Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRHUHu0034-73292009000200005

BrBRHUHu0034-73292009000200005

variedadeBr
ano2009
fonteScielo

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

Coréia: "Tigre" em turbulências, mistérios no norte

Introdução Como o resto do mundo, também a Coréia do Sul caiu em 2008 em uma crise grave, com uma queda da sua moeda relativa ao dólar em mais de 30% em 2008 e uma contração prevista da sua economia de 2 a 7% em 2009. Estas turbulências refletem aqui certos pontos fracos do seu modelo econômico, embora este tenha sido muito bem-sucedido em termos gerais, particularmente no que diz respeito ao desenvolvimento industrial impressionante das últimas décadas. Também são conseqüência, entre outros fatores, de uma abertura financeira que lhe deu maior fragilidade nos últimos 20 anos.

vários desafios difíceis que o país terá de enfrentar para recuperar seu dinamismo: algumas correções do seu modelo econômico para lhe dar maior flexibilidade e menor fragilidade, e, ao mesmo tempo, evitar o aumento das desigualdades sociais até agora relativamente modestas; as tensões geradas pelos projetos de livre-comércio com os Estados Unidos; as incertezas da Coréia do Norte, com riscos de implosão da irmã inimiga e de conseqüências ainda mais complicadas do que teve a queda da Alemanha oriental para a Alemanha ocidental; e, de maneira geral, a difícil situação de "um camarão entre duas baléias" - a de um país pequeno entre o gigante do high-tech, Japão, e a imensa "fábrica do mundo", que é a China, com salários muito baixos, mas um nível tecnológico crescente.

Para compreendermos melhor a situação do País e suas perspectivas, temos de, em primeiro lugar, analisar o contexto histórico-estrutural e identificar o conjunto de fatores que explicam o "milagre econômico" coreano das últimas décadas. Os pontos fracos desta história de sucesso também serão elementos importantes a serem considerados. Daí, então, as mudanças que levaram a certas alterações do modelo coreano devem ser analizadas em relação à grave crise de 1997-98 e ao crescimento ainda sólido, embora mais reduzido, posterior. Uma breve olhada para a misteriosa Coréia do Norte completa esta visão panorâmica que tenta dar alguma idéia sobre o futuro de um País que provavelmente tardará algum tempo para merecer seu tradicional sobrenome de país da manhã calma.

No final de 2007, foi eleito no País, com ampla maioria relativa, um novo presidente conservador, um grande manager, após dois presidentes de centro- esquerda. Em poucos meses, porém, sua popularidade caiu fortemente.

Manifestações multitudinárias levaram à renúncia de vários ministros e às promessas de mudança na política. No fundo destas turbulências encontramos, reforçadas pela crise mundial, as controvérsias sobre o livre-comércio com os EUA e um aumento dos problemas sociais, assim como as dificuldades existenciais deste pequeno País situado entre o Japão e a China, sem contar as tensões próprias da democratização, iniciada 20 anos, de um sistema político autoritário e alguns pontos fracos do "modelo coreano".

A explosão dos preços do petróleo e dos alimentos, em 2008, significou um duro golpe para a economia sul-coreana, extremamente dependente do comércio exterior. A queda destes preços foi uma boa notícia, mas também refletiu problemas: caíram ainda mais os transportes marítimos, e a Coréia concentra 40% da construção mundial de barcos.

O país foi sacudido por fortes crises nas últimas décadas, como à da década de 1980, no contexto do segundo choque do petróleo. A última destas, em 1997/ 98, foi particularmente difícil. Mas, se dez anos, a Ásia podia "contaminar" o resto do mundo com os desequilíbrios criados pela sua abertura financeira, hoje são os velhos países industriais que contaminam os países "emergentes".

Seja como for, estas turbulências não impediram que a Coréia do Sul tivesse um desenvolvimento extraordinariamente dinâmico e se convertesse em um dos "novos países industriais" globalmente bem-sucedidos. Os contrastes com a Coréia do Norte, sofrendo de fome atualmente, não poderiam ser maiores.

Não parece, portanto, excessivo falar de uma das histórias de sucesso mais impressionantes do mundo posterior a 1945: um dos países mais pobres da Ásia, ao nível da Índia ou ainda menor, que sofria da fome em 1960 e tinha quase 80% de analfabetismo em 1950 - apesar de ter uma população excepcionalmente homogênea e, desde o século XV, uma escrita nacional alfabética - e não o complicado sistema ideográfico chinês -, tornou-se um dos mais prósperos e instruídos da Ásia; e, do atraso industrial, passou à indústria pesada e ao high-tech. Esta ex-colônia japonesa, exausta e devastada pela guerra apocalíptica de 1950-53, tornou-se o segundo país-membro asiático oriental da OCDE, após o Japão. Seus salários industriais reais estão hoje entre os de Portugal e de Espanha. Exporta principalmente produtos industriais com altos conteúdos tecnológicos como televisores, carros e barcos. Compete entre as economias do mundo, à pouca distância do Brasil e da Espanha, pela posição no ranking de PIB mundial de 11º ou 12º, com países como a Índia - cuja população é 22 vezes maior -, a Rússia e o México. Entre as maiores empresas transnacionais não financeiras originárias de países periféricos, classificadas em função dos activos no estrangeiro, as coreanas ocupam os postos , e 10º lugar, seguidas das brasileiras CVRD e Petrobrás nos 11º e 12º lugares, respectivamente (CNUCED: 36). A crise atual talvez não signifique o fim do "milagre coreano", mas mostra - como tinham sinalizado anteriormente - certas fragilidades de um modelo que continua merecendo muita atenção e pode servir de exemplo em vários aspectos.

