O Brasil e a comunidade dos países de língua portuguesa (CPLP)
Introdução
Nos últimos anos, sobretudo com Luiz Inácio Lula da Silva, tem sido crescente a
importância dada pelo governo brasileiro, pelo menos retoricamente, ao
relacionamento com os Estados do hemisfério sul, e, dentro deste, aos membros
que compõem a denominada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Na realidade, os países situados abaixo da linha do Equador jamais deixaram de
ocupar espaço na agenda da política externa brasileira. Com oscilações, é
verdade, como é natural acontecer com a política de qualquer país. Desde os
anos 50 os não-alinhados, o Terceiro Mundo e o Grupo dos 77, marcaram presença
em todo o tempo, embora nem sempre fossem considerados prioritários na pauta da
chancelaria brasileira.
Vários elementos têm de ser levados em consideração. Em primeiro lugar, as
aspirações que um país como o Brasil tem no cenário regional e no contexto mais
amplo das relações internacionais. Em segundo lugar, as diferenças de
conjuntura regional e global que afetam as possibilidades que o país tem para
implementar políticas independentes fora desses contextos. Ligado a esse, a
própria capacidade em termos do poder que o país detém em cada momento. Em
quarto lugar, as divergências internas, com os diversos grupos de pressão, que
influenciam por meio do livre jogo de forças, os rumos das políticas externa e
internacional do Brasil. Por último, mas igualmente importante, o tipo de
regime político vigente, que privilegia uma ou outra ótica de inserção,
permitindo ou não a participação da sociedade na formulação e na implementação
das políticas públicas nacionais em sentido amplo, ou apenas ditando os rumos
da conduta externa, segundo o grupo que está no controle do aparelho de Estado.
Com tantas possibilidades, países como o Brasil, que ocupa lugar privilegiado
não apenas em termos do continente sul-americano, mas como um dos maiores do
planeta, apresentam-se periodicamente com fortes demandas para ocupar espaços
cada vez mais importantes, não apenas geograficamente, mas sobretudo em termos
de projeção política, econômica e estratégico-militar.
É o que ocorre nos presentes anos, quando reclama, com insistência, um lugar
como membro permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas, aproveitando, inclusive, o momento de crise, a reformulação da ordem
mundial e a ampliação do G-8, para tentar ingresso nesse restrito e fechado
grupo. Ou seja, reivindica uma posição em que tenha direito de veto, e não
apenas de voz, um direito de compartilhar, ditar e estabelecer regras, e não
apenas de concordar com as mesmas.
Fosse o Brasil um país com indicadores menos favoráveis, poderia possivelmente
apresentar-se com aspirações mais modestas, apenas de forte inserção regional,
consciente de suas próprias limitações. Entretanto, não é o que ocorre. Na
verdade, nem haveria necessidade de reivindicações dessa natureza porque, pelos
elementos geográficos e econômicos que possui, a projeção regional não precisa
ser colocada em discussão. O Brasil atualmente possui metade da população sul-
americana, com cerca de 187,7 milhões de habitantes, um vasto território com
8.5 milhões de quilômetros quadrados, fazendo fronteiras com 10 nações, e com
uma extensão de mais de 15 mil quilômetros, detém 7.5 mil quilômetros de costa
marítima com mar territorial em torno de 4.5 milhões de quilômetros quadrados.1
Certamente não são fatores desprezíveis, equiparáveis a poucas nações do mundo,
com os quais os governantes já se acostumaram a trabalhar em seus planejamentos
ao longo do tempo e da história nacionais. Por isso, em determinados momentos,
têm surgido propostas para projetar o país de maneira mais ampla, objetivando
ocupar lugar de destaque que muitos consideram ser o destino natural do Brasil.
Assim exercitaria papel não apenas de mero coadjuvante, mas de ator principal
nas relações internacionais, convertendo-se em grande potência e participando
efetivamente do grande jogo, das verdadeiras decisões que fixam os rumos do
mundo.
Nesse sentido a atuação do país, seja em tempos de normalidade democrática,
seja em períodos de exceção, tem procurado alcançar o status de nação
privilegiada, lançando mão de seus indicadores. Isso ocorre, ora com vigor
maior, ora com demandas mais modestas. Às vezes, nota-se o país atuando em
frentes diversas, privilegiando uma participação mais forte em organizações
internacionais ou dedicando-se às relações regionais. Em outras oportunidades,
investe com afinco no intercâmbio com países médios, ou move seu relacionamento
conferindo ênfase nas negociações com as nações com as quais se identifica por
motivos históricos no hemisfério sul ou no continente americano.
Tradições da política externa brasileira: um breve retrospecto
Pautando-se sempre pelo respeito ao Direito e às convenções internacionais, o
Brasil pouco difere daqueles países que consideram a cooperação o caminho mais
indicado para atuar tanto no cenário regional, quanto naquele mais ampliado do
contexto global. Claro que isso não significa dizer que estamos livres de
divergências em planos variados (políticos, econômicos, estratégicos, etc.),
com os vizinhos mais próximos e tradicionais parceiros ou com as grandes
potências mesmo aliadas.
No âmbito latino-americano, o país é um dos poucos que não se envolveu em
conflitos bilaterais ou mais amplos, desde o advento da República. Já se faz
muito tempo quando o Brasil pegou em armas contra um de seus vizinhos, como
ocorreu na Guerra do Paraguai (dezembro de 1864 a março de 1870), quando este
país foi destruído e jamais se recuperou.2
A Segunda Grande Guerra foi outro momento em que militares brasileiros
efetivamente participaram como parte das tropas aliadas contra o Eixo, e
fizeram uso da força. É bem verdade que a literatura sobre esse último episódio
não é uniforme: de um lado, o grande volume de livros exaltando a participação
entendida como gloriosa, dos pracinhas "febianos" (Força expedicionária
brasileira), enquanto de outro, observam-se, também, questionamentos sobre o
verdadeiro papel exercido pelos combatentes brasileiros em campos de Itália. 3
Excluindo-se esses episódios, marcados entre si pelo distanciamento temporal de
quase um século, a presença brasileira em terras estrangeiras nos anos mais
próximos sempre foi em missões internacionais. Ora atendendo ao chamado de
instâncias regionais, como a Organização dos Estados Americanos (Força
Interamericana de Paz na República Dominicana em 1965), ora em outras ocasiões,
sob o manto da Organização das Nações Unidas, nas missões de paz em territórios
africanos, no Oriente Médio, e na atual década com a Missão das Nações Unidas
para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).4
No relacionamento do país com seus parceiros do cone sul, divergências bastante
acentuadas se verificaram, fundamentalmente com a Argentina, algumas vezes com
nível de tensão acima do normal, como ocorreu na época da construção da
barragem de Itaipu nos anos 70.5 Em outros momentos, discordâncias têm sido
observadas em torno de disputas comerciais, pela não coincidência de como deva
ser conduzido o processo de integração do Mercado comum do sul (Mercosul), ou
pela pretensão de ambos os países a uma vaga do Conselho de segurança da ONU.
