Política exterior do Governo Lula: o desafio africano
O objetivo do artigo é o de avaliar, no eclipse do governo dirigido por
Fernando Henrique Cardoso e na chegada ao Palácio do Planalto do novo governo
liderado por Luís Inácio Lula da Silva, as possibilidades de relançamento da
política africana do Brasil. Herdeiro de uma década de baixa densidade na
política do Brasil para a África, o novo mandatário terá pela frente o desafio
da revalorização desse capítulo essencial da inserção externa do país. A
transição governamental, ao sugerir o esforço de revisão de políticas adotadas
em várias áreas, é ambiente propício para passar em revista o saldo acumulado.
A partir desse diagnóstico, pretende-se sugerir uma pauta de itens para a
retomada da dimensão atlântica da política externa brasileira.
O diagnóstico e as propostas para a ampliação do relacionamento do Brasil com a
África não podem ser realizados sem se levar em conta o marco maior da própria
política externa. Nesse sentido, a política africana do Brasil será observada
sob um contexto mais amplo, o dos modelos de inserção externa do Brasil nas
últimas décadas, sem o qual não se podem perceber certas dificuldades vividas
pelo país com o outro lado do Atlântico Sul, em especial nos anos 1990 e no
início do novo século.
Em segundo lugar, vale buscar leitura apropriada do meio internacional, de seus
constrangimentos e possibilidades. Sem essa dimensão, padeceria o estudo
presente da moldura que o envolve. As relações internacionais pós-Guerra Fria
promoveram novos desafios para as políticas exteriores dos Estados, desde
aqueles derivados da fluidez do sistema internacional até os resultantes da
própria erosão de papéis clássicos do Estado.
Finalmente, a discussão sobre a política africana do Brasil não pode prescindir
do debate em torno da marginalização da África nas relações internacionais
contemporâneas. Esse dado trouxe inquietações ao processo decisório brasileiro,
ao acrescentar dúvidas e discussões em torno das oportunidades e da
funcionalidade de uma política ativa para aquele continente. A compreensão de
algumas posições tíbias brasileiras nos anos recentes pode ser imputada ao
próprio isolamento internacional a que a África foi submetida.
Essas três dimensões ganham relevo na construção do argumento central do texto:
o de que é possível relançar uma política mais ativa e construtiva para o
continente africano. Sugerir essa linha de reflexão e de ação expõe a vontade
de articular o esforço de compreensão, mais próprio ao espaço acadêmico, com o
esforço da responsabilidade social, âmbito próprio ao da política.
Urnas e política externa
No ensejo da posse do novo governo brasileiro, em janeiro de 2003, ante as
expectativas que se criam no seio da sociedade brasileira em torno de capítulos
cruciais à inserção internacional do país no nascedouro do novo século, urge
repensar a política externa. As lições das urnas parecem sugerir não apenas a
reprovação do modelo de modernização gestado no Brasil no início dos anos 1990,
mas igualmente da derivada relação externa desse modelo.
A formulação e a implementação da política exterior vêm sendo postas ao
escrutínio, nas mais diversas faixas de percepção da sociedade civil. Criticada
por sua baixa criatividade conceitual e por relativamente fraca capacidade
operacional, a política externa do Brasil está deixando de ser mero assunto de
Estado para ser também uma matéria da nação.1
Nesse sentido, o espaço público vem ganhando força, ainda que de forma reativa,
no âmbito das discussões das relações internacionais no Brasil. O debate vem se
qualificando de forma célere, para surpresa dos que imaginavam deter o
monopólio da discussão. Participando cada vez mais dos debates em torno do seu
destino como nação, a sociedade brasileira vem, de forma madura, decidindo suas
opções externas, a incluir essa dimensão no processo de escolha dos seus
governantes.
A abertura desses horizontes societais das relações internacionais vem
permitindo associar o espaço comum (das ruas, das praças e do cotidiano) ao
espaço político (o do poder decisório), na inédita criação do espaço público. O
coração do funcionamento democrático das instituições vem, portanto,
beneficiando-se do aprendizado da reflexão acerca do lugar do Brasil no mundo.
A sociedade brasileira vem entendendo, pela via da pedagogia democrática, que
deve tomar conta do seu destino, para que aventureiros não capturem seu devir.
As discussões realizadas em foros os mais diversos, como aqueles que alinharam
posições em 2001 e 2002 nos grandes eventos organizados pelo Congresso Nacional
sobre a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ou mesmo a
mobilização da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul ao procurar envolver,
na superação do seu imobilismo, as universidades e outros atores da sociedade
civil no contexto das discussões acerca dos caminhos do processo de integração
sub-regional, são exemplos notórios do despertar da letargia.2
A efervescência nas discussões das associações patronais, dos setores mais
ativos da burguesia nacional ou de setores sindicais atentos aos impactos
arrebatadores da economia política da globalização, fez do tema da inserção
internacional do Brasil um dos aspectos cruciais nos programas dos postulantes
à presidência da República na campanha de 2002.3 Em praticamente todos os
programas eleitorais, e nas manifestações mais contundentes de alguns dos
candidatos a chefe de governo, o tema internacional ganhou relevo todo
especial, como se pode observar no caso de um dos candidatos eliminados no
primeiro turno das eleições:
"O Brasil tem quatro grandes desafios simultâneos, um conectado ao
outro. Não é possível separá-los nem que seja por retórica. Em
primeiro lugar, o país não terá solução para os profundos
desequilíbrios, alguns deles explosivos, se não voltar a crescer e se
desenvolver. Um segundo ponto é que não é possível mais administrar
as energias e tensões que estão se acumulando se não transformamos o
modelo de distribuição de renda do país. Em terceiro lugar, nada
disso será praticado se o Brasil não resgatar sua soberania em
contexto internacional complexo. Em quarto lugar, tudo isso não será
feito por ações individuais. Terá de haver uma grande participação da
sociedade porque teremos que confrontar privilégios internacionais e
locais muito poderosos".4
Múltiplas análises, publicadas em diferentes revistas especializadas, ademais
de artigos de opinião em jornais e revistas de circulação nacional, chamam a
atenção para a necessidade de rever o padrão de inserção internacional do
Brasil diante dos novos desafios gerados pela globalização, pela
interdependência global, pelas novas agendas, pelo protecionismo das potências
avançadas, pelos Estados Unidos em sua inclinação unilateral e imperial, entre
outros grandes temas.5
Essas percepções tornaram-se cada vez mais públicas entre os responsáveis no
Partido dos Trabalhadores (PT), especialmente do grupo mais atinente ao
assessoramento do novo presidente nos assuntos internacionais. O professor
Marco Aurélio Garcia, responsável durante mais de uma década pela secretaria de
relações internacionais do PT e acompanhante de Luis Inácio Lula da Silva na
maior parte dos encontros do novo presidente eleito com líderes estrangeiros
durante toda a década de 1990 e início da nova década, chamou a atenção
recentemente para as relações entre política externa e vulnerabilidade externa:
"Vamos enfrentar um ambiente internacional muito complexo. Então nós
temos que ter claro o seguinte: o Brasil tem um peso reduzido no
mundo. É preciso adensar a nossa presença internacional. Para isso,
temos que diminuir a nossa vulnerabilidade econômica externa. Isso
passa, em primeiro lugar, por um novo desenho da política econômica.
