Os cidadãos mundiais entre a liberdade e a segurança
Na esteira de novas liberdades, a globalização trouxe novas inseguranças. O
alcance da liberdade econômica está se tornando maior; as tecnologias modernas
expandem ainda mais as possibilidades da comunicação e, com elas, outro aspecto
da liberdade. Porém, o maior ganho em liberdade pode ser observado no direito
internacional. Na qualidade de sujeito dos direitos humanos, o indivíduo torna-
se sujeito do direito internacional, e, junto com os Estados soberanos, o único
portador de subjetividade jurídica internacional. Isso está expresso com a
maior clareza no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional. A
comunidade internacional coloca o indivíduo sob sua proteção contra Estados
soberanos que cometem as violações mais graves aos direitos humanos. Com isso,
os cidadãos nacionais, em sua maioria, passam a ser, ao mesmo tempo, cidadãos
mundiais. O diagnóstico otimista de Kant parece ter-se tornado finalmente
realidade:
Os povos da terra entraram assim, em graus variados, numa comunidade
universal, e ela se desenvolveu a tal ponto que uma violação de
direitos em uma parte do mundo é sentida em todos os lugares. A idéia
de um direito do cidadão cosmopolita não é, portanto, fantástica ou
exagerada; é um complemento necessário ao código não-escrito do
direito político e internacional, transformando-o num direito
universal da humanidade. Somente sob essa condição podemos nos
orgulhar de estarmos avançando continuamente no sentido de uma paz
perpétua1.
Essa visão otimista de "uma sociedade civil que pode administrar a justiça
universalmente"2 em escala mundial é negada pelo fato de a maior e mais
influente potência mundial de hoje - os Estados Unidos - ter rejeitado essa
relativização cosmopolita de sua soberania. Entre os muitos motivos para essa
recusa não é dos menores o temor de que a perda do poder de decidir por si
mesmo quanto à aplicação de força ameaçaria também a segurança de seu modo de
vida livre, que pode parecer a realização da idéia kantiana. Os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001 e o terrorismo internacional atual
parecem confirmar essa apreensão quase que diariamente. Suspeita-se que os
verdadeiros inimigos do cidadão cosmopolita não são os Estados assassinos, mas
terroristas e suas redes internacionais, líderes militares, governos criminosos
("Estados párias") e o crime organizado. Diante dessas ameaças, os cidadãos
mundiais voltam a se refugiar no estatuto de cidadão nacional a fim de obrigar
o Estado a tomar medidas apropriadas para protegê-los. As ordens jurídicas
nacionais do Ocidente estão no meio do caminho entre a disciplina
constitucional do direito penal e do poder de polícia e um direito da segurança
transnacional, instituído para além das constituições nacionais. Tais ordens
jurídicas já haviam começado essa transição antes da crescente ameaça
terrorista da qual o 11 de setembro é o marco principal. Esse crime serviu
apenas para acelerar - embora com muita intensidade - o desenvolvimento de uma
arquitetura transnacional de segurança, processo que já estava em andamento.
Essa arquitetura intervém profundamente nas liberdades civis individuais, tanto
nos direitos básicos dos cidadãos dos Estados como nos direitos humanos dos
cidadãos mundiais (world citizens). A liberdade garantida ao cidadão tomado
como cidadão do mundo parece ser suprimida pelas regras que tratam da
segurança. Um exemplo vindo da União Européia (UE) esclarece essa dialética de
ganhos e perdas de liberdade. Após a abertura das fronteiras estabelecida pelo
Acordo de Schengen, os controles que eram feitos originalmente na fronteira
foram transferidos para dentro do país. Alguns estados alemães introduziram a
assim chamada Schleierfahndung [investigação velada], que permite abordar
pessoas, independentemente de qualquer suspeita, dentro do marco do "combate
preventivo à criminalidade". Ou seja, a expansão da liberdade de movimento
através das fronteiras (sem controle na travessia) foi acompanhada de uma perda
de liberdade no interior do Estado (maior controle interno antes mesmo de se
concretizar a situação limite em que se configuraria a suspeita de um perigo ou
crime). A seguir, delinearei essa arquitetura transnacional de segurança e
mostrarei como ela dissolve as categorias jurídicas tradicionais que preservam
a liberdade. Em uma terceira etapa, procurarei os motivos e as explicações que
atualmente legitimam, e por meio dos quais se aceita amplamente, a prioridade
da segurança sobre a liberdade.
A ARQUITETURA TRANSNACIONAL DE SEGURANÇA
Ao lado do direito penal, as regras que disciplinam o poder de polícia são
elementos constituintes básicos da arquitetura da segurança, entre os quais se
incluem medidas de inteligência e operações militares. Juntos, constituem
equivalentes funcionais para a criação de um "espaço de segurança interna",
cujos limites externos não coincidem mais com as fronteiras nacionais, mas
abrangem todos os Estados que buscam conjuntamente o objetivo de fornecer
segurança. A União Européia compromete-se, assim, numa redundância notável do
Artigo 29 da proposta de Constituição da UE, a "oferecer aos cidadãos um alto
grau de segurança dentro de um espaço de liberdade, segurança e justiça,
mediante o desenvolvimento de um procedimento comum dos Estados membros no
campo da polícia e da cooperação judicial em assuntos penais [...]". Desse
modo, o direito penal já está alinhado com a provisão de segurança. Isso é
confirmado pelo Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a
Europa (Art. III-158), que obriga a UE a coordenar a cooperação de forças
policiais e órgãos de direito penal a fim de "garantir um alto grau de
segurança". O "espaço de liberdade, segurança e justiça" é um dos objetivos da
União (Art. III). Na Carta dos Direitos Fundamentais, liberdade e segurança são
nomeadas ao mesmo tempo; o Artigo II-6 diz: "Toda pessoa tem o direito à
liberdade e à segurança".