Fatos dessa mesma natureza, porém, seguramente fazem parte do quotidiano das
nações, independentemente de terem fronteiras contíguas. Isso acontece porque
disputam influências regionais, cada uma utilizando-se de seus recursos da
melhor forma possível para aferir vantagens e ter aumentada sua capacidade de
barganha bilateral, e talvez por uma possível hegemonia local.
De resto, mesmo o aumento do espaço brasileiro, ao longo de sua história, tem
sido feito de maneira arbitrada. Vale lembrar aqui a última ampliação quando o
território do Acre foi anexado ao Brasil, no início do século XX, tendo à
frente da chancelaria o Barão do Rio Branco. Claro que ainda hoje, depois de
tanto tempo, a forma como o país atingiu sua atual configuração geográfica é
motivo de observações. Por exemplo, em 2006, o presidente boliviano Evo Moralez
bradava contra o "imperialismo brasileiro", reclamando que o Acre teria sido
comprado em troca de um cavalo. (GARCIA et al, 2006)6
Em verdade, houve oportunidades, por exemplo no regime militar (1964-1985), em
que a diplomacia brasileira, atuando em conjunto com as Forças Armadas, pensou
a atuação nacional de maneira bastante agressiva no âmbito regional. Apoiada no
que se chamou "teoria do cerco", em que regimes hostis poderiam representar
perigo à segurança nacional, pensou-se na neutralização dos governos vizinhos
como o Uruguai, a Bolívia e o Chile, seja diretamente, seja auxiliando por
aparatos repressivos.
Aqueles foram momentos excepcionais, em que o denominado "sistema" (comunidade
de segurança e informação), ligado ao núcleo duro da repressão, exercitou maior
influência, elaborando o plano "Trinta horas" de ocupação do Uruguai, caso
Líber Seregni, líder da Frente Ampla, ganhasse as eleições de 1971, na ajuda
para a deposição do presidente boliviano Juan Jose Torres Gonzáles e na
ascensão de Hugo Banzer no mesmo ano, além de participação no evento que
culminou com a deposição e a morte do presidente chileno Salvador Allende.7
Ambições o país sempre apresentou, mesmo nos anos 1920 quando já reivindicava
vaga como membro permanente do Conselho de Segurança da Liga das Nações, tendo-
se retirado da mesma em 1926 ao perceber que não conseguiria seu intento.8
Pode-se afirmar, porém, que as discordâncias brasileiras, com quaisquer nações
que possam ser lembradas, foram sempre dirimidas por meio de um mediador do
Direito e das normas estabelecidas pelas organizações internacionais, por
exemplo, como se verifica hoje na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Diferenças de pontos de vista nas organizações regionais desde a Associação
Latino-americana de Livre Comércio (Alalc), Associação Latino-americana de
Integração (Aladi), Mercosul, Organização do Tratado de Cooperação Amazônica,
etc., sempre foram resolvidas por meio de negociações. O mesmo método é
utilizado para a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e o Conselho de
Defesa Sul-Americano.
O fato de o país assim se comportar, não significa dizer que a diplomacia
brasileira sempre agiu pensando no bem-estar geral de todos, mas o fez
defendendo seus próprios interesses, nem que, para isso, tivesse de manter
posturas dúbias e pouco confiáveis, inclusive em momentos de crise.
A forma como foram conduzidas as negociações que culminaram com os recursos
necessários para a construção da indústria siderúrgica brasileira no pré-
Segunda Guerra Mundial servem como um claro exemplo do "pragmatismo" adotado
pelas autoridades há bastante tempo, e não apenas como ficou conhecida tal
terminologia no governo de Ernesto Geisel. Naquele momento, a duplicidade de
comportamento adotada pelo presidente Getúlio Vargas em pleno Estado Novo
(1937-1945), entre a Alemanha e os Estados Unidos da América, davam mostras de
que os interesses nacionais - não importa qual interpretação que a eles se
possa dar, se bons ou não - já se encontravam presentes na escolha dos
parceiros de acordo com as conveniências. (GAMBINI, 1970; SEITENFUSS, 1985)
Proximidade maior com o governo da Casa Branca, algumas vezes identificando-se
estreitamente com as diretrizes de conduta externa norte-americana pode,
igualmente, ser observada em oportunidades distintas, nos anos 1940 (Eurico
Gaspar Dutra), 1950 (Juscelino Kubitschek de Oliveira) e 1960 (Humberto de
Alencar Castelo Branco). Da mesma maneira, distanciamento também pode ser
notado em outros instantes, no primeiro lustro da década de 1960 (Jânio da
Silva Quadros e João Belchior Marques Goulart) ou nos anos 70 (Ernesto Geisel).
Nos anos pós-regime militar, apesar de inúmeras diferenças, principalmente em
torno da questão da informática, das políticas protecionistas, da lei de
propriedade intelectual, e do comércio internacional, o relacionamento
brasileiro/norte-americano pode ser entendido como de extrema cordialidade,
seja no final do governo de José Sarney, com Fernando Collor de Mello, Itamar
Franco, Fernando Henrique Cardoso, seja nos anos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Problemas como esses devem ser entendidos como normais na agenda de qualquer
país, e fazem parte do quotidiano, mas nada que pudesse comprometer seriamente
ou abalar as relações entre Brasília e Washington.
Ao mesmo tempo, o país igualmente não abdicou de operar em nível mais amplo com
as nações em desenvolvimento, em momentos distintos, por considerar que suas
opções deveriam cobrir não apenas uma frente com os Estados industrializados,
mas também outra com os que emergiram livres de suas metrópoles, ou aqueles que
não atingiram o status de desenvolvidos, estivessem eles no próprio continente
latino-americano, em solo africano, ou em terras mais longínquas do Oriente
Médio e do sudeste asiático.
Por isso, a diplomacia brasileira buscou equilibrar-se entre o que era
denominado primeiro e o terceiro mundos. Às vezes, agindo nas duas esferas
simultaneamente, procurando, com esse tipo de atuação, auferir benefícios de
ambos os lados.9 Ou então, justamente por causa dessa ambiguidade não conseguia
obter vantagem de nenhum das partes envolvidas, passando a imagem de país não
confiável.