O que nós podemos fazer é dar mais musculação à presença brasileira
no mundo. Esse é um processo lento e complexo, que acompanhará todo o
desempenho de nossa política externa".6
Brasil e África: convocação à revalorização da dimensão atlântica da política
exterior do Brasil
Urge, nesse quadro de relações entre as urnas e a política externa, revisitar a
tradicional política africana do Brasil, relativamente abandonada pelo governo
de Fernando Henrique Cardoso. Para implementá-la, apenas uma nova forma
cooperativa ' na qual governo, empresários, setores políticos organizados e
acadêmicos sejam convocados a pensar estrategicamente o futuro do continente
africano ' será capaz de engendrar saídas para as dificuldades do momento.
Ademais, outros setores sociais, historicamente alheios ao processo decisório
em matéria internacional ' como os afro-brasileiros ', necessitam ser ouvidos
sobre matéria que, embora de interesse societário, ainda se circunscreve ao
viés prejudicial no trato da política exterior como assunto burocrático, de
especialistas ou de profissionais da diplomacia.
Aprecia-se a idéia de que o parlamento nacional ' que tem tido papel crescente
e relevante nas discussões em torno da formação da Alca e mesmo do Mercosul '
venha a retirar o assunto das nossas relações com os países ribeirinhos do
Atlântico Sul do trono do príncipe e devolvê-lo ao povo. As razões de
complexidade das relações intergovernamentais e os aspectos específicos que as
caracterizam, associadas às visões derivadas do jurisdicismo obsoleto que vê o
tema internacional como competência de discussão privada do Poder Executivo,
não podem obliterar o debate público da política externa brasileira para a
África.
O experimento da democratização, da socialização do debate acerca das
possibilidades do meio internacional e do comportamento da política externa do
país é dever da sociedade, a ser mediado por seus múltiplos agentes, entre os
quais o parlamento. A transformação das relações internacionais nas últimas
décadas, a torná-la mais difusa e a interpenetrar nações, Estados e culturas,
gerou demanda entre os atores sociais e agentes econômicos por uma maior
transparência na formulação das políticas externas nacionais, antes cercadas
pela aura do segrego. A África não pode ser tratada como algo fora da sociedade
brasileira, em torno da qual apenas resta observá-la, de binóculos, à distância
marítima dos dois continentes.
Oportunidades, esquecimentos e relançamentos fazem parte da linha histórica de
tratamento das relações externas do Brasil com a África.7 O triângulo se move
de forma ciclotímica, no compasso nervoso do tempo, a modular momentos
múltiplos. O Brasil oscilou historicamente entre o amor incontido nas suas
relações com algumas metrópoles européias em detrimento da África, mesmo diante
do ocaso do colonialismo na África. O caso mais nítido foi a relação do Brasil
com Lisboa, privilegiada por longo tempo em detrimento das possibilidades de um
diálogo direto com outras partes do mundo de língua oficial portuguesa na
África.
Houve, no entanto, rupturas importantes nas relações do Brasil com o continente
africano, como aquelas, nos anos 1970, que levaram a posições ativas de
reconhecimento rebelde de Estados recém-nascidos da luta emancipacionista de
viés comunista, contra os interesses da potência hegemônica. O caso angolano,
no contexto da independência de 1975, é emblemático da inflexão realizada pelo
Brasil na África.8
Não é ingênua a imaginação de que uma política africana do Brasil possa ser
posta em marcha, apesar dos constrangimentos do momento, diante dos meios
escassos e do afastamento político e intelectual em relação ao outro lado do
Atlântico. A oportunidade para debater sobre as relações do Brasil com esses
países é ímpar, necessária, urgente. Deixa-se morrer um cabedal interno de
conhecimento sobre a África. Encantados alguns formuladores de política
exterior do Brasil pelos pólos do poder global, abandonaram eles uma das
matrizes que confere identidade à inserção do Brasil no mundo: a relevância
estratégica, cultural, econômica e identitária da África. Mas ainda se pode
recuperar o tempo perdido.
Os primeiros gestos das lideranças intelectuais que conhecem o assunto
internacional no Partido dos Trabalhadores parecem indicar alguma sensibilidade
para a convocação de um política africana renovada. Marco Aurélio Garcia
sugeriu isso publicamente, ao enumerar os principais focos da ação externa do
novo chanceler ' como reforçar a dimensão sul-americana, mercosulina e
argentina nas nossas relações externas; discutir criticamente a ALCA e as
relações bilaterais com os Estados Unidos, México e Canadá; reforçar parcerias
estratégicas na Europa ' especialmente com Alemanha, França, Espanha e Portugal
' e fora da Europa ' como aquelas já ensaiadas com a China, a Índia, a Rússia e
a própria África do Sul. A inclusão da África do Sul nessa linha de parceiros
estratégicos não é nova, mas acrescenta o influente quadro intelectual do PT:
"Para completar, é preciso ter uma política africana".9
Uma nova política africana do Brasil: superando os limites de um modelo
obsoleto de política exterior
Há limites reais para o relançamento de uma política africana do Brasil no seio
da qual se desenvolveria um gesto de atenção cooperativa com os parceiros do
outro lado do Atlântico. Os constrangimentos gerados pela adoção de um modelo
econômico perverso na última década, marcado pela desidentificação da nação e
pela incursão no terreno movediço das vulnerabilidades criadas pela alienação
do patrimônio nacional a grandes companhias internacionais, inibiram a vontade
política dos governantes, limitaram investimentos materiais na economia
atlântica e reduziram a criatividade diplomática para os assuntos africanos.
Basta ver a evolução do quadro de diplomatas brasileiros no exterior para
verificar a diminuição gradativa da importância estratégica do Brasil para a
África. Ao contrário da tendência de ampliação do número de diplomatas
acreditados junto aos demais Estados amigos, a África esteve na contramão desta
tendência. As três dezenas de diplomatas profissionais que atuavam naquele
continente, nas diferentes missões diplomáticas no início da década de 1980,
foram reduzidas em cerca da metade. Foram deslocados diplomatas brasileiros da
África para outros continentes e áreas de maior prioridade, como a própria
Europa, a América do Sul e os Estados Unidos.
As relações do Brasil com a África nos anos 1990 e no início do novo século
foram ajustadas a um contexto atlântico, entendido pelos formuladores da
política externa como menos relevante à inserção internacional do país. Para
trás ficaram os anos de ativa cooperação mútua e de empreendimentos comuns
sustentados na determinação do Estado brasileiro em desenvolver projetos
econômicos voltados para o desenvolvimento da África, diversificando os
parceiros do comércio internacional do país e subtraindo as dificuldades
geradas pela vulnerabilidade energética dos anos 1970 e parte da década de 80.
