se o eixo estratégico da política externa
brasileira para a promoção de melhores fluxos de comércio, da atração de
investimentos, do equilíbrio entre seus vários parceiros comerciais. Unido a
seus vizinhos, o Brasil passaria a contar com uma melhor plataforma para o
lançamento de negociações comerciais multilaterais ou inter-regionais,
garantindo assim seu desenvolvimento econômico independente e equilibrado em
relação às grandes potências comerciais, em especial aos Estados Unidos.8 Tal
estratégia, batizada de "regionalismo aberto", aliada à abertura comercial
unilateral iniciada no governo de Fernando Collor (1990), estabelece uma
ruptura em relação ao modelo autárquico, baseada na substituição de
importações, seguida pelo país ao longo de quatro décadas.
Menos de um mês após a assinatura do Tratado de Assunção, os chanceleres do
Mercosul reúnem-se com o presidente da Comissão Européia em Luxemburgo para
lançar a idéia de um acordo de cooperação institucional. Tratava-se, em última
análise, da afirmação do bloco sul-americano no cenário internacional. O Acordo
de Cooperação Interinstitucional Mercosul/UE concretiza-se em maio de 1992,
prevendo colaboração nas áreas de aduanas, normas técnicas e agricultura.
Com a adesão do México ao Nafta em 1993, a idéia de ampliar as negociações com
o Mercosul ganha força na Comissão Européia, o que é discutido em uma reunião
de ministros das Relações Exteriores realizada em abril de 1994, em São Paulo.
Dois meses depois, na cúpula de Corfu, a Comissão apresenta ao Conselho Europeu
um comunicado que afirma ser o fortalecimento das relações com o Mercosul,
inclusive comerciais, estratégico para a UE. Em novembro, uma nova reunião de
chanceleres com as autoridades da Comissão é realizada para decidir, em
Bruxelas, os próximos passos do aprofundamento da relação entre os dois blocos.
Em dezembro de 1994 todos os processos de integração envolvendo o Brasil entram
em rota de confluência. No plano regional, o Mercosul ganha personalidade
jurídica com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, que abre caminho para a
conclusão de acordos abrangentes com países ou grupos terceiros. No plano
hemisférico, o presidente Bill Clinton recebe os líderes de outros 33 países
para lançar, na Cúpula de Miami, o projeto de uma Área de Livre Comércio das
Américas (Alca), proposta inicialmente formulada pelo governo de George Bush
("Iniciativa para as Américas"). Sob insistência brasileira, é aceito o
princípio de que a integração acontecerá por um processo de convergência dos
blocos econômicos já existentes ("building blocs") e não por adesões
individuais ao Nafta.
No plano bi-regional, Mercosul e União Européia divulgam declaração conjunta
anunciando uma "estratégia cujo objetivo final seja a associação política e
econômica inter-regional", prevendo "a liberalização progressiva e recíproca de
todo o comércio, tendo em conta a sensibilidade de alguns produtos e de acordo
com as normas da OMC". Em janeiro, a Comissão Européia começa a preparar um
projeto de negociação de um Acordo-Quadro com o Mercosul, que recebe o Chile
como país associado e dá início à união aduaneira prevista no Tratado de
Assunção.
Reunidos em Paris, em maio de 1995, os chanceleres do Mercosul e da União
Européia anunciam a intenção de assinar o acordo-quadro no segundo semestre de
1995. O mandato autorizando a Comissão a negociá-lo é aprovado pelo Conselho
Europeu em junho e, após duas reuniões de negociações, o texto é concluído em
setembro. Enquanto isso, a Alca avança com a formação em junho, na reunião de
Denver, dos grupos de trabalho da Alca ' acesso a mercados, procedimentos
aduaneiros, regras de origem, investimentos, medidas fitosanitárias, subsídios
e defesa comercial.
A assinatura do acordo-quadro entre a União Européia e o Mercosul acontece em
Madri, no dia 15 de dezembro de 1995. Ele estabelece os objetivos de fortalecer
as relações recíprocas e preparar as condições para a criação de uma associação
inter-regional de cunho político e econômico. Estabelece ainda um quadro
institucional para um diálogo regular e sistemático, composto de um Conselho de
Cooperação, formado por ministros; uma Comissão Mista de Cooperação (grupo
técnico responsável pela formulação de propostas), e uma Sub-comissão
Comercial.
A assinatura do Acordo-Quadro é cercada pela expectativa de se chegar a uma
conclusão a médio prazo. Entretanto, nem datas nem prazos foram fixados, por
duas razões. Primeiro, pela "cautela" do governo brasileiro em não se aventurar
em uma zona de livre comércio entre grupos com níveis desiguais de
desenvolvimento econômico, levando ainda em conta a recente e traumática
experiência da abertura comercial unilateral do início dos anos 90. Segundo,
por conta das outras prioridades dos dois blocos.