O que se pode dizer é que, na maior parte do tempo, os governos sempre buscaram
agir, de forma pragmática, em nome do que se convencionou chamar de "interesses
nacionais". Claro que nem sempre as interpretações sobre esses conceitos são
coincidentes, nem há concordância de que tais políticas fossem realmente
conduzidas da forma mais adequada, ou a melhor opção para atender os
verdadeiros anseios da sociedade e do Estado brasileiros.
O Brasil, os países em desenvolvimento e as relações sul-sul
Pelo menos desde os anos 1960, o Brasil mantém estreitos vínculos com os países
em desenvolvimento. Vários motivos poderiam explicar essa aproximação e
identificação. Em primeiro lugar, pelo fato de se encontrar no mesmo, ou
próximo, estágio de desenvolvimento da maior parte dos países do mundo, dentro
da divisão proposta em 1954, por Alfred Sauvy, dos três mundos. Em segundo
lugar, sua própria localização geográfica no continente sul-americano, onde as
condições sócio-econômicas sempre estiveram muito aquém das encontradas na
Europa e nos Estados Unidos. Em terceiro lugar, pelas afinidades, por exemplo,
com as próprias nações africanas em virtude do processo de formação da
sociedade brasileira, com um contingente apreciável de habitantes oriundo
daquele continente.10 Em quarto lugar, pelas reivindicações que o país sempre
fez no contexto internacional denunciando as desigualdades existentes entre os
ricos e subdesenvolvidos, como era o seu caso. Por último, o fato de
considerar-se, desde a década de 1920, como país médio, distanciado das grandes
potências, mas com pretensões de ser uma, portanto, tendo necessidade de se
afiliar a grupos - ainda que informalmente - procurando redistribuir o poder
mundial, sendo com isso beneficiado.
Para isso, teria de mostrar simpatias com as nações em desenvolvimento que,
pelas mesmas condições suas, enfrentavam problemas para se afirmar - ou
melhorar - sua inserção internacional, como as ex-colônias. Em conjunto, esses
fatores poderiam, assim, ser mencionados, como responsáveis pela forma como o
país durante muito tempo se posicionou no cenário internacional: pertencente a
América Latina, localizado no hemisfério sul, em estágio de desenvolvimento
insuficiente para ombrear com as grandes potências, com estruturas sociais,
econômicas e políticas um tanto débeis, dependendo do setor agro-exportador em
grande parte para manter razoavelmente sua economia.
Sob esse prisma, mesmo nos debates que se fizeram nos anos 60 e 70 sobre as
condições de subdesenvolvimento a que estava submetido, tanto em termos
governamentais quanto academicamente, a questão das disparidades sócio-
econômicas encontram-se presentes, seja pela publicação de volumosa quantidade
de ensaios e livros, ainda que sob distintas óticas, seja pela influência dessa
perspectiva no planejamento governamental.11
É certo que esse tipo de comportamento não se refletiu de maneira uniforme no
decorrer das décadas. Pode-se dizer, no entanto, que sempre houve uma
consciência precisa das dificuldades encontradas para resolver tanto os
problemas domésticos, quanto para melhorar sua posição no ranking internacional
do poder. Internamente, as disparidades verificadas ao longo do tempo criaram
situações deveras heterogêneas, e que em parte foram retratadas, ainda que não
entendida por todos de forma convincente, em textos como de Jacques Lambert
sobre os diferentes Brasis (LAMBERT, 1972; 1972a). Externamente, a posição
desfavorável usufruída frente aos grandes agentes mundiais sempre limitou a
possibilidade de se fazer reivindicações mais fortes, com chances de sucesso,
em função de duas variáveis: uma, a falta de poder (econômico, político e
militar) e, em segundo lugar, a inexistência de chances propiciadas pelos
grandes parceiros.
Restou pouco, portanto, além da afiliação a grupos e da aproximação a países
com características semelhantes às verificadas no território nacional. Partir
desse principio, entretanto, não assegurava uma atuação uniforme com os demais
membros sudesenvolvidos da comunidade internacional. Em primeiro lugar, porque
eram restritos os elementos que os uniam: eram todos dependentes, pobres, e
necessitavam portanto de aportes internacionais. Em segundo lugar, encontravam-
se em estágios diferenciados de desenvolvimento, dando margens ao surgimento,
inclusive, de terminologias como quarto mundo, quinto mundo, etc, já que não se
podia categorizar no mesmo patamar países como o Brasil ou a Argentina, com
outros do continente africano, em condições muito mais desfavoráveis, sob todos
os aspectos. Em terceiro lugar, porque muitos desses países (Terceiro Mundo,
não-alinhados) competiam no mercado internacional com os mesmos produtos, ou
seja, eram concorrentes entre si, procurando de maneira pragmática auferir
benefícios individuais para suas próprias nações. Por último, nem sempre havia
coincidências políticas e ideológicas entre esses membros da comunidade pobre,
destarte impedindo que em grande parte as demandas pudessem ser unificadas, a
não ser aquelas relacionadas com a transformação do próprio sistema
internacional, reduzindo as desigualdades existentes, e sobre as quais todos
concordavam. Discursos anti-colonialistas e anti-imperialistas que passaram a
ser comuns nos anos 50 e 60, em grande parte do mundo, não tinham a mesma
ressonância deste lado do Atlântico, nem entre todos os membros da comunidade
em desenvolvimento.
Destarte, a atuação brasileira concedida a esse tipo de relacionamento
enfrentou limitações de todos os gêneros. Não se deve esquecer, ainda, as
próprias clivagens e entendimentos diferentes no plano doméstico, de como
deveriam ser conduzidas as políticas externa e internacional do Brasil, com
enfoques distintos sobre as prioridades a serem dadas, seja aos parceiros nas
relações bilaterais, seja através das organizações multilaterais, aos mais
ricos ou não, ou de identificações ideológicas dependendo da conjuntura.
Importante destacar, por exemplo, nos anos do regime militar, e mesmo depois,
as diferenças de opiniões existentes entre as diversas instâncias de formulação
e decisão das políticas, como os diplomatas, os economistas e os militares.
Algumas vezes as perspectivas podiam ser coincidentes, mas não era o que se
verificava na maior parte dos casos, cada um procurando defender seus próprios
interesses e grupos, com maneiras distintas de ver o mesmo problema. Em grande
parte, as diferenças de posturas dessas instâncias vão marcar a atuação da
política externa brasileira de maneira não uniforme, muitas vezes
contraditórias com fortes choques, onde cada setor discursa e age
independentemente do outro, defendendo interesses e posturas completamente
distintos. Ou seja, nunca houve uma única instância que pudesse ser considerada
centralizadora da conduta externa brasileira, apesar de o Ministério das
Relações Exteriores (Itamaraty), formalmente ser o órgão responsável.