A escolha de meios para criar o espaço de segurança não se rege por princípios
e por suas condições de aplicação, mas pelo objetivo de estabelecer um alto
grau de segurança e pelas condições limitantes dos respectivos perigos e
oportunidades. Os perigos contra os quais a arquitetura transnacional de
segurança está sendo erguida são o crime organizado e, como o 11 de setembro de
2001 intensificou e acelerou um processo já iniciado, o terrorismo
internacional. Desde então, quase que só se fala de direito penal em conexão
com a segurança interna, e cada reforma do direito penal está baseada num
pacote de medidas que inclui, além das regras sobre poder de polícia, os
serviços secretos e, agora, também as forças militares. Isso ampliou ainda mais
os limites e os poderes em cada área do direito. No que diz respeito ao poder
de polícia, cujas regras possibilitam medidas proporcionais de defesa contra
perigos concretos, o limiar foi movido para muito além da suspeita da
existência de uma situação de perigo: a possibilidade de ação da autoridade
depende apenas de uma avaliação subjetiva. Começou há muito tempo o processo de
expansão do direito penal a tal ponto que ele passa a violar os interesses
protegidos por lei. Além disso, a luta contra o crime organizado abriu as
portas para um enrijecimento drástico do direito penal material e processual
(Lei de Controle do Crime Organizado, 1992). Ao mesmo tempo, isso levou a uma
setorialização do processo penal: quando se investiga o crime organizado,
permite-se mais e pode-se intervir nos direitos básicos de forma mais profunda
e abrangente do que em outros casos. A atenção pública estava voltada para a
introdução dos chamados Grossen Lauschangriffs - grampos em residências
privadas - tanto nas regras que disciplinam o poder de polícia no nível dos
estados como no processo penal. A eqüidade dos procedimentos diminui
proporcionalmente ao grau de organização dos criminosos perseguidos. Ademais,
medidas preventivas contra ameaças e repressão policial estão cada vez mais
entrelaçadas; a possibilidade de intercâmbio entre elas que já se vislumbra no
horizonte está firmemente ancorada: provas obtidas no combate preventivo ao
crime também podem ser usadas nos procedimentos preliminares, e isso muito
antes da configuração de uma suspeita inicial. Por fim, romperam-se as
fronteiras não somente entre prevenção do perigo e autoridades de investigação
criminal, mas também entre estas e os serviços de inteligência: o Serviço
Federal de Inteligência alemão pode iniciar processos criminais baseados em
suas descobertas (Art. 1 § 1-3 G10)3. Isso é um sinal de que a luta contra o
crime organizado também tem sido levada a cabo, há muito tempo, com a
utilização de meios militares e de serviços de inteligência. A descrição
outrora crítica dessa transformação como "direito penal do inimigo"
[Feindstrafrecht] adquiriu um sentido positivo4. Por fim, a ficção de um
direito penal unificado e, em especial, de um procedimento penal unificado,
deveria também ser abandonada. Na verdade, há muito tempo existem procedimentos
completamente diferentes no direito penal que, por sua vez, são apenas tijolos
da construção de uma arquitetura transnacional de segurança.
Podemos falar de transnacionalização pois muitos Estados, juntos e de forma
coordenada, estão reformando suas ordens jurídicas nacionais respectivas na
mesma direção. Isso não se manifesta tanto num fundamento jurídico comum de
vigência transnacional ou no estabelecimento de uma autoridade de segurança
onipotente, mas sim na forma de coordenação e cooperação intergovernamentais.
Os governos concordam em tomar os mesmos tipos de medidas preventivas e
repressivas de combate ao crime, de tal forma que a soberania legislativa
nacional permanece intocada. Os resultados, no entanto, encaixam-se de tal modo
que surge funcionalmente um direito de segurança transnacional homogêneo. Além
disso, surgem redes intergovernamentais por meio da cooperação transnacional
iniciada pelos governos entre os serviços de inteligência e as autoridades
policiais e de persecução penal, sobretudo no que diz respeito ao intercâmbio
de informações. Essas redes são compostas por diferentes autoridades estatais,
tanto em nível nacional, numa interconexão entre polícia, justiça penal,
serviço secreto e autoridades militares, como em nível transnacional, numa rede
que atravessa as fronteiras nacionais.
Esse desdobramento não contradiz o já citado declínio da significação da
soberania nacional por meio da relativização dos direitos humanos? O conceito
moderno de soberania pressupõe não somente um monopólio das tomadas de decisão
finais e mais importantes, mas também dos meios de força. Porém, o monopólio
militar e policial da força, paralelo ao monopólio da execução e do cumprimento
da pena, está cada vez mais separado de sua âncora no terreno místico da
soberania nacional e sujeito, por assim dizer, à racionalização técnica da
segurança. A função da segurança pode ser desvinculada do Estado-nação
territorial: que eles ainda coincidam parece ser um fenômeno transitório. Sob
esse aspecto, o Estado está se transformando numa agência de segurança que
compete e coopera com outros provedores de serviços de segurança. Entre esses,
encontram-se os serviços privados, cada vez mais organizados em nível
transnacional, bem como as redes e as cooperações intergovernamentais, que
também desempenham cada vez mais a função única de oferecer segurança. As
agências de segurança estatais não assumem tarefas qualitativamente diversas
das assumidas pelos serviços privados. Tais tarefas são apenas
quantitativamente maiores e mais complexas. Do mesmo modo, os Estados-nação
privatizam cada vez mais as tarefas de segurança, em especial as ações de
prevenção de perigo. Esse é também o caso da provisão de segurança externa,
como mostra a contratação de serviços privados de segurança pelo governo norte-
americano no Iraque. Sempre que o Estado não pode ou não quer mais oferecer
segurança, aumenta a demanda por serviços privados nessa área.