No caso do Mercosul, a consolidação de sua união aduaneira, o aprofundamento de
sua harmonização macroeconômica ' o que só viria a acontecer depois da crise da
desvalorização do real em 1999 ', a ampliação geográfica em direção à uma Área
de Livre Comércio da América do Sul (Alcsa) e as negociações da Alca.9
A União Européia, por sua vez, encontrava-se imersa nos trabalhos de
implementação de sua União Econômica e Monetária (o euro), de ampliação
geográfica em direção aos países do Leste Europeu, de reforma do orçamento e da
política agrícola comum (PAC), e de aprofundamento de suas relações
extracontinentais ' onde o Mercosul é apenas um dos atores, ao lado dos países
Mediterrâneos, África do Sul (com quem a UE assinaria um acordo de livre
comércio em março de 1999), México (março de 2000) e uma nova Convenção de Lomé
(maio de 2000) para suas ex-colônias na África e Caribe.
O relativo marasmo viria a ser quebrado pelo avanço das negociações da Alca. Em
maio de 1996, na reunião ministerial de Belo Horizonte, é dado o início ao
processo negociador da zona hemisférica de livre comércio, com a definição de
sua data de conclusão, 2005, e da metodologia das negociações. Por insistência
da delegação brasileira, dois princípios são consagrados: todas as decisões
terão de ser tomadas por consenso e todas as negociações setoriais devem ser
discutidas e concluídas ao mesmo tempo ("single undertaking").
No mês seguinte, em Luxemburgo e Bruxelas, durante o primeiro encontro de
chanceleres e da Comissão Mista UE/Mercosul, define-se o papel e a composição
da Subcomissão Comercial. Ela será responsável pelo trabalho de preparar as
negociações e terá três grupos de trabalho (bens, serviços e normas e
disciplinas comerciais). Reunida pela primeira vez em novembro de 1996, em Belo
Horizonte, ela estabelece três etapas para o processo negociador. Primeiro, a
elaboração das chamadas "fotografias" sobre o comércio bi-regional. Segundo,
análises internas e identificação de produtos prioritários e sensíveis de cada
país. Terceiro, definição de estruturas de trabalho sobre a liberalização
comercial.
A partir de então, o tema agrícola começa a despontar claramente como o grande
nó das negociações bi-regionais. O primeiro sinal foi emitido em junho de 1997,
durante a segunda reunião da Subcomissão Comercial em Bruxelas, quando ela
decide retirar dos Grupos de Trabalho a tarefa de identificar produtos
prioritários e sensíveis, por considerar que este é um trabalho político e não
técnico. Em março de 1998, um grupo ad-hoc do Mercosul reunido em Buenos Aires
acrescenta o debate sobre a política agrícola comum (PAC) praticada pela União
Européia aos documentos de trabalho da Subcomissão Comercial.
Em julho de 1998 a Comissão Européia, sob uma iniciativa de seu vice-
presidente, o espanhol Manuel Marín, formaliza junto ao Conselho Europeu um
pedido para negociar com o Mercosul um acordo prevendo a cooperação política e
econômica, incluindo a formação de uma área de livre comércio. A discussão
entre os ministros de agricultura dos 15 países-membros foi ardorosa. O
representante francês, Louis Le Pensec argumentou que um acordo com os países
do Mercosul acarretaria um custo adicional de 9 bilhões de euros à PAC, para
manter os preços pagos aos fazendeiros franceses nos níveis mínimos praticados
naquele momento. "O que está em jogo é a nossa habilidade de definir e defender
um certo conceito de agricultura", ponderou Pensec naquela ocasião.10
O pedido de um mandato negociador por parte da Comissão Européia sofre,
portanto, a oposição de diversos países ' França, Alemanha, Bélgica,
Luxemburgo, Portugal, Grécia e Áustria ', que pedem uma revisão da proposta,
após a realização de novos estudos sobre que tipo de prejuízos seus produtores
agrícolas poderiam sofrer frente a uma futura livre competição com o Mercosul.
Mais favoráveis ao projeto, ou aos princípios de livre comércio, apenas a
Espanha, a Suécia e a Finlândia. O Reino Unido, por sua vez, argumenta a favor
de negociações multilaterais amplas na Organização Mundial do Comércio, levando
a delegação francesa a exigir que as questões comerciais fossem tratadas com o
Mercosul apenas em 2003, quando, supunha-se, teria terminado a "Rodada do
Milênio" da OMC. Ambos países opunham-se à menção explícita a uma "área de
livre comércio".11
O otimismo em relação à associação inter-regional arrefece principalmente após
a conclusão dos trabalhos de "fotografia" do comércio entre os dois blocos.
Segundo o artigo XXIV do GATT, uma área de livre comércio só pode ser assim
denominada se as barreiras ao comércio "forem eliminadas substancialmente para
todo o comércio" entre as partes do acordo. Tal afirmação tem sido traduzida
como algo em torno de 85% a 90% do intercâmbio comercial. Oras, o levantamento
realizado pela Comissão Européia ao longo de 1998 detectou que 14% dos produtos
europeus poderiam ser considerados "sensíveis", e que o custo adicional para
PAC poderia chegar a 14 bilhões de euros ao ano.