No próprio continente, as atenções concedidas pela política externa brasileira
sempre foram consideráveis, ainda que em alguns momentos houvesse tensões, como
no caso da barragem de Itaipu. Todavia, em outros momentos, praticamente em
todos, o relacionamento bilateral e multilateral ocupou espaço importante, seja
através da iniciativas de integração regional, como nos casos citados da Alalc
e Aladi, seja pela Otca e outros mecanismos visando a cooperação mais ampla.
Com o continente africano, pelas identificações verificadas desde o século
XVIII, o Brasil sempre manteve relacionamento bastante aberto, ainda que em
algumas oportunidades, como nos primeiros anos da década de 1970, se colocasse
em julgamento se deveríamos conceder prioridade aos países daquele continente
ou não. Tratava-se nesse caso das novas parcerias que deveriam ser
privilegiadas, em detrimento das nações africanas que, carentes de recursos,
não seriam úteis aos interesses brasileiros, já que não dispunham de condições
para pagar o que para lá se exportasse, não tinham nada, ou muito pouco para
oferecer em troca, além de serem competitivos na mesma faixa dos produtos
nacionais.
Com o resto do mundo, seja com relação ao Oriente Médio, seja com o sudeste
asiático, as aproximações deram-se de forma um tanto relutante, deixando-os em
plano secundário, passando a desempenhar papel de relativa importância a partir
da década de 1970, sobretudo após a primeira crise do petróleo, e, como
potenciais compradores de produtos manufaturados brasileiros, além de veículos
e armamentos.
A atuação mais ampla no cenário sul ou junto aos países em desenvolvimento
pode, igualmente, ser observada não apenas na constituição dos países do
terceiro mundo, na construção da Unctad em 1964, bem como no Grupo dos 77. Já
no que diz respeito aos países não-alinhados (PNA), a participação brasileira
foi extremamente modesta, comparecendo às reuniões, apenas como observador,
jamais fazendo parte do grupo dos PNA, inclusive pela afiliação que tinha,
apesar das oscilações, com o grande líder do continente americano.
Embora concedesse importância e ressaltasse a necessidade de atuação conjunta
com os países menos desenvolvidos, o Brasil jamais deixou de lado as grandes
potências, inclusive diversificando a dependência que mantinha prioritariamente
com os Estados. Dessa forma, ao mesmo tempo em que concedia espaço aos países
do terceiro mundo, nações altamente industrializadas passaram a desempenhar
papéis de importância cada vez maior na agenda da política externa brasileira,
seja no continente europeu, com a França, Reino Unido e Alemanha, seja no
Extremo Oriente com o império nipônico. Nesses casos, ocorria a diversificação
da dependência brasileira, deixando-a menos suscetível às intempéries do
relacionamento que mantinha com os Estados Unidos.
Já nos anos mais próximos, o relacionamento do Brasil com os países do
hemisfério sul deu-se dentro de outro contexto, agora com o fim da Guerra Fria,
e em um mundo em grande transformação. Como características deste novo quadro,
observamos a emergência de novos atores (desde os anos 80), como as
Organizações Não-Governamentais (ONGs), a formação de blocos regionais em um
cenário interdependente, mas altamente competitivo, e o acirramento das
divergências no comércio internacional, com a própria substituição do Gatt pela
OMC. É nesse contexto em definição que se formalizam as relações do Brasil com
o mundo, quando se criam entidades como a CPLP, e onde o país procura atuar em
grandes frentes, contemplando algumas prioridades, que considera serem as mais
satisfatórias, pelo menos naquele momento.12
A CPLP na agenda e no discurso brasileiros
Na última semana de setembro de 2008 foi firmado pelo Brasil o acordo
ortográfico, que uniformiza o uso da linguagem entre os países de língua
portuguesa. Quase ao mesmo tempo, poucos dias depois, a maior companhia
brasileira, a Petrobrás, perdeu a concorrência para a Marathon Oil na
exploração de petróleo em Angola. Em meados de outubro, em viagem a Moçambique,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva queixou-se de que um projeto para
construção de uma fábrica de remédios contra Aids/Sida, prometida desde 2003,
ainda não estava em execução.
No primeiro caso, tratava-se de um projeto de antiga origem que encontrou
dificuldades dos dois lados do oceano Atlântico, embora já tivesse sido
acordado desde dezembro de 1990. Certamente, como diz o embaixador de Portugal
no Brasil, Francisco Seixas da Costa, "este acordo pode ser considerado
estratégico, já que uma escrita comum vai permitir que o português seja uma
língua internacionalmente reconhecida"13. No segundo, a derrota deveu-se,
provavelmente, à maior eficiência das políticas implementadas pelo governo
chinês em continente africano, embora com presença naquela parte do mundo há
poucos anos, muito menos, portanto, do que a presença brasileira, não apenas
nos países de língua portuguesa, mas também em outros Estados, como Nigéria,
Senegal, etc. Já no terceiro caso, a culpa pelo fracasso da iniciativa era da
própria inoperância das instâncias brasileiras que, cinco anos depois do que
foi prometido, não tinha os recursos liberados pelo Congresso para a construção
de fábrica de remédios. (NOSSA, 2008: B4)
Esses três fatos são, provavelmente, as variáveis mais importantes de
relacionamento entre todos os parceiros que fazem parte da CPLP. Um se refere
aos aspectos culturais envolvidos, outro diz respeito aos fortes interesses
econômicos em jogo, e por último as dificuldades existentes para implementar
acordos, ainda que prometidos tempos atrás.
Considerar uma vertente importante, como a identificação cultural e lingüística
que vem desde muitas gerações, não significa que isto se traduza em vantagens
econômicas e financeiras, embora estejam presentes grandes empresas
brasileiras, do porte da Petrobrás, ou de setores de construção civil para a
abertura de estradas, feitura de barragens, etc.
O governo brasileiro, com certeza, sempre teve consciência de problemas dessa
natureza, inclusive com seus vizinhos mais próximos do próprio continente.
Evidentemente, como costuma acontecer, podem ter ocorrido erros de cálculos e
interpretações, más avaliações tanto conjunturais, quanto em termos das
intenções reais de seus parceiros.