A própria sociedade civil brasileira perdeu, nos últimos tempos, parte do
encantamento nas possibilidades construtivas de uma forte presença brasileira
na África. O silêncio sobre o que acontece na África no debate político
nacional, nas universidades e na imprensa são indícios do desinteresse
generalizado pelo outro lado do Atlântico. A essa perda da vocação atlântica
correspondeu desmobilização diplomática voltada para a projeção da imagem do
Brasil como um poder tropical e industrial, mas que um dia fora também uma
colônia.
Do lado africano, quatro décadas depois do início das independências, o
continente encontra-se em profunda crise, de contornos manifestos, mas de
explicação controversa. Nem as políticas de ajustamento estrutural preconizadas
pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, nem os processos de
ampliação da democratização dos sistemas políticos têm sido suficientes para
enfrentar a profundidade dos problemas econômicos, políticos e sociais que o
continente enfrentou na década passada e enfrenta nos primeiros anos do novo
século. As reações endógenas à marginalização internacional do continente, como
a recentemente criada União Africana e a afirmação da iniciativa da Nova
Parceria para o Desenvolvimento Africano (NEPAD), a partir de 2001, ainda que
visionárias, ainda não demonstraram plenamente seus potenciais de reverter o
ostracismo africano.10
Também contribuiu para o afastamento do Brasil em relação à África um certo
zigue-zague na política externa brasileira, movida por parâmetros oscilantes,
em uma espécie de "dança de paradigmas".11 O país parece ter transitado entre
parâmetros confusos, em política externa, nos anos 1990. Desde os equívocos de
substância ' como o da apresentação da abertura econômica, da estabilidade
monetária e da democracia como vetores de política externa, mesmo sabendo que
tais vetores nunca serviram a Estados maduros como vetores externos, passando
pela aplicação a crítica de políticas importadas de rigidez fiscal, a retirar o
Estado dos investimentos produtivos, a contrair salários, a privatizar empresas
públicas, vendendo-as às companhias estrangeiras para arrecadar dólares e pagar
a dívida externa ' até os equívocos de meios' como a crença kantiana e
idealista da diplomacia de Cardoso nos foros multilaterais ', todos esses
equívocos foram pagos com uma conta elevada no campo da ação do Estado
brasileiro na África, embora não apenas naquele continente.
A África ficou fora do norte da política externa do Brasil nos anos 1990. O
Brasil se deixou contaminar pela interpretação ingênua das relações
internacionais kantianas, em torno das quais as saídas para a modernidade
estavam no multilateralismo e no esforço da construção de uma agenda global
consensual e na regulação de temas globais como o liberalismo econômico, o meio
ambiente, os direitos humanos, entre outros. Essa confusão conceitual levou ao
abandono de ricos caminhos anteriores já trilhados pelo Brasil na África,
emanados pelo modelo de substituição de importações e da política de promoção
de exportações. Ao confundir meios com fins, a política exterior brasileira
perdeu sua racionalidade anterior.
A reversão do comércio exterior, amparado no preconceito de que certo
protecionismo do mercado interno emperrava o crescimento econômico e de que o
comércio exterior perdera sua função de gerar saldos, mataram as matrizes que
davam materialidade à política atlântica do Brasil. Associada a essa
dificuldade estava o fato de que se gerara uma extraordinária expectativa nas
potências avançadas por parte de diplomatas e negociadores brasileiros acerca
da vontade reformadora do sistema multilateral, a conduzir o Brasil para uma
modernidade que em muito distava do padrão de relacionamento comercial externo
que embalara os "anos dourados" da política africana do Brasil.12
Se esses cálculos externos estiveram equivocados ' como se percebe em momento
de escrutínio eleitoral do modelo de inserção internacional ' eles reverberaram
duramente na política externa do Brasil e tiveram impactos perversos e
alienantes em relação às políticas africanas do país. A reversão se fez
presente em todas a áreas, da empresarial ' de onde o Estado retirou sua
sinalização de prioridades a projetos robustos de parcerias africano-
brasileiras no campo do desenvolvimento econômico da África ' àquelas de
concertação política e aproximação cultural entre os povos das duas margens do
Atlântico Sul.
A erosão do modelo universalista de inserção internacional do Brasil substituiu
a África pelo Mercosul, quando o ideal teria sido manter a África e abrir a
brecha do Mercosul. A história recente desse último processo de integração está
a demonstrar, em suas dificuldades do momento, que teria sido necessária a
permanência de um canal de comunicação mais vivo com os países ribeirinhos
africanos, com ênfase àqueles de língua oficial portuguesa e a alguns parceiros
que se mantiveram relevantes para o Brasil.
Para tal teriam sido necessárias visões mais largas acerca das nossas
necessidades internas e das possibilidades abertas no plano externo. A retomada
nos últimos anos, mesmo sem explícito estímulo governamental, de uma crescente
pauta comercial com os países africanos ' como o que se verifica em relação à
Nigéria (com a qual o Brasil chega à marca de quase US $ 1 bilhão de
intercâmbio comercial nos últimos anos) ' demonstra o quanto teria sido
necessária manter uma plataforma de operações na região. O retorno está sendo
caro, do ponto de vista material, e ainda tíbio, sob o ângulo das vontades
políticas envoltas no processo decisório.
Amparados na matemática realista de certo declínio nos intercâmbios materiais
da década passada, os pessimistas ainda insistem que não temos o que fazer na
África. Aproximar-se ao continente africano significaria, para os niilistas, o
abraço da morte ou o explorar das minas escassas, improdutivas, exauridas pelo
tempo de exploração. Ou mesmo que não há salvação na África, dominada pelo
círculo perverso da história de alienação vinda de fora e da própria auto-
alienação.
Há outros observadores, dentro e fora do Brasil, para os quais pouco importa a
presença da língua portuguesa na África. Para esses, a própria estratégia da
preservação da língua falada pelo Brasil na África deveria ser repensada,
diante da sua baixa eficiência econômica e política. Ao ser instrumento
impeditivo da própria comunicação no contexto regional de alguns desses países,
a língua portuguesa lembraria um passado colonial a ser esquecido, diante da
modernidade construída pelo acesso à língua inglesa, em especial.
Para tais alarmistas, o Brasil não tem nada a fazer em países como Moçambique.
Lá ' lugar no qual a língua de Camões e de Machado de Assis, mas também de
Pepetela e outros africanos, traria certa desvantagem em um ambiente regional
dominado pelos anglófonos ' o Brasil não teria mais lugar, a avaliação dos
pessimistas. País que tem a África do Sul como seu principal parceiro
econômico, recebendo atualmente cerca de 40% das suas importações e exportando
cerca de 15% dos seus produtos para aquele país, Moçambique seria o exemplo da
situação esdrúxula de uma presença cultural brasileira inócua e da evidência da
perda do prestígio da língua portuguesa na África.
O mesmo se diria, nessa visão, em relação à Guiné-Bissau, incrustada em seus
vizinhos francófonos. Para além da África, na Ásia estaria o paradigma da
desimportância da presença da língua portuguesa, uma vez que o Timor Leste
independente ainda abriga uma grande maioria da sua população não alfabetizada
em língua portuguesa.