O contexto histórico e internacional: fatores principais do "milagre coreano" O dinamismo coreano das últimas décadas explica-se por um conjunto de fatores, sobretudo os seguintes: - a massiva ajuda estadounidense inicial, até meados dos anos 60, para consolidar um baluarte anticomunista frente à Coréia do Norte - que, ainda nos anos 60 e mesmo nos 70, mostrava forte dinamismo econômico - e evitar, assim, a queda de um dominó estratégico em uma zona particularmente quente da Guerra Fria; - as reformas estruturais radicais na agricultura, liquidando a classe terratenente tradicional e obrigando as classes dominantes a tornarem-se elites industriais; - a forte ênfase na educação em todos os níveis, permitindo passar, progresiva e rapidamente, à produções de maior valor, dos têxteis ao aço, televisores, carros etc1; - o papel crucial do Estado em educação, em saúde, e também em infraestruturas, em pesquisa científica etc, ligado à forte influência do confucianismo, que insiste na adquisição de conhecimentos, na ordem e no consenso, na obediência aos superiores e aos mais velhos; - o protagonismo dos grandes conglomerados privados chamados de chaebols, como Samsung e Hyundai, hoje mundialmente conhecidos, que foram crescendo em estreita relação com uma burocracia estatal geralmente eficiente, protegidos inicialmente das importações, mas obrigados a tornarem-se rapidamente competitivos e a exportar; - a altíssima percentagem de poupança e dos investimentos productivos sobre o PIB, obtida também graças à dura repressão de uma classe operária de formação recente, à exploração do campo, aos altos custos do alojamento e da educação privada; - mercados mundiais abertos, especialmente os dos EUA e do Japão, que se especializaram em produtos de maior valor agregado, deixando disponível, para novos competidores, setores mais tradicionais como os têxteis; - a mantenção de desigualdades sociais relativamente limitadas - índices comparáveis aos dos países europeus, não dos latinoamericanos ou indianos - apesar das ditaduras repressivas, também para apresentar um "contra-modelo" à Coréia do Norte; forte crescimento das classes médias como conseqüência dos progressos extraordinários do sistema educativo; - por último, um ponto essencial e decisivo, segundo alguns autores, entre os quais um dos mais prestigiosos, Krugman, teria sido a simples acumulação extensiva dos fatores produtivos trabalho e capital, com altas taxas de incorporação de mão-de-obra femenina - "mais transpiração do que inspiração" - e de poupança e investimento, um pouco ao estilo da União Soviética das primeiras décadas2.

Qualquer que seja a importância relativa destes diversos fatores e os pontos discutíveis de certas interpretações, como desta última implicando uma suposta não-convergência dos níveis tecnológicos entre "tigres asiáticos" e velhos países industriais, o modelo da Coréia foi bastante semelhante ao de Taïwan, embora que neste foram as empresas estatais e as pequenas e médias, assim como as multinacionais, as que dinamizaram a economia. O modelo coreano foi, em muitos aspectos, copiado do Japão, incluindo a quase total ausência de investimentos estrangeiros diretos na fase de rápido crescimento, enquanto em Taïwan e em Cingapura as multinacionais tiveram ampla presença, embora que em condições bem particulares fixadas pelos respectivos Estados. No Japão, na Coréia e em Taïwan, as despesas em pesquisa e desenvovimento subiram rapidamente. Na Coréia, com uma percentagem importante delas nas empresas privadas: 1.7% do PIB frente ao 2.1% do total de P&D em 1992, 1.9 e 2.8% no Japão, 0.9 e 1.8% em Taïwan na mesma época (Lall: 61).

A herança da colonização japonesa (entre 1910 e 1945) é complexa: desenvolvimento importante das infraestruturas e das capacidades productivas na agricultura e na indústria, embora que dirigido para o benefício quase exclusivo do Japão; aumento do ensino primário, mas monopólio dos japoneses nos postos de direção da economia coreana. A Coréia não foi colônia de povoamento, mas cerca de um milhão de japoneses dirigiam o país cuja identidade nacional, bem diferente das da China e do Japão, e resultante de milênios de uma civilização original, foi severamente reprimida pelos japoneses. Estes, embora historicamente herdeiros da civilização chinesa, transmitida por meio dos coreanos, sentiam-se - e continuam sentindo-se - superiores àqueles. em 1965 foram restablecidas relações diplomáticas entre Japão e Coréia, mas existem até hoje tensões bilaterais recorrentes.

Após as guerras, em 1953, a Coréia do Sul tinha uma série de vantagens estruturais, mas também algumas desvantagens importantes, em relação à sua irmã inimiga socialista do norte. Por um lado, sobre uma superfície menor tinha mais terras aptas para a agricultura, com maior produtividade, devido ao clima mais favorável; mais vias férreas e outras infraestruturas; o principal porto de Busan e a capital Seoul. Por outro lado, poucos recursos de minérios e de fontes de energia hidroelétrica; alta densidade demográfica, acrescida pelos refugiados do Norte e pela volta dos coreanos emigrados à Manchúria e ao própio Japão durante o período colonial.

A ajuda massiva dos Estados Unidos, motivada por considerações estratégicas, foi importante, mas a verdadeira "decolagem" produziu-se essencialmente após o fim desta ajuda.

Como pode ser explicado o caso da Coréia à luz das principais teorias do desenvolvimento? E o conjunto dos fatores referidos, deixando de lado a herança colonial, as terríveis destruições da guerra de 1950-53 e a ajuda norteamericana, poderia ser reproduzido de alguma maneira em circunstâncias diferentes em outros países? Este caso contradiz a teoria liberal clássica e também a dependentista simplificadora. É sobretudo a combinação de uma forte ação do Estado a mecanismos de mercado estreitamente controlados por esta que explica o dinamismo econômico do país; também confirma que um protecionismo seletivo, temporário e flexível, como em seu tempo preconizado por List na Alemanha e Hamilton nos Estados Unidos, também praticado no Japão, continua sendo uma estratégia eficaz. Mostra, por outro lado, que a estreita dependência do país em relação aos Estados Unidos (e também ao Japão) não impidiu este dinamismo, senão que lhe deu uma trajetória particular. Esta via não deixa de ter problemas, mas levou a Coréia a etapas de crescimento industrial que ninguém teria previsto em 1945.

É reproduzível a experiência coreana? Não parece possível, mas algumas lições podem ser aproveitadas com grande benefício por outros países. Se o balanço geral é impressionante, convém, contudo, observar não seus aspectos positivos mas também os negativos. Houve décadas de ditaduras militares muito repressivas, com alguns episódios sanguinários.