Contudo, deve-se ponderar, porém, que nem sempre o relacionamento foi pautado
apenas visando lucros imediatos. Pode-se dizer que, em termos gerais, as
relações externas brasileiras, da mesma forma como se comporta a maior parte
dos países do mundo, contemplam as duas facetas: uma em que se espera o
retorno, se não imediato, pelo menos depois de um certo tempo, das atitudes
tomadas no intercâmbio bilateral ou no envolvimento global nas instâncias
regionais e de escopo mundial; a outra, em que pouco ou nada se pode esperar
dos parceiros e das instituições, mas que nem por isso devem ser
negligenciadas, sobretudo quando outras variáveis estiverem presentes, como o
histórico dos países envolvidos, os vínculos culturais, os laços afetivos, etc.
Nesse sentido, a importância concedida pelo Brasil a organismos como a CPLP tem
sua razão de ser. Por isso, mereceu atenção especial desde a década passada,
quando se constituiu a própria entidade. Na realidade, a proximidade brasileira
com todos os países de língua portuguesa com freqüência recebeu atenção, ainda
que nem sempre estivesse na linha de frente da pauta do Itamaraty. No entanto,
pode-se afirmar que a importância concedida pelo Brasil à CPLP é proporcional a
que a mesma desfruta no cenário internacional. Não é apenas em relação a CPLP
como instituição, mas com todos os países que a compõem, a não ser em momentos
específicos.
Nas últimas décadas, pode-se lembrar o vínculo mais estreito, por exemplo, do
Brasil com Portugal no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira e, em outras
ocasiões, com Jânio da Silva Quadros ou Humberto de Alencar Castelo Branco,
quando se aventou a possibilidade de formação de uma comunidade luso-afro-
brasileira. No governo de Ernesto Geisel, o reconhecimento de Angola e
Moçambique em 1975 foi sinal de aproximação com esses países, sob a ótica do
pragmatismo responsável. Outros momentos parecidos aconteceram com José Sarney
e Itamar Franco antes de ser firmada a carta de criação da CPLP sob o mandato
de Fernando Henrique Cardoso.
Não se deve, porém, presumir que a atenção concedida a esses países se
assemelha ao papel exercido por outros como Argentina, Estados Unidos, Japão,
Reino Unido, Alemanha ou França além de nações emergentes como a China, Rússia,
Índia e África do Sul. Além da retórica de países irmãos unidos pela história,
os indicadores entre Brasil e CPLP estão aquém do que se poderia considerar
relações privilegiadas. Dados apresentados em trabalho recente, indicam
claramente as preferências brasileiras para três grandes países: África do Sul,
Angola e Nigéria. É o que se poderia chamar igualmente de parcerias seletivas
no continente africano. (RIBEIRO, 2007: 172-195).
Não se pode afirmar, contudo, que a CPLP não tem importância para a política
externa brasileira. Desde sua criação, a CPLP pode ser entendida como um grupo
que pode, em momentos variados, dar substancial apoio às pretensões brasileiras
em nível mais geral. Mas não se pode, também, negligenciar o papel que o país
procura exercer junto a essa comunidade, como aquele que tem maior projeção e
capacidade internacionais.
Ou seja, a presença do Brasil na CPLP pode ser vista sob duas perspectivas: de
um lado, no uso da mesma para projetar os interesses brasileiros no exterior,
ou seja, uma instrumentalização feita pela política externa brasileira, visando
maximizar o uso de todos os recursos possíveis existentes, inclusive para
ocupar espaços maiores do que outros países junto às nações que fazem parte da
comunidade; por outro lado, pode-se, igualmente inferir que, apesar do
"pragmatismo" de sua política externa, o Brasil também pensa em termos de
atuação conjunta da CPLP para atender interesses globais que não seriam
possíveis de se obter individualmente.
Quando se formou a entidade, o governo brasileiro manifestava claramente a
simpatia pela iniciativa, e pela necessidade de se configurar um espaço maior
para aqueles que tinham muitas identificações, e que não poderia, certamente,
ser melhor sucedida se o Brasil dela não fizesse parte, já que é o maior deles,
com relativo peso na arena internacional.14
Os esforços do ex-ministro da Cultura e ex-embaixador brasileiro em Portugal
José Aparecido de Oliveira são amplamente reconhecidos como fator fundamental
para que a empreitada fosse coroada de êxito pelo menos para sua criação. Em
depoimento prestado anos depois, o embaixador assim se referiu à entidade:
Pudemos reunir em São Luís do Maranhão os Presidentes dos países
lusófonos, criando o Instituto Internacional da Língua Portuguesa,
primeiro passo da CPLP e do aprofundamento das relações futuras.
Quando o Presidente Itamar Franco chegou ao governo, conhecia as
iniciativas anteriores e lhe fiz o relato da situação. Convidou-me,
então, para representar o Brasil em Lisboa e encetar conversação em
busca de uma aliança diplomática formal entre nós e os países de
expressão portuguesa. Como era comum na diplomacia do passado, fui
enviado a Lisboa com uma missão multilateral, e o fiz, como sempre
agimos os mineiros: com lealdade, transparência e respeito absoluto
aos nossos parceiros. Cumpri, com espírito de missão, o meu dever. Ao
deixar Lisboa, no fim do honrado mandato do Presidente Itamar Franco,
estavam firmes os pilares da CPLP.(OLIVEIRA, 2002:26)
Mas, mostrava, igualmente, nessa mesma oportunidade, ressentimentos sobre a
forma como o Itamaraty se comportava em relação aos países de língua
portuguesa, especificamente no caso dos graves problemas enfrentados por Timor.
Estamos dando, nestes dias, uma prova concreta dos nossos ideais, com
a nossa presença em Timor Leste. Devo recordar a firmeza do
Presidente Itamar Franco, ao chegar a Lisboa, como embaixador, na
defesa da independência daquele povo irmão. Suas palavras,
asseguradas pela autonomia moral na representação dos interesses
permanentes e das razões morais de nosso país, não foram recebidas
com o devido respeito por setores petulantes da burocracia do
Itamaraty. Não fosse essa sua intervenção corajosa e transparente e
não teríamos, como tivemos, um brasileiro com o mandato das Nações
Unidas para conduzir os atos da transição em Timor. (OLIVEIRA, 2002:
27)
Esse depoimento comprova, sem deixar margens a dúvidas, o envolvimento do
embaixador Oliveira na criação da CPLP, mas deve ser visto sob uma ajustada
lente. Em primeiro lugar como ressalta, a lealdade entre mineiros. Tanto ele
como o presidente Itamar Franco são do estado de Minas Gerais e antigos
militantes do mesmo partido, daí os vínculos estreitos existentes entre ambos,
um dos motivos pelos quais foi convidado a ocupar a Embaixada em Lisboa e ter
sido ministro da Cultura. Em segundo lugar, o fato também de o próprio
presidente Itamar Franco ser nomeado depois para a mesma Embaixada, assim que
deixou o Palácio do Planalto. Como ambos eram externos ao corpo diplomático, e
no caso de outros parecidos, o Itamaraty nunca viu com bons olhos a nomeação de
políticos, portanto, pessoas fora da instituição, para representar e falar em
nome do país, ainda que em uma representação diplomática de menor porte, que
não faz parte do circuito Elizabeth Arden, mas situada em território europeu e
sempre alvo de demandas por parte dos embaixadores.