Evidentemente, uma conseqüência da organização e comercialização da segurança
em termos de mercado é que ela cai sob os imperativos do sistema econômico. A
segurança está se tornando um bem escasso e caro pelo qual somente alguns podem
pagar, e é distribuída de modo desigual. Afinal, a provisão de segurança pelo
Estado ainda se distinguia pelo imperativo do tratamento igual - mesmo que, na
realidade, possa ter havido maior ou menor seletividade quanto a quem era
protegido de quais perigos. Porém, o que é decisivo é que o Estado, no seu
papel de agência de segurança, atende a uma demanda por segurança do mesmo modo
que os serviços privados o fazem, com a única diferença de que ele não obtém
uma recompensa monetária, mas política. Aqueles que exigem segurança de forma
política e são fortes o suficiente para recompensar sua provisão de forma
também política - por exemplo, com uma maioria de votos na eleição seguinte -
recebem um "pacote de segurança" correspondente. Do ponto de vista formal, o
direito sobre a segurança pode ainda estar preso à legislação nacional e a um
poder executivo sujeito à lei, mas, do ponto de vista material, há muito tempo
já se separou deles, tornando-se um serviço que pode ser fornecido por quase
qualquer um. A provisão de segurança pelo Estado em competição e cooperação com
os serviços privados, bem como numa rede transnacional com outros Estados,
difere fundamentalmente de uma concepção hobbesiana, em que a provisão de
segurança é praticamente a raison d'être da soberania estatal.
A DISSOLUÇÃO DAS CATEGORIAS JURÍDICAS
Na discussão sobre o equilíbrio apropriado entre liberdade e segurança que
ocorreu após 11 de setembro de 2001, a segurança claramente ganhou prioridade5.
As conseqüências para a política contra o crime fortaleceram o caminho que já
havia sido aberto para o surgimento de um direito transnacional de segurança. À
arquitetura da segurança foram acrescentados a guerra ofensiva preventiva e o
uso da força militar em primeiro lugar - além do caso até então familiar da
intervenção humanitária. A rede funcional de direito penal e autoridades
policiais, bem como serviços secretos, foi expandida para incluir as forças
militares. A guerra no Afeganistão pôde ser justificada de várias formas: como
um ato retaliatório de punição, como uma operação de perseguição penal contra
aqueles que estavam por trás dos assassinos do 11 de setembro, como uma medida
policial preventiva na luta contra o terrorismo internacional e, portanto, para
prevenir ataques futuros, ou, ainda, como uma guerra preventiva para se
defender de perigos iminentes. Essas diferentes justificativas -
independentemente de seu poder de persuasão, altamente questionável6 -
neutralizam-se umas às outras no que diz respeito a seus pressupostos e
conseqüências jurídicas. As categorias jurídicas dissolvem-se e, com elas, as
competências e as responsabilidades, os deveres e a accountability por sua
possível violação, bem como o modo como o exercício da autorização legal pode
ser judicialmente supervisionado. Uma ação policial está ligada às precondições
impostas pelas regras sobre poder de polícia - a existência de um perigo e a
proporcionalidade do ataque - por meio da revisão de um tribunal
administrativo; uma medida de perseguição penal está ligada à apresentação de
fundamento para suspeita e está, do mesmo modo, sujeita ao princípio restritivo
da proporcionalidade, com as revisões judiciais correspondentes; um ato de
punição não pode acontecer sem um processo justo e reações previamente
estabelecidas, e a pena em si deve ser proporcional e, sobretudo, deve atingir
somente os culpados e não os inocentes, com os assim chamados "danos
colaterais". Uma guerra de defesa preventiva poderia mover-se dentro de uns
poucos marcos jurídicos muito bem definidos; porém, o direito humanitário
internacional já proibiu várias medidas militares, em especial no que diz
respeito ao tratamento de prisioneiros e à interação com a população civil.
A dissolução dos limites legais torna-se clara no tratamento dos prisioneiros
em Guantánamo. O estatuto deles não está de forma alguma claro, sua designação
muda de presos comuns para prisioneiros de guerra ou detidos preventivos
segundo a justificação necessária a cada momento e as críticas que se pretenda
rechaçar. Com a invenção do estatuto de "combatente ilegal", o governo dos
Estados Unidos parece querer evitar todas as designações costumeiras, junto com
os direitos que lhes estão associados7. A captura de Saddam Hussein pelos
militares norte-americanos foi anunciada ao público com o comentário "Nós o
pegamos!" - como acontece quando as autoridades policiais anunciam a captura de
um suposto delinqüente. Dessa perspectiva, a guerra do Iraque teria sido uma
enorme operação para efetivar as leis. Por sua vez, outra coisa é a nova
doutrina da guerra ofensiva preventiva. Para ela, os argumentos apresentados
são semelhantes aos de medidas policiais contra o perigo, com a mesma tendência
a aumentar e tornar subjetiva a possibilidade de avaliar a existência de uma
situação em que se configura um limiar de suspeita suficiente para justificar a
ação - como quando a polícia determina a iminência de uma ameaça de acordo com
suas próprias estimativas. Como diz a doutrina Bush sobre o uso preventivo da
força: "Quanto maior a ameaça, maior é o risco da inação - e mais convincente o
argumento a favor de ações antecipatórias para nos defender, mesmo quando há
incerteza quanto ao momento e o lugar do ataque inimigo"8. Essa doutrina pode
ser lida, ao mesmo tempo, como a declaração central do novo direito de
segurança transnacional.