Nesse capítulo os pessimistas se confundem, de forma ridícula, com os arautos
do mundo único, dominado pela ausência de antinomias e diversidade. A presença
do Brasil na África de hoje, ao contrário do que pensam, é fator de diversidade
e de construção de um olhar próprio sobre o mundo. Essa presença não pode ser
apenas um fator de prestígio político e cultural, ou mesmo o redesenhar, em
tempos contemporâneos, dos velhos mitos sobre a presença portuguesa do
ultramar. O Brasil não pode estar nessa empreitada apenas para não perder sua
influência, ou porque sua presença na região se mantém por osmose ou mesmo
porque a presença retórica custa pouco para o orçamento nacional.
Ao contrário de tudo isso, o Brasil tem um lugar na África. Conquistou esse
lugar de forma própria, sem a batuta de outro maestro, com seus próprios meios,
em um esforço da sociedade brasileira no seu conjunto, à busca de alternativas
de inserção internacional e de correção de dívidas históricas com as mulheres e
homens do outro lado do Atlântico. Isso não é ser romântico ou saudosista. Ao
contrário, é atuar de forma altaneira acerca dos destinos da nação e das suas
possibilidades no campo da ampliação do prestígio consentido e natural no
Atlântico Sul.
Razões para uma renovada política africana do Brasil
E por que razões tem o Brasil que lançar uma renovada política africana no
início do novo século, no contexto de mudança governamental em curso? Algumas
pistas foram aqui fornecidas, mas necessitam ser melhor organizadas na forma de
apenas cinco pontos essenciais, mas sujeitos ao debate aberto pela sociedade
brasileira e pelo processo decisório nacional em matéria de política exterior.
As questões estão, como devem estar, abertas ao debate societal.
Em primeiro lugar, o Brasil contemporâneo é herdeiro de uma rica tradição, que
gerou frutos importantes para a inserção internacional do país, na forja de
parcerias múltiplas, consonantes com a tolerância da nossa sociedade, o que
tampouco exclui manifestações de racismo explícito em vários casos específicos.
Mas tem o país uma experiência de recepção de todos que um dia aportaram as
areias da Terra de Pindorama. Dessa tradição deriva nossa vocação universalista
em política exterior. Estar na África é, portanto, estar prestando contas
internas, naquele aspecto que faz os brasileiros ímpares e originais no seio da
comunidade internacional.
Ademais, como bem a história vem demonstrando, não se podem concentrar relações
externas do Brasil em pólos únicos, em detrimentos de outros, apenas pela razão
do poder hegemônico, imperial ou especulativo que tais centros exercem. As
relações internacionais não se realizam apenas na realpolitik nem no ambiente
dos interesses imediatos. A dimensão africana da política externa do Brasil não
pode se circunscrever, pela sua própria dinâmica interna, apenas aos fatores da
materialidade.
A política africana do Brasil deve ter estatuto próprio, identidade que a torna
singular, no emaranhado de interesses múltiplos do Estado e da sociedade
brasileiros, no ensaiar de suas possibilidades externas. Temos que saber que em
África temos mais a oferecer que a receber, em termos materiais, para podermos
receber mais que oferecer, no plano da imaterialidade. Mas tudo isso deve ser
feito sem que o paternalismo entre no jogo.
Em segundo lugar, temos uma dívida histórica com a África a demandar uma
política específica, pública e legitimada pela sociedade brasileira, por
intermédio de instituições como seu parlamento, suas universidades, suas
empresas e a opinião pública, em geral. A África é lugar privilegiado de
formação da brasilidade, curtida e urdida ao longo do longo compasso do
tempo.13 Os dois lados do Atlântico Sul abraçam-se em era geológica remota,
compondo um mundo uno. A África ocupou papel cêntrico na formação da sociedade
e da economia do Brasil. A escravidão de africanos no Brasil, para a grande
maioria dos historiadores brasileiros, foi o coração que fez pulsar a
organização social da colônia portuguesa nos trópicos e se tornou o amálgama da
organização do Estado imperial no século XIX.
Apesar dos laços encerrados em certo momento e do silêncio que imperou nos
escassos contatos atlânticos em grande parte do século XX ' reforçados pelo
sistema escolar brasileiro que ajudou a cristalizar o afastamento da África,
congelando o continente ao tempo da escravidão e reduzindo a presença da África
na história do Brasil, em livros afônicos de brasilidade ' a África permanece
como uma lavra fundadora da brasilidade, queiram ou não os críticos de Gilberto
Freyre.
Uma boa forma de iniciar as comemorações dos duzentos anos do Brasil
independente em 2022, e que se aproximam rapidamente sob o manto da
indiferença, seria pautar uma série de iniciativas para valorizar essa vertente
da nossa formação pela via da celebração de uma nova política africana, a ser
também exposta, daqui a vinte anos, como uma obra de reconciliação interna e de
expressão da vontade política com o outro lado do rio chamado Atlântico.
Ao fazer esse exercício criativo, note-se que não se terá que desenhar apenas
uma política africana, mas várias, de região a região, de povo a povo, de nação
a nação, na diversidade que compõe o xadrez africano, de uma forma mais
sofisticada em relação a hoje praticada. Esse esforço terá efeito pedagógico
interno uma vez que estaremos a recordar o fato de termos não apenas uma África
dentro do Brasil, mas múltiplas Áfricas, como nos lembra o maior africanista
brasileiro da atualidade, o imortal Alberto da Costa e Silva (também um
expoente da fase dos "anos dourados" da política africana do Brasil), em seu
livro que acaba de ser lançado, A manilha e o libambo; a África e a escravidão,
de 1500 a 1700:
"Disto, da enorme diversidade de maneiras de fazer, pensar e viver,
que torna a África várias Áfricas, creio que dei boa notícia. No seu
dia-a-dia, um abexim pode ser tão diferente de um ijexá, e este de um
pende, e um pende de um mandinga, e um mandinga de um soto, quanto um
alemão de um andaluz e um húngaro de um escocês. É bem verdade que há
certos gestos, comportamentos, símbolos, crenças e valores que são
comuns a grandes áreas do continente ou a todo ele. É possível que
este povo tenha aprendido com aquele a ter no gonguê ou no agogô o
instrumento com o qual se anuncia a presença do rei, e que venham do
Egito islâmico os grandes guarda-sóis que, em boa parte da África
subsaariana, giram sobre as cabeças dos que se têm por grandes. Mas,
se a história de Lat Sukaabe guarda parecença com a do Sundiata e de
outros reis fundadores, se tantos emblemas de poder e fé são
semelhantes e se até mesmo certas instituições políticas se repisam a
grande distância, não há esquecer que as mãos humanas, por toda a
parte, repetem as mesmas formas essenciais para responder aos
desafios das mesmas necessidades, como mostram os pouquíssimos
contornos que pode ter a moringa. Li, faz muitos anos, já não sei se
em Hegel, que não passariam de trinta e poucos os enredos que nos
cabe viver: o de Ulisses, o de Penélope, o de Fedra, o de Argan, o do
Quixote, o de Sancho Pança, e assim por diante. Não seriam mais
numerosos os entrechos de que se fazem as histórias dos povos. A
riqueza da existência não se deveria apenas à mescla dessas intrigas,
mas também às diferenças de alma e de momento, e por isso Capitu e
Bentinho não copiam nem negam Desdêmona e Otelo. Tampouco a história
de Songai reproduz ou contradiz a do Mali ou a de Roma, ainda que as
três se desenhem com os traços do império."14
Em terceiro lugar, o relançamento da política africana do Brasil não seria
apenas um ato de fé, mas o resultado de dois cálculos: um político e outro
econômico. Politicamente, ela serve para reforçar a idéia de que o Brasil ainda
tem um projeto cooperativo Sul-Sul, mas em outras bases, a engendrar alguma
liderança nas novas rodadas de negociação de temas globais, na reformulação do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, na busca de parcerias estratégicas no
Sul junto a países como a África do Sul, Índia e China. Além disso, uma
política africana bem concertada com seus parceiros do outro lado pode
constituir instrumento de barganha na vontade de reorientação do eixo
diplomático de temas como o terrorismo para outros temas, mais construtivos e
de interesse mútuo do Brasil e do continente africano, como o desenvolvimento
sustentável e a cooperação Sul-Sul.
