A segunda alma do partido dos trabalhadores
O conflito de duas almas em um mesmo peito provavelmente não era fácil para
nenhum de nós.
Konrad Haenisch, sobre o Partido Social-Democrata da Alemanha ao votar os
créditos de guerra, em agosto de 19141.
A transformação do Partido dos Trabalhadores (PT) salta à vista de quem, por
diferentes motivos, acompanha o percurso da agremiação fundada em fevereiro de
1980 no Colégio Sion, em São Paulo. Militantes percebem, dia a dia, que antigas
práticas já não vigoram, cedendo lugar a condutas inusitadas pelos critérios de
antes. Jornalistas acostumados aos vaivéns da política brasileira, com
frequência, assinalam o contraste entre o passado e o presente do partido. A
literatura acadêmica se esforça para dar conta do sentido das mudanças pelas
quais passa o PT. Entender os rumos do partido tornou-se um dos assuntos
prediletos do debate informado no Brasil.
A dificuldade está em, como escreveu sobre outro tema Gildo Brandão, tratar-se
de matéria rebelde2. Quando parece fixar-se uma forma - por exemplo, a de grupo
pragmático - eis que surge a sombra da velha ideologia na diretriz para o
programa presidencial. Quando se pensa divisar a passagem para o lado da ordem,
um congresso partidário reafirma, por unanimidade, a convicção socialista.
Afinal, aonde vai o PT? Na bibliografia especializada, pode-se distinguir
quatro macro-orientações (sem atentar aos diversos aspectos que singularizam
cada contribuição). A primeira detém na crescente moderação do discurso. Com
tonalidades distintas, a depender da inclinação do autor, um conjunto de
trabalhos nota que o PT não pretende mais revolucionar a sociedade3. Uma
segunda vertente concentra-se na passagem de um partido acentuadamente
ideológico, com inserção eleitoral distinguida por tal traço, para uma legenda
com acento maximizador, isto é , disposta a qualquer ação para conseguir
votos4. Em terceiro, estão os que apontam para o enfraquecimento do vínculo com
os movimentos sociais e uma paralela inserção privilegiada no Estado. Ainda na
linha de fechamento dos canais de participação, e olhando para as formas de
organização interna, indicam a transição de uma estrutura na qual as bases
tinham peso - com a existência de núcleos militantes e contribuição financeira
dos membros - para uma em que a cúpula profissionalizada tende a dar as cartas
e o financiamento é externo5. Por fim, estão os textos que salientam o câmbio
na origem social dos simpatizantes, com uma intensa popularização das fontes de
apoio6.
Apesar de o interesse da ciência política no caso do PT ter propiciado um
painel rico e nuançado dos diversos aspectos que compõem a saga petista, o qual
se completa por meio de uma produção que busca relacioná -la a elementos de
natureza estrutural na sociedade brasileira7, restam perguntas no ar, como a
que ressoa em um dos títulos acima mencionados: "O Partido dos Trabalhadores:
ainda um partido de esquerda?". O presente artigo procura responder às questões
abertas, consciente de operar em terreno escorregadio. Parte-se de uma dupla
hipótese: a de que o realinhamento eleitoral ocorrido entre 2002 e 2006, de um
lado, fez surgir um novo"partido dos pobres", conforme antecipou Fábio
Wanderley Reis em entrevista publicada em outubro de 2004, com características
que lembram as do PTB anterior a 19648. De outro, que a história do PT, vincada
por uma rara conexão entre classe e ideologia radical, constituiu uma alma que
ainda o influencia. O PT, em consequência, não poderia ser entendido fora da
síntese contraditória que as duas facetas compõem.
O REALINHAMENTO DE 2002 A 2006 E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Se dermos um passo atrás, verificaremos que em outubro de 2002, no auge da
campanha que levaria Lula à presidência da República, o PT atingia a condição
de líder isolado na preferência dos eleitores. À medida que a candidatura
petista se fazia majoritária, o partido distanciava-se do PMDB, do PSDB e do
ex-PFL (hoje Democratas), seus competidores diretos. Às vésperas da alternância
no poder, 21% dos consultados em surveynacional afirmavam ter simpatia pelo PT,
enquanto o PMDB era indicado por 8%, e o PSDB, por apenas 4%. Quase oito anos
depois, os números encontrados diferem pouco: o PT tinha 24% das menções,
enquanto o PMDB se encontrava com 6% e o PSDB, com outros 6% (Tabela_1). Mas,
assim como aconteceu com fenômeno do lulismo, sob superfície semelhante
esconde-se uma troca nos estratos sociais do petismo9.