Ademais, na forma de coordenação intergovernamental, promulgaram-se novas leis
de segurança em várias séries, reunindo e atualizando os desdobramentos
descritos acima. Pode-se mostrar isso de forma exemplar nos dois "pacotes de
segurança" alemães, cujas provisões individuais foram decididas nos dois
últimos anos. Fortaleceu-se a integração estreita entre direito penal e poder
Executivo com a introdução do parágrafo 129b no Código Penal, que amplia a
criminalização das condutas daqueles que fornecem apoio a uma organização
terrorista no exterior, mas, ao mesmo tempo, submete sua perseguição à
autoridade do poder Executivo (o ministro da Justiça Federal), e isso sob uma
precondição tão vaga quanto o menosprezo pela "idéia de compreensão
internacional". Mas, sobretudo, expandem-se os poderes de controle e coleta de
informações das autoridades. Isso foi enfrentado apenas com argumentos
organizacionais práticos em defesa de uma divisão institucional entre forças
militares, serviço secreto, polícia e autoridades encarregadas da persecução
penal. Erhard Denninger já fala, nesse contexto, de uma "associação funcional
de investigação preventiva entre os serviços de inteligência e a polícia no
campo da luta contra o terrorismo"9. Com efeito, para a agência de segurança
estatal, o monopólio dos meios de violência é ainda essencial; porém, o
objetivo do combate preventivo ao terrorismo se transfere para antes da
suspeita de perigo, sobretudo por meio da coleta, do armazenamento e da
transferência abrangentes de informação. Portanto, a associação funcional de
investigação preventiva consiste, sobretudo, na regulação organizacional e
legal dos poderes de coleta de dados atribuídos às diferentes autoridades de
segurança, ordem pública, perseguição penal e inteligência, bem como nos fluxos
desimpedidos de dados entre elas10. Desse modo, ocorre uma intervenção profunda
nas liberdades civis básicas dos cidadãos, em especial no direito de
autodeterminação relativa à informação. As proteções legais determinadas pela
constituição contra a invasão dos direitos básicos fracassaram na maioria dos
casos porque, graças ao sigilo necessário das medidas, os tribunais não sabem
nada a respeito delas, de tal modo que até a supervisão judicial para garantir
a liberdade permanece, em larga medida, excluída. Isso também limita a
liberdade dos cidadãos. Por fim, a função de proteção da liberdade da divisão
de poderes também corre perigo quando as autoridades que estão deliberadamente
situadas em diferentes níveis do governo (por exemplo, o serviço de
inteligência federal, as autoridades policiais e de persecução penal estaduais)
se combinam por meio de uma rede de informação, e o serviço de inteligência
adquire poderes investigativos. A separação de funções e autoridades da
prevenção de ameaças, de persecução penal, bem como de inteligência e
reconhecimento militar está entre os princípios básicos de uma divisão de
poderes que garante a liberdade. É somente a estrutura em rede das diferentes
agências, atribuídas a diferentes autoridades, que distingue uma associação
funcional de investigação de um órgão de segurança centralizado.
POR QUE SE ANTEPÕE A SEGURANÇA À LIBERDADE?
Embora a lei de segurança transnacional nascente, promulgada ainda em grande
parte por meio de legislação nacional, atinja profundamente os direitos básicos
e humanos, e que as proteções legais contra as infrações dos direitos cometidas
pelo Estado estejam encolhendo e fiquem expostas ao poder invasor cumulativo de
uma rede de segurança transnacional com base nos Estados, os cidadãos não
percebem isso como uma restrição de seus direitos, ou então aceitam tal
restrição sem resistência. É difícil não suspeitar que a ameaça encenada pelos
meios de comunicação de massa os convertem em vítimas de temores irracionais
que são depois explorados por políticos populistas para seus propósitos, ou que
simplesmente "esqueceram" de seus direitos civis11.
Michael Ignatieff adverte, no entanto, contra a suposição de que a maioria que
apóia ou aceita as restrições aos direitos civis básicos é simplesmente
estúpida ou negligente: "A não ser que assumamos que as pessoas são ingênuas,
precisamos considerar a possibilidade de que medidas fortes, danosas para as
liberdades civis, na verdade agradam a opinião da maioria"12. A aceitação das
restrições às liberdades talvez se explique, por outro lado, pelo fato de essa
lei de segurança funcionar, na luta mundial contra o crime organizado e o
terrorismo internacional, como uma promessa de segurança aos "bons" cidadãos.
As pessoas talvez estejam dispostas a aceitar restrições às liberdades porque
lhes dão razões para esperar que, na qualidade de "bons" cidadãos, elas não
venham a ser de forma alguma afetadas. "É improvável que a maioria dos cidadãos
venha a suportar quaisquer dos custos diretos do cerceamento"13. Em termos de
custo-benefício, as pessoas estão provavelmente dispostas a aceitar um grau
maior de restrições potenciais à liberdade se o alcance real de sua liberdade
como um todo é aumentado ou estabilizado - supondo-se que as restrições
potenciais à liberdade sejam reais apenas para a minoria de "ovelhas negras",
não para a maioria que se beneficiará de fato com a expansão e a segurança do
espaço de liberdade. Isso é ainda mais válido quando se trata da liberdade
econômica, pois as restrições impostas pela lei de segurança afetam somente os
direitos civis burgueses clássicos.