Se a Coréia imitou em aspectos importantes o modelo de desenvolvimento do seu antigo opressor japonês, deve-se ter em conta, contudo, as diferenças estruturais, geográficas e psicoculturais entre eles. A história movimentada da Coréia, localizada entre três grandes potências e muitas vezes invadida por estas, explica não porquê ela gasta uma porcentagem muito maior do seu PIB na defesa nacional que o Japão, mas também porquê o coreano tende a ser mais flexível, improvisador e individualista, como salienta um autor deste país. Se os japoneses são campeões como equipe, os coreanos lhes superam quando se trata de individualismo e de improvisação. Uma partida de futebol, quando da decição sobre a participação na copa do mundo, exemplificou a diferença: os japoneses dominavam o jogo enquanto tudo ia como previa seu plano estratégico, mas quando se produziu uma situação imprevista, os coreanos os foram superando e acabaram vencendo (Kang).

E interessante fazer uma breve comparação com os países latinoamericanos. Estes estão não localizados nas antípodas geográficas da Ásia oriental, mas também situados no oposto quanto à sua política econômica - inclusive o Chile, às vezes considerado exageradamente como "o tigre sul-americano". Existem, sim, algumas semelhanças evidentes no caso brasileiro, talvez mais com as políticas brasileiras desde Getúlio Vargas. Mas como salientou ha mais de 20 anos um economista chileno (Fajnzylber, cap. II), enquanto no Chile havia importações crescentes de produtos como televisores à cores, na Coréia estes mesmos aparelhos eram fabricados, inicialmente, para exportação. Isto tem a ver com as taxas muito superiores de poupança na Coréia e na distribuição da renda muito menos desigual3. E como escrevem dois especialistas, foi precisamente a pobreza de recursos naturais que levou o país ao seu desenvolvimento impressionante, enquanto a Argentina teve uma trajetória decepcionante ligada ao uso inadequado de tais riquezas (Mármora e Messner). Podemos também, com uma autora especialista da Coréia, dizer que ali renasceu de alguma maneira Raúl Prebisch, o teórico da CEPAL do desenvolvimento industrial dos países periféricos (Amsden, 2004).

Obviamente, em uma perspectiva comparativa ampla, devem ser consideradas as importantes diferenças estruturais, históricas, culturais, geográficas e demográficas: cerca de um terço da população mundial está na Ásia oriental e sudoriental4 e um doze avos na América Latina, geograficamente bem maior, portanto nítidamente distintas densidades demográficas; confucianismo e catolicismo; passado colonial ou semicolonial (China) e imperial (Japão) antes de 1945 na Ásia, quase 200 anos de independência política na América Latina; situação no centro ou na margem, respectivamente, dos conflictos mais quentes da Guerra Fria, exceto o caso de Cuba. Também na área puramente política e econômica, as diferenças são em geral enormes e, combinados com aqueles outros fatores, decisivos em última instância para um resultado final bastante contrastante (Sukup, 1997 e 2000).

Alguns pontos negativos que não devem ser ignorados Existem também alguns outros elementos essenciais a serem considerados, aqueles relativos à crise global do sistema. É verdade que a Coréia não é o desastre ecológico que poderia supor-se, até mostra neste campo alguns bons pontos.

Contudo, ela contribui para a ocorrência de desastres do meio ambiente ao nível global e a outras realidades pouco brilhantes do mundo de hoje, por sua alta participação no consumo energético mundial e na produção de gases de efeito de estufa. Em Madagascar por exemplo, a empresa Daewoo decidiu, em 2008, alugar grandes extensões que seriam uma boa parte das terras aráveis do país, principalmente para produzir milho, produto do qual a Coréia é o quarto importador mundial. O projeto teria benefícios pouco evidentes para aquele país, entre os mais pobres do mundo, onde a metade das crianças menores de três anos são sub-alimentadas, segundo o Programa Alimentar Mundial. O caso foi qualificado de neo-colonial e produto de um comportamento que pouco tem de antiliberal5. Obviamente, a Coréia usa uma proporção relativamente importante dos recursos naturais do mundo, como petróleo, madeira e alimentos, e sua frota pesqueira contribui com a "sobreexploração" dos mares do mundo.

Devido à velha aliança com os Estados Unidos, e apesar de ter então um presidente de centro-esquerda, a Coréia do Sul enviou um contingente militar ao Iraque. Nos tempos da Guerra Fria existia uma "aliança anticomunista mundial" da qual fazia parte, conjuntamente com o Paraguai de Stroessner e a Nicarágua de Somoza. Tudo isto se explica pela situação geopolítica, mas levou certamente a uma visão do mundo um pouco estreita.

Não é tudo, portanto, positivo no desenvolvimento recente, pois certamente vários pontos fracos. O País continua tendo taxa elevada de acidentes de trabalho e tanto a liberdade sindical como as condições de trabalho deixam a desejar, estando longe do que se conhece nos países ocidentais. A concorrência excessiva tende a multiplicar suicídios, mesmo de adolescentes, e evidenciar o stress, que é, sem dúvida, ainda maior que no Japão famoso por estes aspectos.

Isto tem a ver com o número elevado de cerca de 2.500 horas anuais de trabalho, muito superior ao dos Estados Unidos ou da Europa. A concentração demográfica na região da capital é excessiva: 47% da população em 12% do território, com "custos de congestão" calculados em até 2% do PIB (OCDE, 2007a: 20). As diferenças entre salários de homens e de mulheres para o mesmo tipo de trabalho são ainda muito altas. As desigualdades sociais aumentaram em anos recentes, justamente nos tempos das novas instituições democráticas. Finalmente, se o ensino primário e secundário é de qualidade excepcional, o superior é menos exemplar: 0.49% do orçamento do governo foi dirigido em 2003 a este setor, contra 1.06% na média da OCDE, e 22% dos estudantes estavam nas universidades públicas, contra a grande maioria nas instituições privadas de diversas qualidades (OCDE, 2007a: 162). Talvez isto seja parte das causas dos problemas recentes de desemprego entre jovens (OCDE, 2007b).

