Anti-semitismo na Europa hoje
O termo "anti-semitismo" tem sido usado para designar, de forma genérica, as
manifestações de hostilidade contra judeus desde os tempos greco-romanos até os
dias de hoje. A longevidade e a persistência desse fenômeno social e a sua
designação por meio de um único termo abrangente, "anti-semitismo", têm
encorajado explicações de caráter a-histórico que empobrecem ou essencializam o
fenômeno e suas interpretações, dificultando o entendimento de seus diferentes
significados e formas de expressão em contextos societários específicos.
O conteúdo universal e atemporal do termo "anti-semitismo" é reforçado no
interior do judaísmo pela forma a partir da qual a identidade judaica se
construiu desde os tempos bíblicos, através de uma narrativa que enfatiza a
história de um pequeno povo, o povo de Israel, rodeado de inimigos que
procuravam aniquilá-lo. Com a destruição do Segundo Templo pelos romanos no ano
70 d.C., que marca o fim do reino da Judéia e a transformação do povo judeu em
um povo diaspórico, a narrativa se consolidou e permaneceu associada ao
sentimento de insegurança de uma minoria condenada a constantes perseguições.
Tal premissa forneceu aos judeus um sentido de destino comum compartilhado por
gerações e fortaleceu os laços de solidariedade intragrupal entre as diversas
diásporas.
A inclusão do anti-semitismo na cultura judaica, como uma constante universal1,
foi incentivada pelas elaborações teológicas do catolicismo e do islã, que
justificaram, sob perspectivas diferentes, o destino trágico dos judeus já que
rejeitavam aderir às novas revelações. O resultado foi que o anti-semitismo
assumiu, nas várias religiões monoteístas, um estatuto, por assim dizer,
teológico, isto é, um sistema de crenças que se auto-representa como eterno e,
portanto, localizado fora da história.
Todavia, o anti-semitismo, como qualquer outro fenômeno histórico, é parte
integrante das dinâmicas socioculturais e políticas específicas a cada
sociedade, de tal forma que seus significados acompanham as transformações
sociais e conferem novos sentidos às relações entre os judeus e a sociedade
mais ampla. Porém, ao mesmo tempo, como veremos, as novas manifestações de
anti-semitismo na Europa freqüentemente recolhem sua forma de expressão da
retórica do anti-semitismo clássico. Nesse sentido, procuraremos mostrar as
continuidades e descontinuidades do fenômeno do anti-semitismo no mundo
contemporâneo, focalizando particularmente as especificidades que ele assume
hoje na Europa Ocidental.
ANTI-SEMITISMO E MODERNIDADE
Segundo Bauman2, a animosidade em relação aos judeus na modernidade pode ser
mais bem compreendida não como um sentimento de hostilidade em face do
diferente ou daquilo que não é familiar (heterofobia), mas como um sentimento
de desconforto perante aqueles que não se enquadram facilmente na estrutura de
um mundo ordenado (proteofobia), que não podem ser claramente classificados nas
categorias estabelecidas do "nós" e "eles". Esses seres ambivalentes, que
emitem sinais contraditórios de conduta, acabam por expor as fragilidades e as
fissuras da aspiração por um modelo ideal de vida social ordeira, previsível e
sem riscos.
A ordem na Europa moderna foi construída, segundo esse autor, pelo Estado-
nação, e seu poder político se legitimou na produção de uma identidade coletiva
que rejeitava costumes regionais, dialetos locais e minorias étnicas. Em uma
Europa assim concebida, de nações, Estados e Estados-nações, os judeus eram
praticamente o único grupo que não se enquadrava nesse modelo. Não formavam uma
minoria étnica própria a cada Estado nacional, uma vez que estavam espalhados
por toda a Europa; tampouco eram residentes locais de uma nação vizinha,
situação comum na Europa de fronteiras cambiantes daquele momento. Eram, de
fato, percebidos como símbolo da incongruência: uma nação não-nacional que
lançava uma nódoa na perfeição almejada pelos projetos nacionais. A imagem dos
judeus como os "fora de lugar" foi além da questão das fronteiras nacionais e
forneceu a chave para as percepções, então correntes, a respeito do lugar
social dos judeus nas sociedades européias, inclusive entre as novas elites
judaicas secularizadas3. Em 1882, Leo Pinsker, um médico judeu na Rússia e
precursor do sionismo, sintetizou as diferentes miragens em circulação na
Europa: "para os vivos o judeu é um morto; para os nativos, um estranho e
vagabundo; para os pobres e explorados, um milionário; para os patriotas,
alguém sem pátria; para todas as classes, um concorrente odioso"4. O anti-
semitismo europeu foi então produto de uma luta contra a ambivalência encarnada
pelos judeus, que já entraram na modernidade carregando consigo a marca do
"eterno judeu", construída pelo cristianismo no afã de diferenciar a nova
religião da sua fonte original, ou seja, o judaísmo. Integrados, mas
forasteiros; iguais, mas diferentes; admirados, mas assustadores.
O ANTI-SEMITISMO CONTEMPORÂNEO NA EUROPA
Nas sociedades européias atuais, caracterizadas por boa parte da bibliografia
como pós-modernas, as identidades coletivas criadas pelos Estados nacionais já
não apresentam a mesma capacidade normativa de conferir sentido e cristalizar o
pertencimento dos indivíduos a uma comunidade de destino. Simultaneamente,
surge uma profusão de identidades coletivas baseadas em laços religiosos,
étnicos, diaspóricos e de caráter transnacional. Tais desenvolvimentos
poderiam, em princípio, sugerir que os preconceitos e as hostilidades contra os
judeus estariam desaparecendo, uma vez que a percepção sobre uma possível
"dupla lealdade" ao Estado nacional já não constituiria mais a força motriz do
anti-semitismo.
Não obstante, a Europa vem assistindo, desde o início do século XXI, a uma onda
de manifestações antijudaicas impulsionada pelo conflito entre Israel e os
palestinos5. O entendimento desse fenômeno, tratado pelos estudiosos como um
"novo anti-semitismo", é muitas vezes afetado pela carga emotiva, ideológica e
política que envolve o debate. Duas visões, igualmente extremadas, mostram-se
insatisfatórias: aquela que minimiza o fenômeno, atribuindo-lhe caráter
meramente episódico e inconseqüente, que decorreria dos confrontos legítimos no
contexto do conflito israelo-palestino, e a que superdimensiona o enraizamento
do anti-semitismo ao estabelecer relação de simples continuidade com o passado,
atualizando a narrativa do "eterno anti-semitismo". Trivializações e excessos à
parte, o fato é que nos últimos anos o problema do anti-semitismo entrou no
debate público europeu mobilizando governos de diferentes países, organizações
internacionais, institutos de pesquisa, organizações não-governamentais,
academia e estimulando um amplo debate sobre o que passou a ser conceituado
como "novo anti-semitismo".
Podemos identificar na atualidade manifestações antijudaicas em dois registros
que, embora distintos, é provável que se alimentam mutuamente. O primeiro diz
respeito à utilização dos repertórios clássicos, típicos do anti-semitismo
moderno, para se referir em especial a Israel e aos judeus, no contexto do
conflito no Oriente Médio. Tais manifestações verbais, que serão precisadas
mais adiante, podem ser encontradas nos meios universitários, por vezes na
imprensa e na televisão, nos insultos e nas intimidações proferidos por alunos
nas escolas, em grafites espalhados nas periferias das grandes cidades
européias, nas manifestações dos movimentos antiglobalização e em sermões
proferidos em algumas mesquitas do Continente. Provêm, assim, de espaços
sociais e políticos notadamente distintos daqueles tributários do anti-
semitismo tradicional, como partidos e organizações de extrema-direita, elites
tradicionais e segmentos do clero e de camponeses.