Pode-se entender, portanto, a pouca receptividade concedida pelo Itamaraty à
atuação sobretudo do ex-presidente Itamar Franco, inclusive pelas suas
peculiaridades e falta de vocação para desempenhar tal cargo. Por outro lado,
pode, também, indicar que países menores, com pouca expressão, apesar das
denúncias sobre direitos humanos, que colocavam o Timor na agenda diária
internacional, não valiam, segundo a concepção do Ministério das Relações
Exteriores, investimentos maiores, já que os retornos seriam extremamente
reduzidos ou muito modestos, não só naqueles dias, mas ao longo do tempo. Claro
que na retórica do discurso diplomático, sempre mereceram importância, e foram
objetos de convênios culturais, científicos, educacionais, mas restringindo-se
a poucas áreas, e com recursos limitados.
Independentemente de quais foram os inspiradores para a concretização da CPLP,
como já discutimos anteriormente, além do mais isso pouco importa, o momento em
que a entidade foi criada já trazia em seu cerne, as primeiras dificuldades.
Embora tenha sido formalizada no governo de Fernando Henrique Cardoso em 17 de
julho de 1996, depois de um longo processo de maturação que vinha já desde
1989, com a reunião em São Luís do Maranhão, a realidade é que as opções de
inserção brasileira privilegiavam claramente outros vetores, que não os dos
países secundários do sistema mundial. Isto era de todos conhecido, ainda que
em termos de discurso expresso, por exemplo, pelo então chanceler Luiz Felipe
Lampreia, a CPLP fosse considerada de extrema importância.
Na recepção oferecida pelo seu colega Jaime Gama, Ministro dos Negócios
Estrangeiros, em 4 de dezembro de 1996, em Lisboa, o chanceler brasileiro
afirmava que:
"A CPLP haverá de ser um instrumento de cooperação, entendendo a
concertação entre os países africanos de língua oficial portuguesa, o
Brasil e Portugal, sem qualquer veleidade de hegemonia, mas com um
espírito construtivo e a determinação de ocupar um espaço condizente
com o peso específico da própria comunidade". (LAMPREIA, 1999: 134)
Pouco depois, no primeiro aniversário da entidade, repetia falta parecida, em
17 de julho de 1997, quando da abertura da Conferência Ministerial da CPLP em
Salvador - Bahia.
"Ao realizar esta reunião aqui em Salvador, quisemos significar, sem
ambigüidade, o quanto estamos empenhados em fazer da CPLP, de forma
gradual, mas efetiva, uma realidade diplomática, uma força a favor de
todos nós, que nos ajude a melhor projetar e defender, na base do
consenso, os nossos interesses internacionais comuns". (LAMPREIA,
1999: 160)
Aqui pode-se adicionar um pequeno comentário. Se algo existe na arena mundial,
é justamente a falta de coincidência de interesses comuns entre os países de
língua portuguesa, além, certamente, dos esforços para viabilizar o idioma como
oficial no âmbito da Organização das Nações Unidas. No mais, cada um sempre
agiu à sua própria maneira e às custas de seus próprios esforços, ou dentro das
organizações às quais pertencem no plano mais próximo, principalmente
geográfico.
Por isso, possivelmente, pode-se entender os poucos esforços realizados tanto
por Brasil, quanto por Portugal, os dois maiores da comunidade, e que foram
assim entendidos por Mario Soares, anos depois. Aliás, é comum tanto nos
discursos oficiais, quanto na própria produção acadêmica sobre a CPLP, a menção
ao fato de os países membros pertencerem simultaneamente a várias outras
organizações, o que tornaria possível ampliar a projeção dos interesses dessa
comunidade, e que não necessariamente corresponde à verdade dos fatos.
Na abertura dos trabalhos da ONU, em setembro de 1996, o ex-chanceler chamava
atenção para a existência (e os limites) da CPLP.
"Pela primeira vez, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe comparecem à Assembléia
Geral das Nações Unidas organizados na Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa, voltada para a cooperação e a coordenação
política. Em consulta e de forma concertada, os países membros da
Comunidade esperam atuar com maior intensidade nas Nações Unidas,
para melhor promover os seus interesses comuns e projetar a
identidade lingüística, cultural e histórica que os une". (LAMPREIA,
1996: 611)
E mais não disse. Enquanto o espaço dedicado à CPLP ocupou oito linhas de seu
discurso, em uma mera formalidade, o MERCOSUL, em contrapartida, preencheu o
dobro, exatamente 16 linhas de sua fala.
No outro ano, em 1997, a única menção foi sobre o caso de Angola, quando disse
que "O Brasil, no exercício da presidência da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, exorta a comunidade internacional e particularmente os países que
integram o Conselho de Segurança a exercer uma vigilância atenta e severa sobre
o processo de paz em Angola".(LAMPRÉIA, 1997: 630)
Enquanto ocupou o cargo de chanceler, Luiz Felipe Lampreia pronunciou-se mais
três vezes, abrindo as sessões de trabalho das Nações Unidas. Em 1998 e 1999
referiu-se ainda aos casos de Angola e Timor, e, lateralmente, à CPLP. Já em
sua última participação mencionou os dois casos, mas de formas diferentes: em
Timor, para dizer que ali se desenhava um novo Estado, sob a liderança de
Sérgio Vieira de Mello; sobre Angola, para denunciar a persistência do
conflito, no que considerava uma "resistência inaceitável da Unita em obedecer
às decisões e aos direitos internacionais". (LAMPREIA, 2000: 674-675) Neste
último ano, a CPLP já havia desaparecido de seu discurso.
Nas duas últimas sessões da Assembléia Geral da ONU, sob o mandato de Fernando
Henrique Cardoso, a CPLP perdeu definitivamente seu espaço, quando o próprio
presidente lá compareceu e pronunciou o discurso de abertura em 2001, fazendo
brevíssima menção ao Timor Leste, enquanto em 2002, o novo chanceler Celso
Lafer apenas lembrou Angola brevemente.
