A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a atuação de
Joaquim Nabuco em Washigton (1905-1910)
Introdução
Neste artigo pretendemos jogar luz sobre alguns aspectos do relacionamento que
se estabeleceu, no início do século XX, entre o Brasil e os Estados Unidos,
momento em que os dirigentes das relações externas brasileiras viram os norte-
americanos como potenciais parceiros estratégicos, acabando por produzir uma
expressiva conjuntura histórica de aproximação político-diplomática entre os
dois países1. Nessa proposta, exploraremos em que medida as idéias do primeiro
embaixador brasileiro em Washington, Joaquim Nabuco (1905-1910), transformadas
em ação política, influenciaram nos rumos da atuação externa projetada pelo
ministro das Relações Exteriores, Rio Branco (1902-1912). Nos deteremos, assim,
tanto nas características e objetivos das concepções que Nabuco defendeu
durante todos os seus cinco anos atuando como um diplomata de alto cargo,
quanto na função e no lugar que elas ocuparam para o governo republicano nesse
projeto.
A escolha de Joaquim Nabuco para figurar como eixo da nossa pesquisa merece uma
explicação à parte. Ela ganha sentido quando reconhecemos que ele era parte
integrante da intelectualidade brasileira da época, exemplificado na sua
presença como membro fundador da Academia Brasileira de Letras, fazendo parte
do seu núcleo forte ao lado de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Oliveira
Lima, Domício da Gama, Silvio Romero, José Veríssimo, Salvador de Mendonça,
Graça Aranha, Rui Barbosa, entre tantos outros formadores de opinião,
representando um ícone da corrente que acreditava ser os Estados Unidos o
grande parceiro brasileiro do momento. Não queremos dizer com isso que as
idéias que ele formulou para esse relacionamento tenham coincidência com as
dessa elite ou da opinião pública, mas somente que era um personagem nacional
expressivo, ocupando cargo de inegável ascendência, e que atuou em função de
uma linha de política externa que ganhava força desde os primeiros fogos
republicanos. E ao propor uma inserção internacional ao Brasil por esse meio,
com peculiaridades próprias de um espírito inovador, Nabuco representou uma
importante tendência nacional que ainda se estenderia por um longo período.
Nessa mesma linha, a pesquisa ganha importância em dois aspectos. O primeiro
diz respeito ao estudo da relação entre o Brasil e os Estados Unidos nesse
período histórico. Existe um número razoável de trabalhos que abordaram de
maneira geral o tema da política externa republicana. Muito menor, no entanto,
são os que se debruçaram sobre o estreitamento das relações com os Estados
Unidos e as eventuais nuances nela contidas. Pretendemos contribuir para
preencher essa lacuna.
O segundo aspecto se relaciona com o próprio Nabuco. Ao ler os estudos sobre a
política exterior republicana e a sua diplomacia, nota-se que a figura de Rio
Branco recorrentemente encobriu a de Joaquim Nabuco. Pode-se explicar isto por
dois fatores: Rio Branco, enquanto ministro, era quem oficialmente coordenava
as tomadas de decisões dos assuntos exteriores, tinha grande autonomia em
relação ao governo e, já na época, era tido como um personagem glorificado da
nação por sua maestria no trato dos assuntos internacionais, praticamente um
herói2. Nabuco, também, devido à sua própria história, é uma figura basicamente
lembrada por sua militância em favor da abolição, atuação que ocupou grande
parte de sua vida e dos seus escritos, o que colocou em segundo plano os cinco
anos que trabalhou como embaixador, período curto e parcamente analisado. A
conseqüência disso é a ocorrência do que podemos classificar de uma história
esquecida de Nabuco, tão rica quanto a de sua época como abolicionista só que
inversamente desacreditada. Nosso estudo pretende, assim, retomar essa sua
"história esquecida", reinserindo-a na política externa brasileira da Primeira
República.
O procedimento pelo qual fizemos esse exercício foi o de reconstruir as
concepções de Nabuco utilizando sua documentação pessoal e diplomática
original, obtida em sua maioria na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e no
Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), mas também na coleção de suas "Obras
Completas" editada pelo Instituto Progresso Editorial. A utilização de seus
discursos americanos se deu a partir da compilação feita pelo editor Benjamin
Águila. Fizemos o preenchimento das lacunas que ainda subsistiam nessa
documentação com a escassa literatura sobre o tema, em sua maioria biografias,
donde as que têm alguma importância são as obras de Carolina Nabuco, filha de
Joaquim Nabuco, e a de Luís Viana Filho. Dentre os pouquíssimos trabalhos
especializados sobre o assunto, destacamos o de Olímpio de Souza Andrade da
década de 1960 que, apesar de conter análises não tanto aprofundadas e
documentadas, traz contribuições importantes, especialmente no que se refere às
discussões sobre o ideal de solidariedade continental proclamado por Nabuco. No
entanto, a obra mais significativa sobre o assunto é a de João Frank da Costa,
não por coincidência, afirmando a característica fundadora dos estudos sobre a
política externa brasileira, um diplomata de carreira e não um acadêmico.
Realizada na década de 1970, contribuiu em vários aspectos para o entendimento
das idéias de Nabuco como embaixador. Alguns trabalhos mais contemporâneos,
donde destacamos o de Helder Gordim da Silveira (2000) e o de Ricardo Salles
(2002), trouxeram discussões significativas para o nosso trabalho, o primeiro
ao focalizar particularmente o papel de Nabuco no processo de representação
simbólica do interesse nacional, fundado na emergência do paradigma de
americanização que dominou as relações exteriores brasileiras, o segundo nos
esclarecendo certas nuances ideológicas de Nabuco ao fazer referência a que
tipo de elite intelectual o embaixador fez parte como expressamente um político
abolicionista da geração de monarquistas de 1870.
Grande parte do que se referiu à contextualização e à avaliação da política
externa desse momento republicano foi feito com documentação secundária. Vários
trabalhos, dos quais destacamos o de Bueno (1995 e 2003) e Burns (2003), foram
utilizados. Para a tarefa de reconstrução de certas idéias e posicionamentos
próprios de Rio Branco, que no decorrer da pesquisa se mostrou necessária,
usamos alguma documentação primária, mas em sua maioria biografias, como a de
Rubens Ricupero (2000) e a de Álvaro Lins (1996).