Tudo isso significa, evidentemente, a anulação do contrato social. Esse tipo de
legislação viola uma norma fundamental que está na base da distinção entre
maioria e minoria no processo de legislação democrática. Kant referia-se a essa
norma fundamental como sendo uma característica definidora de uma constituição
republicana. É a norma da imparcialidade ou reciprocidade da legislação que
garante a liberdade e a igualdade dos cidadãos. De acordo com Kant, a liberdade
externa e legítima é "uma autorização para não obedecer a leis externas, exceto
aquelas às quais eu possa dar meu consentimento", ao passo que a igualdade
dentro de um Estado é "aquela relação entre os cidadãos pela qual ninguém pode
pôr outra pessoa sob uma obrigação legal sem se submeter simultaneamente a uma
lei que exija que ele mesmo seja posto sob o mesmo tipo de obrigação pela outra
pessoa"14. Essa regra fundamental não funciona mais se posso prever que uma lei
que restringe a liberdade não afetará a mim, mas a outra pessoa. Isso é
inteiramente possível sob o manto de uma lei geral que se aplica a um número
indeterminado de casos e pessoas, isto é, a todos os cidadãos igualmente. A
universalidade semântica da lei não pode evitar sua aplicação seletiva e
discriminatória. Quando uma lei que permite ao Estado grampear apartamentos
privados afeta apenas uma minoria, ou quando uma lei submete estrangeiros a uma
vigilância especial, então a maioria pode prever que não será afetada, que
ninguém pode reciprocamente submetê-la à mesma lei. A lei geral torna-se então
um instrumento de dominação de uma maioria sobre uma minoria.
Ora, nem Kant nem os outros filósofos da tradição republicana, de Rousseau a
Rawls, afirmaram alguma vez que esse teste de imparcialidade tinha de funcionar
na realidade. A hipotética auto-aplicação de uma lei restritiva da liberdade é
suficiente para testar se ela permite ou não privilégios ou discriminações
ilegítimas. Porém, essa auto-aplicação hipotética sempre fracassa quando posso
ver por trás do véu da ignorância e saber que uma lei, embora formal, não pode
realmente me afetar. Em seu famoso e contestado ensaio de 1937 sobre "A
transformação funcional do direito na sociedade burguesa", Franz Neumann
conjecturou que a característica essencial do capitalismo monopolista era a
instrumentalização da generalidade do direito em favor de interesses
particulares15. Hoje, parece que a maioria está instrumentalizando a lei geral
a fim de defender sua forma de vida contra a das minorias. O que está surgindo
é uma eticização da lei geral pela qual a maioria protege seu entendimento das
liberdades civis, seu modo de vida livre. Esse entendimento é seletivo: ele
valoriza determinados aspectos da liberdade mais do que outros. Somente as
violações de alguns aspectos da liberdade - e não de outros - são consideradas
ilegítimas.
Um exemplo simples deixa claro quais aspectos da liberdade estão envolvidos:
hoje, um aumento de imposto é percebido como um ataque mais grave à liberdade
do que o grampeamento de residências privadas ou as restrições relacionadas com
as leis contra o terrorismo discutidas acima. A transformação do Estado,
confirmada na área dos direitos humanos, de seu papel original de fiador e
oponente nato dos direitos humanos para o de protetor deles contra terceiros
pode ser registrada também nas regras sobre poder de polícia e direito penal
doméstico. O Estado que pune e defende contra ameaças não é percebido, em
geral, como um destruidor potencial da liberdade, mas como um protetor que
sempre faz pouco. As ameaças à liberdade vindas de terceiros são levadas mais a
sério do que aquelas legadas por uma longa experiência histórica, advindas de
intrusões arbitrárias do Estado.
A seguir, gostaria de reconstituir essa transformação com o exemplo de seus
efeitos sobre o direito penal que, até o momento presente, sempre foi
compreendido como algo que possibilita e protege a liberdade.
A consciência moderna da liberdade desenvolveu-se inicialmente na história por
experiências negativas com o Estado que, em decorrência de sua natureza (a
posse do monopólio da violência e o interesse dominante na autopreservação),
busca restringir a liberdade individual. Na origem, foram especialmente as
violações da liberdade de religião que aguçaram a consciência da liberdade;
depois, vieram para o primeiro plano as arbitrariedades do Estado absolutista
(prisões arbitrárias, lettres de cachet) e a regulamentação estatal da economia
até os menores detalhes (mercantilismo, a luta por liberdade econômica). Aqui
também a libertação dos laços de um Estado do bem-estar paternalista era ao
mesmo tempo percebida como uma ameaça (resistência das guildas). Por fim, no
século XIX, surgiram as restrições à liberdade de opinião, de imprensa e de
reunião. Esses poucos e certamente não exaustivos estágios do desenvolvimento
histórico da consciência moderna da liberdade deixam suficientemente claro que
a semântica da liberdade se alimentou principalmente do conflito com o
Estado16. Fenomenologicamente, a liberdade moderna é uma questão de liberdade
conquistada contra o Estado17. Essas experiências históricas podem explicar por
que a inversão de papel dos cidadãos que criaram o direito penal, de autores a
destinatários da legislação, foi, ao menos parcialmente, bem-sucedida. Até
mesmo um "bom" cidadão podia ter experiências negativas com o Estado punitivo
porque pertencia a uma associação que fora banida ou expressava opiniões que,
tachadas de traidoras, eram perseguidas.