![](/img/revistas/nec/n88/a06tab01.jpg)
Luciana Fernandes Veiga, ao comparar os dois Estudos Eleitorais Brasileiros
(Eseb) realizados logo após os pleitos de 2002 e 2006, percebeu a alteração. A
renda familiar média do simpatizante do PT havia caído de R$1. 349 para R$985;
houve uma redução de 17% para 6% na proporção dos que tinham acesso à
universidade entre os que simpatizavam com o PT, e a participação do Sudeste
entre os identificados com o partido caiu de 58% para 42%. Sugere a autora:
Essa transformação no perfil do eleitor que se identifica com o PT
pode estar relacionada com a perda de parte do segmento mais
ideológico e mais intelectualizado entre os simpatizantes, pois
muitos seguiram os seus líderes e se transferiram também para o PSOL,
e a adesão de um segmento novo do eleitorado, beneficiário dos
programas sociais e dos programas de inclusão10.
No entanto, outras análises, empiricamente fundamentadas, deixaram por algum
tempo em suspenso o alcance da descoberta de Veiga. David Samuels, utilizando
uma segunda fonte de dados, embora confirmasse a menor escolarização e
diminuição da influência do Sudeste entre os apoiadores do PT, sugeriu que as
diferenças tinham sido de "baixo grau". Em particular, considerou pouco
provável que os programas do governo federal, em particular a Bolsa Família
(BF), houvessem atraído para o partido os eleitores de baixíssima renda. Em
consequência, o petismo teria permanecido "não associado à pobreza11.
Em direção semelhante, ao estabelecer distinções entre o desempenho do lulismo
e do PT na eleição de 2006, Wendy Hunter e Thimoty Power haviam afirmado, a
partir da análise dos resultados por região geográfica do país, divididos em
função do IDH, que "enquanto Lula obteve seu desempenho mais notável nas
regiões menos desenvolvidas (os chamados "grotões", calcanhar de Aquiles
histórico do PT), o baluarte do partido continuou sendo as zonas mais
urbanizadas e industriais do Brasil"12. Os autores mostraram que o montante de
votos em Lula e no PT para a Câmara dos Deputados, por Estado da federação,
estava positivamente correlacionado em 1994, 1998 e 2002, mas não em 2006. Isto
é , em 2006, os lugares em que Lula foi melhor não foram os mesmos que deram a
maior votação às listas de candidatos parlamentares petistas. Hunter e Power
chamaram a atenção, igualmente, para o fato de que a distância entre a votação
de Lula e do PT aumentava conforme caía o IDH do Estado13. Em outras palavras,
nos Estados mais pobres, o expressivo contingente que votou em Lula em 2006 não
repetiu o gesto em relação ao PT.
Embora parcialmente corretas e relevantes, as observações de Samuels, de um
lado, e de Hunter e Power, de outro, tenderam a obscurecer a dimensão e a
direção das forças que afetaram o PT. Para distingui-las, é necessário olhar da
perspectiva da própria trajetória partidária, pois a comparação com a dramática
virada que aconteceu com Lula em 2006 sombreia e borra o ocorrido com o
partido.
Se recortarmos o período que vai de meados dos anos de 1990 até a primeira
década do século XXI, veremos com nitidez algumas das mutações do PT. A
primeira diz respeito à sua expansão. Se em 2001, quando se deu o primeiro
Processo de Eleição Direta (PED) para escolha do presidente da sigla, o partido
já reunia 500 mil filiados, em função de quase vinte anos de empenho
organizativo, por ocasião do quarto PED14, oito anos depois, esse número havia
mais do que duplicado, com quase 1, 2 milhão de aderentes, tendo subido, entre
2002 e 2009, de quarto para segundo colocado entre os partidos brasileiros
quanto ao número de filiados, superando tucanos e Democratas15.
A quantidade de municípios governados pelo PT triplicou no período. Em 2000,
eram 187, pulando, em 2008, para 55916. A quantidade de cidades em que há
diretórios do partido saltou de 40% em 1993 para 96% em 200917. A bancada
petista no Senado Federal aumentou de três membros em 1998 para dez em 2006. O
partido elegeu três governadores em 1998 e cinco em 2006. A menor taxa de
incremento deu-se na Câmara dos Deputados, em parte devido ao recuo ocorrido em
2006, mas a comparação com a legislatura 1998-2002 mostra um progresso de quase
50% (de 59 para 83 cadeiras), devendo este indicador aumentar em 201018.