Uma ascensão excepcional: quatro décadas de um desenvolvimento rápido, mas frágil Em 1965, o PIB por habitante da Coréia era inferior ao das Filipinas, e nestes anos ainda uma delegação coreana foi ao Paquistão para estudar "desenvolvimento econômico" em um país supostamente promissório. Em 1995, seu PIB tinha chegado a ser mais de cinco vezes maior que nas Filipinas, com um aumento de mais de 700%. Como salienta um especialista argentino, entre 1950 e 1995 a Coréia passou de 25% da média latinoamericana de PIB/habitante ao dobro da mesma (Ferrer, 1999: 45). O crescimento industrial foi de cerca de 15% anual durante o período 1960-80, o maior do mundo e um pouco superior ao de Hong Kong, Cingapura e Taiwan e muito maior que o dos paises do sudeste da Ásia, como a Tailândia, que começava então sua "decolagem". Hoje, a renda nacional per cápita da Coréia do Sul é ultrapassada no sudeste e no leste da Ásia pelo Japão, Taïwan, Hong Kong, Cingapura e o sultanato petroleiro de Brunei. A Coréia ocupa o 26º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, entre a Eslovênia e Cingapura.

Um elemento inesperado neste balanço global encontra-se no domínio do meio ambiente, mais precisamente no reflorestamento espectacular. Quando terminou a guerra da Coréia, escreve Lester Brown no seu balanço ecológico mundial, o país tinha perdido quase todas suas florestas. Por volta de 1960 começou um plano nacional de reflorestamento massivo com centenas de milhares de pessoas colaborando activamente em este plano que foi em muitos aspectos um modelo para o mundo, fazendo que hoje o país tenha à volta de 65% da sua superficie cuberta de florestas (Brown: 147-8). Também é evidente para o visitante que Seoul é uma enorme metrópole bem mais agradável de viver, do ponto de vista do meio ambiente e do tempo perdido nos trajetos intraurbanos, que cidades como Bangkok ou Manila ou as grandes cidades chinesas, que tem muito menor poluição do ar, o que se deve em particular à existência de um sistema eficiente de metrô, com uma dúzia de linhas de um total de várias centenas de quilômetros. É impressionante a rede férrea que comunica as cidades principais com muita freqüência, e pronto se poderá viajar em menos de duas horas de Seoul ao principal porto Busan na ponta sul do país, a 400 km de distância. Em todos estos aspectos o papel de um Estado forte e não dominado por certos lobbies foi essencial: basta com ver, em contraste, como desapareceram sob tais pressões as estradas de ferro em países como a Argentina ou a Venezuela, e as conseqüências sobre o consumo energético, a poluição do ar e as perdas de vidas nos acidentes e de tempo nos engarrafamentos resultantes.

Sobre a base dos fatores antes referidos era necessário continuar com uma política econômica coerente que foi geralmente hábil e bem-sucedida. Como salienta a autora clássica do "milagre coreano", o papel ativo e em grande parte muito eficiente - mais qualitativo do que quantitativo - do Estado foi essencial na ascensão do país, ao aumentar em forma acelerada a competitividade internacional em produtos de cada vez maior nível tecnológico. Neste aspecto é importante, sublinha, compreender que, mais do que de uma concentração unilateral na promoção de exportações em suposto contraste radical com a substituição des importações típica da Índia e da América Latina, tinha-se tratado de uma combinação eficiente de ambas vertentes do desenvolvimento industrial ao usar a segunda, por meio de metas de exportação impostas às empresas industriais pela política de subvenções estatais, como uma sorte de avalanca para desenvolver a primeira (Amsden, 1989 e 1993). Mais do que oposição entre dois modelos contrários havia, portanto, uma combinação hábil e dinâmica entre ambos, como se mostrou com a maior clareza nos anos 80, que não foram, precisamente por tais razões, uma "década perdida" para a Ásia oriental: "Os asiáticos orientais estiveram bem melhor sucedidos nos anos 80 que os latino-americanos, possivelmente porque tinham salientado durante períodos mais longos simultaneamente a substituição de importações e as exportações e não uma ou outra coisa, como os latinoamericanos tinham tendido a fazer originalmente (SUKUP, 1997).

Talvez ainda mais importante, o princípio de base que regia sua política de subvencionar sua industrialização era também o de disciplinar os negócios. Isto tornou as atividades de substituição de importações mais eficientes e mais facilmente conversíveis em atividades de exportação. Pressões poderosas sobre as empresas para se tornarem exportadoras chegaram a ser o fator essencial neste contexto. Quando veio a crise dos balanços de pagamentos, nos anos 80, os asiáticos orientais eram capazes de capitalizar sua política de longo prazo, de subsidiar a substituição de importações, ao passar a exportar uma ampla variedade de produtos que antes não exportavam.

A lição para outros países da política industrial e comercial dos países asiáticos orientais não é, portanto, que convenha necessariamente abandonar a substituição de importações por meio de subsídios, pois de outra maneira as exportações podem não chegar nunca a ser mais diversificadas e intensivas em conhecimento e capital. Mais certamente, a lição é que convém subordinar cada indústria de substituição de importações a várias formas de disciplinas, incluindo possivelmente algumas metas, embora modestas, de exportação. (Amsden, 1993: 4).

O "milagre" deu-se portanto em um contexto bem diferente do recomendado pelas instituições como o FMI e a OMC, sem abertura radical dos mercados nem aos investimentos estrangeiros, com resultados bem conhecidos em casos como o argentino. Ao contrário, como no Japão, a abertura exterior baseou-se essencialmente em promoção decidida das exportações industriais combinada com liberalização mais lenta das importações, portanto em forte protecionismo seletivo e substituição das importações como método principal para obter economias de escala e aumentar a competitividade nas novas indústrias, e, em vez de investimentos diretos estrangeiros, os meios de financiamento foram essencialmente a poupança nacional complementada por empréstimos tomados no exterior. Até na Tailandia, salienta ainda a autora citada, onde o governo interveio menos que nos outros países da área, a especialização em produtos industriais pesados das suas exportações a partir dos anos 80 tinha pouco a ver com "vantagens comparativas evidentes" e muito com práticas de aprendizagem industrial ligadas à anterior substituição de importações de tais productos (Amsden, 1993: 8-9).