Nesse artigo, após apresentarmos o movimento de aproximação entre Brasil e
Estados Unidos nas primeiras décadas da Primeira República, trabalharemos a
estabilização de Nabuco no cargo de embaixador e seu relacionamento com Rio
Branco, seguido da análise do processo de construção das suas concepções
políticas internacionais e as possibilidades que enxergava para a ação da
política externa brasileira.
O processo de aproximação entre Brasil e Estados Unidos no início da Primeira
República
A criação da primeira embaixada brasileira em Washington em 1905,
materialização do relacionamento preferencial que o ministro das Relações
Exteriores, Rio Branco, projetava ter com os Estados Unidos, se insere dentro
de um movimento nacional mais amplo. De fato, esse acercamento remonta à
proclamação da República, quiçá ao final da época imperial. Há de se fazer
referência, no entanto, ao fato de que o chamado "espírito de cordialidade" que
alguns escritores erroneamente atribuíram para todo o século XIX, na realidade
é uma caracterização correta para um período mais recente3, as últimas décadas
do Império. Tendo ocorrido alguns atos amenos como a solução de alguns
imbróglios diplomáticos como o caso Webb em 1869, a votação do Congresso
Americano em 1872 pela isenção do pagamento de direitos sobre o café e a viagem
de Dom Pedro II às comemorações do centenário da independência norte-americana
em 1876, fertilizou-se o terreno da onde, com o início da República, brotaria
um relacionamento mais estreito.
Com a proclamação da República em 1889 e os primeiros passos de uma ação
internacional pautada no manifesto de 1870, nascia uma visão estreita dos
relacionamentos continentais que tendia a se basear no princípio de
solidariedade a partir da similaridade institucional. Essa corrente bradava:
"somos da América e queremos ser americanos"4 e buscou intensificar relações
com todo os países vizinhos num projeto cujo objetivo era se distanciar de tudo
o que Império representava. Acreditava-se que o regime republicano, enquanto
evolução do Novo Mundo, não deveria vincular o país à Velha Europa. Era
necessário repensar a inserção internacional do Brasil a partir do próprio
continente, pressupondo uma fraternidade entre os países americanos.
Esta tendência foi se atenuando com a imposição de uma realidade internacional
diversa da idealizada, pautada por interesses nacionais concorrentes entre as
unidades políticas, especialmente aquelas com as quais se faz fronteira. Mas
enquanto esse processo de conscientização estava em curso, motivados por
atitudes republicanas ingênuas e fracas, os Estados Unidos se aproveitaram de
modo hábil para marcar terreno econômico e político importante no Brasil,
primeiro conseguindo obter o Convênio Aduaneiro de 1891 e, segundo, utilizando
os acontecimentos da Revolta da Armada de 1893 para se mostrarem como
protetores do novo regime.
Como pano internacional dessa política de aproximação há de se fazer referência
ao momento interno e externo que possibilitou aos Estados Unidos, já no
crepúsculo do século XIX, surgirem como uma potência mundial. Por essa época
eles já podiam ser definidos como o primeiro país industrial e manufatureiro do
mundo5, garantindo espaço na corrida imperialista que caracterizava o período
ao determinarem a América Latina como a sua área lógica de expansão política e
comercial. O desenvolvimento industrial norte-americano e as suas conseqüências
sociais acabaram, com o desencadear de um movimento progressista,
reestruturando os objetivos externos da nação e possibilitando a ascensão de
Roosevelt e de outras personalidades que viriam a dominar o cenário político
desse país nas primeiras décadas do século XX. Nesse bojo, reeditou-se a
doutrina Monroe em duas frentes: uma baseada num corolário agressivo, que
pretendia determinar a sorte (ou a má sorte) dos países do continente que
infringissem as regras de segurança norte-americana, baseadas na estabilidade
política da região e na prevenção contra ingerências européias6, e outra, soft,
que a utilizava como filosofia aglutinadora do pan-americanismo para amenizar
as descortesias provocadas pelos ensaios imperialistas da primeira frente7.
É pelo prisma desse quadro internacional, inserido no referido histórico
nacional, que analisamos os objetivos e as características da política de
aproximação implementada por Rio Branco com essa nova potência. Usando como
argumento as comparações possíveis entre os dois países como território,
população e diferenças substantivas com os vizinhos, Rio Branco apoiou grande
parte das pretensões dos Estados Unidos no continente. Fez isso quando percebeu
a utilidade de se ter esse país a favor ou, pelo menos, não tê-lo contra8, a
partir dos imbróglios diplomáticos de 1903 com o Bolivian Sindicate, consórcio
de capitalistas norte-americanos e ingleses, especuladores de Wall Street e da
City de Londres, ao qual a Bolívia cedeu poderes praticamente soberanos de
administrar, policiar e explorar recursos naturais de uma região do Acre com
fronteira indefinida com o Brasil. Em oposição ao medo do imperialismo norte-
americano, Rio Branco afirmava a incoerência de qualquer das ações do corolário
Roosevelt interferir, ao sul do continente, na soberania brasileira, sendo, o
nosso, um país ordeiro e responsável. Diria "não vejo motivos para que as três
principais nações da América do Sul, o Brasil, o Chile e a Argentina, se
molestem com a linguagem do Presidente Roosevelt (...) ninguém poderá dizer com
justiça que elas estão no número das nações desgovernadas ou turbulentas que
não sabem fazer bom uso da sua independência"9
Assim, buscou utilizar tal aproximação como trunfo na viabilização do que
considerava os interesses nacionais primários, como a garantia do modelo
agroexportador pela intensificação do comércio cafeeiro10 (os Estados Unidos
eram nossos mais importantes compradores), a solução de litígios
fronteiriços11, o alcance de uma preponderância na América do Sul12, bem como
prestígio e reconhecimento mundial. Elevava, assim, aqueles ensaios
rudimentares de relacionamento com os Estados Unidos do início da República até
o seu ápice, não descartando nunca, no entanto, as relações com os países sul-
americanos e com a Europa.