Não obstante o recuo de 2006, o PT passou do quinto para o segundo lugar na
proporção de assentos na Câmara dos Deputados entre 1998 e 2006, ficando atrás
apenas do PMDB. No Senado Federal, embora tenha permanecido em quarto lugar, a
distância do PT em relação ao primeiro colocado (novamente o PMDB, mas desta
feita empatado com o DEM) caiu de 27% para 10%, entre 1998 e 2006, na proporção
de cadeiras ocupadas naquela Casa.
Com isso, o PT ingressou no bloco dos grandes partidos, onde divide, com PSDB,
PMDB e DEM, a condição de ser uma das principais agremiações políticas
brasileiras, estando, em alguns quesitos, até mesmo acima das demais, e
constituindo-se, sob certos critérios, no principal partido do país. Se
continua atrás do PMDB no número de filiados, governadores, senadores e
deputados federais, o PT ultrapassou a antiga legenda oposicionista no que diz
respeito à identificação partidária, com uma larga dianteira (cf. Tabela_1).
O que nos interessa, em particular, é assinalar que o partido adquiriu, a
partir de 2002, uma ressonância popular inédita. Os estudos sobre o PT haviam
até então sublinhado reiteradamente que a simpatia por ele diminuía entre os
segmentos de baixa renda e escolaridade. Tal marca constava dos surveysde 1982,
ocasião das eleições inaugurais para o partido. A partir dos levantamentos
feitos à época, Rachel Meneguello escrevia que a proposta do PT havia atingido
"um público sócio-economicamente diferenciado, pertencente a estratos mais
favorecidos da população"19 (com exceção da capital paulista). Ao cabo dos anos
de 1980, Margareth Keck reiterava que "embora o partido tenha ampliado a
concepção inicial da sua base na classe trabalhadora", ele continua a
"sensibilizar um segmento ativo e organizado da sociedade civil brasileira"20.
Ao analisar dados de 1996, junto com Scott Mainwaring e Timothy Power,
Meneguello voltava a apontar que o PT se destacava entre os "eleitores com
maior escolaridade"21. Em 2002, "os petistas eram mais educados do que os
demais brasileiros", conforme percepção de David Samuels ao escrutinar o
Eseb22. Yan Carreirão e Maria D'Alva Kinzo, ao estudar de maneira longitudinal
a série de 1989 a 2000, resumem:
Há um padrão constante em todos os registros realizados: os
percentuais de preferência pelo PMDB crescem inversamente ao nível de
escolaridade, enquanto ocorre o contrário no caso do PT, ou seja,
seus percentuais são proporcionalmente mais altos quanto maior o
nível de escolaridade23.
Assim, até o fim do século XX, o tipo de alinhamento estabelecido na década de
1970, em que o MDB se fixou como "partido dos pobres", refletia-se no sistema
partidário. Também a "formação inicial do PT como um partido consolidado em
torno de interesses organizados, de intelectuais e da classe média urbana
progressista", na caracterização de Hunter e Power24, permanecia como um dos
traços característicos da política nacional.
Se a opção pelo PT, desde o ângulo da renda (Tabela_2), evidencia, em 2002, um
crescimento em todas as faixas, é necessário ressaltar, de uma parte, que
persiste expressiva diferença na faixa superior de renda (32%) em relação à
mais baixa (15%), mas, de outra, que o partido começa a exercer uma atração
significativa entre os eleitores que tinham até 5 salários mínimos de renda
familiar mensal. Se isso não modifica, de imediato, a matriz pela qual a
atração cresce com o rendimento do eleitor, dá ao PT uma abrangência
desconhecida. O partido começa a atrair uma porção significativa da enorme
quantidade de eleitores situados nas duas camadas de renda mais baixas, as
quais constituíam nada menos que 76% do eleitorado, segundo o cálculo do
Datafolha usado à época. Isso significa que, em 2002, o PT adquire nova feição,
como se pode ver na Tabela_3. Nela, a maioria dos simpatizantes pertence,
segundo o rendimento familiar, aos escalões inferiores.
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[/img/revistas/nec/n88/a06tab03.jpg]
Sem que a estrutura estabelecida em 2002 chegasse a se consolidar, uma segunda
inflexão ocorre em 2005, quando o partido é envolvido na crise denominada pela
imprensa de "mensalão". Em dezembro daquele ano, registra-se um retrocesso na
predileção pelo PT, que volta a patamares típicos da década anterior (Tabela
1). Elementos coligidos por Samuels e Gustavo Venturi dão a entender que a
queda pode ter sido ainda maior do que a apontada na Tabela_1, tendo em conta a
tendência de aumento da preferência pelo PT ter prosseguido até as vésperas da
eclosão do escândalo. Segundo Samuels, o Datafolha encontra 24% de
identificação com o PT no final de 2004 e, de acordo com Venturi, a Criterium
detecta 27% em abril de 2005, pouco antes de o noticiário ser invadido pelo
tema do "mensalão"25. Os dados apontam, portanto, que o episódio interrompe um
ciclo de 25 anos de aumento constante do apreço pelo PT, provocando uma
retração de até 11 pontos percentuais na preferência pelo partido. O efeito do
episódio está razoavelmente documentado na literatura, porém não foi percebido,
a não ser bem mais tarde, que ele não atingiu por igual as diferentes camadas
sociais.