Economicamente, o relançamento de uma política africana serviria de elemento
constitutivo no esforço do redesenho da inserção internacional do Brasil, em
nítida crise de identidade no momento atual. Em contraste com a inserção
internacional marcada pelo triunfalismo liberal, como discutido anteriormente,
a África serviria ao movimento de aproveitamento de brechas estruturais na
ordem internacional e de reforço na retomada de um modelo de inserção
internacional de bases mais nacionais e voltado para o desenvolvimento interno
sustentável, gerador de empregos e produtivista, mais que financista.
Para tal seria necessário que iniciativas fossem geradas nas "brechas
estruturais"15 que necessitam ser urgentemente preenchidas por políticas mais
inteligentes e assertivas. Refiro-me aos espaços que se abrem, no coração da
crise internacional do momento, pelos foros da tecnoburocracia das próprias
instituições internacionais controladoras do poder global, como o FMI, o Banco
Mundial e o BIS ' Bank for International Settlements. Diante da vulnerabilidade
dos modelos econômicos adotados na década passada por vários países do Sul,
entre eles o Brasil, e à luz da pressão que se faz notar no campo interno dos
Estados, particularmente no que se refere à crescente incapacidade dos governos
de lidar com um conjunto de políticas sociais, econômicas e de tratamento de
conflitos, há uma brecha aberta na revisão crítica acerca dos efeitos perversos
de uma ordem internacional sustentada na unilateralidade dos ganhos dos setores
financeiros.
Mas a construção de uma agenda positiva com a África ' e com os países
africanos de língua portuguesa, em especial ' dependerá da capacidade de agir
juntos, nos planos interno e externo dos Estados, de forma a mobilizar, de
maneira nova e criativa, em favor do reconhecimento do fracasso de receitas
aviadas em consensos como o de Washington. Significa também reaprender a
enfrentar os fortes da ordem global, como visto naquele gesto ensaiado pelo
Brasil na última Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, em
Doha, em novembro de 2001, no que se refere ao tema da quebra de patentes de
medicamentos necessários ao combate da AIDS.
Esses esforços recolocariam a África em horizonte mais próximo da política
externa do Brasil, bem como de outras áreas de interesse relegadas, na
perspectiva do aproveitamento de um capital político que o Brasil ainda possui
do outro lado do Atlântico. E isso se coaduna com um projeto de política
exterior mais universalista e adaptado às circunstâncias atuais.
Em quarto lugar, há uma vontade africana em dialogar com o Brasil. A recente
formação da União Africana bem como da NEPAD, aqui já referidas, são fatores de
animação interna no continente. O desafio do crescimento econômico na taxa de
7% anual para os próximos 15 anos expõe o desafio e a dimensão corajosa da
NEPAD. A redução pela metade da taxa de pobreza absoluta até 2015 é meta na
qual o Brasil pode compartilhar sua experiência e suas dificuldades com a
África. A incorporação de todas as crianças, em idade escolar, nas escolas
primárias, outro objetivo alvissareiro dos africanos na valorização dos seus
desafios, deveria contar com a colaboração do Brasil, que caminha nos mesmos
trilhos da superação dos dramas da desnutrição, da pobreza e da escolarização
das crianças.
Ao mesmo tempo, o entusiasmo com o diálogo direto com o Brasil, no plano do
compartilhar de experimentos no campo do desenvolvimento sustentável, foi a
marca da exposição do grupo dos 15 embaixadores africanos, que compõem o Grupo
dos Embaixadores e Chefes de Missões Africanas em Brasília, em seminário
internacional organizado na Universidade de Brasília, no dia 22 de outubro de
2002. As palavras do embaixador da Nigéria, Josef Sookore Egbuson, falam por si
mesmas:
"And in the ensuing process of globalisation, with the attendant
challenges, we believe that Brazil would be most helpful in narrowing
the huge division between rich and poor countries by generously
availing and investing in knowledge and technology highly adaptable
to the unique circumstance of Africa and which will avail a future
where politics, economy and ethics will not be dichotomised and
sanctify of human life would take premium place. However, such
disposition should not be limited to the Economy, and must
necessarily include sustainable development in favour of stability,
democracy and responsible macroeconomic management as the prevailing
condition of neglect and poverty represents a permanent challenge to
the good functioning and viabililty of social political institutions
in Africa."16
Em quinto lugar, e finalmente, há algo particular às novas relações luso-
brasileiras que deve ser utilizado na reaproximação aos países africanos de
língua oficial portuguesa. O novo ambiente deriva de substrato inédito,
alvissareiro, na nítida superação, a partir de meados da década de 1990, dos
tempos nos quais as relações entre Portugal e Brasil não ultrapassavam senão os
limites do formalismo improdutivo. A nova engenharia da atuação bilateral entre
os dois países traz impacto para o projeto de relançamento da política africana
do Brasil.
Os investimentos portugueses no Brasil, o turismo crescente lado a lado, a
presença portuguesa nas comemorações da viagem de Cabral, a consolidação dos
tratados assinados em Porto Seguro em abril de 2000, entre outros aspectos,
parecem indicar uma mudança de rumo, modificando-se a letargia do passado. À
estratégia portuguesa de internacionalização da economia correspondeu crescente
presença lusa no mercado brasileiro. A revalorização menos eufórica e mais
pragmática do capital político alicerçado pela importante presença da
comunidade portuguesa no Brasil e de uma crescente comunidade brasileira em
Portugal serve para uma aproximação mais franca e direta entre as duas
sociedades.
A realização em Brasília da Quarta Conferência de Chefes de Estado e de Governo
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, no final de agosto e início de
setembro de 2002, foi ocasião alvissareira para passar em revista o breve
percurso histórico dessa infanta instituição, dotada de personalidade jurídica
internacional, e para investigar acerca das suas potencialidades em futuro
próximo. As novidades da Conferência de Brasília foram muitas, com grande
destaque para a inclusão do seu oitavo membro, o Timor Leste, abrindo uma
franja asiática para uma instituição internacional tingida pela baixíssima
visibilidade interna nos Estados membros e por quase imperceptibilidade perante
a comunidade internacional.