Nabuco embaixador em Washington: receio, aceitação e ação
Quando Rio Branco convidou Nabuco para ocupar o recém-criado cargo de
embaixador, dando corpo a um dos eixos essenciais da sua política externa, o
fez reconhecendo o antigo amigo como um diplomata completo para tal empresa,
seja intelectualmente, já como adepto do monroísmo, seja fisicamente, pelo seu
porte europeu, além de ser detentor de grande prestígio nacional13. De seu
lado, Nabuco, conhecido por seu europeísmo, não se entusiasmou "desde o
primeiro instante"14 com o cargo como afirmam alguns. Na verdade, relutou um
pouco a sua aceitação por ter que abandonar seu posto, de inegável prestígio,
como ministro em Londres e pela desconfiança de que o ato tivesse somente um
caráter formal, sem uma política estruturada de longo prazo15. Aceitava-o, no
entanto, alegando obrigação patriótica16. Mas após iniciar seus trabalhos em
Washington e apresentar suas credenciais à Roosevelt, que geraram repercussão
muito positiva na opinião pública norte-americana17, começava a reavaliar seus
primeiros receios e a enxergar um melhor horizonte para a sua tarefa. Ia
surgindo o vislumbre de amplas possibilidades de ação em um cargo de tal forma
inédito e em um país que caminhava para uma ascendência mundial única no
continente americano. Já reconhecendo a importância da criação, Nabuco diria:
"Considero data 24 de maio de 1905 [dia em que entrega pessoalmente à Roosevelt
suas credenciais de embaixador] tão grande nossa ordem externa quanto 13 de
maio 1888 nossa ordem interna [dia da assinatura da Lei Áurea]"18.
Como parte de uma geração que perdia suas referências políticas em meio ao
desmoronamento do mundo construído durante todo o século XIX, primeiro com o
esgotamento da causa abolicionista, depois com a queda da monarquia e todos os
outros processos que tomavam lugar no plano mundial, entre eles a perda da
centralidade européia, o novo fôlego imperialista e o desenvolvimento de
tecnologias que reorientavam noções de tempo e espaço, Nabuco buscava adaptar
novos paradigmas de ação19. Como um monarquista reformador oscilava, na sua
ação e pensamento, entre reformismo e conservadorismo, liberdade e ordem, nação
e cidadania20. Perdido em meio a esse turbilhão de novidades e, por sua própria
opção, estando apartado dos destinos do seu país ao afirmar-se monarquista em
meio republicano, buscou uma nova inserção nesse plano pela via diplomática,
que imaginava vinculá-lo tanto a uma esfera autônoma, distante das tensões
partidárias, quanto impassível de crítica, como acreditava ser a defesa dos
interesses do Estado brasileiro, e não do seu regime, perante o mundo. É nesse
desígnio que aceita trabalhar pela república ainda monarquista, como que numa
fase de adaptação21, e encontra uma causa legítima pela qual lutar, a
aproximação do Brasil com os Estados Unidos. Assume ela da mesma forma que
havia assumido outras no passado e, mesmo não desenvolvendo similar cabedal
teórico e prático, com a mesma volúpia.
Nabuco, no início de 1905, já incorporara seu novo cargo nos dizeres "sou
chamado a criar esse papel"22. Nas palavras de Luis Viana Filho, o embaixador
pretendia "fazer jogo próprio"23 e, com esta postura cada vez mais propositiva,
surgem os primeiros conflitos com Rio Branco, sejam eles de ordem pessoal ou
política, sempre em torno dos direcionamentos que devia seguir o projeto de
aproximação com os Estados Unidos e os meios para se obter dela resultados
significativos. Nabuco queria ver garantida sua autonomia de ação à frente da
embaixada. Assim, quando Rio Branco em 1906 foi convidado pelo novo presidente
Afonso Pena para continuar no cargo de ministro, Nabuco dirá: "Vejo que você
será o ministro. Pelo país estimo, pois você é uma força ao serviço da dele
(...) por mim na parte que me é direta felicito-me, pois você não me
desconfessará e me dará liberdade de ação, sem a qual nada posso fazer pela
amizade Americana"24.
Nabuco, em pouco tempo, definira para si próprio que o Chanceler, depois de ter
dado força à política de aproximação, não lhe dava a devida continuidade. Na
correspondência ativa de Nabuco pode-se notar claramente esse descontentamento
desde que assumiu seu posto em Washington. Várias cartas mostram uma
inquietação proporcionada pelo silêncio de Rio Branco quanto a política a ser
seguida em Washington, tanto de maneira geral quanto em situações específicas.
Confessará à Graça Aranha: "O Rio Branco, esse, não me escreve, nem me diz
nada, de modo que não posso conjecturar coisa alguma quanto aos planos e
pensamento dele".25
Isso é notório nos primeiros momentos de embaixada26, por ocasião da
organização do Congresso Pan-americano de 1906 que se realizou no Rio de
Janeiro27 e, de modo geral, Nabuco reclamaria da falta da correspondência
pessoal e atenção de Rio Branco para com ele próprio durante todo o tempo que
atuou na embaixada28. A percepção de Nabuco sobre a situação era a de que
estava apartado das diretrizes políticas de Rio Branco. Sendo assim, tendia a
formular de maneira cada vez mais detalhada suas concepções sobre o
relacionamento continental e o meio internacional e aplicá-las sempre que
possível dentro da ótica geral, que sabia estar aceita, de uma política de
aproximação com os Estados Unidos.
A influência mais direta de Nabuco na política externa brasileira se deu pelo
efeito irreversível causado pelas suas ações diplomáticas que chegaram ao
conhecimento da opinião pública e ganharam repercussão. Quando Nabuco agia numa
certa direção frente a determinado assunto ou evento internacional, gerando
publicidade, sua ação acabava adquirindo o caráter da política externa do
governo brasileiro, um tom oficial. Era como uma ação sem volta que imprimia
num ato a marca desse seu protagonista e, mesmo que isso não estivesse
completamente de acordo com o pretendido pelo governo, ela era percebida e
gerava repercussões enquanto tal.