O segundo se refere à escalada de atentados violentos contra judeus, ou pessoas
assim consideradas, e suas instituições comunitárias. Apesar das dificuldades
de registrar dados precisos sobre o volume dessas ocorrências, pela própria
natureza dos atos em questão, os dados oficiais indicam um intenso crescimento
de sua presença no espaço europeu desde 20006.
Sinagogas foram cobertas de slogans racistas e danificadas com explosivos e
bombas incendiárias; cemitérios judeus e memórias do Holocausto foram
profanados; escolas judaicas foram pilhadas e incendiadas. O incidente mais
grave ocorreu na Turquia em novembro de 2003, país-membro do Conselho da
Europa, quando duas sinagogas foram atacadas com bombas, provocando 24 mortes e
deixando pelo menos trezentos feridos.
Os exemplos são abundantes7. A França, que abriga a maior comunidade judaica da
Europa Ocidental (aproximadamente 500 mil judeus) destacou-se por exibir no
período os mais altos níveis de violência. Pelo menos duas sinagogas foram
incendiadas em 2003. Em março de 2004, um coquetel molotov foi lançado contra o
centro comunitário de Toulon, que abriga duas sinagogas. Escolas judaicas
também foram alvo de ataques. Um incêndio criminoso contra uma escola judaica
em Gagny, na periferia parisiense, destruiu boa parte do edifício em novembro
de 2003. Em outubro de 2003, o rabino Michel Serfaty foi atacado quando chegava
com seu filho à sinagoga de Ris-Orangis, uma pequena cidade perto de Paris. Um
grupo dentro de um automóvel lançou insultos racistas e ameaças evocando os
conflitos do Oriente Médio. Outros ataques foram contidos a tempo pela polícia.
Na Bélgica, uma creche comunitária foi pilhada e profanada na cidade de Uccle,
em julho de 2003. Um mês antes, um homem tentou explodir um automóvel cheio de
garrafas com gás em frente a uma sinagoga em Charleroi; um ano antes, tiros de
metralhadora foram disparados contra outra sinagoga na mesma cidade. Na
Alemanha, em setembro de 2003, a polícia deteve suspeitos para evitar uma
tentativa de atentado à bomba previsto para ocorrer em 9 de novembro, data do
aniversário do pogrom conhecido como a "Noite de Cristal", que marcou a
perseguição sistemática aos judeu-alemães pelo regime nazista. O atentado
estava previsto para acontecer durante a cerimônia de lançamento da pedra
fundamental de uma sinagoga no centro de Munique, da qual participariam
centenas de judeus e de políticos. Judeus e estabelecimentos judaicos também
foram alvo de ataques na Rússia e em outros lugares da antiga União Soviética:
uma granada foi lançada contra a sinagoga em Derbent em janeiro de 2004, três
coquetéis molotov contra uma sinagoga em Chelyabinsko em fevereiro de 2004, e
menos de dois meses depois uma sinagoga em Nizhny Novgorod foi atacada.
Tentativas de incêndio foram reportadas em sinagogas de Minsk, na República de
Belarus (ex-Bielo-Rússia), em agosto de 2003. A fachada do edifício foi
danificada nesta que foi a quinta tentativa de incêndio em dois anos.
Registraram-se incidentes semelhantes nos demais países europeus, notadamente
na Grã-Bretanha e na Holanda.
Esses dois registros, da retórica e das agressões físicas dirigidas contra os
judeus, não configuram um movimento coerente e articulado. Apresentam, contudo,
algumas características comuns a partir das quais o anti-semitismo corrente
assume uma nova configuração, sobretudo na Europa Ocidental8.
A primeira característica diz respeito ao fato de o anti-semitismo atual,
diferentemente do período que antecede a Segunda Guerra Mundial, e em contraste
com o dos países do antigo bloco soviético no período pós-guerra, encontrar-se
sobretudo na sociedade e não no Estado. Praticamente em todos os países da
Europa as autoridades estatais rejeitam explicitamente o anti-semitismo e
implementam leis e políticas que visam combatê-lo9.
Com relação ao grau de penetração de idéias anti-semitas na população da
Europa, as indicações disponíveis são contraditórias. Não faltam evidências a
indicar que os judeus hoje se encontram bem integrados nas sociedades européias
e que não enfrentam obstáculos ao desenvolvimento de suas vidas pessoais e
comunitárias. Muitos países celebram seus judeus e sua cultura: proliferam
museus, antigas sinagogas são restauradas, cursos de iídiche são oferecidos em
estabelecimentos de educação para adultos, e música e culinária judaicas
adquirem grande popularidade.
Em contrapartida, informações obtidas por meio de pesquisas de opinião
destinadas a mensurar o nível de difusão dos preconceitos antijudaicos chegam a
conclusões divergentes da apreciação anterior. Pesquisa recente realizada em
doze países europeus pela Anti-Defamation League e publicada em 200510 mostra a
força de afirmações estereotipadas: "os judeus são mais leais a Israel do que a
este país" obteve a concordância de 43% dos entrevistados, "os judeus têm muito
poder no mundo dos negócios" contou com a concordância de 30%, "os judeus têm
muito poder no mercado financeiro internacional" obteve 32% de concordância e
42% consideraram como provavelmente correta a proposição "os judeus ainda falam
muito sobre o que lhes aconteceu no Holocausto".
A segunda característica das recentes manifestações de hostilidade contra os
judeus é que hoje não configuram, na maior parte dos casos, um movimento
organizado de mobilização política, tal como ocorria no passado. As
manifestações são difusas, pouco articuladas e os autores nem sempre se
declaram anti-semitas. Essa situação contribui significativamente para tornar o
"novo anti-semitismo" um conceito contestado. Critérios que são vistos por
alguns como centrais na definição do "novo anti-semitismo" - como, por exemplo,
o anti-sionismo - são completamente rejeitados por outros. Tratando-se de um
terreno que possui uma excepcional carga normativa e emotiva, abre-se espaço
para intensas disputas terminológicas e políticas sobre a tipificação desses
eventos, como veremos adiante.
A terceira característica refere-se ao lugar central que o conflito no Oriente
Médio assumiu na motivação das manifestações de animosidade contra os judeus11.
A mudança da origem da animosidade - antes orientada para a condição estrutural
dos judeus na Europa Ocidental e hoje para a condição de diáspora cultural e
política de Israel - marca uma significativa diferença com o anti-semitismo
moderno12. Como afirma Arendt13, a origem do anti-semitismo moderno decorreu da
posição social dos judeus nas sociedades européias do século XVIII e XIX,
particularmente da relação que se estabeleceu entre eles e os Estados nacionais
em formação. Argumenta que, como os judeus estavam fora da estrutura de classes
sociais estabelecidas, dependiam da proteção do Estado nacional, que, por sua
vez, necessitava da elite financeira dos judeus para sustentar suas transações
comerciais. A dependência recíproca, entre os judeus e o Estado, gerou uma
noção exagerada a respeito do poder que os judeus detinham nessas sociedades.
Em contraste, o anti-semitismo contemporâneo não se funda, de maneira geral, em
uma concepção específica da condição socioeconômica dos judeus na estrutura das
sociedades européias, mas na sua estreita ligação com Israel.