A partir de então, acreditando que seus setores agrícolas serão prejudicados
por um acordo de livre comércio com o Mercosul, alguns países europeus,
liderados pela França, passam a emperrar o processo de negociação. As
negociações tornaram-se difíceis, e não apenas por conta das dificuldades dos
países-membros da União Européia em encontrar um consenso sobre um acordo com o
Mercosul.
A crise interna do bloco sul-americano, iniciada com a desvalorização do real
(janeiro de 1999), o fracasso do lançamento da Rodada do Milênio da OMC em
Seattle (dezembro de 1999) também tornaram o cenário das negociações mais
incerto. Uma dificuldade adicional é o processo de ampliação da UE para os
países do Leste Europeu. Desde que passaram a receber 520 milhões de euros ao
ano para investimentos na agricultura e no desenvolvimento rural, esses
candidatos à adesão tornaram-se potenciais votos favoráveis à manutenção da
Política Agrícola Comum (PAC) ' identificada pelos países do Mercosul como
maior obstáculo para a conclusão de um acordo bi-regional.
A decisão de aprovar um mandato autorizando a Comissão Européia a negociar com
o Mercosul, que a princípio seria tomada a nível ministerial pelo Conselho
Europeu, é repassada em maio de 1999 para a reunião da cúpula européia de
Colônia de junho de 1999. Enquanto isso, em Santiago do Chile, os chanceleres
da Argentina, Brasil e Chile alertam que a Cimeira da América Latina, Caribe e
União Européia, marcada para o final também de junho, no Rio de Janeiro,
resultará em fracasso caso os europeus não aprovem o mandato negociador.
Presente no rascunho do documento final da cúpula de Colônia, a aprovação do
mandato é retirada na última hora. A decisão será tomada, finalmente, apenas
uma semana antes da Cimeira do Rio de Janeiro, no dia 21 de junho. Mas com a
condição de que as negociações sobre barreiras tarifárias sejam iniciadas
apenas em julho de 2001.
No dia primeiro de julho, a Declaração Conjunta Mercosul/UE é aprovada às
margens da Cimeira do Rio. Ela prevê o início de negociações em novembro de
1999. Por insistência européia, ela não menciona nem data de conclusão (ao
contraste com a Alca) nem a expressão, "área de livre comércio", substituída
por "liberalização progressiva". Estabelece ainda que as negociações da União
Européia com o Mercosul e com o Chile acontecerão em separado.
Por ocasião da reunião de lançamento da negociações, realizada em Bruxelas em
novembro de 1999, as duas partes não chegam a um acordo sobre a data do início
das discussões sobre barreiras tarifárias. Por outro lado, estabelecem o
cronograma e a estrutura das conversações: um Comitê de Negociações Bi-regional
(com três reuniões anuais), Subcomitê de Cooperação (ao menos uma reunião
anual), Grupos de Trabalho (reuniões paralelas ao do Comitê) e secretariados.
Em fevereiro de 2000, uma reunião de chanceleres em Vilamoura (Portugal), dá um
novo alento político às negociações. Por outro lado, a presidência portuguesa
do Conselho Europeu defende a inclusão de temas ambientais e trabalhistas nas
discussões. Dois meses mais tarde, durante o primeiro encontro do Comitê de
Negociações, em Buenos Aires, são definidos os grupos de trabalho. O primeiro
será encarregado de bens, acesso a mercados (incluindo normas fitosanitárias),
procedimentos alfandegários, licenças de importação, regras de origem e
controle de qualidade. O segundo tratará de investimentos, serviços, fluxos de
capital, propriedade intelectual e patentes. O terceiro, de competição e
resolução de conflitos.12
O momento das negociações tarifárias
Temas não-tarifários e o acerto de detalhes nos textos das negociações foram os
assuntos predominantes nas três reuniões seguintes do Comitê de Negociações:
Bruxelas (junho de 2000), Brasília (novembro de 2000) e novamente Bruxelas
(março de 2001). Porém, essa monotonia inerente aos trabalhos técnicos foi
quebrada com a apresentação da proposta de redução tarifária apresentada pela
Comissão Européia em Montevidéu. Nas palavras espirituosas do embaixador José
Alfredo Graça Lima, subsecretário de Assuntos Econômicos, Comerciais e de
Integração do Ministério das Relações Exteriores, por ocasião da quarta reunião
do Comitê de Negociações, em Bruxelas, a oferta européia equivaleria ao momento
em que "o pudim está na mesa e temos condições de prová-lo".13
A aparente renovação do entusiasmo europeu pelas negociações com o Mercosul
surpreendeu o empresariado brasileiro, até então com suas atenções voltadas
principalmente para o processo de criação da Alca. Hoje, já se admite que
talvez será mais fácil negociar com os europeus.14
Outro importante elemento facilitador para o desenrolar das negociações com a
União Européia é o fato dela não ter de enfrentar a antipatia da opinião
pública ou mesmo de certos setores do empresariado, como acontece no caso da
Alca. Ao contrário desta última, elas jamais foram alvo de protestos por parte
da sociedade civil organizada, como os que marcaram a quarta reunião de cúpula
da Alca, no Quebec, em abril de 2001. No mês seguinte ao encontro, o embaixador
José Alfredo Graça Lima admitia que "no Brasil, a opinião pública tende a ver a
Alca como risco, e não como oportunidade".15
Difícil é saber se tal fato acarreta uma vantagem, ou não, para a conclusão de
uma aliança bi-regional com a União Européia. Aparentemente, esta quase
inexistência de oposição interna ao projeto de um acordo entre Mercosul e UE
facilita o trabalho das equipes encarregadas tanto dos aspectos técnicos como
políticos das negociações. Por outro lado, pode também ser interpretada como
desinteresse da opinião pública ou despreparo do empresariado na tarefa de
identificar oportunidades e perigos a serem levados em conta nas negociações.