Destaca-se o relançamento da estratégia conjunta dos chefes de Estado e de
governo no sentido da redução das barreiras internas impostas pelas legislações
nacionais, ciosas da abertura dos seus portos e aeroportos à livre circulação
dos 200 milhões de cidadãos do clube da língua portuguesa. Reforça-se a
cooperação técnica na área da saúde, com os acordos voltados para ações
conjuntas de prevenção, diagnóstico e assistência aos doentes contaminados pelo
HIV. A idéia da transferência de tecnologia entre os países-membros bem como a
formulação de políticas de acesso aos medicamentos é altamente positiva. Os
seis acordos de Brasília sinalizam, assim, o possível ou o minimo minimorum que
permite ir dando vida à CPLP.
A CPLP vem, no entanto, trilhando um caminho tortuoso desde sua criação em
1996, no Palácio de Belém, em Lisboa. A instituição parece não haver tido tempo
ainda para se libertar das ambigüidades criadas pela convivência histórica de
sete países, agora oito, com projetos e interesses distintos no projeto
comunitário. Brasil e Portugal nem sempre coincidiram nas suas intenções de
convergir políticas em favor da valorização da CPLP. Os países africanos, por
sua vez, mais esperam do que podem oferecer aos esquemas de funcionamento e de
financiamento da instituição.
O Brasil expõe uma dificuldade de origem, transportada para o momento atual, em
suas escolhas políticas no mundo da lusofonia. O surgimento e o desenvolvimento
da CPLP coincide com um ciclo de retraimento das relações comerciais,
diplomáticas e estratégicas com os países africanos. Há problemas do lado
africano também. Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe não
nutrem a mesma visão acerca do sentido político e econômico da CPLP. Uns querem
valorizar apenas a língua enquanto outros desejam fazer da CPLP uma agência de
fomento ao desenvolvimento.
O fato é que a inserção de cada um desses países na instituição está plasmada
pela impotência e pela frustração. Estados que derivam seus projetos de
modernidade de um processo tardio de descolonização atabalhoada, alguns deles
estão ainda esgarçados pelas seqüelas deixadas por guerras fratricidas ou
desinteligências domésticas que comprometem a transformação positiva na direção
do desenvolvimento econômico, social e da democratização das sociedades. Países
que contextualizam suas políticas exteriores em meio a tragédias sociais e
políticas tão graves não possuem peso relativo no cenário global. A redução dos
mesmos à mera peça marginal no xadrez das relações internacionais pós-11 de
setembro faz com que a concertação diplomática, também um dos objetivos da
CPLP, não encontre ambiente propício para sua realização prática.
Há um ponto nevrálgico na CPLP, que atinge Portugal e o Brasil, em especial:
uma certa ausência de conteúdo político e econômico nas formulações e práticas
da instituição. Dessa crítica advém um rosário de reclamos com relação à
dinâmica de trabalho e aos financiamentos de projetos. Os chamados projetos de
pontos focais ' como aqueles voltados para o combate ao HIV/AIDS e o da
formação dos centros regionais de excelência em desenvolvimento empresarial e
de administração pública ' são, ainda que relevantes, limitados em relação ao
que pode ser feito, mesmo em período de vacas magras.
Em outras palavras, espera-se que o momento midiático da Conferência de
Brasília não tenha apenas encapsulado a CPLP a poucos minutos de glória. Seria
trágico que não se aproveitasse a oportunidade para discutir a reinserção
internacional dos países do Sul no contexto global pantanoso de hoje. Seria
lamentável que apenas pululassem na imprensa local e internacional, para depois
desaparecerem no compasso do esquecimento gradual, os encantos das sociedades
que, nas várias partes do mundo, empunham a língua portuguesa como sua forma
historicamente construída de pensar e educar seus filhos e filhas. Seria
desastroso, mesmo no campo da língua portuguesa, que não se chegasse a um
consenso final acerca do eternamente postergado Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa, um dos projetos iniciais, e mesmo anterior à CPLP. São esses alguns
dos novos desafios do novo presidente da República, no capítulo da política
africana do Brasil, a serem enfrentados de forma determinada e consentida com a
sociedade brasileira.
Nesse sentido, a articulação luso-brasileira é elemento essencial à construção
de uma plataforma atlântica, cooperativa e utilitária, na articulação dos
projetos pela via da troca de experiência na África, direta, mediando negócios
e interesses, valorizando tanto a língua quanto as oportunidade econômicas.
Afinal, a retórica não resiste à ausência de projetos. E, seguindo o ritmo da
crítica aos equívocos de substância e aos equívocos de meios, sugere-se maior
prudência ao Brasil e aos seus parceiros de língua portuguesa no que concerne
às interpretações do meio internacional. Ambas as linhagens de equívocos não
sacrificaram, no Brasil, apenas a política africana, mas nos levaram a um certo
sentimento de infantilização e precariedade, pouco condizente com o destino
histórico de um país continental, cheio de opções adormecidas. Mas há tempo
para refazer a história. Vale incluir a África nos nossos ensaios de esperança.
Alguns itens para uma agenda revigorada de iniciativas para a África
Ao concluir, após o diagnóstico, a avaliação e as sugestões conceituais aqui
apresentadas, creio essencial propor uma agenda construtiva para a retomada da
política africana do Brasil. Elas estão aqui enumeradas em forma de itens a
serem apreciados, em torno do debate público, democrático, no seio da sociedade
e do processo decisório da política externa do Brasil.
Esses itens são apenas o início de uma série de aspectos propositivos que
necessitam ser melhor detalhados. Eles estão didaticamente organizados em torno
de dois campos: a) o das iniciativas estruturais, a envolver movimentação
estratégica no campo decisório; e b) o campo das iniciativas conjunturais, cuja
realização se imagina mais curta no tempo, embora estejam articuladas à
dimensão estratégica.