A quarta característica diz respeito aos responsáveis pelos atos de violência
dirigidos contra os judeus e contra suas instituições comunitárias. Pesquisas
revelam que boa parte dos autores de atentados não é militante de extrema-
direita, mas "jovens mulçumanos", "pessoas de origem norte-africana" ou
"imigrantes", notadamente na França, na Bélgica e na Grã-Bretanha14. Cabe
destacar que, muitas vezes, o recurso a tais categorias amplas para
caracterizar pessoas parece sustentar a hipótese da existência de comunidades
homogêneas que compartilhariam certas características resultantes do seu
contexto étnico ou religioso. A identificação dos autores como membros de
"comunidades" pode levar, de modo geral, à atribuição de responsabilidades
coletivas a atos individuais, produzindo a "islamofobia", fenômeno correlato ao
anti-semitismo. Nesse sentido, é importante que se retenha a perspectiva de que
"comunidades" apresentam diferenciações internas, não apenas no que diz
respeito à sua inserção na estrutura socioeconômica, mas também na sua adesão a
diferentes referências identitárias.
ANTI-SEMITISMO: GLOBALIZAÇÃO E IDENTIDADES COMUNITÁRIAS
Duas ordens de razões são freqüentemente apresentadas para explicar a
associação entre os atos de animosidade verbal e os de violência física
dirigidas aos judeus por indivíduos ligados a essas comunidades que, a meu ver,
não são excludentes. A primeira diz respeito à transnacionalização dos
conflitos do Oriente Médio. Jovens oriundos das comunidades de imigrantes de
países árabes e muçulmanos na Europa teriam um forte sentimento de
identificação com o destino dos palestinos. Tal identificação seria
particularmente promovida por veículos de comunicação de alguns países árabes
captados via satélite em território europeu, por sermões proferidos em algumas
mesquitas por líderes radicais islâmicos, por discursos pronunciados por vários
governantes de países árabes e muçulmanos. Esses discursos normalmente produzem
uma fusão das categorias "judeus", "israelenses", "sionistas", "Estado de
Israel", "políticas do governo de Israel", "comunidade judaica" e "religião
judaica", transformando cada judeu individualmente - bem como as suas mais
variadas instituições comunitárias - em alvo automático da expressão de
indignação com a situação do Oriente Médio. Assim, todo judeu é percebido como
"representante" das imagens políticas que são elaboradas a respeito de
"Israel".
A forte identificação de jovens descendentes de imigrantes oriundos notadamente
do Norte da África com os palestinos pode ser entendida com base na emergência
do que Olivier Roy15 denominou "islã globalizado". Segundo o autor, o islã vem
se afirmando, tanto na sua versão pietista como nas suas formas mais radicais e
políticas, como uma ummah (nação) globalizada, desconectada de um território e
de uma cultura particular. Uma evidência da nova configuração é o crescente
número de jovens descendentes de imigrantes do Norte da África e do mundo árabe
que, no Ocidente, definem-se prioritariamente como de identidade muçulmana e
não segundo o país ou a cultura de origem de seus pais. O sucesso desse projeto
religioso se deve à capacidade de oferecer alguma referência identitária que
preencha o vazio deixado pela perda de raízes e da cultura herdada e pela
frouxa identificação com a cultura dominante. A nova concepção do islã, segundo
o autor, tem na internet um instrumento perfeito para fazer avançar o modelo de
comunidade abstrata de crentes, desligados de qualquer cultura específica
nacional.
Os judeus na França também mostram claros sinais de que sua identidade está em
franca reestruturação. O modelo clássico de integração formulado no período da
emancipação dos judeus após a Revolução Francesa, cujo mote era "tudo aos
judeus como indivíduos e nada como nação", exibe claros sinais de desgaste16.
Sob vários aspectos, é possível discernir o fortalecimento da identidade
judaica de tipo "comunitarista". Indicação eloqüente nesse sentido consiste no
quase desaparecimento do termo "israelita" como auto-identificação dos judeus e
sua substituição pela designação "judeu". O termo "israelita", que alude a uma
confissão a ser praticada na esfera da vida privada, foi adotado pelos judeus
assimilados do século XIX, que assim pretendiam evitar o uso do termo "judeu"
pelo que carregava de pejorativo. Hoje, a situação se inverteu. Os judeu-
franceses passaram a se auto-identificar como "judeus" enquanto o termo
"israelita" tornou-se quase pejorativo, justamente por aludir a um judeu
envergonhado, que teria reprimido sua identidade em nome da assimilação.
Nas últimas duas décadas, a freqüência de crianças em escolas da comunidade
aumentou. Com efeito, os judeus se mostram mais inclinados a participar da vida
comunitária17. Ademais, começaram a se afirmar como atores visíveis no espaço
público, bem como a expressar sua proximidade com Israel, que passou a ter um
importante papel para aqueles judeus que reclamam para si uma identidade
"étnica". À semelhança de outras comunidades que reivindicam alguma origem
nacional anterior à imigração para as sociedades européias, os judeus também
teriam a sua nação originária, Israel. Não é a nação de onde efetivamente
imigraram (no caso da França, os judeus são majoritariamente oriundos dos
países do Norte da África), mas de uma nação mítica cujos laços são
constantemente emulados pelo governo de Israel e por várias lideranças
comunitárias, embora nem todos definam em Israel o foco da sua identidade e,
menos ainda, mostrem-se inclinados a imigrar para aquele país.
Desse modo, acentua-se o processo de recomposição das identidades de árabes/
muçulmanos e de judeus. No primeiro caso, em função do distanciamento de uma
herança nacional e da adesão a uma comunidade religiosa transnacional; no
segundo, em razão do enfraquecimento da identificação com o modelo republicano
e do fortalecimento da identidade comunitária. Ambos os grupos passaram, então,
a repercutir de maneira mais intensa os conflitos do Oriente Médio.
A segunda ordem de razões considera que a hostilidade contra os judeus na
Europa não pode ser entendida apenas como conseqüência direta da transferência
e da apropriação dos problemas políticos do Oriente Médio. Suzan e Dreyfus18
argumentam que a violência é sobretudo a expressão do descontentamento com as
dificuldades que parcelas importantes de imigrantes árabes/muçulmanos e seus
descendentes têm enfrentado na integração à sociedade francesa, particularmente
no sistema educacional e no mercado de trabalho. Assim, o discurso
antiocidental, antiisraelense e antijudeu permitiria a esses jovens expressar
sua frustração e lhes daria uma nova filiação identitária. Analogamente, a
reação dos judeus à violência se deveria menos ao conflito no Oriente Médio ou
ao temor da comunidade mulçumana e mais ao medo do ressurgimento do anti-
semitismo na população francesa em geral. Tratados sob essa ótica, os atos de
hostilidade contra os judeus adquirem uma dimensão propriamente nacional, na
qual estariam em jogo os antagonismos entre minorias e o próprio futuro da
sociedade francesa. Mas, se é assim, a pergunta que se segue é: por que os
judeus na Europa se tornaram o alvo privilegiado das manifestações de
descontentamento de grupos de imigrantes árabes/mulçumanos e seus descendentes
na Europa?