Isso não foi uma regra de conduta de Nabuco, mas esses atos podemos chamar de
desvios aconteceram e podem ser vistos como a marca mais visível de Nabuco na
política externa brasileira. Os casos mais expressivos são o incidente da
Panther em 1905, um patente desrespeito à soberania brasileira, e os
decorrentes eventos de preparação e realização da III Conferência Pan-americana
de 1906 que se realizaria no Rio de Janeiro com a visita do secretário de
Estado norte-americano Elihu Root. Em ambos os casos, Nabuco deu um tom mais
drástico às idéias de Rio Branco no que se refere ao relacionamento com os
Estados Unidos, incentivando o que chamava de "quase aliança" ou, pelo menos,
buscando que o meio internacional percebesse a relação desses países enquanto
tal.
Nabuco na República: reorientação intelectual e transformação da imagem dos
Estados Unidos
Toda a ação de Nabuco como embaixador esteve informada por uma série de
concepções políticas, formuladas pouco a pouco a partir da reapropriação de
suas experiências de vida. Elas se estruturaram em volta de um liberalismo
humanitário, herdado ainda do combate abolicionista e do seu desdobramento em
questões sociais. Essa época de propaganda e palanques havia também lhe
desenvolvimento a oratória, que, entendida como importante elemento de
mobilização política, foi um dos instrumentos de batalha de seu americanismo. A
par disso, suas viagens à Europa e aos Estados Unidos na década de 1870, como
adido de legação, repensadas anos mais tarde, no mesmo exílio auto-infligido
após a queda da monarquia em que faria suas primeiras incursões analíticas
sobre o papel da potência do norte na política continental, foram também
contribuições importantes.
Seguindo a referência feita por Evaldo Cabral29, podemos dizer que no momento
crítico em que se encontrava apartado dos rumos que seu país ia tomando, seja
interna ou externamente, Nabuco sofria de maneira muito vívida o dilema do
mozombo, isto é, do descendente de europeu ou que a sociedade determina
enquanto tal, fragmentado entre a Europa e a América, na crença de que em algum
momento terá que se decidir por uma das duas civilizações. O contato e a adesão
de Nabuco à Europa haviam lhe fornecido material psicológico suficiente para
sustentar sua vida política por muito tempo, até a abolição e a queda da
monarquia, quando então se viu pressionado a rever conceitos e reestruturar
seus pensamentos. Assim, se seu europeísmo fora monarquista, o processo de
elaboração de seus pensamentos americanos culminou, não por coincidência, com a
sua adesão ao governo republicano.
Esse dilema ganha força a partir da imagem, poderíamos dizer, antinômica, sobre
os Estados Unidos que Nabuco constrói no primeiro contato com esse país, ainda
como adido de legação em 1876, e, depois, como embaixador em 1905. Chegando
como adido a Washington num momento conturbado da política interna do país,
Nabuco tece uma série de críticas fortes à política e aos políticos norte-
americanos. Está, nessa época, já imbuído de influências européias, empolgado
pela centralidade internacional desse continente, sua tradição aristocrática e
monárquica, além das idéias políticas do pensador inglês Bagehot. Encontrava,
no entanto, nos Estados Unidos um povo da mesma raiz racial que os ingleses e,
por isso, com potencialidades latentes, ainda que considerasse que seu meio não
havia proporcionado o desenvolvimento de uma civilização que surpreendesse em
qualquer aspecto.
A partir de 1905, Nabuco, na mesma medida em que ia relativizando a importância
da antiga Europa, influenciado especialmente pela percepção cada vez mais clara
das limitações que se encontrava constrangido em Londres, atuando no meio de um
conflito interimperialista entre grandes potências como chefe da legação de um
país inexpressivo nesse quadro, como era o Brasil, também, ao se tornar
embaixador, tentou encontrar uma diretriz que desse sentido ao seu
posicionamento de aproximação com os Estados Unidos. É com essa necessidade que
tenta determinar um novo papel para esse país, tanto no plano mundial, como
promotor de estabilidade e paz com a subida de Roosevelt ao poder, como no
plano continental, com a administração de Elihu Root no Departamento de Estado
e seu viés pan-americano.
O desenvolvimento econômico e material dos Estados Unidos, as potencialidades
das invenções e a postura de cada indivíduo na busca pelo novo e pelo melhor só
haviam ganhado força com o passar dos anos e Nabuco reconhecia tudo isso. Todas
as características do que poderíamos chamar de "civilização material" menos
importantes para Nabuco se comparadas com o peso histórico do Velho Mundo
(instituições, arte, tradição), estavam, nos Estados Unidos, produzindo frutos,
à vista do nosso embaixador, excepcionais. Elas haviam elevado a posição
internacional do país a um nível muito alto e, apesar de não enxergar, na parte
cultural, qualquer contribuição dos Estados Unidos para o mundo, entendeu que
havia uma outra contribuição tão importante quanto ou maior, que ganhava
perspectiva: a promoção da paz pelo exercício do seu poder. Concorreu
especialmente para isso a forte impressão que lhe causou a mediação de
Roosevelt em 1904 que pôs fim à guerra Russo-Japonesa30. A partir daí definiu
para si qual era a função dos Estados Unidos no mundo. Assim que assume o cargo
de embaixador escreverá a Roosevelt "Eu peço que V.Ex. gentilmente aceite a
expressão de nossa gratificação e comum orgulho americano pela nobre página que
você escreveu na história da civilização. Todo o mundo lerá isso como um
prefácio para uma nova Era de paz (...) Nesse sentido você criou para a
presidência americana uma função que conquistará para ela a hegemonia moral do
mundo, a única que pode ser aceita".31
Nabuco achava que tal reconhecimento poderia trazer benefícios para o Brasil, o
que, dentro do processo ideológico de americanização em que vivíamos no início
do século XX, acabou dando expressão e significação ao que considerava uma
condição modelar da sociedade mais avançada do nosso continente, a norte-
americana.