A concepção de liberdade do liberalismo evoluiu a partir dessa disputa com e
contra o Estado. Uma sociedade autônoma que se regula por si mesma,
primordialmente por meio do mercado e da competição, precisa do Estado apenas
para garantir a estrutura de auto-regulação - liberdade igual mediante leis
gerais (sobretudo, liberdade de propriedade e de contrato) e segurança
externa18. Evidentemente, a história das sociedades industriais modernas
baseadas nessa concepção de liberdade logo revela suas deficiências: o uso
individual da liberdade produz riscos novos que só podem ser absorvidos pela
sociedade como um todo. Isso vale especialmente para as conseqüências sociais
da ação econômica-racional livre. Os espaços de liberdade individual são, com
efeito, formalmente distribuídos de modo igual, mas pressupõe-se o acesso aos
recursos materiais para que se possa fazer uso deles de fato. Esse acesso, por
sua vez, é distribuído de forma desigual. Ademais, a liberdade individual é
ameaçada por perigos que não podem ser controlados pelo indivíduo: acidentes,
doenças, desemprego, idade. Em reação a essas ameaças, que se transformaram em
fontes de instabilidade social, o Estado tornou-se intervencionista,
estabelecendo a igualdade social mediante a redistribuição, de tal modo que a
liberdade individual pudesse ser exercida igualmente não só de forma normativa,
mas também de fato19. Com o objetivo de controlar recursos suficientes para
redistribuição, o próprio Estado tornou-se mais tarde economicamente ativo,
assumindo o comando econômico: investimentos, subsídios, empresas e bancos
estatais. Quando os gastos públicos, como porcentagem do PIB, aumentaram, a
separação entre o Estado e a sociedade (essencialmente auto-reguladora) tornou-
se obsoleta. Desse modo, o Estado passa de adversário da liberdade a seu
fiador. Isso transforma a experiência geral da liberdade e molda concretamente
como ela é compreendida: de liberdade pela qual lutamos para nós mesmos,
protegida pelo Estado apenas em seus limites externos por leis determinadas,
abstratas, gerais, previsíveis, ela passa a ser uma liberdade constituída pelo
Estado. A segurança social torna-se então rapidamente uma segurança abrangente
em face de todos os riscos e perigos, contra os quais se esperam garantias
oferecidas pelo Estado intervencionista20. No paradigma do Estado do bem-estar
social, a criminalidade é, da mesma forma, interpretada como essencialmente um
problema social ao qual o Estado intervencionista reage com meios específicos:
"a criminalidade era um problema social [...] apresentado na forma de atos
criminosos individuais"21. Conseqüentemente, a criminalidade tem suas causas
explicadas por circunstâncias psíquicas e sociais que fizeram do delinqüente o
que ele era no momento do crime. Acima de tudo, a desigualdade social, com suas
conseqüências de privação, marginalização e discriminação, é considerada o
fator causal mais importante para explicar o comportamento desviante:
Se havia uma explicação central, era a assistencialista da "privação
social" e, posteriormente, a da "privação relativa". Os indivíduos
tornavam-se delinqüentes porque eram privados de educação adequada,
ou de socialização familiar, ou de oportunidades de emprego, ou de
tratamento adequado para seus problemas sociais e psicológicos22.
Em conseqüência, a reação à criminalidade não deveria proteger a sociedade
apenas: deveria compensar a socialização inadequada. A ressocialização torna-se
o objetivo principal da punição (seção 2 do Código Penal alemão). Também nessa
perspectiva a inversão de papel entre os cidadãos que redigem a lei penal e
seus destinatários ainda é possível. O criminoso pertence inerentemente à
sociedade; por causa da desvantagem e da privação social (em relação à qual o
indivíduo pouco ou nada pode fazer, mas a sociedade pode fazer tudo ou
bastante), ele se tornou um delinqüente. Portanto, é imperativo que se tomem
medidas apropriadas para transformá-lo num membro livre e igual da sociedade,
para ajudá-lo a levar uma vida isenta de punição e fazer uso de sua liberdade
de uma maneira que não cause dano aos outros.
Não foram somente os déficits na implementação desse programa que levaram ao
abandono da ressocialização e de todo o paradigma do Estado do bem-estar. A
crise fiscal do Estado gerencial, a globalização da economia com suas diversas
conseqüências, as revoluções na tecnologia das comunicações - tudo isso
contribuiu para uma mudança de amplo alcance no pensamento sobre o Estado e sua
relação com a sociedade23. O Estado do bem-estar era nacional e se as múltiplas
reivindicações de que era alvo podiam ser satisfeitas, isso acontecia somente
no interior do território traçado pelas fronteiras nacionais. O Estado de hoje,
ao contrário, é um "Estado-mercado", na expressão de Philip Bobbitt24, que age
transnacionalmente, sobretudo para globalizar o sistema econômico a fim de
assegurar oportunidades melhores para seus eleitores:
Esse tipo de Estado depende dos mercados de capitais internacionais
e, em menor grau, da moderna rede de empresas multinacionais para
criar estabilidade na economia mundial, em preferência à gestão por
órgãos políticos nacionais ou transnacionais25.
Enquanto o Estado do bem-estar busca promover um bem comum nacional
redistribuindo ou fornecendo ele mesmo bens, para o Estado-mercado trata-se de
expandir e assegurar opções e oportunidades:
Tal como para o Estado-nação, para ele o Estado não passa de um
provedor mínimo ou redistribuidor. Enquanto o Estado-nação se
justificava como um instrumento para servir ao bem-estar do povo (a
nação), o Estado-mercado existe para maximizar as oportunidades
gozadas por todos os membros da sociedade26.