Este descompasso dos setores empresariais em relação às negociações com a União
Européia vem sendo compensado nos últimos meses, certamente por causa da
inesperada rapidez com que a Comissão Européia apresentou sua proposta na
reunião de Montevidéu.16
Uma avaliação mais objetiva sobre as vantagens comparativas entre as distintas
negociações, União Européia ou Alca, é hoje ainda difícil, frente à falta de
estudos abrangentes sobre os impactos que cada uma delas teria sobre a economia
brasileira. A exceção é o levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV), encomendado em 1998 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior. Ele aponta, a princípio, para uma preferência pelo acordo
bi-regional com a UE, pelos ganhos que o mesmo provocaria para as exportações
de produtos agropecuários. Porém, não deixa de mencionar que a indústria
brasileira de manufaturados seria mais beneficiada pela Alca, uma vez que ela
tem nos Estados Unidos seu principal destino.17
De todo modo, este ambiente favorável, ou pelo menos não hostil, explicaria
porque as negociações com a União Européia, embora iniciadas apenas em 1999,
teriam passado à frente às da Alca. Enquanto a discussão hemisférica abordará
questões cruciais, como acesso a mercado e desgravação tarifária, somente a
partir de maio de 2002, esses mesmos temas começaram a ser tratados pelos
blocos sul-americano e europeu já a partir de julho de 2001, quando a Comissão
Européia apresentou sua primeira oferta.
Entretanto, apesar de todos os argumentos positivos acima apontados, indicando
aparente vantagem a favor da União Européia nesta suposta corrida por acesso ou
manutenção de mercados latino-americanos, essa conclusão parece-nos pouco
sustentável quando confrontada, primeiro, às realidades internas da UE e,
segundo, ao contexto multilateral.
É praticamente inconcebível que a Política Agrícola Comum (PAC) venha a ser
desmantelada apenas para favorecer as importações de produtos agropecuários
oriundo do Mercosul. Ao se tomar como exemplo a última reforma da PAC,
realizada no Conselho Europeu de Berlim, em março de 1999, constata-se como o
debate interno sobre a questão concentra-se, sobretudo, em fatores
orçamentários.18 Em outras palavras, discutiu-se quem continuará a pagar a
conta, em especial no caso dela engordar quando soar a hora dos 12 países
candidatos, na Europa Central e do Leste, à adesão à União Européia.
A PAC, convém ressaltar, é financiada à custa de um importante desequilíbrio do
orçamento da União Européia, desfavorável em especial à Alemanha.19 No capítulo
agrícola, a França é a principal beneficiada.20 Isso explica o porquê da defesa
incansável, da parte de seguidos governos franceses, do chamado modelo
exportador e "produtivista" da PAC, que passou a ser abertamente criticado por
ministros de países como Alemanha ou Dinamarca depois da aparição das crises da
síndrome da "vaca louca" e da febre aftosa. Hoje, ganham volume as vozes
favoráveis à substituição das políticas de manutenção artificial de preços e de
subsídios às exportações pela ajuda direta aos produtores que garantirem a
qualidade dos alimentos, a preservação do meio ambiente e da paisagem rural.21
Para os países do Mercosul, uma conseqüência direta desta impossibilidade de
influir de maneira satisfatória nos esquemas de subsídios agrícolas mantidos
pela União Européia é a posição cautelosa por eles assumida nas negociações.
Como é pouco provável que a PAC venha a ser desmantelada ' e certamente não o
será pelo menos até 2006, frente aos compromissos assumidos na cúpula de Berlim
', os governos do Cone Sul têm pela frente um obstáculo, por ora,
intransponível.