No início, as indústrias têxtil e alimentícias eram a base desta economia de poucos recursos naturais e permitiram aumentar as exportações ao mesmo tempo que dar satisfação crescente às necessidades internas de um país que saia pouco a pouco da pobreza. Logo nos anos 70 e 80, os Planos Quinquenais iniciados em 1962 concentraram-se no desenvolvimento das indústrias pesadas e de maior nível teconógico, como aço, química, semicondutores e construção naval, enquanto empresas coreanas de construção ganhavam importantes contratos no Meio-Oriente e se tornavam também fontes apreciáveis de divisas para o país. Em um quarto de século, os têxteis foram crescentemente substituídos como principais produtos de exportação pelos produtos siderúrgicos e químicos, semicondutores, logo barcos, televisores, carros etc. entre 1965 e 1987 a proporção das máquinas no total das exportações subiu de 3 a 37% e a dos metais, de aço e de "outros produtos de indústrias pesadas" de 10 a 18%, enquanto os têxteis desceram de 31 a 23%, os produtos primários de 34 a 7% e os "outros produtos das indústrias ligeiras" de 21 a 15% (Lorot e Schwob: 29). Depois, outros produtos de mais alto nível tecnológico lograram preeminência nas exportações coreanas, entre eles os carros, agora exportados em grandes quantidades aos mercados do mundo, enquanto ainda hoje têm quase um monopólio no mercado nacional. Em poucos anos a Coréia tornou-se, como o Japão antes, um dos principais exportadores de alguns dos produtos mais emblemáticos do século XX, como os enormes barcos petroleiros, de contenedores e outros, que reclamava o comércio mundial para sua rápida expansão. E como conclui um analista chileno, não foi tanto o crescimento das exportações per se que fez dos países como a Coréia casos de economia bem-sucedida, senão o crescimento das exportações conjuntamente com a sua diversifição, dando lugar a maiores capacidades produtivas em geral, um nível mais elevado de instrução e uma menor vulnerabilidade frente às crises (Agosín: 217).

A tese de um desenvolvimento essencialmente "extensivo", quase "de tipo soviético", apresentada por Krugman uns quinze anos, não parece portanto muito convincente, pois a productividade do trabalho conheceu também um crescimento enorme com a rápida incorporação de mão-de-obra altamente qualificada e de trabalho intensivo em P&D. Segundo cálculos de um autor coreano, a produtividade cresceu fortemente tanto na substituição de importações como na produção dirigida para a exportação, embora mais fortemente na segunda: um bilhão de won de exportações podiam criar ainda 121 postos de trabalho em 1975 e menos de 14 em 2000, em quanto um bilhão de won de importações faziam perder quase 56 postos de trabalho em 1975 e um pouco mais que 12 em 2000. Estes números mostram que o peso relativo das exportações na criação de emprego passou de ser importante - mais do dobro de empregos ali criados que na produção para o mercado interno - a quase neutra, tendo-se produzido uma ampla convergência de importações e exportações quanto a combinação de fatores productivos utilizados nelas, ou seja, passou-se a um comércio esencialmente intra-industrial, típico dos países da OCDE (Nam: 147- 9).

Também houve algumas reorientações após a forte crise do choque do petróleo de 1980 e suas conseqüências sobre o país muito endividado, em particular para maior abertura ao capital estrangeiro e liberalização comercial e financeira.

Mas ali justamente apareceram novas dificuldades, que levaram à pior crise do país na sua história recente.

A crise de 1997-98: da euforia à beira do abismo Em 1995 alguns novos problemas tinham aparecido. Após a forte subida da moeda japonesa originada na pressão estadounidense vários anos antes, o iêne começou a descer e fez cair a competitividade da Coréia frente ao seu vizinho cujas exportações de produtos de nível tecnológico médio-alto recuperavam-se como conseqüência da evolução das taxas de câmbio. Ao mesmo tempo, o boom da China aumentava a pressão competitiva dos produtos industrias de baixo custo da mão- de-obra. Agravaram-se, conseqüentemente, os desequilíbrios financeiros e o endividamento excessivo das empresas coreanas, tornando-se mais visível a fragilidade do sistema coreano dos chaebols e da sua gestão financeira aventureira apoiada na sua relação estreita com o sistema bancário controlado pelo Estado.

Em 1996, a Coréia entrou na OCDE, o "clube dos países industriais ricos". No ano seguinte, caiu na crise mais forte da sua história recente. Houve algumas relações entre a sua admissão à OCDE e estes problemas, ligados em particular à legislação do trabalho e à liberalização financeira.

A legislação laboral estava ainda, apesar da abertura democrática experimentada a partir de 1987, bastante longe dos padrões dos países da OCDE, especialmente em termos de atividade sindical permitida, e a alta freqüência de acidentes de trabalho e de doenças laborais também indicavam condições pouco aceitáveis para um país que queria ser considerado "desenvolvido". Estas insuficiências, herança de décadas de regimes repressivos enfrentados ao irmão inimigo comunista, constituiam um obstáculo sério à adesão da Coréia à OCDE, tanto mais que em 1995-96, perante as dificuldades econômicas e tensões sociais crescentes, houve mais retrocesso que avanço neste campo (Trade Union). A situação geral era, em todo caso, a de um país onde os progressos econômicos evidentes não tinham ainda sido acompanhados pelos avanços sociais correspondentes em termos de direitos dos trabalhadores, e isto num contexto de globalização que favorecia a transferência de certas actividades dos países do Norte a alguns "novos países industriais" perféricos de mão-de-obra ainda barata, mas com uma productividade do trabalho semelhante à dos países industriais maduros. Por outro lado, no sistema de trabalho industrial houve importantes mudanças, dado que o taylorismo clássico estava sendo substituído crescentemente pela „produção flexível", e assim precisava-se uma mão-de-obra também mais flexível do que acostumava ser na Coréia com seu sistema de trabalho bastante rígido, semelhante ao japonês, onde predominava o emprego vitalício: havia portanto fortes pressões para "flexibilizar" as relações de trabalho, para poder dimitir mais facilmente o pessoal, o que também encontrou bastante resistência.

Desde o começo dos anos 90, descrevem analistas do centro de estudos Focus on the Global South de Bangkok, vários fatores tinham confluído para originar a crise. Entre eles, a pressão dos EUA, que não queriam um "segundo Japão" competindo com eles nos produtos industriais, e das instituições financeiras internacionais, que levou o país a adotar uma política de liberalização financeira e comercial causante de uma importante reorientação dos investimentos para a especulação imobiliária e de um desequilíbrio rapidamente crescente da sua balança corrente (Bullard et al: 100-09; Bello).