Essa mudança de perspectiva criou uma compreensão negativa da liberdade, contra
o modelo anterior do Estado do bem-estar, da condição de possibilidade da
liberdade individual organizada pelo Estado e construída por meio da ação
solidária. O Estado de bem-estar e suas normas jurídicas são agora vistos como
restrições ilegítimas à liberdade - "ilegítimas" porque a liberdade consiste
primeiramente na liberdade individual de escolha. A liberdade é essencialmente
liberdade para consumir. O Estado não deve redistribuir os recursos diretamente
para alguns e, desse modo, restringir a liberdade de outros, mas expandir as
escolhas individuais e aumentar o espaço das opções. Desse ponto de vista, as
normas jurídicas do Estado do bem-estar funcionam como um equivalente dos
impostos, com os mesmo efeitos negativos: elas restringem as escolhas possíveis
dos consumidores ao tomar seus recursos financeiros e usá-los para o bem comum,
e, em relação a isso, o indivíduo não pode decidir por si mesmo. Além disso,
dificultam a orientação para a oferta, essencial para a economia do Estado-
mercado. O valor das normas legais é medido pelo fato de aumentarem ou
diminuírem os custos de transação. O Estado-mercado, que busca exatamente
aumentar as escolhas individuais e diminuir os custos de transação, precisa,
portanto, retirar-se das tarefas de promover o bem comum, típicas do Estado do
bem-estar. Os meios para isso são a desregulamentação e a privatização.
Enquanto o Estado-mercado se retira do espaço interno da liberdade de consumo e
deixa, em larga medida, a competição econômica global entregue a si mesma - uma
vez que qualquer regulamentação legal é medida exclusivamente por seu efeito de
expandir ou contrair o espaço das opções, de aumentar ou diminuir os custos de
transação -, o oposto ocorre nos domínios em que crescem as ameaças a esse
espaço interno. Trata-se dos efeitos colaterais disfuncionais descritos acima:
movimentos migratórios, crime organizado, mau funcionamento interno do sistema
econômico, assim como, mais recentemente, o terrorismo internacional. Além
disso, a liberdade consumista, tal como qualquer aumento de liberdade, tem seu
lado negro ameaçador: aumento do individualismo, dissolução dos laços sociais e
das tradições, risco de fracassar na competição econômica, tornando-se um dos
perdedores da modernização e da globalização. É provavelmente a partir da
experiência desses riscos que se desenvolve um temor enorme da criminalidade,
que reúne os medos de uma sociedade de múltiplas opções. O outro, com sua
multiplicidade de opções altamente individualizada, torna-se um risco para a
segurança. É nesse ponto que entra o Estado da segurança. As reformas
econômicas promovidas nos Estados Unidos por Ronald Reagan e na Grã-Bretanha
por Margaret Thatcher foram acompanhadas por um forte aperto do direito penal e
criminal. A liberação da economia em relação ao Estado baseava-se numa
simultânea restrição aos direitos civis tradicionais, o que, não obstante, era
afirmado como "liberdade através do Estado" - a saber, como proteção da
liberdade consumista das ameaças de terceiros. Esses terceiros estão situados
fora do espaço interno desregulado e, portanto, estão excluídos de qualquer
modo, ou excluídos devido à falta de sucesso em vender sua força de trabalho no
mercado. Da perspectiva interna do espaço protegido da sociedade de múltiplas
opções, os imigrantes ilegais são, de certo modo, a figura exemplar daquilo
contra o qual devemos nos proteger: tal como alguém que pegasse uma carona no
"dilema do prisioneiro", essencial para a legitimação do Estado-mercado, eles
querem ganhar acesso ilegítimo ao espaço de segurança e liberdade, para gozar
de suas vantagens sem que as restrições à liberdade a isso conectadas sejam
experimentadas pela maioria como uma ameaça. Na medida em que gozamos de nossa
liberdade consumista dentro do espaço interno da sociedade de opções múltiplas,
não podemos conceber cair no espaço da exclusão social, onde as restrições
formais e gerais à liberdade têm efeitos concretos e materiais. O Estado de
segurança é o outro lado da moeda do Estado-mercado, do direito de segurança
transnacional, o outro lado da sociedade desregulada, global, de múltiplas
opções.
Não é difícil transferir essa mudança interna no entendimento da liberdade para
o nível internacional. A concepção de liberdade atualmente dominante no
Ocidente distingue-se pela ligação dos direitos humanos e da democracia à
economia de mercado que, entre outras coisas, deve ser implementada globalmente
por meio da liberalização do comércio mundial. Os Estados Unidos e a Europa
ocidental distinguem-se menos pelo fim do que pelos meios de alcançá-lo. O
objetivo da sociedade civil governada universalmente pela lei passou a ser uma
sociedade global de múltiplas opções. O perigo é que se declara que o éthos
desse modo de vida é a interpretação autêntica da idéia kantiana e ele se torna
vinculante no direito internacional27. As medidas de segurança transnacionais
asseguram a defesa desse modo de vida. Em relação aos outros súditos do direito
internacional, isso repete a violação da regra de reciprocidade que já foi
observada no direito de segurança nacional. O mundo ocidental influencia a
implementação de normas jurídicas internacionais sem, ao mesmo tempo,
considerar-se o destinatário delas28. A última conferência da OMC mostrou a
resistência que esse mundo apresenta quando se trata, pelo menos uma vez, da
auto-aplicação de seus próprios princípios. Uma perspectiva cosmopolita exige
transcender a perspectiva interna do modo de vida livre da sociedade de
múltiplas opções. O Ocidente ainda precisa dar esse passo.