Única solução plausível para o impasse seria o avanço do dossiê agrícola na
Organização Mundial de Comércio (OMC). Tema pendente desde o fim da Rodada
Uruguai, em 1994, ele deveria obrigatoriamente ser tratado nas negociações
agendadas para o ano 1999. Ora, essa alternativa, frente ao fracasso do
lançamento da "Rodada do Milênio" em Seattle e às perspectivas pouco
alentadoras de que ela será retomada no encontro de Doha, a ser realizado em
novembro de 2001, mantém nebuloso o horizonte das negociações entre União
Européia e Mercosul.22
A proposta européia
Enquanto as pespectivas multilaterais não anunciam avanços claros na
liberalização do setor agrícola mundial, o máximo que os negociadores dos
países do Mercosul podem fazer é procurar obter concessões nas próximas
reuniões do Comitê de Negociações, quando as ofertas de cada lado serão
confrontadas. Hoje, tanto da parte da União Européia como do Mercosul, elas
foram ou ainda estão sendo estruturadas de maneira semelhante. Ambas contêm um
conjunto "ofensivo" e outro "defensivo" de propostas.23
O primeiro reúne os setores nos quais cada bloco está interessado em ganhar
mais mercado para suas exportações ou mais abertura e garantias para a
realização de investimentos. O capítulo defensivo é composto de produtos ou
setores considerados "sensíveis", a serem protegidos em uma lista de exceções
que lhes permitirá usufruir de algum tipo de proteção tarifária por um prazo
máximo de dez anos, a contar do dia em que o acordo de livre comércio começar a
valer.
Como prevêm as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), apenas cerca de
no máximo 15% do volume total do intercâmbio bilateral poderá ser protegido por
tais listas de exceções. A OMC também permite uma livre negociação entre as
partes dos prazos de carência e da velocidade da atenuação tarifária para
diferentes listas de produtos ou setores. Ou seja, certos produtos poderão ter
suas tarifas baixadas para zero nos primeiros anos do acordo, enquanto outros,
considerados "sensíveis", poderiam manter proteção tarifária por prazos mais
longos.
A proposta apresentada pela Comissão Européia por ocasião da quinta reunião do
Comitê de Negociações Comerciais em Montevidéu, em julho de 2001, não poderia
deixar de tratar da liberalização do setor agrícola, principal reivindicação do
Brasil e de seus parceiros, Argentina, Paraguai e Uruguai. Segundo seus
autores, ela prevê o fim de 90% dos obstáculos tarifários hoje impostos aos
produtos agropecuários do Mercosul.
A proposta da União Européia para a liberalização de seu setor agrícola é
dividida em seis grupos.24 O primeiro reúne os produtos que poderiam ser
importados do Mercosul com isenção total de tarifas já a partir da data de
entrada em vigor do acordo de liberalização comercial: frutas tropicais
frescas, maçãs e peras (entre os meses de abril e julho), laranjas e limões (de
maio a outubro), óleos vegetais (exceto azeite de oliva) e algumas essências.
O segundo grupo, com prazo de quatro anos para zerar a tarifa, inclui flores,
plantas, cebola, alho, uvas, ameixas, maçãs e pêras (de janeiro a março),
melões, morangos, figos, frutas secas, preparados de carne de peru, carne de
cavalo, óleos de milho, girassol e de palmeira. O terceiro grupo, com prazo de
sete anos, inclui sucos de frutas, carne processada, miúdos, folhas de salada,
laranjas (importadas em abril), frutas e vegetais processados (tomates,
castanhas e azeitonas). Contariam com um prazo de dez anos de carência uma
quarta lista incluindo mel, carne de porco, carnes enlatadas, suco de laranja
congelado e suco de maçã. A liberalização do setor de bebidas alcoólicas,
segundo a proposta européia, dependeria de um acordo de reconhecimento de
denominações de origem; como é o caso, por exemplo, do Porto, da Champagne e do
Cognac.
Na lista dos produtos considerados "sensíveis" pelos europeus, e que por isso
poderiam continuar beneficiando-se de barreiras tarifárias: carne, frangos,
tabaco, açúcar, cereais, arroz, óleo de oliva, laticínios e frutas processadas
(geléias e compotas). Segundo os cálculos da Comissão Européia, esse sexto
grupo representa apenas 10% (900 milhões de euros) do comércio entre o Mercosul
e a UE, o que torna a proposta compatível com as regras da OMC.
Ela não leva em conta, por outro lado, o potencial de crescimento das
importações de alguns destes produtos pelo mercado europeu. No caso do Brasil,
o interesse em um acordo com a União Européia recai exatamente na possibilidade
de aumentar as exportações de pelo menos quatro destes produtos ' carnes,
tabaco, açúcar e frangos ', hoje submetidos a toda sorte de barreiras
tarifárias e não-tarifárias (como cotas e regras fitosanitárias).25
Além disso, a proposta da Comissão em momento algum toca na questão das
distorções dos preços mundiais das "commodities" agrícolas provocadas pelas
políticas de manutenção de preços e de subsídios à exportação oferecidos aos
produtores europeus por meio da PAC. A idéia do governo brasileiro de calcular
todos os tipos de subvenções e barreiras não-tarifárias em barreiras
tarifárias, para facilitar e clarear as negociações, dificilmente receberá boa
acolhida por parte da União Européia. A alternativa será a de tentar avançar
estes temas na Organização Mundial do Comércio, o que não deixa de ir ao
encontro da preferência nutrida na diplomacia brasileira pelas negociações
multilaterais.