Alguns estudiosos adotam a velha noção de "bode expiatório" para explicar a
animosidade contra os judeus. Segundo tal interpretação, o anti-semitismo
emanaria de uma situação de crise ou de um episódio de frustração social
intensa. Durkheim19 já havia proposto essa explicação em 1899, a propósito do
caso Dreyfus, escândalo político que dividiu a França por muitos anos,
provocado pela falsa condenação por traição de um oficial do Exército de origem
judaica. O autor afirma que "quando a sociedade sofre, ela tem necessidade de
encontrar alguém a quem imputar seu mal"20. Para esse papel de bode expiatório
seriam designados aqueles cuja imagem já carrega algum tipo de juízo negativo
da opinião pública. Interpretada por essa chave analítica, Rosenbaum21
considera que as dificuldades de inserção socioeconômica na sociedade mais
ampla seriam vividas como frustrações de minorias que se projetam por meio da
incriminação dos judeus ("eles controlam os meios de comunicação", "eles têm
tudo, nós não temos nada"). Uma vez que a maioria dos judeus descende de
imigrantes do Norte da África, a animosidade se agrava pela facilidade de
estabelecer comparação com os demais imigrantes da região, alimentando a inveja
e a hipersensibilidade perante os destinos sociais dos grupos.
De fato, o processo de integração dos judeus na França foi bem-sucedido e
passou a simbolizar um modelo que parece inacessível a outras minorias,
especialmente às de origem norte-africana. Em 2002, mais da metade dos
domicílios de judeu-franceses situava-se na região parisiense; quase metade dos
chefes de família tinha grau universitário, índice superior à média dos
franceses22.
Todavia, a explicação a partir da categoria do "bode expiatório", que remete
prioritariamente às desigualdades socioeconômicas entre "comunidades" e a
processos de ordem psicológica, não atenta para o poder das imagens e
representações construídas acerca da relação entre "Israel" e "os palestinos"
sobre a formação identitária dos jovens imigrantes ou descendentes de
imigrantes dos países árabes/muçulmanos.
Wieviorka23 assinala justamente a importância de levar em conta as duas
dimensões do problema: a de "dentro" (condição de exclusão) e a de "fora" (o
conflito entre Israel e os palestinos) para explicar a animosidade antijudaica.
O autor conseguiu captar, no discurso dos seus entrevistados24, a
correspondência mítica que jovens descentes de imigrantes do Norte da África
estabelecem entre o mundo definido pelo viés palestino e a situação deles na
França. Desse modo, os jovens sublinham
a impotência dos árabes no mundo (e a deles próprios na França), a
incapacidade de os árabes e os mulçumanos se ajudarem (o que eles
observam que também ocorre entre seus correligionários na França), a
inaptidão dos países muçulmanos para socorrer os palestinos e, enfim,
a hegemonia de um pequeno país, Israel, sobre o mundo muçulmano (do
mesmo modo que o judeu imaginário imporia à França os interesses de
uma pequena comunidade minoritária)25.
A construção de uma retórica de vitimização, como observa Chaumont26, marca a
maneira pela qual, na atualidade, grupos excluídos se auto-representam e
definem suas estratégias políticas para obter acesso privilegiado a recursos
materiais e simbólicos. Visto por esse prisma, os conflitos entre minorias
podem ser entendidos como uma disputa para ocupar o "campo social da
vitimização". Como hipótese, o autor sugere que os excluídos de hoje não
dispõem dos mesmos recursos que os explorados de ontem para negociar uma
situação mais favorável no sistema, como, por exemplo, a ameaça de paralisação
da produção por meio de greve. Na falta de outra moeda de troca, o recurso à
posição de vítima passa a ser o único instrumento disponível para validar as
reivindicações de grupos minoritários.
No ambiente de concorrência entre vítimas, os judeus e o Holocausto são
percebidos como ocupando por muito tempo um amplo espaço e hostilizados pelas
"novas vítimas", que os acusam de monopolizar a culpa coletiva local. A disputa
pelo lugar de vítima muitas vezes resvala para a banalização do sofrimento do
concorrente, quando não para a própria negação do Holocausto, como veremos a
seguir.
Um "novo anti-semitismo"?
A escalada de violência antijudaica nos últimos anos deu origem a um debate
complexo e muitas vezes confuso sobre a presença de um "novo" anti-semitismo na
Europa27. O anti-semitismo atual seria basicamente definido como oposição à
existência do Estado de Israel, um Estado criado como resultado das atividades
do movimento sionista entre 1897 e 1948, bem como da decisão das Nações Unidas
em 1947. Segundo essa visão, os ataques à existência de Israel seriam
manifestações inerentemente anti-semitas, pois recusam aos judeus o direito
nacional à autodeterminação, isto é, o direito de decidir sobre sua própria
vida comunitária, suas leis e suas regras, suas instituições, seus símbolos e
seu destino político28. Em contraposição, outros consideram o anti-sionismo um
discurso político legítimo, sem implicações xenofóbicas. Argumenta-se que,
embora a maioria dos anti-semitas autodeclarados de hoje use a retórica anti-
sionista, historicamente muitos anti-semitas eram pró-sionistas. De fato, na
Alemanha e na Polônia, antes da Segunda Guerra Mundial, muitos políticos anti-
semitas apoiavam a emigração ou a expulsão dos judeus para a Palestina como
forma de solucionar o "problema judaico". O anti-sionismo também marca presença
entre correntes minoritárias de ultra-ortodoxos, em Israel e no exterior, que
rejeitam o sionismo porque contrariaria a vontade divina de redenção
messiânica; há também judeus seculares e de esquerda em Israel que se opõem à
existência de Israel como um estado especificamente judeu e propõem que ele
deveria ser substituído por um estado secular no qual judeus e árabes teriam os
mesmo direitos; outros ainda consideram que a criação do Estado de Israel não
teria sido a melhor solução para as dificuldades que os judeus enfrentavam na
diáspora, mas, uma vez que ele existe, não é possível voltar ao status quo
anterior29. Assim, a visão crítica do sionismo não é alheia à própria história
interna do judaísmo. Entretanto, ao contrário de vários outros movimentos
políticos, religiosos e de governos, particularmente nos países árabes ou
muçulmanos, esses grupos recusam a utilização da força para transformar a
realidade atual. Em princípio, pode-se dizer que anti-semitismo e anti-sionismo
não são sinônimos. Se, para alguns, tratá-los como conceitos equivalentes seria
apenas uma estratégia defensiva para inibir as críticas às políticas do Estado
de Israel30; para outros, insistir na separação radical entre eles dificultaria
a apreensão dos preconceitos antijudaicos que se dissimulam no discurso anti-
sionista.
Diante da acirrada disputa sobre a relação entre críticas a Israel e anti-
semitismo, o European Monitoring Centre on Racism and Xenophobia31 elaborou uma
definição de anti-semitismo de caráter operacional, que permitiria separar o
anti-sionismo como um preconceito baseado em visão estereotipada do "judeu" e
aquele cujo sentido é baseado em uma causa política que pode não ser, em si
mesma, antijudaica. Assim, considera-se anti-semitismo "qualquer ato ou atitude
que se baseia na percepção de um sujeito social (individual, grupo, instituição
ou país)" como "o (enganoso, corrupto, conspiratório etc.) judeu"32. Em outras
palavras, o anti-semitismo ocorre quando judeus são percebidos e tratados
segundo atributos típicos do judeu imaginário, construído por meio de
categorias estereotipadas. No que diz respeito a Israel - incluindo-se aí tanto
as posições contra a existência do Estado como aquelas que criticam as
políticas do governo -, considerou-se que quando é percebido como representante
do "judeu", isto é, como representante dos traços construídos pelo anti-
semitismo acerca dos judeus, tais manifestações seriam claramente consideradas
expressões de anti-semitismo.