Nas obras publicadas fazendo um balanço de suas gestões frente à Chancelaria,
tanto Luiz Felipe Lampréia quanto Celso Lafer, além das menções feitas
anteriormente, quando reproduzem os discursos, deixaram completamente de lado a
existência e a importância da CPLP. (LAMPREIA, 1999; LAFER, 2002)
O presidente Fernando Henrique Cardoso, que ocupara a Chancelaria no governo de
Itamar Franco no começo da década de 90, tinha uma percepção bastante precisa
do contexto internacional. Assim, em pelo menos duas ocasiões dizia o que
entendia pelo mundo em construção, o novo mundo globalizado, interdependente,
mas também muito competitivo. Na primeira, em conferência pronunciada em Nova
Delhi, em janeiro de 1996, portanto, no mesmo ano de criação da CPLP,
enfatizava que o novo contexto "tem levado a uma acirrada competição entre
países - em particular aqueles em desenvolvimento - por investimentos
externos". (CARDOSO, 1997: 7) Um mês depois repetiu os mesmos argumentos, em
nova palestra, desta vez na cidade do México, em 20 de fevereiro. (CARDOSO,
1997: 20)
Certamente para o presidente Cardoso, os países em desenvolvimento capazes de
oporem-se aos grandes eram os do porte da Índia, África do Sul, China. É o que
seria chamado depois de parcerias seletivas, nas quais, automaticamente,
estariam excluídos países com pouca expressão ou nenhuma capacidade de agregar
competências para transformar o mundo, ou de atender as necessidades da
política externa brasileira em termos de projeção de poder.
Sob esse prisma, as nações de língua portuguesa obviamente não se enquadravam
dentro das prioridades brasileiras, e que pudessem auxiliar na inserção mais
favorável do país no mundo. Nada de estranho que assim tivesse se comportado a
política externa brasileira. Em uma conjuntura completamente distinta daquela
que marcara o mundo durante quase quatro gerações, o governo entendeu que se
devia fazer opções para enfrentar tal quadro.
Nesse novo mundo que emergia, e onde se percebia que poderia haver espaços para
países como o Brasil e outros, vistos como potências emergentes, partiu-se do
claro entendimento de que, nesse contexto multilateral e competitivo, apenas
poucos seriam chamados a jogar papel de maior relevo. Por isso, ao Brasil pouco
representava vínculos mais estreitos - com fortes investimentos - cujos
resultados não pudessem auxiliar em sua trajetória ascendente. Comportamento
semelhante já era observado no governo de Fernando Collor de Mello, nos inícios
da década de 90, quando claras opções foram feitas privilegiando as grandes
nações industrializadas, mormente no que tange ao governo da Casa Branca.
Se, com Itamar Franco, os países de língua portuguesa ocuparam espaço maior,
não era, contudo, tendência a ser seguida nos últimos anos na virada do século.
Por isso, os grandes países, as nações emergentes e o Mercosul - em função de
suas particularidades e proximidade geográfica - receberam prioridade cada vez
maior. Certamente isto tudo não se converteu nos resultados esperados, pelo
menos com a ênfase que se poderia desejar. Mas, por outro lado, isto pode ser
creditado a pelo menos dois fatores. O primeiro é que quando se opta por
determinada linha de atuação internacional, o governo vê a formulação e
implementação da política externa por seu lado, esperando que tudo corresponda
às suas expectativas, embora saiba que não controla nem a vontade dos
parceiros, nem a conjuntura internacional. Em segundo lugar, as bruscas
mudanças, tanto internas quanto do cenário mundial, dificultam que suas
expectativas sejam coroadas de êxito. Como são variáveis incontroláveis, a
formulação da política externa pode ter boa margem de acerto se o cenário for
durante certo tempo estável, não sofrendo, portanto, grandes oscilações.
Têm sido muitos os que discordam dos rumos da política externa nos últimos
anos.15 Deve-se ponderar, entretanto, que decisões têm de ser tomadas em prazo
relativamente curto, de acordo com a avaliação que o grupo que está no poder
faz de seu projeto, do que pode esperar de seus parceiros e das conjunturas
doméstica e internacional. Assim, quando a política externa está sendo pensada
e executada, os erros de cálculo certamente vêm à tona e inibem os resultados
esperados pelos formuladores nacionais.
Sob esse ponto de vista, também tem sido numerosos os equívocos tomados pelos
responsáveis por essa área no país. Adicione-se a isso, as próprias
divergências entre os decisores da política externa nas mais distintas esferas
ou de proximidade com a Presidência da República. Essas diferenças de opinião
têm sido observadas ao longo do tempo, quando uma instância próxima ao
Presidente assume uma postura, depois reformulada pela chancelaria, por
exemplo, que busca explicar melhor o que se deve entender pelo tema ou como o
país defenderá suas posições nas arenas internacionais. Não tem sido poucas as
vezes em que o próprio presidente Lula tem emitido opiniões com pouco ou nenhum
respaldo sobre temas internacionais e realidades que desconhece. Outras vezes,
o próprio Ministério das Relações Exteriores não tem correspondido às
expectativas quanto às suas escolhas e formas de agir. Tudo isto, entretanto,
depende, também, de qual seja o projeto que o grupo no poder vislumbra para si
e para o país.
Destarte, as opções feitas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso são, em
certa medida, bastante distintas das tomadas por seu sucessor, sobretudo no que
diz respeito à importância do papel desempenhado pelos países de menor projeção
em termos de poder global.
Da mesma forma em que as opções feitas por Fernando Henrique Cardoso passaram a
ser intensamente criticadas após o mesmo deixar o poder, e mesmo no cargo,
acusado de "entreguismo" e adesão indiscriminada ao modelo neoliberal, seu
sucessor igualmente sofreu várias críticas. Entre essas, podem ser citados
desde o perdão da dívida aos países latino-americanos e africanos, ao
reconhecimento da China como economia de mercado não recebendo contrapartida
que fizesse jus à sua generosidade. Outros fracassos podem ser mencionados,
quando o país sofreu derrotas em oportunidades diversas, por exemplo, quando
concorreu aos cargos de direção geral da Organização Mundial do Comércio (OMC),
lançando o nome do embaixador Luis Felipe Seixas Correia e para a presidência
do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com João Sayad, para ficarmos
nos dois mais expressivos.