Se pouco pode oferecer em relação às políticas de subsídios à PAC, nem por isso
a Comissão Européia deixou de apresentar uma lista "ofensiva" ambiciosa para os
setores de bens manufaturados, serviços, investimentos e compras
governamentais.26 Para o setor industrial, como no caso da agricultura,
separaram os produtos em quatro grupos. O primeiro, que teria suas tarifas
zeradas a partir da entrada em vigor do acordo de liberalização comercial,
inclui papel, madeira, fibras têxteis, couro, jóias e certos equipamentos. O
segundo, com prazo de quatro anos, é composto por instrumentos ópticos,
cerâmicas, aparelhos domésticos, aços e pelos equipamentos não incluídos na
primeira lista. O terceiro, com prazo de sete anos, abarcará veículos,
autopeças, calçados, aparelhos e produtos químicos. O quarto incluiria todos os
demais produtos.
Para o setor de serviços, a União Européia propõe a total liberalização do
setor (com exceção dos produtos audiovisuais) e a remoção de todos os
obstáculos ao comércio em áreas como transporte marítimo internacional,
serviços financeiros e telecomunicações. Além disso, querem eliminar todos os
obstáculos ainda existentes para a obtenção do controle acionário das empresas
privatizadas no Brasil que já adquiriram participação.
No capítulo das compras governamentais, a Comissão Européia quer que as
empresas de ambas as regiões possam competir em pé de igualdade no fornecimento
de equipamentos e serviços para governos centrais, regionais ou municipais,
incluindo licitações de empresas públicas. Por isso, pede um acordo sobre
garantias de transparência, competição e não-discriminação contra empresas
estrangeiras em licitações governamentais.
Finalmente, a União Européia demanda ainda a liberalização da pesca. O setor
também foi dividido em quatro grupos. O primeiro, cujas tarifas baixariam a
zero a partir da entrada em vigor do acordo, beneficiaria as importações de
atum e salmão oriundos dos países do Mercosul. Camarões teriam carência de
quatro anos, congelados de sete anos. A livre entrada de todos os outros tipos
de pescados ficaria condicionada à abertura das zonas marítimas do Mercosul às
frotas pesqueiras européias.
O nó agrícola
O desafio colocado pelo setor agrícola para as negociações de um acordo entre o
Mercosul e a União Européia ficou explícito, como vimos acima, durante a
realização da "fotografia" do comércio bi-regional ao longo de 1998. Por terem
custos de produção mais baixos, os produtores agrícolas do Brasil e da
Argentina foram considerados "altamente competitivos" a ponto de ameaçar até
mesmo a existência da política agrícola comum européia (PAC).
Para sobreviver ao desafio de uma área de livre comércio com o Mercosul, a PAC
precisaria receber uma injeção anual de recursos, estimada naquela ocasião,
entre 5,3 bilhões a 14,3 bilhões de euros. Eles seriam necessários para
sustentar os preços garantidos aos produtores, por exemplo, de açúcar (196%
mais caro na Europa que no Mercosul), milho (119% mais caro) ou arroz (267%
mais caro).
Segundo o levantamento da Comissão Européia, entre os produtos íncluídos nos
14% do comércio considerado "sensível", encontravam-se cereais, aves, carne de
porco, frutas, vegetais, laticínios e carne. Sobre este último item, o estudo
da Comissão Européia apontava: "Assim que as tarifas caírem todos os tipos de
carnes estarão habilitadas a entrar no mercado da UE, uma vez que a carne no
Mercosul é produzida a preços muito competitivos e por isso a produção seria
facilmente aumentada".27
O relatório ressaltava, ainda, que os preços da carne praticados pela União
Européia eram, em 1998, 96% superiores aos praticados no Mercosul, e lembrava
que o rebanho do Mercosul, com 240 milhões de cabeças, era muito maior que o
europeu, com 85 milhões de cabeças. E alertava para o fato de que "um sistema
extensivo de produção é favorecido pela quase ilimitada disponibilidade de
terra".28
A competitividade da agricultura dos países do Mercosul pode ainda ser
comprovada pelos números do comércio com a União Européia. Em 1999, as
exportações agrícolas do Mercosul para o mercado europeu, apesar das restrições
e da PAC, somaram 10 bilhões de euros. No sentido inverso, as importações foram
de apenas 858 milhões de euros, resultando em um superávit setorial de 9,18
bilhões de euros para os países do bloco sul-americano (ainda assim, o Mercosul
apresentou um déficit de 2,9 bilhões de euros no conjunto da balança
comercial).29
Tais "vantagens comparativas", portanto, só poderiam incentivar ' seja em 1998
ou no presente ' os representantes do Mercosul a buscarem um maior acesso ao
mercado da União Européia para os produtos de sua agricultura. A Comissão, por
sua vez, consciente da necessidade de oferecer algo de "substancioso" para os
países do Mercosul no setor agrícola, para evitar um fracasso das negociações,
conseguiu articular nos meses anteriores à reunião de Montevidéu uma proposta
de redução tarifária com o aval dos comissários Pascal Lamy e Franz Fischler '
do Comércio exterior e da Agricultura, respectivamente. Por outro lado, os
próprios negociadores europeus têm as mãos atadas, e admitem que a Comissão
Européia hoje pouco pode fazer em relação aos subsídios da PAC.