O litígio anglo-brasileiro de 1904 e a adesão de Nabuco ao monroísmo
Estava, assim, preparado, por essa época, o terreno para a sua adesão ao
monroísmo e ao pan-americanismo, proferidos pelos Estados Unidos como retórica
da solidariedade americana, servindo como uma ideologia associativa do
continente materializada nas conferências de 1889, 1901 e 1906. De fato, o
monroísmo só tomou um caráter essencial nas concepções de Nabuco quando
motivado pelo temor perene de um imperialismo territorial nos rincões
esquecidos do Brasil, fomentado pelo malogro do litígio anglo-brasileiro de
1904 que havia lhe cristalizado a patente fragilidade do país frente a
adversário de tamanho poder. Nabuco achava que para proteger-se do destino que
se aparentava de perder regiões dos interiores do Brasil era necessário
garantir uma aliança com os Estados Unidos como estratégia de dissuasão.
A solução dada pelo rei da Itália, árbitro da disputa fronteiriça entre o
Brasil e a Inglaterra na região da Guiana, representou uma das grandes
frustrações da nossa política externa, apesar do exaustivo trabalho diplomático
realizado por Nabuco, como encarregado da sua defesa a pedido de Campos Sales
em 1899. Havia ficado claro que a Inglaterra, além de ser um Império experiente
em questões desse tipo, tinha influenciado a decisão ao seu favor por sua
condição de potência mundial. Para o embaixador, "em questões com a Inglaterra
(...) um país fraco como o Brasil pode considerar-se vencedor, quando fica com
a metade do que reclamava".32
Esse laudo de 1904, precedente perigoso nesse estado de coisas, acabou de
cristalizar em Nabuco a adesão ao monroísmo33, tendo a questão territorial como
sua maior preocupação. Ele havia combinado dois pontos essenciais para Nabuco:
a ameaça territorial e/ou colonial européia e a idéia de dois mundos, o europeu
e o americano, distintos em suas visões. A doutrina Monroe deveria ser, assim,
seriamente aceita "como a fórmula exterior da independência do nosso
continente, como a lei da nossa órbita internacional à parte da do Velho
Mundo"34. Para o Brasil, em particular, ela deveria representar um grande
interesse nacional, já que vivíamos em um período histórico em que as antigas
ficções de direito iam perdendo terreno, e a força, justificada pelo progresso
material que ela desenvolve por toda a parte, avança sempre. Para o Brasil, "um
mundo sobre o qual cada dia mais se dirigem as cobiças das nações que têm fome
de terra, das raças que precisam expandir-se"35, sem recursos de poder que
pudessem ao menos se colocar perto da magnitude do problema, Nabuco só
enxergava a sobrevivência da nação na habilidade de nossa política externa. "A
doutrina de Monroe só é uma defesa contra os estrangeiros bona fide,um
interdito possessório. Digo que é só isso, mas isso já é sem preço, pois este
abrigo criou a segurança, com toda a sua influência benéfica no desenvolvimento
de nações que estão, como as nossas, na fase de crescimento natural".36
O monroísmo tem na política externa norte-americana uma forte relação histórica
e conceitual com o pan-americanismo e com sua doutrina alternativa, o latino-
americanismo, que são dois momentos, um do século XIX outro do século XX, de um
mesmo intento de aproximação entre os países americanos, ainda que com
peculiaridades contrárias. Se o latino-americanismo, pensamento essencialmente
político para a defesa e união hispano-americana, nunca vingou no continente
apesar das recorrentes tentativas desde Bolívar37, o pan-americanismo, proposta
de união continental que camuflava um cunho fortemente econômico, ganhou força
especialmente ao ser levantado pelos Estados Unidos ao fim do século XIX e ter
o apoio de países como o Brasil. Encontrava resistência, no entanto, em vários
países sul e centro-americanos, uma vez que sempre fora percebido como envolto
em uma áurea de semblante imperialista38.
Estrutura do sistema internacional e o lugar do Brasil
No momento em que assume o conceito de monroísmo nos dizeres "manifesto-me
monroísta"39, Nabuco faz uma nítida divisão entre o mundo europeu e o mundo
americano, não só em termos políticos, mas também civilizacionais40, já que a
doutrina proporcionava uma identidade e interesse comum de desenvolvimento,
proteção e união ao continente, uma espécie de "aliança moral"41. Concebe então
um sistema americano que deveria ter como líder os Estados Unidos, visto que
era o país mais evoluído e mais bem inserido na high politic internacional como
uma potência emergente.
Nabuco percebia esse agrupamento coeso como um ator internacional e sinalizava
a existência de outros como ele, só que caracterizados como blocos de países e
regiões, unidos, seja por alianças ou dominação colonial, tendo como suporte às
novas tecnologias do momento e encabeçados pelas mais importantes potências
imperialistas. Juntas, essas unidades seriam a própria estrutura do sistema
internacional. Tal estrutura aparece de forma geral nos dizeres de Nabuco para
o secretário de Estado norte-americano: "a influência benéfica dos Estados
Unidos na história é provada pela existência, pela primeira vez, de uma grande
zona Neutra, como é toda a América independente, inclinada para a paz, ao lado
de uma outra massa (a Europa formando agora por controle, alianças, etc., um
todo com a África e a Ásia) inclinada para a guerra, real ou eminente".42
O surgimento desse mundo multipolar, incentivado pela queda da centralidade
européia com a ascensão de novos atores internacionais de peso, teria como
principal característica a complementaridade entre a paz e a beligerância,
característica dos dois blocos mais importantes, respectivamente o americano e
o europeu.
Para que o bloco americano ganhasse cada vez mais expressão internacional seria
necessário que todos os países que o compusessem alcançassem um desenvolvimento
material e político parecido com o do seu tutor, os Estados Unidos. Nesses
termos Nabuco realizava uma fragmentação sociocultural entre a América saxônica
e a América latina, distanciadas durante muito tempo por um temor latino e a
indiferença norte-americana. Segundo Silveira essa fragmentação representava
uma diferenciação entre estágios de desenvolvimento, estando a norte-americana
em um degrau bem superior43. O contato dos menos desenvolvidos com essa alta
civilização seria de grande benefício para os primeiros já que "a América
Latina (...) se impregnaria, em medida diversa, do vosso otimismo, intrepidez e
energia".44
Nabuco exercitava, nessa perspectiva, a construção de uma identidade nacional
referida na civilização norte-americana como característica dessa nova fase de
vida, algo que se mescla com os próprios rumos da cultura brasileira da época.