No plano estratégico, o desafio do novo governo deverá ser:
o de prover uma nova concepção no tratamento da política africana,
por meio da retomada de uma "política global para a África" (embora
não nos moldes das décadas de 1970 e 1980), mas a substituir o
limitado enfoque das "opções seletivas", registro da década de 1990 e
início da década atual;17
o de incluir a política africana na redefinição, no plano global,
da mudança do "paradigma do liberalismo desenfreado", adotado em boa
parte da década de 1990, para o paradigma da "política externa
logística",18 apenas recentemente ensaiada, voltada, portanto, para
o desenvolvimento endógeno, para a valorização da dimensão da
produção industrial, do fomento a uma certa infra-estrutura para ação
da sociedade nacional no plano externo, a incluir uma ação de mais
vontade política na reaproximação com a África;
o de dotar a política africana de uma dimensão infra-estrutural '
no plano da inteligência, por meio do estímulo ao estudo acadêmico e
aplicado acerca das novas possibilidades criadas na África por
iniciativas como a NEPAD e a União Africana; e no plano material, por
meio da forja da coalizão empresarial-governamental no sentido da
exploração de ações conjuntas em projetos de desenvolvimento na
África;
o de valorizar parcerias estratégicas com a África, especialmente
no esquema de quadrilátero que inclui Pretória-Luanda-Lagos-Brasília,
por meio da construção de agendas bilaterais e comissões mistas que
venham a priorizar projetos estratégicos de desenvolvimento em ambos
os lados do Atlântico, concertadas com sua sociedades civis e
entendidos como prioridades nacionais;
o de contribuir para a construção de confiança e liderança do
Brasil na África, essencial às relevantes negociações internacionais
que terão que ser entabuladas nas próximas décadas, em torno de temas
de interesse comum como a desigualdade estrutural do sistema
internacional, o protecionismo das economias centrais e a reforma das
Nações Unidas;
o de valorizar, por meio da aproximação gradual e cooperativa dos
distintos processos de integração sub-regionais em curso nos dois
lados, a idéia de um "espaço comum" (assemelhado ao que se vem
buscando na América do Sul) ' de relevância econômica, voltado para a
celebração da paz e da democracia, mas igualmente de desenvolvimento
social, econômico e político ' no Atlântico Sul.
A esses seis eixos estratégicos correspondem outros dez movimentos
conjunturais, de mais curto prazo, que podem ser engendrados
imediatamente pelo novo governo, a partir da adoção e da ampliação
dos aspectos estruturais mencionados. São, a saber:
a valorização governamental da dimensão africana, particularmente
interna ao Ministério das Relações Exteriores, por meio da criação de
um Departamento da África com três divisões internas (África do
Norte, África subsaariana, África de língua oficial portuguesa),
independente do Departamento do Oriente Próximo, tendo em vista a
enorme acumulação de tarefas existentes em campos e realidades tão
diversas;
o estabelecimento de uma logística operacional específica, por meio
de tarefas "abre-portas" (como feiras, missões comerciais e
culturais, bem como de escritórios comerciais e culturais nas
capitais africanas de maior interesse estratégico para o Brasil), a
envolver simbiose entre a área de promoção comercial do Ministério
das Relações Exteriores com as áreas de exportação dos ministérios
voltados para as áreas econômica e cultural, bem como com as
universidades e grupos da sociedade civil interessados em participar
de um esforço de ampliação da presença brasileira na África, a
incluir setores dos movimentos afro-brasileiros;
o melhor aproveitamento das 15 representações diplomáticas
africanas na capital da República, que se sentem pouco mobilizadas,
senão marginalizadas, em relação a outras áreas de representação
diplomática junto ao governo brasileiro, por meio de consultas mais
permanentes e seminários de trabalhos ' aberto a intelectuais e
empresários ' no sentido de melhor dotar o gesto brasileiro para a
África de inteligência política e racionalidade comercial;
a articulação dessas áreas da logística operacional do governo na
área de valorização da política africana, com grupos econômicos
nacionais de alguma presença na África, para garantir uma pauta única
de interesses comuns e de ação programática organizada, de forma a
minimizar custos e ampliar as possibilidades de negócios e
oportunidades;
a posta em marcha de uma articulação, para a África, semelhante a
atual existente entre a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul e
as universidades da região, de forma a dotar a retomada da política
africana de densidade societal e mecanismos de penetração no tecido
mais vivo da sociedade civil brasileira;
a criação de novas linhas diretas de aviação de São Paulo, Rio de
Janeiro e Brasília para capitais africanas como Lagos e Dacar,
ademais das já existentes para Luanda, Pretória e Praia;
a criação de uma logística náutica, especialmente a baratear fretes
diretos entre o litoral brasileiro e o africano, sem passar pelos
portos europeus ou norte-americanos;
o desenvolvimento de joint-ventures entre empresas portuguesas e
brasileiras que já trabalham juntas em várias áreas no Brasil e em
Portugal, a utilizar a plataforma empresarial já existente e ampliada
pelo ambiente da CPLP, de forma a fazer avançar parcerias com grupos
econômicos africanos, dentro e fora do espaço da língua portuguesa na
África, mas também a valorizar a língua de Camões na África, como
fator de diversidade que representa;
a criação de um grupo de contato estratégico do Brasil, a envolver
não apenas diplomatas, mas os mais variados setores com experiência
local e intelectual na África, com grupos estratégicos africanos e
internacionais que trabalham nos projetos da NEPAD, no sentido do
enfileirar posições e contribuições mútuas no que se refere à
exploração da "brecha estrutural" no processo aberto pela
tecnoburocracia internacional do Banco Mundial e do FMI;
a criação imediata de programas de estudo, nas universidades e nas
empresas, além da diplomacia, a respeito da África contemporânea, de
forma a criar massa crítica sofisticada e conhecimento das realidades
africanas em sua multiplicidade e a diminuir o grau de incompreensão
e conhecimento vigentes no Brasil sobre o continente africano.
Essas sugestões são apenas o início de um longo caminho que terá que ser
perseguido, pelo governo que se inaugura ou por qualquer outro que o suceda,
uma vez que a África não pode mais suportar a indiferença dos seus vizinhos tão
próximos. A história acumulada de contatos, mas também os desafios comuns para
um futuro que chega rápido, estão a exigir respostas que tardam em chegar.
Oxalá o Brasil não mais postergue sua inequívoca vocação africana.
Notas
1 Várias análises, de diferentes escopos e objetivos, vêm participando desse
esforço de leitura rigorosa da política externa do Brasil nos anos 1990 e
início do novo século. Ver, por exemplo: CERVO, Amado Luiz. Relações
internacionais do Brasil: um balanço da era Cardoso,Revista Brasileira de
Política Internacional, 45 (1), p. 5-35, 2002.
2 Tradução desse esforço foi a articulação dos Reitores da Universidade de
Buenos Aires (UBA), Universidade da República do Uruguai (UDELAR), da
Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Nacional do Paraguai no dia 4
de julho de 2002, em Buenos Aires, no contexto da Décima-Nona Reunião Plenária
da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, e do compromisso formalizado
pelos quatro reitores no sentido de valorizar a discussão articulada das
universidades com o meio social no sentido da valorização da dimensão social do
Mercosul e dos intercâmbios de inteligências e de projetos de valorização da
dimensão científica e tecnológica do processo de integração sub-regional. Ver
UnB Notícias, 49 (5), p. 4, junho e julho de 2002.
3 Ver, por exemplo, a inclusão dessa dimensão no trabalho preparatório da
Universidade de Brasília ao processo eleitoral de 2002, quando o tema "Brasil e
o mundo", com a contribuição conceitual e prática de estudiosos como Marco
Aurélio Garcia, Samuel Pinheiro Guimarães, Amado Luiz Cervo, Oliveiros
Ferreira, Cristovam Buarque, Roberto Freire, Luiz Pinguelli Rosa, Dércio
Munhoz, entre outros, ganhou forte relevo nas discussões que duraram cerca de
seis meses e que culminaram com a presença de candidatos à presidência da
República nos debates organizados naquela instituição. Os termos dos debates
estão publicados em dois volumes: MORHY, Lauro (org.). Brasil em questão: a
universidade e a eleição presidencial. Volumes 1 e 2. Brasília: Editora UnB,
2002.