[*] Tradução do texto "World citizens between freedom and security".
Constellations, vol. 12, nº 3, 2005. Revisão técnica de José Rodrigo Rodriguez
.
[1] Kant, I. "Perpetual peace: a philosophical sketch". In: Reiss, Hans (ed.).
Kant: political writings. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1991,
pp. 107-108.
[2] Idem. "Idea for a universal history with a cosmopolitan purpose", op. cit.,
p. 45, quinta proposição.
[3] Ver a apresentação resumida de Albrecht, Peter-Alexis. Die vergessene
Freiheit. Berlim: BMW, 2003, p. 96.
[4] Sobre o desenvolvimento de um "direito penal para o inimigo" orientado para
categorias militares e preocupado com (supostas) ameaças globais representadas
pela criminalidade, ver Jakobs, Günther. "Das Selbstverståndnis der
Strafrechtswissenschaft vor den Herausforderungen der Gegenwart". In: Eser, A.,
Hassemer, W. e Burkhardt, B. (eds.). Die deutsche Strafrechtswissenschaft vor
der Jahrtausendwende. Munique, C. H. Beck, 2000, pp. 46ss.
[5] Para uma crítica dessa falsa oposição no que diz respeito ao debate nos
Estados Unidos, ver Dworkin, Ronald. "The threat of patriotism". New York
Review of Books, vol. XLIX, nº 3, 28 fev. 2002, pp. 44-49, esp. p. 48.
[6] Para uma visão crítica a esse respeito, ver Prittwitz, Cornelius. "Krieg
als Strafe: Strafe als Krieg". In: Prittwitz, C. e outros [eds.]. Festschrift
für Klaus Lüderssen. Baden-Baden: Namos, 2002, pp. 499-514.
[7] Sobre essa questão, ver Fletcher, George P. Romantics at war: glory and
guilt in the age of terrorism. Princeton: Princeton University Press, 2002.
[8] Bush, George W. "The national security strategy of the United States", 17
de setembro de 2002 < http://www.whitehouse.gov/nsc/nss.html>, acessado em 12/
11/2008. Sobre a subjetivização das precondições da ação
policial, ver Poscher, Ralf. Gefahrenabwehr: Eine dogmatische Rekonstruktion.
Berlim: Duncker & Humblot, 1999.
[9] Denninger, Erhard. "Freiheit durch Sicherheit? Anmerkungen zum
Terrorismusbekåmpfungsgesetz". Strafverteidiger, 2002, p. 99.
[10] Para detalhes a esse respeito, ver Lepsius, Oliver. "Freiheit, Sicherheit,
Terror". Leviathan, 2004, pp. 74ss.
[11] A esse respeito, ver Albrecht, op. cit.
[12] Ignatieff, Michael. The lesser evil: political ethics in an age of terror.
Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2004, p. 59.
[13] Ibidem, pp. 59 e 61.
[14] Kant, "Perpetual peace", op. cit., p. 99, primeiro artigo definitivo.
[15] Neumann, Franz. "Der Funktionswandel des Gesetzes im Recht der
bürgerlichen Gesellschaft". Demokratischer und autoritårer Staat, nº 63, 1967,
pp. 7-57.
[16] Para uma visão geral detalhada, ver Grimm, Dieter. Recht und Staat der
bürgerlichen Gesellschaft. Frankfurt: Suhrkamp, 1987;
Böckenförde, Ernst-Wolfgang. Staat, Gesellschaft, Freiheit. Frankfurt:
Suhrkamp, 1976.
[17] Uma ênfase na oposição à concepção antiga de liberdade encontra-se em
Constant, Benjamin. "De la liberté des anciens compareés à celle des modernes".
In: De l'esprit de conquête et de l'usurpation. Paris: Flammarion, 1986 [1819],
pp. 265-91. Não obstante, Quentin Skinner mostra que essa
visão antiga desempenhou um papel central na autoconstituição da sociedade
civil republicana moderna (Liberty before liberalism. Cambridge: Cambridge
University Press, 1998).
[18] Ver o resumo preciso de Rudolf Wiethölter em "Bürgerliches Recht". In:
Görlitz, Axel (ed.). Handlexikon zur Rechtswissenschaft. Reinbek b. Hamburg,
1974, vol. 1, pp. 47-54.
[19] Para um resumo, ver Stolleis, Michael. Konstitution und Intervention.
Frankfurt: Suhrkamp, 2001.
[20] Isensee, Josef. Das Grundrecht auf Sicherheit. Berlim/Nova York: Walter de
Gruyter, 1983.
[21] Garland, David e Sparks, Richard (eds.). Criminology and social theory.
Oxford/Nova York: Oxford University Press, 2000, p. 8.
[22] Ibidem, p. 9.
[23] A esse respeito, ver Honneth, Axel (ed.). Befreiung aus der Mündigkeit:
Paradoxien des gegenwårtigen Kapitalismus. Frankfurt/Nova York: Campus, 2002.
[24] Bobbitt, Philip. The shield of Achilles. Londres: Penguin, 2003.
[25] Ibidem, p. 229.
[26] Ibidem.
[27] Jürgen Habermas observa essa eticização na política hegemônica do governo
Bush em Der gespaltene Westen. Frankfurt: Suhrkamp, 2004.
[28] Krisch, Nico. "Amerikanische Hegemonie und liberale Revolution im
Völkerrecht". Der Staat, vol. 43, nº 2, 2004, p. 33.