Dentro desse entendimento amplo de como se projetava o continente americano
internacionalmente e do terreno onde os relacionamentos entre seus países
deveriam se desenvolver, até mesmo com um rumo ideal para seu estabelecimento
em longo prazo, Nabuco concebe uma proposta muito objetiva sobre como o Brasil
deveria se situar nessa configuração. Para o embaixador era essencial conseguir
uma forte e exclusiva proximidade com os Estados Unidos, no intuito de garantir
o já mencionado eixo de segurança estável45, para então servir como
interlocutor deste país com a América Latina. A assunção de tal "cargo" seria
favorecida por fatores históricos, já que o Brasil havia demonstrado em várias
ocasiões uma identificação com o ideal de solidariedade americana46, o que o
colocava como um aliado preferencial e tradicional dos Estados Unidos na busca
pela unidade dos dois mundos americanos, o do norte e o do sul.
Essas visões incentivam para Nabuco a busca de um bilateralismo radical e
desenhavam certa "inevitabilidade" da relação Brasil-Estados Unidos que estaria
presente no seu discurso até o final da vida. O embaixador afirma assim que
tinha: "a aproximação entre os dois países como nossa única política externa
possível. Ela vale mais para mim do que quantos Dreadnought possamos construir
(...) Sem ela valeria muito pouco o nosso isolamento".47
Qualquer relutância em assumir esse caminho que o destino reservara à nação
seria um erro político que custaria um alto preço, seja em decorrência do
descarte da doutrina Monroe pelos próprios Estados Unidos, seja pela escolha de
um substituto ao Brasil nesse relacionamento preferencial.
Dentro de toda essa lógica, Nabuco pensava a inserção dos países americanos à
política continental de forma hierárquica48, por nível de desenvolvimento,
importância e comprometimento. Tal inserção deveria ser feita em degraus, sendo
que os Estados Unidos comandariam esse processo. Primeiro pela aceitação do
Brasil, que se encontrava logo abaixo do topo dessa pirâmide. Outras
importantes repúblicas, tais como Argentina, Chile e México deveriam também ter
lugar nesse quadro, mas num momento posterior. E, depois que tal organização
estivesse consolidada e estável49 seria possível a entrada gradual de todos os
outros países americanos na política continental.
Os problemas que poderiam barrar tal movimento de aproximação entre Brasil e
Estados Unidos seriam tanto a indiferença norte-americana, quanto o possível
desdém brasileiro. O primeiro era histórico, mas tendia a se atenuar já que a
postura isolacionista e de indiferença norte-americana estava em declínio por
conta do momento expansivo que esse país vivia. O que permanecia como resquício
tradicional dela era a repulsa em formar alianças e por isso ainda não havia
chegado o momento de criar uma com o Brasil. Essa entente, como Nabuco a
chamava, só poderia ser criada "cá e lá, sendo longamente preparada de antemão
por esforços como os meus".50 O grande medo de Nabuco, no entanto, era que o
monroísmo, eixo dessa aproximação, praticamente um dogma nacional, poderia
deixar de sê-lo com o tempo e, "nesse dia ai de nós, se a nossa amizade não
estiver já bem cimentada".51
O outro problema, esse dos maiores, por que interferia diretamente na política
tentada por Nabuco a frente da embaixada, dizia respeito à postura brasileira
sobre a aproximação com os Estados Unidos. Achava que era possível que o
governo brasileiro, leia-se especialmente Rio Branco, tivesse utilizado a
embaixada de maneira publicitária e a promoção internacional obtida pelo Brasil
lhe teria sido suficiente, sendo que nenhuma política mais coerente, ampla ou
sistemática estava em seus planos. Nesse sentido Nabuco reclama a seu
companheiro e confidente Graça Aranha que, com tentativas de aliança sul-
americanas (referia-se aqui aos desenvolvimentos do pacto ABC) e construção de
grandes armamentos (referia-se aqui à proposta brasileira de 1908 de
rearmamento naval) "mostramos desconhecer a marcha do mundo e não ter o
instinto da nossa própria conservação".52
Da mesma forma que Rio Branco, Nabuco era daqueles que desacreditavam que a
política externa agressiva norte-americana viria a prejudicar o Brasil de
alguma forma. Definitivamente não estávamos no rol das repúblicas mal
governadas da América que necessitavam de uma intervenção corretiva. Ainda
assim Nabuco era contra a prática imperialista de Roosevelt. Na sua visão, o
monroísmo presente nessa política era estreito, por que tinha como objetivo
justificar-se perante a Europa. Diria a Rio Branco: "Note você que eu não
acompanho as idéias de Mr. Roosevelt sobre a ocupação norte-americana, ou
outra, de alfândegas, etc., de países sul-americanos. O meu monroísmo é mais
largo e não me prende a esses expedientes que ele imagina para "justificar" (é
a expressão de Mr. Root, "expedientes" é a minha) a doutrina Monroe perante a
Europa, a qual o aperta todos os dias por causa desta "doutrina" e sempre em
torno da Venezuela".53
Mesmo com essa crítica, para Nabuco, os Estados Unidos representavam uma opção
alternativa e não a corrente geral ou compulsória da época. Realmente era a
Europa de 1905 que tinha as significações mais fortes de imperialismo,
unilateralismo, belicosidade, etc. De modo algum uma política de aproximação
com os Estados Unidos era, em princípio, uma sujeição, ainda que pudesse ser
trajada com tal conotação. É certo que alguns elementos perigosos dessa
aproximação já estavam presentes àquela época, mas eles ainda se encontravam
diluídos e de forma alguma carregavam o ranço que ganhariam no decorrer do
século XX. Os Estados Unidos apareciam, assim, por vezes, como um amigo ou
modelo a ser seguido, representando a alternativa antiimperialista54.