Também Joseph Stiglitz pensa que a liberalização financeira imposta pelas pressões do FMI e do governo estadounidense tiveram o papel crucial na geração da crise, ao estimular fortemente a especulação em setores não produtivos como uma actividade exagerada de construção comercial, em quanto os investimentos estrangeiros continuavam a ser desnecessários devido às altas taxas de poupança nacionais, mas provocaram, por sua volatilidade, uma boa parte da crise que se estava preparando (Stiglitz: 138).

Poucos meses após o começo da crise em julho de 1997 na Tailândia o efeito de contágio era fortíssimo na Coréia. Esta chegou então a ser, apesar da sua situação geográfica e do seu nível de desenvolvimento bem superior, o país mais exposto à crise originada no sudeste asiático: "El fin de un modelo" anunciou um dos melhores diários europeus6.

"O Japão e o Ocidente devem decidir se vão jogar ainda mais dinheiro no poço da Coréia do Sul, ou contemplar a possibilidade de um verdadeiro colapso político e econômico", advertia The Economist sobre a "queda" do país, após o resgate financeiro sem precedentes de 57 bilhões de dólares, liderado pelo FMI, com participação dos Estados Unidos, do Japão e do Banco Mundial, dias antes das eleições presidenciais que deram a vitória ao velho lutador pela democracia Kim Dae-jung7. A crise teve um caráter tão extremo que fez dizer então a vários especialistas que o „milagre asiático" tinha chegado ao seu fim. Os títulos de alguns livros editados nos seguintes meses sobre os „tigres" são eloqüentes: "Colapso da Ásia", "Tigres amestrados" etc (Garran; Gough; Jomo; Bello).

Este último foi talvez o mais acertado. O acordo com o FMI continha as receitas habituais de maior flexibilização financeira e comercial, restrições orçamentárias etc. Seu diretor geral Michel Camdessus, entusiasta da política seguida então na Argentina, teria dito que a crise podia ser uma "benção" obrigando o país a acentuar a desregulação financiera, a flexibilizar as dimissões e a liberalizar ainda mais o comércio exterior e a entrada de capitais estrangeiros8. O pacote financeiro condicionado a um tal acordo permitiu finalmente uma estabilização da moeda que tinha caído a menos da metade do seu valor, e da economia coreana em geral. Quase uma quinta parte das instituições financeiras foram eliminadas e o governo utilizou, até ao ano 2003, 23% do PIB para recapitalizar os bancos e liberá-los dos créditos que hoje chamariamos "tóxicos"; ao mesmo tempo, a propriedade estrangeira dos bancos atingiu até um 59% em 2004, com o qual estes deixaram de ser os instrumentos estratégicos da política do governo que tinham sido antes da crise (OCDE, 2007a: 23). Muitas destas reformas, orientadas para os princípios de mercado e da concorrência, e à redução dos elementos protecionistas, podiam, com certeza, ser funcionais para a eficiência geral do modelo (OCDE, 2007a: 9- 11). Mas pode-se pensar também que aqui estavam colocadas as principais sementes da próxima crise, que viria uma década mais tarde. Pode-se salientar aliás que, contrariamente às propostas de hoje para enfrentar a crise mundial, preconizava-se então não uma diminuição, mais uma subida das taxas de juros, com efeitos evidentemente não anti-cíclicas mas tendentes a agravar a situação na Ásia de 1997-98.

Em tudo caso, estes anos foram também de abertura democrática e de política de distensão com a Coréia do Norte do novo presidente Kim Dae-Jung e de seu sucessor Roh Moo-hyun, com suas históricas visitas à Coréia do Norte. Um elemento emblemático dos novos tempos foi que a pena de morte, que existe ainda hoje em quase toda Ásia, incluindo o Japão e a Índia, deixou até hoje de ser aplicada, embora que não legalmente abolida.

A crise acual: chegou desta vez o fim do "milagre coreano"? Nos últimos anos o ritmo do crescimento da economia diminuiu, mas continuava ainda bastante maior que nos velhos países industriais. A crise de 1997/98 foi, em todo caso, bastante rapidamente superada, embora que a um custo social importante.

Após duas presidências orientadas para o centro-esquerda as eleições presidenciais de 2007 levaram a uma forte reorientação à direita, mas quase imediatamente foi aumentando a oposição ao novo presidente Lee Myung-Bak. A atual crise vem de longe e pode, sem dúvida, ser comprendida em relação à anterior e às medidas liberalizantes tomadas antes e depois da mesma, e a algumas fragilidades gerais do modelo coreano.

É verdade que o aumento dos preços do petróleo constituia - e provavelmente voltará a constituir - um enorme desafio para a Coréia do Sul, que não tem nenhuma produção local e é o quinto importador mundial. Resulta significativo que na mesma página de um diário coincidiram, ainda antes do agravamento recente da crise econômica mundial, dois artigos: o primeiro explicou que este país estava preparando um grande pacote de estímulos de medidas fiscais e de subsídios para enfrentar este grave problema, e o segundo anunciou que o Brasil, agora com prováveis reservas de entre 40 e 50 bilhões de barris, pensava tornar-se um dos maiores produtores de petróleo e criar um fundo estatal de 200 ou 300 bilhões de dólares para evitar as conseqüências inflacionárias típicas de uma economia petroleira9. Em julho, o governo coreano anunciou medidas "de supervivência" para reduzir o comsumo de energia, um tarefa essencial em um país onde a eficiência energética e ainda bem menor que nos países industriais europeus, e no dia da festa nacional o presidente conhecido como o bulldozer prometeu um "crescimento verde"10. Depois, o refluxo dos preços deixou o país tranquilo neste aspecto, mas a queda ainda mais brutal dos transportes marítimos originada na crise mundial teve um poderoso impacto negativo sobre a Coréia, que representa 40% da construção mundial de barcos, cuja demanda e preços caíram estrepitosamente11. Por outro lado, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) elogiou recentemente a Coréia do Sul como o único dos países industriais a ter orientado suficientemente seu novo pacote de estímulos fiscais anti-crise para as novas tecnologias „verdes"; os outros estariam, segundo os grupos ecologistas, perdendo amplamente esta grande oportunidade12.