No debate público atual as fronteiras entre esses dois planos muitas vezes se
confundem, pois a utilização da retórica e de imagens típicas do anti-semitismo
clássico para criticar o Estado de Israel é freqüentemente acionada. Passaremos
a identificar algumas manifestações retóricas do anti-sionismo que, a meu ver,
configuram a confluência entre anti-sionismo e anti-semitismo.
ANTI-ISRAEL E ANTI-SEMITISMO
Caso típico de crítica a Israel, que pode ser interpretada como ativadora de
preconceitos antijudaicos, expressa-se nas acusações dirigidas à instituição
"lobby pró-Israel", em Washington, que exerceria um poder conspiratório e
manipulador da política externa norte-americana. O caráter preconceituoso
associado a essa instituição, muitas vezes chamada de "lobby judeu", residiria
menos no reconhecimento de sua força, o que aliás é publicamente reconhecida
pela sua liderança33, e mais nos tipos de acusação a ela imputadas, tais como
de "dupla lealdade" de seus ativistas, de "agir contra os interesses
americanos" e de "controlar o governo americano". Essas incriminações são, com
efeito, apropriadas à retórica anti-semita tradicional que aciona a figura
imaginária do "judeu": não importa onde estejam, os judeus formam um Estado
dentro do Estado, aprisionando a sociedade no interior da qual vivem.
Provavelmente, esse é um dos únicos lobbies norte-americanos cujos críticos,
não todos evidentemente, acionam uma linguagem desse tipo. Outros lobbies,
apesar de muito criticados, não são alvo da mesma retórica. Como exemplo, a
crítica ao dos latinos anticastristas, igualmente ativo e bem-sucedido, não se
vale do mesmo tipo de condenação moral, nem mesmo pelos simpatizantes da
Revolução Cubana. Interessante notar que a nova construção moral da categoria
"lobby pró-Israel" foi acompanhada de uma mudança na percepção a respeito de
Israel. Até pouco tempo atrás, Israel era percebido como mero país-fantoche dos
interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio. Hoje a situação se inverteu. Os
Estados Unidos passaram a figurar como mero instrumento dos interesses de
Israel.
A retórica do poder manipulador dos judeus aparece também em discursos de
algumas lideranças políticas e religiosas de países árabes e muçulmanos e
circulam livremente na imprensa de tais países. Exemplo freqüentemente citado
de discurso nesta direção foi proferido na 10th Session of the Islamic Summit
Conference, em 16 de outubro de 2003, por Mahathir Mohamad, ex-primeiro-
ministro da Malásia. Assim se expressou, com um misto de animosidade e
admiração pelos judeus, depois de condenar o uso de ataques terroristas por
palestinos:
O inimigo provavelmente irá saudar essas propostas e nós concluiremos
que os proponentes trabalham para o inimigo. Mas pensem. Estamos
enfrentando um inimigo que pensa. Eles sobreviveram 2 mil anos de
pogroms não porque revidaram, mas porque pensaram. Eles inventaram o
socialismo, o comunismo, os direitos humanos e a democracia para que
a perseguição a eles parecesse errada e para que pudessem gozar de
direitos iguais aos demais. Com isso, agora ganharam o controle do
país mais poderoso, e essa minúscula comunidade tornou-se um poder
mundial34.
A retórica de confrontação e condenação política que faz uso de repertório
anti-semita é veiculada livremente na imprensa do Oriente Médio, mas também via
internet, para o mundo todo. Nesses textos são apresentadas acusações, no velho
estilo dos Protocolos dos Sábios de Sião35, nos quais os israelenses são
retratados como praticantes de rituais criminosos: "As fatwas [pronunciamento
legal de um líder religioso] israelenses apelam abertamente para a matança de
crianças palestinas menores de onze anos, inclusive de fetos, com o objetivo de
depuração étnica"36. A imagem segundo a qual os judeus se organizariam sob um
poder central conspiratório também é comum. Resenha elogiosa de um livro de
Fahti-el-Ibyari detalha o funcionamento do poder judaico: "os judeus do mundo
são dirigidos por uma organização ultra-secreta chamada 'Kahila', ou cérebro
diabólico, composta de trezentos diabos ou representantes de Satã"37. Essa
instituição seria responsável pelo assassinato de sábios nucleares egípcios,
pela destruição da economia mundial, pelas guerras na Ásia e na África e pelo
colapso da União Soviética.
Conquanto seja possível encontrar algumas referências preconceituosas sobre os
judeus no Alcorão, como por exemplo serem considerados traidores de Maomé38, a
tradição islâmica não transformou os judeus concretamente mencionados no
Alcorão no "eterno judeu" ou no "judeu abstrato", à semelhança da versão
predominante até pouco tempo atrás no cristianismo. O Alcorão inclusive contém
alguns versos que indicam relações amigáveis entre o Profeta e alguns judeus, e
na tradição islâmica os judeus são vistos como membros de uma comunidade
legítima de crentes em Deus, o "povo do Livro" destinado ao sofrimento. A
teologia islâmica, vista desse modo, contrasta com as concepções católicas do
judeu abstrato, que carrega para sempre a marca da traição de Jesus. Dessa
forma, não é possível afirmar que o anti-semitismo islâmico hoje seja um
produto autenticamente islâmico. E, mesmo se o compararmos aos registros
preconceituosos em relação aos judeus em boa parte da história cristã, veremos
certamente que o islamismo apresenta níveis de tolerância superiores.
Assim, alguns estudiosos interpretam o anti-semitismo islâmico recente como
decorrência da criação do Estado de Israel e do permanente conflito entre
israelenses e palestinos. Todavia, a utilização de imagens estereotipadas dos
judeus para se referir ao conflito do Oriente Médio faz supor que há algo mais
em jogo do que somente o sionismo e as políticas de Israel. Como sugere
Kramer39, trata-se da influência do anti-semitismo religioso e racial do
Ocidente sobre o proselitismo antijudaico do Oriente Médio. Tal influência foi
propiciada pela circulação de elites intelectuais islâmicas nas universidades
européias, elites que assimilaram a visão preconceituosa e estereotipada dos
judeus e a deslocaram para o contexto do Oriente Médio. Transformada em
acusação genérica aos judeus, que se estende além do anti-sionismo, os judeus
passaram a ocupar o lugar dos conspiradores, semelhante àquele que ocuparam no
discurso anti-semita da Europa moderna.
Segundo Wieviorka40, o novo anti-semitismo, baseado em diferentes camadas do
antijudaísmo cristão e moderno, não provém daqueles que têm uma prática
concreta de relação com os judeus, sejam os árabes de Israel, sejam os
palestinos que vivem nos territórios ocupados. Em tais regiões, essas imagens
encontram pouco espaço de repercussão. São, sobretudo, os meios de comunicação
da Jordânia, da Arábia Saudita, do Líbano e do Egito que fornecem esse fluxo de
imagens preconceituosas sobre os judeus. Desse modo, encorajam os leitores a
odiar Israel e os judeus em geral, o que permite, segundo o autor, a criação de
uma suposta causa árabe e muçulmana comum, cujo objetivo é evitar a crítica
interna aos regimes políticos vigentes.