4 Esse trecho da entrevista de Ciro Gomes à Revista do Confea, agosto de 2002,
página 7, demonstra o quanto a articulação entre os temas internos e externos
estiveram imbricados de forma preponderante nos grande debates realizados.
(itálicos do autor)
5 Ver, por exemplo, os artigos jornalísticos densos escritos nos últimos meses
por pensadores à direita do espectro político como Delfim Netto ou mais à
esquerda como Emir Sader ou José Luís Fiori, em vários jornais como a Folha de
São Paulo, o Correio Braziliense, entre outros. Em comum, a crítica à
vulnerabilidade externa do país e à necessidade de reconversão da inserção
internacional do Brasil.
6 GARCIA, Marco Aurélio. PT negociará a ALCA. Correio Braziliense, Brasília,
25, outubro, 2002. Caderno Eleições 2002, p. 19.
7 Essa longa história de busca de contatos e afastamentos repentinos do Brasil
em relação à África foi por mim analisada em vários estudos. Ver SARAIVA, José
Flávio S.O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira
(de 1946 a nossos dias). Brasília: Editora da UnB, 1996. Ver também SARAIVA,
José Flávio S. & PANTOJA, Selma. Angola e Brasil nas rotas do Atlântico
Sul. São Paulo: Bertrand Brasil, 1999. Ver, nessa mesma linha de estudos de
caso, o estudo sobre a África do Sul: SARAIVA, José Flávio S. In: GUIMARÃES,
Samuel Pinheiro. Brasil e África do Sul: riscos e oportunidades no tumulto da
globalização. Análise comparada das políticas exteriores da África do Sul e do
Brasil. Brasília: IPRI, 1997, p. 173-188.
8 SARAIVA, José Flávio S. In: SARAIVA, J. F. S. & PANTOJA, S. Um momento
especial nas relações Brasil-Angola: do reconhecimento da independência aos
desdobramos atuais, op. cit., p. 225-254.
9 GARCIA, Marco Aurélio, op. cit., p. 19.
10 DÖPCKE, Wolfgang. Há salvação para a África? Thabo Mbeki e seu New
Partnership For African Development. Revista Brasileira de Política
Internacional, 45(1), p. 146-155, 2002.
11 Ver, sobre a idéia de "dança de paradigmas", o artigo de CERVO, Amado Luiz,
op. cit.
12 A idéia de "anos dourados" da política africana do Brasil foi por mim
sugerida no livro já citado: SARAIVA, José Flávio S. O lugar da África, op.
cit., capítulo quarto: "Os anos dourados da política africana (1967-1979)", p.
125-184.
13 Veja as observações do Senador Roberto Freire, no contexto da campanha
eleitoral, sobre a dimensão africana da brasilidade: "É nesse sentido que o
conceito de brasilidade pode substituir a questão do nacionalismo. Brasilidade
é uma afirmação muito mais cultural do que econômica, pois pode não ter o
sentido de exclusão que o nacionalismo econômico tem, necessariamente, das
fronteiras, da visão do mercado interno, da autarquização... O Estado
brasileiro e suas instâncias políticas, sociais e econômicas apresentam
desgraçadamente uma única cor, esmagadoramente branca. Isso não corresponde
absolutamente à nossa realidade. Caber, portanto, dar à República a cor da vida
e aí, não tenho dúvida, se destaca o negro." FREIRE, Roberto. In MORHY, Lauro.
Brasilidade: a superação do nacionalismo estreito , op. cit., p. 23 e 27.
14 COSTA E SILVA, Alberto da. A maninha e o libambo;a África e a escravidão, de
1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p.11.
15 Essa idéia de "brechas estruturais" foi por mim sugerida, no Palácio
Itaramarty, em seminário preparatório à Quarta Reunião de Chefes de Estado e de
Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em junho de 2002.
Ver SARAIVA, José Flávio S. O diálogo Sul-Sul e a CPLP. Globalização e
desigualdade no mundo pós-11 de setembro. In: MRE/DAOP-IPRI. CPLP:
oportunidades e perspectivas. Brasília: FUNAG/IPRI, 2002, p. 309-328.
16 EGBUSON, Josef Sookore, "Brazil and Africa: opportunities and challenges".
Discurso proferido no Seminário Internacional: "Brasil e África: o lugar da
NEPAD", Auditório da Reitoria da Universidade de Brasília, 22 de outubro de
2002. (documento não impresso)
17 Ver essa contradição entre "política global" e "opções seletivas" do Brasil
na África no último capítulo do meu livro: SARAIVA, José Flávio S. In: O lugar
da África. A política africana dos anos 1990: a opção seletiva. Op. cit., cap.
6, p. 217-239.
18 Observar que a noção de "Estado logístico" foi amplamente defendida por
Cervo, no artigo citado, e expõe a vontade de fortalecer o núcleo nacional da
ação externa do Brasil, a transferência à sociedade da responsabilidade
empreendedora, ajudando-a a atuar no ambiente externo e a busca por um melhor
modo para equilibrar os benefícios da interdependência por meio de uma inserção
madura no mundo globalizado.
Bibliografica básica
CERVO, Amado Luiz. Relações internacionais do Brasil: um balanço da era
Cardoso. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, 45(1), p. 5-
35, 2002.
COSTA E SILVA, Alberto da. A manilha e o limbambo: a África e a escravidão, de
1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
DÖPCKE, Wolfgang. Há salvação para a África? Thabo Mbeki e seu New Partnership
For African Development. Revista Brasileira de Política Internacional.
Brasília, 45(1), p. 146-155, 2002.
FEIJÓ SOBRINHO, Pedro da Silva. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Institucionalização e relações culturais, políticas e econômicas. Rio de
Janeiro: Revan, 1997.
MOREIRA, Adriano (org.) Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Lisboa:
Almedina ' Instituto Português da Conjuntura Estratégica, 2002.
PIMENTEL, José Vicente. As relações entre o Brasil e a África subssárica.
Revista Brasileira de Política Internacional, 43(1), p. 5-23, 2000.
SARAIVA, José Flávio Sombra. O Lugar da África: a dimensão atlântica da
política externa brasileira (de 1946 a nossos dias). Brasília: Editora da UnB,
1996.
SARAIVA, José Flávio Sombra (org.). Comunidade dos Países de Língua Portuguesa:
solidariedade e ação política. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações
Internacionais, 2001.
SARAIVA, José Flávio Sombra; PANTOJA, Selma (org.) Angola e Brasil nas rotas do
Atlântico Sul. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
SARAIVA, José Flávio Sombra. O diálogo Sul-Sul e a CPLP: Globalização e
desigualdade no mundo pós-11 de setembro. In: Departamento de África e Oriente
Próximo; IPRI. CPLP: Oportunidades e perspectivas. Brasília: FUNAG/IPRI, 2002,
p. 309-328.
Novembro de 2002