Conclusão
A realidade é que apenas as próprias conjunturas internas da União Européia
poderão provocar mudanças na política agrícola e, então, facilitar as
negociações com o Mercosul. Após realizarem uma reforma superficial da PAC em
1999, durante a Cúpula de Berlim, os líderes europeus marcaram a próxima
reforma para 2006. Porém, agendaram então uma pequena revisão, ou "mid-term
review", para o período entre 2002 e 2003.
Até alguns meses atrás, pouco acreditava-se que essa nova discussão poderia
resultar em algo de concreto. Entretanto, as crises da "vaca louca" e da febre
aftosa mudaram o cenário. Pela primeira vez nos 40 anos de política agrícola,
reações dos consumidores, que fizeram a venda de carne cair por volta de 30% no
continente, levaram os governos a questionar se a PAC está no rumo certo.
Desde então, o governo da Alemanha, país responsável pelo financiamento de mais
da metade do orçamento comunitário, passou a apoiar uma mudança radical da PAC,
pedindo o fim de seu modelo "produtivista". Outros países, como a Suécia ou a
Dinamarca, também gostariam de ver a Comissão financiando uma produção de menor
quantidade e maior qualidade; adotando, por exemplo, medidas de apoio aos
pequenos produtores ou à agricultura orgânica. Tal idéia foi, e tem sido, tema
de discordâncias entre a ministra alemã da Agricultura, Renate Kuenast, e seu
colega francês, Jean Glavany ' a ponto deste último afirmar que a França
poderia vir a criar seu próprio fundo nacional de ajuda aos agricultores, caso
a PAC deixe de atender os interesses de seu país.30
Caso tal debate seja aprofundado nos próximos meses, poderia-se esperar que
durante a revisão da política agrícola, que acontecerá entre 2002 e 2003, sejam
rediscutidos os tipos de apoio oferecidos pela União Européia a seus
agricultores. As políticas de manutenção artificial de preços e de subsídios às
exportações estão sob pressão. Um estudo sobre a reforma da PAC encomendado
pelo comissário Romano Prodi prevê que haverá maior pressão interna para
reorientar os fundos da Comissão para políticas menos distorsivas do comércio
mundial, como desenvolvimento rural, garantia de rendimento mínimo aos
agricultores e proteção do meio ambiente.
Porém, uma reorientação a curto prazo da PAC depende ainda de outros três
fatores. Primeiro, das negociações do tema agrícola na Organização Mundial do
Comércio, que entram em sua fase decisiva a partir de 2002. Segundo, das
eleições na Alemanha e na França, que acontecerão também no primeiro semestre
do próximo ano. No caso francês, o enfraquecimento da candidatura de Jacques
Chirac, um tradicional defensor dos poderosos lobbies agrícolas de seu país,
poderia ser determinante para se medir qual será o grau de profundidade do
"mid-term review" que a União Européia realizará entre 2002 e 2003.
Em terceiro lugar, uma ainda incerta reforma da PAC dependerá de como a atual
União Européia pretende absorver a produção agrícola dos países candidatos a
aderir ao bloco, como a Polônia, a República Tcheca ou a Hungria. O processo de
alargamento, como já vimos, cria uma dificuldade adicional às negociações com o
Mercosul, pois os produtores europeus temem uma dupla exposição à concorrência
vinda da Europa do Leste e da América do Sul.
Por isso, é razoável esperar que o nó agrícola somente será desembaraçado na
Organização Mundial do Comércio, onde todas estas questões, inclusive as
reivindicações dos exportadores agrícolas, como o Brasil e a Argentina, podem
ser tratadas de uma só vez. No caso de todos esses fatores convergirem de
maneira positiva, e caso mantenha-se a atual indignação dos consumidores
europeus com o atual modelo "produtivista", poderíamos, então, esperar um
entendimento sobre as grandes linhas da reforma da PAC, para os dois próximos
anos, que fosse ao encontro das expectativas nutridas pelos países do Mercosul
em relação às negociações em curso com a União Européia.
Notas
1 Ver "A alternativa que vem da Europa", República, n° 56, junho de 2001, pág.
38.
2 Ver "Acordo com UE terá lista de setores sensíveis", in Valor Econômico, 14/
09/2001.
3 EUROSTAT, Intra and Extra-EU Trade, CD-ROM, Office for official publications
of European Communities. Luxemburgo, 1999.