As visitas de Lula ao continente africano mostram em princípio que, além das
boas relações com as grandes potências e com os países emergentes, foi possível
dar atenção, não deixando de lado aqueles que pouco poderiam oferecer ao país,
pelo menos em termos imediatos. A criação de 35 novas representações
diplomáticas no governo Lula, sendo 15 em território africano, deixa bem claro
a importância concedida aos PEDs (MARIN, D.C., 2009). Mesmo no Cone Sul, o
Palácio do Planalto tem mantido o que no jargão diplomático se convencionou
chamar de "paciência estratégica", fundamentalmente com a Casa Rosada.
A atenção concedida aos países africanos e da CPLP pode ser vista em algumas
oportunidades nos últimos anos. Por ocasião do V Encontro da entidade,
realizado em São Tomé e Príncipe, no final de julho de 2004, quando reuniu os
representantes de cada nação, o governo brasileiro chegou mesmo a financiar o
evento doando 500 mil dólares, além de infra-estrutura de comunicação e
material de informática, que depois ficariam lá. Na VII Cimeira realizada em
julho de 2008, em Lisboa, para divulgar a língua portuguesa, deu-se ênfase na
dinamização do Instituto Internacional de Língua Portuguesa, com o governo
brasileiro prometendo empenho e realçando a importância desse fato. Outros
elementos podem, ainda, ser arrolados, como a iniciativa brasileira de propor
acordos do Mercosul - tendo já obtido aval de seus parceiros - com a CPLP,
excluindo Portugal, para favorecer intercâmbios econômicos e facilitar a
importação de produtos dos membros da entidade.
Nesse quadro, a atenção atual concedida pelo Brasil à CPLP no governo de Lula
tem atendido de maneira satisfatória a histórica conduta da política externa
brasileira que privilegia a cooperação em detrimento do conflito.
Considerações finais
Dentro da tradição da política externa brasileira, desde sempre, a concertação
política foi o expediente mais utilizado, não só para o relacionamento com seus
parceiros e vizinhos, como também na construção e atuação nas instâncias
multilaterais.
Isto não significa que políticas fortes não tenham sido implementadas em
diversas ocasiões. Na esfera mais ampla das Relações Internacionais, ações
foram demandadas por exemplo contra as grandes potências no interior da OMC. Em
outras circunstâncias, em momentos excepcionais, possibilidades de neutralizar
vizinhos com regimes considerados hostis ao governo brasileiro foram levadas em
consideração.
Contudo, em termos gerais, pode-se afirmar que, apesar das criticas às vezes
mais contundentes, sobretudos dos vizinhos, quando políticas vigorosas do
governo brasileiro são implementadas, a atuação do Brasil se restringiu
basicamente a dar prosseguimento ao que historicamente tem feito: aumentar seu
poder nacional, adicionando novos elementos aos seus vetores, seja no plano
político, seja no econômico, negligenciando na maior parte das vezes a vertente
militar. Esta última, entretanto, parece agora ter voltado à tona de forma mais
vigorosa com a nova Estratégia de Defesa Brasileira, recentemente encaminhada à
Presidência da República em 17 de dezembro de 2008, através da EM
Interministerial nº 00437/md/sae-pr.
Nessa rota, colaborações implícitas e explícitas - apesar das oscilações e das
conjunturas internacionais - têm sido oferecidas aos países com os quais se
identifica histórica e afetivamente, seja pelos laços comuns da língua, seja
pela composição étnica da população brasileira.
Com essas intenções, a CPLP, e mesmo antes da formalização desta, atenção tem
sido dispensada aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa - Palop. Não
é sem razão que Celso Amorim já dizia em 1993 que o Brasil estava se empenhando
na criação da CPLP, quando ocupava a chancelaria no governo de Itamar Franco.
O país também teve certeza sempre, de que apenas ele e, em menor escala,
Portugal encontram-se em condições mais favoráveis e com melhores chances de
ajudar aos demais membros da Palop.
Por outro lado, na África como um todo, não seria equivocado acreditar que o
Brasil se preocupa com o continente além-Atlântico, não por causa dos Palop e
da CPLP, mas por interesses dirigidos aos países que representam fontes
consideráveis de recursos, e grandes mercados como Angola, Nigéria e África do
Sul, entre os mais importantes.
Da mesma forma, não seria incorrer em erro afirmar que as expectativas
brasileiras em relação à CPLP como um todo restringe-se mais aos aspectos
culturais, tanto é assim que grande número de programas em execução o são
justamente nessas áreas. O retorno tanto econômico quanto estratégico é
sensivelmente reduzido, e as expectativas são baixas - não se constituindo,
portanto, nas verdadeiras forças motivadoras da atuação da política externa
brasileira junto à CPLP.
Pode-se imaginar que, ao operar junto aos países da CPLP e, pelo fato de seus
membros pertencerem a várias organizações internacionais, o Brasil poderia a
partir daí ampliar seu espaço de atuação, obtendo, portanto, resultados
indiretos.
De tudo que foi dito, vale a pena lembrar que, se adaptando às novas
conjunturas, a política externa brasileira nada mais tem feito, às vezes
erraticamente, é bem verdade, a dar prosseguimento, a uma atuação que visa
melhorar sua inserção internacional, interagindo com todos os atores, sejam
eles grandes potências ou com importância reduzida, obviamente, priorizando um
ou outro de acordo com as circunstâncias e as conveniências.
Em grandes linhas, a opção pelos países do hemisfério sul, feita pelo atual
governo, mutatis mutandis próxima ao que se poderia designar de terceiro-
mundismo das décadas anteriores, não tem correspondido ao que se poderia
esperar, a não ser no plano retórico, mas com pouca eficácia no nível mais
amplo das relações de poder globais.
O governo tem utilizado rotineiramente um discurso conciliador, muitas vezes
inclusive procurando atuar fora de suas áreas de competência, e distante de seu
território. Ao procurar, desta forma, comportar-se como agente importante do
sistema internacional, arca com os custos muitas vezes elevados, não obtendo os
retornos desejados, porque vários assuntos que ocupam a atenção de todos - os
que de fato são importantes na agenda mundial, e revelam a verdadeira grandeza
das potências - estão muito além de sua real capacidade de interferir, seja
para servir como árbitro, para ajudar os países envolvidos, para alterar a
situação vigente, seja para ditar normas de condutas.
Como se sabe, as grandes potências abrem pouco ou nenhum espaço para novos
atores, nas grandes decisões internacionais, constituindo-se em um pequeno e
restrito grupo que determina de fato os rumos políticos, econômicos e
estratégico-militares do mundo. É nesse nicho que o Brasil pretende ingressar,
mesmo não tendo muitos dos vetores exigidos. Esta situação se torna sempre mais
aguda em momentos de grandes crises.