O debate pelo livre-comércio com os Estados Unidos tem vários aspectos. Entre as dificuldades para chegar a um tal acordo está a força dos lobbies particulares como aquele dos exportadores de carne: para que a Coréia possa exportar seus carros aos EUA, por um valor estimado em vários bilhões de dólares, teria de deixar entrar carne estadounidense por, de fato, bem menos de um bilhão de dólares, mas isto encontrou objeções não por razões de interesses internos contrários senão também por medo de importar carne de "vaca louca" com graves conseqüências para a saúde dos consumidores13. E as turbulências iniciais tiveram alguma relação com decisões das autoridades norteamericanas que se recusaram a aplicar exames regulares para determinar a existência ou não do problema nos seus produtos de exportação14. Em todo caso, ante a gravidade do assunto, se o presidente Bush adiou a sua visita em Seoul em 2008. O tratado de livre-comércio esta assinado, mas não ratificado, e o novo governo de Washington parece não concordar muito con seu conteúdo. Com a União Européia também negociações por um tratado de livre-comércio, mas neste caso é a indústria automotriz européia que mostra fortes reticências diante da alta competitividade atingida hoje pelos carros coreanos que tem levado a trocas comerciais fortemente desequilibradas neste setor15.

Os mistérios do Norte: qué virá após o "querido líder" Kim Jong-il? Em 2008, a Répública da Coréia (do Sul) e logo a Répública Democrática e Popular da Coréia (do Norte) festejaram seus respectivos 60 anos de existência.

Após a fratricida Guerra da Coréia dos anos 1950-53, com fortes implicâncias internacionais, ficaram irmãs inimigas ferreamente opostas, embora que os presidentes de centro-esquerda Kim Dae-jung e Roh Muh-jun descongelaram, com sua Sunshine Policy, as relações glaciais com o Norte. Ambos fizeram visitas oficiais ao Norte. Kim Dae-jung obteve o Prêmio Nóbel da Paz, e Roh lançou no fim do seu governo um plano de ajudas massivas para revitalizar as decaídas estradas, ferrovias etc. do Norte.

Com o governo conservador de Lee Myung-bak, que seguiu Roh, em 2008, esta política de aproximação não foi totalmente abandonada, porque se teme uma queda apocalíptica do regime do Norte, com conseqüências imprevisíveis incluindo uma possível intervenção chinesa e uma provável fuga de milhões de pessoas para o Sul. Agora a China também parece mais temer uma avalanche de refugiados norte- coreanos16. Em meados dos anos 90, havia uma fome catastrófica com centenas de milhares de mortos, e nos próximos anos poderia, segundo algumas fontes, produzir-se uma situação semelhante. Mas a política mais confrontativa de Lee poderia deixar a própria Coréia do Sul em uma situação de relativo isolamento.

O Norte voltou à uma retórica agressiva contra o "regime de fantoches" do Sul, e o perigo de uma confrontação militar parece hoje maior que nos últimos anos, em uma das fronteiras mais militarizadas do mundo. Em ambos lados da zona desmilitarizada de quatro quilómetros de cumprimento, tornada com o tempo reserva ecólogica sui generis, mais de um milhão de soldados nos arredores imediatos.

Dado o carácter hermético e surrealista do regime do Norte pouco se sabe sobre a sua realidade. A ausência de Kim Jong-il, de 67 anos, nas festas do 60° aniversário da República, intensificou as dúvidas sobre seu estado de saúde.

Ele aparentemente teve um ataque cerebral, mas qué virá após o "querido líder", filho do "grande líder" Kim Il-sung, quem governou o país com mão de ferro desde 1945 até sua morte em 1994? Não um sucessor evidente, e ninguém sabe, pelo menos fora do país, quem vai ter a voz decisiva: militares, tecnocratas, altos burocratas do Partido Comunista? Em todo caso, tensões muito vivas mantém-se entre as duas Coréias, embora o novo governo de Washington seja menos agressivo frente a Pyongyang do que foi o anterior, que tinha colocado este país no seu famoso "eixo do mal" devido às suas ameaças de adquirir armas nucleares e mísseis capazes de atacar o Japão ou ainda os Estados Unidos. O governo de Bush teve ali uma grande responsabilidade, não somente porque a aventura militar no Iraque tinha que dar maior vontade a Kim de obter tais armas para evitar de sofrer a mesma sorte que Saddam Hussein, senão também por violar um acordo prévio de vários países para ajudar a Coréia do Norte, em troca para o abandono dos planos de adquirir armas nucleares, a resolver seus problemas de abastecimento energético.

Elementos de um balanço e perspectivas Seria difícil não concordar com um juízo global elogioso sobre o desenvolvimento da Coréia do Sul no último meio século. Uma industrialização tardia extraordinariamente bem-sucedida levou, em poucas décadas, o país da pobreza comparável à da Índia para a prosperidade de um país industrial hoje semelhante, em termos de desenvolvimento industrial e de renda per capita, aos países da Europa do Sul, aos quais supera em desenvolvimento tecnológico e níveis de instrução. na Europa do Norte proporções comparáveis da população conectada à Internet. A pobreza visível - homeless, mendigos - existe bem menos que em países muito mais ricos da Europa ou nos Estados Unidos, favelas não se vêm, a delinqüência comum parece inexistente e o meio ambiente bem menos deteriorado que em outros países da Ásia. Também não parecem existir tensões religiosas entre budistas e a forte minoria cristã, apesar das críticas opositoras ao presidente Lee por sua escolha de numerosos colaboradores pertencentes a esta minoria. Detrás de tudo isto, avanços espectaculares em saúde e educação e uma distribuição da renda que, apesar das ditaduras do passado, é geralmente mais equitativa que na Europa e sobretudo na América Latina, nos Estados Unidos, na Índia ou na China de hoje. Existem mais problemas de país rico que de país pobre, e de fato pareceria haver menos destes que em países como os Estados Unidos, a Grã-Bretanha etc.

pontos fracos, mas as realizações são impressionantes. O sistema nacional de educação produz um altíssimo número de profissionais e cientistas de alto nível, e também se enviam numerosos estudantes aos Estados Unidos, quase tantos como da China ou da Índia. Segundo os dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, a Coréia chegou em 2007 ao quarto lugar mundial no registro de novas patentes, ainda longe, com certeza, detrás dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha, mas superando ligeiramente a França e a Grã- Bretanha. São talvez em sua maioria patentes de adaptações de productos mais do que verdadeiras inovações tecnológicas, mas ainda assim isto merece ser destacado. Daí, a competitividade elevada do país com numerosos productos industriais emblemáticos como carros - em janeiro de 2009 um modelo de Hyundai foi eleito "carro do ano" em Detroit -, televisores, barcos e telefones móveis.