Em meio à retórica antijudaica, é cada vez mais notável a representação dos
judeus como metáfora do Ocidente. Isso pode ser ilustrado pela maneira como os
judeus e Israel foram envolvidos na chamada "controvérsia das charges de
Maomé", que teve início em setembro de 2005. Na impossibilidade de conseguir
alguém que ilustrasse a biografia de Maomé escrita por um autor dinamarquês, o
jornal Jyllands-Poste publicou charges do Profeta consideradas ofensivas ao
islã, especialmente a que mostra Maomé com uma bomba no turbante. Esse
incidente repercutiu rapidamente no Ocidente e ensejou um caloroso debate sobre
democracia e os limites da liberdade de imprensa. Em vários países árabes e
mulçumanos desencadeou-se uma onda de manifestações de rua violentas, com a
ritual queima de bandeiras, inclusive a de Israel, e com apelos ao boicote de
produtos dinamarqueses na região. Na seqüência dos protestos, a imprensa de
muitos países árabes e muçulmanos resolveu, como retaliação à Europa, publicar
caricaturas que aludiam à conspiração judaica para controlar o mundo, que
debochavam do Holocausto e apresentavam imagens demoníacas e estereotipadas dos
judeus (nariz grande, casaca preta, chapéu de abas largas, corpo disforme
etc.), semelhantes àquelas que se tornaram habituais na imprensa anti-semita da
Europa moderna.
A despeito de Israel e dos judeus não estarem na origem desse episódio, eles
foram envolvidos na disputa. Aqueles que se sentiram insultados alegaram que os
judeus estavam por trás do incidente. O presidente do Irã, Ahmadinejad,
declarou na ocasião que "aqueles [que insultam o fundador do islã] são reféns
dos sionistas. E os povos da Europa e dos Estados Unidos pagaram um alto preço
por terem se transformado em reféns dos sionistas"41. O líder do Hezbollah,
Sheikh Hassan Nasrallah, que encabeçou a manifestação de milhares de pessoas no
Líbano, alegou que, se as vítimas do insulto fossem judeus, o Ocidente teria
agido rapidamente: "É o mundo islâmico menos importante que um punhado de
sionistas? Não podemos aceitar isso... Vamos levar a mensagem de Deus não
apenas pela nossa voz, mas pelo nosso sangue"42. O que importa reter desse
evento é que Israel deixou de ser uma realidade geográfica, política e nacional
concreta para se transformar nos "judeus", e esses, por sua vez, em símbolo que
condensa as representações negativas acerca da Europa e do Ocidente em geral.
Outro tema que se destaca na nova retórica anti-semita consiste na negação do
Holocausto e na associação de Israel aos símbolos nazistas. O Holocausto é, com
certeza, o principal evento ao redor do qual a identidade judaica contemporânea
se construiu, particularmente na diáspora. A conexão entre o tema do Holocausto
e Israel se fortaleceu recentemente como estratégia do governo de Israel para
legitimar a existência do Estado em face do crescimento do discurso anti-
sionista de seus adversários.
A negação do Holocausto, que se iniciou na Europa com os chamados historiadores
"negacionistas", penetrou na consciência de parcelas expressivas do islamismo
radical nos últimos anos43. Mais precisamente, em um primeiro momento,
mencionava-se o Holocausto não para negá-lo, mas para argumentar que a solução
do problema do anti-semitismo europeu não poderia recair sobre o povo
palestino. Em seguida, observa-se uma mudança na relação com o Holocausto, cuja
existência é negada. Para os "negacionistas", o Estado de Israel não pode se
justificar pelo Holocausto, já que nunca teria existido44. Desta forma, o
"negacionismo" europeu foi assimilado pelo radicalismo islâmico como estratégia
política na luta contra a existência do Estado de Israel.
Ao mesmo tempo, aparece no espaço público, com certa assiduidade, a construção
simbólica de analogias entre Israel e os nazistas. Tais analogias - que
certamente contradizem o discurso "negacionista", já que sua força retórica
repousa justamente na associação de Israel com o "mal absoluto" - são
comunicadas por meio de caricaturas e cartoons, grafites nos muros das cidades
européias, em faixas e cartazes exibidos nas manifestações de rua na Palestina
e em diversos países árabes e muçulmanos, bem como em passeatas realizadas pelo
movimento antiglobalização45. Nesses diferentes espaços, a estrela-de-davi é
igualada à suástica, ou a suástica é sobreposta ao mapa de Israel e ao rosto
dos seus governantes. Segundo Markovits46, a utilização dos símbolos nazistas
para caracterizar Israel aspira a cumprir três objetivos: o primeiro é
deslegitimá-lo, associando-o ao símbolo mais conhecido do "mal absoluto"; o
segundo pretende humilhar o povo judeu, igualando-o aos perpetradores do
genocídio que quase o eliminou há sessenta anos; o terceiro pretende liberar a
Europa da culpa que guarda pela relação histórica tumultuada que manteve com os
judeus. E, finalmente, ao imputar aos israelenses e a Israel qualidades
demoníacas e inumanas, permite, em conseqüência, legitimar qualquer meio de
defesa em face da ameaça que eles representariam.
Conforme sugerem os exemplos acima descritos, o discurso anti-sionista,
principalmente aquele irradiado do Oriente Médio, tem assumido uma linguagem
que aciona antigos preconceitos e estereótipos típicos da retórica anti-semita
da Europa moderna.
CONCLUSÕES: REPENSANDO O MULTICULTURALISMO
A combinação peculiar da retórica anti-sionista em circulação no Oriente Médio
com o repertório típico de imagens e símbolos do anti-semitismo moderno europeu
encontra hoje na Europa um espaço propício de reprodução naqueles setores
duplamente condicionados pela identificação que mantêm com as versões mais
radicais da causa palestina e pela experiência de exclusão e forte sentimento
de injustiça social nas sociedades européias.
A escalada do anti-semitismo na Europa apresenta um sério desafio às
expectativas mais otimistas de uma vida pública baseada em "comunidades" e de
sua capacidade de promover o bem-estar comum. Com o fim da Guerra Fria e dos
regimes autoritários do bloco soviético, a retórica política no Ocidente,
centrada no ideário da democracia liberal, de liberdade e direitos individuais,
passou a ser percebida como ultrapassada e pouco atraente para mobilizar a
participação dos cidadãos na política. Em contrapartida, as "comunidades" com
suas práticas e crenças foram redescobertas na sua capacidade de oferecer uma
visão mais substantiva do self, tornar a política mais rica e promover um
significativo avanço do bem comum47.
Os regimes liberais, por não reconhecerem o que se encontrava fora de sua
jurisdição, foram desafiados pela chamada "política das identidades", ou seja,
desafiados pelas atividades de grupos e movimentos sociais que reivindicam a
representação dos interesses de setores particulares da sociedade. Tais grupos
compartilhariam uma experiência comum, real ou percebida, de injustiça social
com relação à sociedade mais ampla da qual participam.
A "política da identidade" significa mais que o reconhecimento de identidades
desfavorecidas pelos estereótipos e preconceitos dominantes. Implica levar a
auto-identificação religiosa, cultural ou étnica para o centro da vida política
e institucional. O espaço público, assim redefinido, seria, então, o locus da
co-habitação das diferenças e suas correspondentes narrativas. Os seus
defensores, em geral, só concebem como hipótese negativa desse modelo a
emergência de uma indiferença relativista entre as culturas, de modo que a
hipótese de conflito entre "comunidades" em um contexto multicultural é em
geral ignorada. Todavia, as "culturas", "etnicidades" e "religiões" não são
necessariamente virtuosas e, muito freqüentemente, são apropriadas por
lideranças políticas e religiosas que constroem identificações imaginárias,
segundo as quais aos indivíduos são designadas categorias fixas e
presumivelmente autênticas de pertencimento. Inversamente, a identidade
coletiva, como classe de pertencimento, passaria a ser a única a plasmar a
qualidade de um verdadeiro indivíduo, isto é, um ser único, singular e
indivisível48.