As táticas utilizadas por Nabuco e Rio Branco nesse trajeto de aprofundamento
dessa aproximação foram diversas. A primeira, pela recorrente propaganda de
diferenciação do Brasil em relação aos povos hispano-americanos, tentava
convencer os norte-americanos dos bons auspícios que poderiam trazer ligação
estreita com os brasileiros. Já o segundo se baseava na clássica política de
interesses e poder55. Ambos tentavam garantir seus objetivos por esses meios.
Nesse embate de dupla face, onde a política e a vaidade caminhavam juntas, a II
Conferência de Paz de Haia de 1907 exporia, por fim, o equívoco da proposta de
Nabuco.
Incorporando, no âmbito mundial, interesses diversos daqueles que norteavam
suas ações e alianças no âmbito continental, os Estados Unidos entraram em
vários conflitos de interesse com a delegação brasileira na conferência
presidida por Rui Barbosa, abalando as suas relações bilaterais56. Rio Branco
se aplicou, a partir daí, em desenvolver uma política regional de aproximação
com a Argentina e o Chile, não havendo nela, no entanto, qualquer intenção de
afrontar a posição norte-americana no continente57. Pretendia diversificar a
política externa brasileira e criar um poder mais bem organizado para resolver
as questões que se apresentassem na América do Sul. Mas se os equívocos de
Nabuco ficaram patentes em 1907, em 1908 os de Rio Branco também ficariam. Após
os constrangedores combates com o ministro do exterior argentino Estanislau
Zeballos, seja por conta das tarifas aduaneiras preferenciais dadas aos Estados
Unidos, o rearmamento naval brasileiro ou a adulteração do telegrama nº958, Rio
Branco reconhecia a impossibilidade de aproximação com a Argentina e a
concretização de uma relação estável entre os países vizinhos59. Era necessário
continuar cultivando a frente já aberta de aproximação com os norte-americanos.
Conclusão
Como fica subscrito nas muitas críticas que o diplomata Oliveira Lima faz à
atuação de Nabuco durante todos os seus anos como embaixador em Washington,
afirmando em tom cínico que o amigo havia ficado "too American, como em Londres
fora too British, na Itália too Roman e na França seria too French"60, não
houve atenção aos problemas que poderiam trazer a adesão incondicional à
política externa norte-americana, especialmente no que concerne ao prejuízo que
ela traria aos relacionamentos com os países sul-americanos, com os quais era
imperativo ter relações minimamente cordiais, e com a Europa, nossa principal
fonte de investimentos à época, ainda um forte poder mundial. De fato, o
embaixador se doou totalmente a uma proposta que não tinha garantias de
retorno. Ainda assim, fica evidenciado para nós que as concepções de Nabuco não
foram, de todo, ingênuas. Trabalhando no âmbito do que considerava os
interesses nacionais brasileiros, balizados no princípio de proteção
territorial, tentou praticar uma política externa ativa de acordo, uma entente
com a potência do continente, caminho que considerava mais adequado à realidade
de um imperialismo territorial agressivo que caracterizava o meio internacional
da época.
Esse sentido que Nabuco tentou imprimir à política externa brasileira foi
contido em grande parte por Rio Branco. Sendo um intérprete drástico da
política de aproximação com os Estados Unidos, Nabuco fazia a primeira espécie
de movimento ao qual se referia em seu diário ainda em 1877, transcrito como
epígrafe do nosso artigo, aquele que é pura agitação. Todos os jantares,
discursos, recepções, amizades e convencimentos não garantiram a realização
aquele desejo íntimo, externalizado como anseio nacional, de um entendimento
perfeito, uma quase aliança, uma entente, com a grande potência do continente,
irradiadora de uma civilização que acreditava mais elevada, materialmente e
espiritualmente. A Conferência de Haia lhe daria um choque de realidade. A
verdade transparecida em ocasiões-chave como essa, repetidas com intensidades
variadas durante os cinco anos em que Nabuco viveu no observatório de
Washington em meio ao turbilhão de transformações que se operavam no continente
americano e no próprio meio internacional, era que nenhuma das duas partes
envolvidas em tal processo de aproximação estava preparada para fazer as
concessões necessárias que exigiam o tipo de relacionamento que o embaixador
pretendia.
Mas Nabuco fez também parte daquele outro movimento, o de que poucos têm
consciência, mas o único que teria algum efeito na realidade. Ele o reconhecia.
Enxergava a evolução de longa duração na qual estava imerso. Não havia entrado
em cena no seu início, marcado pela instauração do regime republicano, mas
participava de algum dos seus atos, tentando improvisar uma ação mais
duradoura. É difícil precisar em que medida obteve êxito nesse seu intento,
todavia é categórico que foi interlocutor de parte da elite e da opinião
pública da nação brasileira e caminhou cerrando fileiras junto com outras
personalidades do período, ainda que fosse a mais drástica delas, por um tipo
de política continental que entendia ser a melhor para o Brasil.
1 Este artigo é extensivamente baseado na dissertação de mestrado do autor,
intitulada A Política Externa da Primeira República e os Estados Unidos: a
atuação de Joaquim Nabuco em Washigton (1905-1910), defendida em 2005.
2 LINS, Álvaro. Rio Branco; Biografia pessoal e História política. 3º edição.
São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1995, p. 395.
3 HILL, Laurence F. Diplomatic Relations Between the United States and Brazil.
Nova York: AMS Press Inc., 1971, p. 259; COSTA, João Frank da. Joaquim Nabuco e
a Política Exterior do Brasil. Rio de Janeiro: Gráfica Record Editora, 1968, p.
146. Y
4 Apud BELLO, José Maria. História da República. 4ª edição. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1976, p. 17.
5 MORISON, Samuel E. e COMMAGER, Henry S. História dos Estados Unidos da
América. Tomo II. Edições Melhoramentos, s.d., p. 275.
6 ATKINS, Pope G. América Latina en el Sistema Político Internacional. Buenos
Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1991, p. 164.
7 Cf. SMITH, Joseph. Unequal Giants; diplomatic relations between the United
States and Brazil, 1889-1930. University of Pitsburg Press, 1991, p. 35.
8 Cf. BUENO, Clodoaldo. Política Externa da Primeira República; Os anos de
apogeu de 1902-1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 320; SMITH, op. cit., p.