Um índice mais anedótico de progressos, neste caso médico-tecnológicos, é que a Coréia recebe hoje numerosas japonesas que procuram operações de cirugia estética. É evidente que convém seguir fazendo esforços para ficar competitivo na "economia de conhecimento", enfrentar os desafios de uma sociedade em rápido processo de envelhecimento e manter a coesão social que pode correr perigo, ademais de tomar medidas de descentralização e de educação permanente (lifelong learning), mas em todos estes campos o país parece, em termos gerais, estar avançando bastante bem (Lee).

Um aspecto complicado é a evolução demógrafica: passou-se em uma geração de um extremo para o outro, com um crescimento que tinha multiplicado a população por seis em menos de um século e meio, passando a uma situação actual de envelhecimento acelerado. Se poucas décadas havia um aumento da população rápido demais, agora existe uma situação bem diferente17. Houve portanto uma política que deu certo mas provocou um problema novo. Segundo algumas estimações, o custo típico de educação de uma criança -nas caríssimas escolas privadas necessárias para torná-la „competitiva"- teria aumentado em apenas uma década de 8 para 14% de um orçamento familiar médio18, o que faz compreender que muitos casais jovens hoje acham que não podem dar-se o luxo de ter filhos.

Também houve, durante muitos anos, mais nascimentos de bebês de sexo masculino de que femenino, com o qual existe hoje um desequilíbrio tão grande em algumas províncias que se estão "importando" números crescentes de mulheres de países como a Tailândia ou o Vietnã. A pergunta existencial é se os progressos não tiveram aqui um preço excessivo, como na Europa ou no Japão com suas populações autóctonas em descenso.

Um ponto essencial é como evoluirá o conjunto dos países da Ásia oriental. Até poucos anos, a Coréia era um dos muito poucos países sem acordo de livre- comércio regional ou outro. Agora tem alguns com países como o Chile e sobretudo os Estados Unidos, mas também, na área regional, houve um forte crescimento do comércio no marco informal da "ASEAN+3" - Ásia sudoriental mais China, Coréia e Japão -, que passou de 28.6% do comércio exterior total em 1990 a 39.4% em 2005 (Gochoco-Bautista: 738). A China é agora o principal sócio da Coréia e também do Japão. Isto será um elemento importante para sair da crise que, segundo um analista estadounidense, se parece mais àquela asiática de uma década que à de 1929: é devida, salienta, em particular à falta de transparência e aos excessos do setor financeiro e ao crony capitalism - "capitalismo dos amigos" (Eichengreen) -, que foram em grande parte corregidos na Ásia após 1998, sob conselhos e pressões do Ocidente dando então lições de capitalismo "responsável" aos asiáticos.

A maioria dos analistas acham hoje que a Ásia oriental - que recebeu a primeira visita oficial da nova Secretária de Estado norteamericana, uma novidade da história diplomática, igual que a primeira visita oficial ao novo presidente por parte de um Primeiro Ministro japonês - poderá sobreviver melhor à crise global (p. ex. Chaponnière; Mahbubani, 2008, 2009), porque aprendeu à sua maneira as lições de Ocidente. Como sintetizou o presidente da Comissão da União Africana, Jean Ping, nas Jornadas Européias do Desenvolvimento de fins de 2008 em Estrasburgo, a África seguiu as propostas ocidentais e afundou-se, mas os países asiáticos as rejeitaram e desenvolveram-se. A Europa e Ocidente em geral, sumidos na pior crise desde os anos 30, e certamente não por culpa de outros, fariam bem, diz um analista de Cingapura, de aprenderem algumas coisas da Ásia, em particular a forma de difundir o dinamismo de países como a China atravês de toda uma enorme região (ASEAN etc.) - o que não se pode dizer da Europa e dos seus vizinhos ao Sul do Mediterráneo - e compreenderem que "o gold standard que Ocidente pensava deter no campo das regulações financeiras acabou- se. Os asiáticos deram-se conta de que devem estabelecer seu próprio standard.

Os asiáticos também sabem que estão tornando-se os maiores beneficiários da globalização e devem assumir uma maior responsabilidade na estabilização do sistema econômico mundial (Mahbubani, 2008, 2009).

Dentro deste contexto global uma grande pergunta estrutural é como continuará a Coréia do Sul na sua situação incómoda de frágil "camarão entre duas baléias".

Isso é, como manterá nichos suficientemente dinâmicos e viáveis nos mercados mundiais entre o Japão high-tech e a China com seus salários baixos e seu nível tecnológico rapidamente crescente. Sem contar que terá algum dia que absorber, sem dúvida com bem maiores dificuldades que a Alemanha, a outra parte do seu país. Com a crise actual terá que aumentar ainda mais os esforços para defender seu lugar ou associar-se mais estreitamente com um ou vários de seus vizinhos e sócios, e prever algum roteiro para uma mudança de régime na Coréia do Norte.

Houve uma cimeira aparentemente bem-sucedida dos presidentes coreano, chinês e japonês em dezembro de 2008, com projetos concretos de cooperação e coordinação mais estreitas entre os três países. Talvez eco desta aproximação, pouco depois Toyota decidiu por primeira vez comprar aço coreano para a fabricação de seus carros no próprio Japão, apesar das pressões protecionistas crescentes resultantes da crise19. Os países da Ásia oriental e sudoriental tendem a cooperar mais, embora que problemas políticos e outros compliquem esta tendência. Isto é um elemento importante para enfrentar os desafios do futuro, como é na América do Sul a cooperação regional por meio do Mercosul e de outras iniciativas. Mas a Coréia, como outros países agora em recessão, também terá que encontrar novos equilíbrios sociais e políticos internos e uma nova combinação adequada entre mecanismos de mercado e ação do Estado para superar os importantes problemas actuais. Ainda assim, não será tão cedo que a Coréia chegue a justificar o seu velho nome de "país da manhã calma", que na realidade não reflete, mais de um século, muito bem a sua situação real.


transferir texto