Esse jogo de identidades produz, desse modo, a indiferenciação dos indivíduos:
cada ação pessoal é percebida como expressão de uma coletividade.
Especificamente, no caso de que estamos tratando, essa construção supõe que
ações condenáveis do governo de Israel sejam responsabilidade da entidade "povo
judeu", ou que uma charge de um humorista dinamarquês, percebida como ofensiva,
incrimina o "Ocidente", que, por sua vez, é simbolizado pelos "judeus". Na
mesma chave de interpretação, um ato terrorista é considerado culpa do "islã",
ou um ato de agressão de um jovem descendente de imigrantes é um crime cometido
por "árabes". Assim, sucessivamente, pessoas são categorizadas em termos da
suposta tradição, religião ou cultura que herdaram da sua comunidade de origem.
Klug49, através de um experimento teórico, nos convida para uma reflexão a
respeito das vivências imaginárias de um certo rabino idoso que fora retirado
do ônibus 73 em Londres pela motorista Mary. Na calçada, o rabino Cohen reflete
se foi vítima de anti-semitismo. Em outras palavras, será que ele experimentou
a hostilidade básica que se manifesta contra o judeu como o "judeu"? E se o
rabino Cohen estivesse fumando no ônibus? Mesmo que a longa barba e o solidéu
obviamente o identificassem como judeu, talvez Mary simplesmente o tivesse
colocado para fora do ônibus porque ele estava fumando no interior do veículo.
Dessa maneira, Mary não lhe teria dispensado um tratamento diferente ao dado a
Jane Smith ou a Bhupinda Singh, também retirados do ônibus naquele mesmo dia.
Se é assim, a decisão decorreu do fato de ele ser fumante, e não de ser judeu.
E se Mary tivesse retirado o rabino do ônibus por ele cantar uma música
religiosa, profundamente importante para ele como judeu, no máximo da sua voz?
Será que ela o teria expulsado porque ele cantava ou porque cantava uma música
judaica? Teria sido porque cantava como judeu ou porque cantava alto? Foi ele
retirado do ônibus por ser judeu ou por ser barulhento? E se Mary foi, de fato,
preconceituosa e intolerante na sua atitude com o rabino Cohen? Ela conhece
esse tipo de pessoa e decidiu pô-lo ostensivamente para fora do ônibus não
porque estava cantando, mas porque, na verdade, ele é um estrangeiro criador de
caso que, para começo de conversa, nem deveria estar ali. Basta olhar para o
rabino Cohen, com sua aparência oriental, sua longa barba e seu boné esquisito,
para confirmar a Mary exatamente o que ele é: um desses mullahs. "Cai fora,
Abdul", grita ela enquanto o empurra para a calçada, onde o rabino Cohen
reflete, filosoficamente, se não teria sido uma vítima da islamofobia!
Islamofobia, racismo, xenofobia e anti-semitismo guardam a mesma estrutura
elementar de classificação, apesar dos diferentes temas selecionados pelos seus
respectivos discursos. Nela, as individualidades são dissolvidas em nome do
conforto que a divisão totalitária entre o "nós" e o "eles" confere aos
habitantes de sociedades em constante mudança. Nesse sentido, a forte demanda
por reconhecimento das identidades como meio para a promoção do bem comum não é
evidente. E é sobre esse novo paradigma de organização política que a Europa
Ocidental se debate atualmente.
[1] Para uma crítica à premissa do "eterno anti-semitismo", presente sobretudo
entre muitos historiadores, ver Arendt, Hannah. Origens do totalitarismo I - O
anti-semitismo, instrumento de poder. Rio de Janeiro: Editora Documentário,
1979 [1973] .
[2] Bauman, Zigmunt. Life in fragments: essays in postmodern morality. Oxford:
Blackwell, 1995 [1988] .
[3] Entre essas elites se destacam os fundadores do movimento sionista, que
propunham a normalização do povo judeu mediante a construção de um Estado
nacional e as instituições filantrópicas dedicadas a alterar a estrutura
ocupacional dos judeus. Para uma análise dos empreendimentos filantrópicos no
Brasil, ver Sorj, Bila. "'Normalizando' o povo judeu: a experiência da Jewish
Colonization Association no Brasil". In: Identidades judaicas no Brasil
contemporâneo. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
[4] Apud Bauman, op. cit., p. 219.
[5] Também cresceu, neste mesmo período, a hostilidade dirigida a outros
grupos, notadamente árabes, muçulmanos, refugiados e imigrantes, ou assim
percebidos. Para a França, segundo dados do Ministério do Interior, desde 2000
a incidência de atos de ameaça e de violência de natureza anti-semita supera
aqueles de natureza racista e xenofóbica (Commission Nationale Consultative de
Droits de l'Homme, La lutte contre le racisme, l'antisémitisme et la
xénophobie: rapports d'activité, Paris, La Documentation Française, 2006,
www.lesrapports.ladocumentationfrançaise.fr/_BRP/064000264).
[6] Para um levantamento dos incidentes anti-semitas na Europa nos últimos
anos, ver McClintock, Michel & Sunderland, Judith. L' Antisémitisme en
Europe: um défi à la indefférence officielle. Human Rights First, 2004
(www.HumanRightsFirst.org).
[7] Essas ocorrências estão detalhadas no relatório de Michel Posner, diretor
executivo do Human Rights First apresentado ao State Committee on Foreign
Relations dos Estados Unidos em abril de 2004 (www.humanrightsfirst.org/
discrimination/antisemitism/Antisem_test_final4.pdf).
[8] Estamos excluindo de nossa análise o anti-semitismo da extrema-direita, uma
vez que não é sobre essas manifestações que o debate público atual se
concentra.
[9] Vários encontros governamentais foram realizados nos últimos anos para
lidar explicitamente com esse problema. O mais recente foi a Conferência sobre
Anti-Semitismo e outras Formas de Intolerância, em Córdoba, Espanha, em junho
de 2005.
[10] Os países pesquisados foram Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Itália,
Alemanha, Holanda, Espanha, Suíça, Grã-Bretanha, Hungria e Polônia. A pesquisa
mostra que a idade mais avançada e o menor nível de escolaridade são fatores-
chave na probabilidade de os entrevistados concordarem com os estereótipos
anti-semitas (Anti-Defamation League, Attitudes towards Jews in twelve European
countries, maio 2005).
[11] Certamente, a extrema-direita européia continua a ver os judeus como
agentes de uma modernidade incontrolável que ameaça as virtudes das sociedades
nacionais fundadas na tradição.
[12] Em alguns países, o pico dos incidentes ocorreu durante o mês de abril de
2002, justamente no momento em que o exército israelense ocupou várias cidades
palestinas, provocando acirrada controvérsia sobre a política de ocupação e os
métodos utilizados para conter a Segunda Intifada.
[13] Arendt, op. cit.
[14] Para um inventário que identifica os autores dos atentados, ver European
Monitoring Centre on Racism and Xenophobia, Manifestations of anti-Semitism in
the EU-2002-2003, 2005 (http://eucm.eu._int). O relatório
alerta, todavia, para os limites dos dados coletados, uma vez que a maior parte
das classificações dos autores dos ataques foi baseada apenas nas percepções
das vítimas e de testemunhas.