43.
9 Despacho reservado para Washington Rio Branco a Gomes Ferreira, 31/01/1905
(AHI).
10 Despacho reservado para Washington Rio Branco a Gomes Ferreira, 31/01/1905
(AHI).
11 BURNS, Bradford E. A Aliança não escrita; O Barão do Rio Branco e as
Relações Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: EMC Ed., 2003, p.213-214;
BANDEIRA, Moniz. A Presença dos Estados Unidos no Brasil (dois séculos de
história). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973, p.170. Y
12 BURNS, op. cit., p.65.
13 LINS, op. cit., p. 320.
14 ANDRADE, Olimpio de Souza. Joaquim Nabuco e o Brasil na América. 2º ed.
rev., São Paulo: ed. Nacional, 1978, p.31.
15 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 2/2/1905, grifo no original
(Fundaj).
16 NABUCO, C. A Vida de Joaquim Nabuco. 4º ed. rev. Rio de Janeiro: José
Olympio Editora, 1958, p. 400
17 Evening Star, 24/05/1905.
18 Apud COSTA, op. cit., p. 76.
19 NOGUEIRA, Marco Aurélio. As desventuras do Liberalismo Joaquim Nabuco, a
Monarquia e a República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p.148.
20 SALLES, Ricardo. Joaquim Nabuco: um pensador do Império. Rio de Janeiro:
TOPBOOKS, 2002, p.27-28.
21 Cf. Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 15/01/1905 (NABUCO, Joaquim.
Obras Completas de Joaquim Nabuco XIV Cartas a Amigos; Vol II. São Paulo:
Instituto Progresso Editorial S.A., 1949, p. 207 essa nota será identificada
como Cartas II daqui para frente).
22 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 02/02/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
207).
23 VIANA FILHO, Luís. A Vida de Joaquim Nabuco. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1952, p. 299.
24 Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 12/10/1906 (AHI).
25 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 21/6/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
219).
26 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 21/6/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
219).
27 Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
237).
28 Cartas de Joaquim Nabuco a Graça Aranha de 21/06/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
217-219), 2/2/1906 (NABUCO, Cartas II, p. 242) e 12/11/1908 (NABUCO, Cartas II,
p. 321); Carta de Joaquim Nabuco a Cardoso de Oliveira de 22/10/1909 (Fundaj).
29 NABUCO, Joaquim. Minha Formação. 13ª edição, Rio de Janeiro: TOPBOOKS, 1999,
p.12.
30 NABUCO, Joaquim. Discursos e Conferências nos Estados Unidos.Trad. De Arthur
Bomilcar. Rio de Janeiro: Benjamin Aguila, s/d, p. 168.
31 Telegrama de Nabuco a Theodore Roosevelt, 30/08/1905 (AHI).
32 Carta de Joaquim Nabuco [1904]. Proc. desconhecida. (Fundaj).
33 COSTA, op. cit, p.48-49.
34 Ofício de Washington Nabuco para Rio Branco, 30/05/1905 (AHI).
35 Carta de Joaquim Nabuco a Nilo Peçanha, 15/10/1906 (Fundaj).
36 Entrevista de Nabuco ao Chicago Tribune de 10/07/1905 (AHI).
37 Cf. CASTILLO, Joaquim Santana. Identidad cultural de un continente
Iberoamérica y la América Sajona. Desde la Doctrina Monroe hasta la Guerra de
Cuba. Habana: AUNA-CUBA, s/d., p. 24.
38 LIEUWEN, Edwin. U.S. Policy in Latin America: a short history. New York:
Frederick A. Praeger, publishers, 1966, p. 52.
39 Carta de Joaquim Nabuco a Gastão da Cunha, 14/12/1905 (Fundaj).
40 Cf. SILVEIRA, Helder Gordim. Joaquim Nabuco e Oliveira Lima: faces de um
paradigma ideológico da americanização das relações do Brasil. Porto Alegre:
PUCRS, 2000 (Tese de Doutorado), p. 149.
41 NABUCO, op. cit., s.d., p. 146-147.
42 Carta de Joaquim Nabuco a Sr. Hay, 21/06/1905 (AHI).
43 SILVEIRA, op. cit., p.253.
44 NABUCO, op. cit., s/d, p.143.
45 Carta de Joaquim Nabuco a Rodrigues, 16/07/1908 (Fundaj).
46 NABUCO, op. cit.s/d., p.133.
47 Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da Silveira, 31/10/1908 grifo no
original (Fundaj).
48 BUENO, op. cit., 2003, p. 167.
49 Carta de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 21/07/1906 (Fundaj).
50 Carta reservada de Joaquim Nabuco a Ilanir da Silveira, 31/10/1908 (Fundaj).
51 Carta confidencial de Joaquim Nabuco a Barbosa Lima, 07/07/1907 (NABUCO,
Cartas II, p. 277).
52 Carta de Joaquim Nabuco a Graça Aranha, 28/09/1908 (NABUCO, Cartas II, p.
315).
53 Carta de Joaquim Nabuco a Rio Branco, 19/12/1905 (NABUCO, Cartas II, p.
238).
54 Cf. TOPIK, Steven. As relações entre o Brasil e os Estados Unidos na época
de Rio Branco. In: CARDIM, Carlos Henrique & ALMINO, João (orgs.). Rio
Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil. Rio de Janeiro: EMC, 2002,
p. 424.
55 Cf. RICUPERO, Rubens. O Brasil, a América Latina e os Estados Unidos desde
1930: 60 anos de uma relação triangular. In: ALBUQUERQUE, José A. Guilhon
(org.). Sessenta anos de política externa brasileira (1930-1990): Crescimento,
Modernização e Política Externa. São Paulo: NUPRI, 1996, p. 40-41.
56 BURNS, op. cit., p.159.
57 Telegrama cifrado de Rio Branco a Nabuco, 28/11/1907 (AHI).
58 LINS, op. cit., p.383-389.
59 Telegrama de Rio Branco para Nabuco, 19/06/1908 (AHI).
60 LIMA, Oliveira. Memórias (estas minhas reminiscências...). Rio de Janeiro:
livraria José Olympio editora, 1937, p.212.