4 DG TRADE, janeiro de 2001, in www.europa.eu.int.
5 Ver "Iniciativa européia para as Américas", in Correio Braziliense, 02/11/
2000.
6 Ver "A alternativa que vem da Europa", República, n° 56, junho de 2001, pág.
36.
7 Sobre as linhas gerais da política externa brasileira, ver CERVO (1994) e
SARAIVA (1997).
8 Sobre a história e os princípios norteadores do processo de integração do
Mercosul, ver ARAÚJO e FLORÊNCIO (1995).
9 Ver LIMA (1999).
10 "EU/Agriculture Council; Majority of agriculture ministers express concerns
and reluctance regarding plans for a free trade area with Mercosur", in Agence
Europe, boletim n° 7268, 23/07/1998.
11 Idem idem.
12 First Meeting of the European Union ' Mercosur Biregional Negotiations
Committee. Draft conclusions. Mimeo. Buenos Aires, 07/04/2000.
13 Ver "Entrevista: José Alfredo Graça Lima", Correio Braziliense, 25/03/2001
14 Tome-se como exemplo a seguinte declaração de Luiz Fernando Furlan,
presidente do conselho de administração da Sadia e vice-presidente da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp): "Temos muito mais chance de
caminhar com a UE do que com a Alca; não vejo os americanos dando prioridade ao
acordo hemisférico; com os ataques terroristas vão olhar para o próprio umbigo;
eles têm dificuldade em despasteurizar a América Latina". A citação foi
encontrada no artigo "Acordo com UE terá lista de setores sensíveis", in Valor
Econômico, 14/09/2001.
15 Ver "Acordos com EUA afetam Mercosul", in Gazeta Mercantil, 11/05/2001.
16 Ver "Acordo com UE terá lista de setores sensíveis", in Valor Econômico, 14/
09/2001.
17 Análise Comparativa dos Ganhos de Integração: Alca e União Européia,
Fundação Getúlio Vargas, mimeo, 1998.
18 A chamada "Agenda 2000", adotada por ocasião da Cúpula de Berlim, fixou o
horizonte da ajuda comunitária aos produtores agrícolas da União Européia a uma
média anual de 40,5 bilhões de euros até 2006, cifra a qual se deve somar
outros 14 bilhões de euros destinados ao desenvolvimento rural e às medidas
fitosanitárias e veterinárias. Em 2002, os subsídios atingirão seu valor
máximo, 43,9 bilhões de euros. A partir daí, baixarão progressivamente, até
atingir 41,6 bilhões de euros em 2006. Ver LOYAT e PETIT, 1999.
19 Em 1997, a contribuição da Alemanha ao orçamento comunitário era de 21,2
bilhões de euros (28,2%), resultando para o país um déficit de 10,9 bilhões de
euros. A França, segundo maior contribuinte, pagou no mesmo ano 13,1 bilhões de
euros (17,5%), com um déficit de apenas 781 milhões de euros. Tais disparidades
levaram o governo alemão a acionar uma conclusão do Conselho Europeu de
Fontainebleau, de junho de 1984, prevendo o direito a uma correção para países
com obrigações orçamentárias excessivas. (LOYAT e PETIT, 1999).
20 Em 1997 a França recebeu 9,1 bilhões de euros em ajuda agrícola, enquanto a
Alemanha recebeu apenas 5,7 bilhões de euros. (LOYAT e PETIT, 1999)
21 Ver "Crise du modèle agroalimentaire", in Le Monde ' Dossiers &
Documents, n°299, junho de 2001.
22 Ver "Negociadores tentam salvar nova rodada comercial internacional", in O
Estado de S. Paulo, 28/07/2001. O artigo cita negociadores latino-americanos e
europeus junto à OMC, em Genebra, afirmando que as perspectivas para um acordo
sobre o tema agrícola hoje são mais sombrias do que às vésperas da reunião,
fracassada, de Seattle.
23 Ver "Acordo com UE terá lista de setores sensíveis", in Valor Econômico, 14/
09/2001.
24 As informações detalhadas sobre a proposta européia constam do documento EU/
Mercosur Negotiations: Presentation of the EU tariff offer and negotiating text
for free circulation of goods, services and government procurement. European
Comission. Brussels, 5/07/2001.
25 O levantamento mais completo sobre as barreiras enfrentadas pelos produtos
brasileiros na UE é A Política Comercial da União Européia e as barreiras às
Exportações Brasileiros, produzido e atualizado pela Missão do Brasil junto às
Comunidades Européias, mimeo, 2000.
26 EU/Mercosur Negotiations: Presentation of the EU tariff offer and
negotiating text for free circulation of goods, services and government
procurement. European Comission. Brussels, 5/07/2001.
27 "Mercosur FTA could add 25% to cost of CAP", in Agra Europe, boletim n°1807,
17/07/1998.
28 Idem idem.
29 DG TRADE, janeiro de 2001, in www.europa.eu.int.
30 "France and Germany differ on future of EU farming", in Reuters Agency News,
16/02/2001.