[15] Roy, Olivier. Globalised Islam. The search for a new ummah. Nova York:
Columbia University Press, 2004.
[16] Cohen, Martine. "Les Juifs de France: modernité et identité". Revue
d'Histoire, n. 66, abr.-jun. 2000.
[17] Ibidem.
[18] Suzan, Bénédicte & Dreyfus, Jean-Marc. Muslims and Jews in France:
communal conflits in a secular state. The Brookings Institution U.S.-France
Analysis, Washington, 2004 (http://_www.brookings.edu/fp/_cusf/analysis/
suzan2004_0229.pdf).
[19] Durkheim, Émile. "Antisémitisme et crise social". In: Victor Karady
(org.), Textes, vol. 2 - Religion, morale, anomie. Paris: Éditions de Minuit,
1975.
[20] Ibidem, p. 253.
[21] Rosenbaum, Aléxis. L´Antisémitisme. Paris: Breal, 2006.
[22] Cohen, op. cit.
[23] Wieviorka, Michel. La tentation antisémite: haine des juifs dans la France
d´aujourd´hui. Paris: Lafont, 2005.
[24] A pesquisa foi realizada a partir de entrevistas com jovens muçulmanos
encarcerados em presídios.
[25] Wieviorka, op. cit., p. 195.
[26] Chaumont, Jean-Michel. La concurrence des victimes: génocides, identité,
reconnaissance. Paris: La Decouverte, 1997.
[27] Foxman, Abraham H. Never again? The threat of the new anti-Semitism. Nova
York: HarperCollins/HarperSan Francisco, 2003; Dershowitz,
Alan. The case for Israel. Hoboken, New Jersey: John Wiley & Sons, 2003; Chesler, Phyllis. The new anti-Semitism: the current crisis
and what we must do about it. San Francisco: Jossey-Bass, 2003.
[28] Sarfati, Georges-Elia. L'Antisionisme. Israël/Palestine aux miroirs
d'Occident. Paris: Berg International, 2002.
[29] Para uma visão da diversidade atual de pontos de vista acerca do sionismo
na elite intelectual, política e acadêmica de Israel, ver Flint, Guila &
Sorj, Bila. Israel, terra em transe. Democracia ou teocracia? Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000.
[30] Finkelstein, Norman. Beyond chutzpah: on the misuse of anti-Semitism and
the abuse of history. Califórnia: University of California Press, 2005.
[31] Instituição criada pela União Européia para monitorar as manifestações de
racismo e anti-semitismo no Continente. Ver Manifestations of anti-Semitism in
the EU-2002-2003, cit.
[32] Ibidem, p. 13.
[33] The American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) é um dos mais
importantes lobbies americanos. Em seu site, a seção "quem somos" traz
explicitamente esse reconhecimento. A organização assim se apresenta: "Por
essas razões, o The New York Times chamou o AIPAC a mais importante organização
que afeta a relação entre os Estados Unidos e Israel, enquanto a revista
Fortune sistematicamente classifica o AIPAC entre os mais poderosos grupos de
interesse da América" (http://www._aipac.org/about/).
[34] Daily Times, 20/3/2003.
[35] Esse texto apócrifo, publicado no início do século XX, descreve o plano
dos judeus para dominar o mundo; é considerado um marco que inaugura a teoria
da conspiração judaica.
[36] Al-Doustour (Jordânia), 17/4/ 2003. Esse extrato e o seguinte são citados
em Wieviorka, op. cit., p. 112, e constam do inventário realizado pelo site
www.proche-orient.info.
[37] Akher Saa'a (Egito), 26/02/ 2003.
[38] O Alcorão relata que alguns judeus se comportaram como traidores do
Profeta Maomé.
[39] Kramer, Martin. The salience of Islamic anti-Semitism. Institute of Jewish
Affairs Reports, Londres, n. 2, out. 1995 (http://www.geocities.com/
martinkramerorg/Antisemitism.htm).
[40] Wieviorka, op. cit.
[41] Iran Focus, 11/2/2006.
[42] Jerusalem Post, 10/2/2006.
[43] Said, Edward W. "Réponse aux intellectuctuells árabes fascinés par Roger
Garaudy. Israel-Palestine, une troisième voie". Le Monde diplomatique, ago.
1998 (http://www._monde-diplomatique.fr/1998/08/SAID/_10786).
[44] Para um levantamento de pronunciamentos "negacionistas" na Europa e no
Oriente Médio, ver www.Wikipedia.org/wiki/Holocaust_denial. O
pronunciamento de maior repercussão na mídia ocidental foi proferido pelo
presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na reunião da Organization of Islamic
Conference (OIC), realizada em Meca em 2005. Assim se expressou o presidente
iraniano: "Alguns países europeus insistem em dizer que Hitler matou milhões de
inocentes judeus em crematórios, e eles insistem nisso, e, se alguém provar
qualquer coisa em contrário, eles condenam essa pessoa e a colocam na prisão".
O pronunciamento foi fortemente criticado pelo Muslim Public Affairs Council,
organização que trabalha em prol dos direitos civis dos americanos muçulmanos.
[45] Uma vez que o movimento antiglobalização congrega diferentes grupos, não é
possível generalizar manifestações que ali ocorrem como se fossem
representativas do movimento como um todo. Naomi Klein, escritora e ativista do
movimento antiglobalização e severa crítica das políticas do governo
israelense, manifestou sua preocupação com o fato de que "enquanto o movimento
antiglobalização sempre se manifesta corretamente contra o antiislamismo, nunca
se pronuncia contra a onda de anti-semitismo na Europa". E sua indignação
continua: "Toda vez que eu acesso o site de livre acesso de notícias de
ativistas do movimento, como o Indymedia.org, eu me confronto com um fio de
teorias conspiratórias sobre os judeus acerca do 11 de Setembro e com citações
do Protocolo dos Sábios de Sião. O movimento antiglobalização não é anti-
semita, ele apenas ainda não enfrentou as implicações de mergulhar nos
conflitos do Oriente Médio [...]. É possível criticar Israel e condenar
vigorosamente o crescimento do anti-semitismo. E é igualmente possível ser a
favor da independência da Palestina, sem adotar uma visão simplista e
dicotômica 'pró-Palestina/anti-Israel', imagem que espelha a equação 'o bem
versus o mal', tão cara ao presidente George W. Bush" (Toronto Globe &
Mail, 24/4/2002,http://_www.zmag.org/content/Activism/klein_oldhates.cfm).
[46] Markovits, Andrei S. "'Twin brothers': European anti-Semitism and anti-
Americanism". Jerusalem Center for Public Affairs, Post-Holocaust and Anti-
Semitism: Web Publications, n. 6, 8/1/2006 (http://www._jcpa.org/phas/phas-
markovits-06.htm).
[47] Bell, Daniel A. Communitarianism and its critics. Oxford: Oxford
University Press, 1993; Taylor, Charles. The ethics of
authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
[48] Taguieff, Pierre-André. La force du préjuge: essai sur le racisme et ses
doubles. Paris: Éditions La Decouverte, 1987.
[49] Klug, Brian. "The collective Jew: Israel and the new anti-Semitism",
Patterns of Prejudice (Londres: Routledge), vol. 37, n. 2, jun. 2003, apud
Slim, Hugo. How we look: hostile perceptions of humanitarian action, 2004
(http://www.hdcentre.org).