Ao fazer um balanço dos trinta anos do PT, em 2010, Venturi acabou por
confirmar o que Veiga já havia notado ao comparar a clivagem dos eleitores que
diziam preferir o PT em 2002 e 2006: houve, de fato, uma intensa popularização
no período26. Todavia, restava esclarecer um paradoxo. Se Samuels, Hunter e
Power estavam certos ao assinalar que não ocorrera uma aproximação em massa dos
pobres ao PT em 2006, como acontecera com Lula, como pode ter o partido se
popularizado? A resposta é dupla. De um lado, o partido já haviase popularizado
ao receber um apoio inédito de eleitores de menor renda em 2002 e sofreu uma
nova onda de popularização, por subtração, ao perder a simpatia entre o
eleitorado de classe média, retendo a sustentação popular conquistada em 2002.
De fato, não aconteceu, como em relação a Lula, uma aproximação abrupta de
eleitores de baixíssima renda como a que atingiu a candidatura presidencial em
2006. Porém, na comparação com o momento anterior a 2002, há uma nítida
popularização do partido pelas duas razões citadas em combinação.
Assim, a Tabela_2 mostra como em janeiro de 2006 o PT apresenta uma queda
acentuada de suporte na camada de renda mais alta(acima de dez salários mínimos
(SM) de renda familiar mensal (RFM)): de 32% para 17%. Há também uma redução,
de 28% para 22%, entre os de renda familiar de cinco a dez SM. Contudo, o apoio
entre os de renda mais baixa não foi afetado, com variações dentro da margem de
erro, de 23% para 21% entre os que recebiam de dois a cinco SM e, há até uma
elevação, de 15% para 17%, entre os que recebiam até dois SM. Visto sob este
prisma, pode-se dizer que o PT perdeu apelo em todas as faixas de renda menos
na mais baixa, e, quanto mais alto o padrão econômico, mais forte a queda.
Segundo Venturi, depois do "mensalão", "observa-se recuperação no sentido
inverso ao perfil encontrado na origem: a preferência pelo PT passa a ser
decrescente quanto maior a renda - 25% entre os eleitores com RFM inferior a
dois SM, contra 20% entre os eleitores com renda mensal superior a cinco SM
(Criterium)"27. Ou seja, após o fim da crise, o PT recupera os índices de
escolha (Tabela_1), porém, e esse é o elemento decisivo, de acordo com outro
padrão, no qual a simpatia pelo partido tende a ser maior na metade inferior da
distribuição de renda. Somados, os movimentos de afluxo popular em 2002 e
afastamento da classe média em 2005 estabelecem uma imagem diferente daquela
que vigorou nas primeiras duas décadas de existência do partido. A partir de
2006, a curva de sustentação do PT deixa de subir com a renda (Tabela_2). É
isso que caracteriza o realinhamento, pelo qual passa a haver um absoluto
predomínio dos de baixa renda entre os que se aproximam do partido, sendo que
antes era o contrário (Tabela_3). Quando comparamos o ano de 1996 ao de 2010, é
fácil verificar a inversão, pela qual os petistas com renda na metade superior
da distribuição caem de 58% para 12% do total, enquanto os da metade inferior
sobem de 40% para 85% (Tabela_3). Particularmente, os de baixíssima renda (até
dois SM) passam de 17% para 47%28.
Em consequência, a partir de 2006 modifica-se a tônica até então constante, a
saber, a associação do partido com o eleitorado de maior escolaridade, coerente
com a sua característica pronunciadamente ideológica. Como mostram estudos de
comportamento político em diversos países, eleitores de maior escolaridade
decodificam mensagens ideológicas com menor esforço. Na Tabela_4 observa-se que
até 2002 prevalece a tendência de aumentar a estima pelo partido conforme
crescia a escolaridade. Após 2005, o PT cai nas faixas de escolaridade mais
altas, indo de 29% para 22% entre os que chegaram à universidade e de 28% para
20% entre os que tinham acesso ao ensino médio. Em compensação, fica estável a
parcela dos que simpatizavam com o PT no campo dos que só tinham cursado até o
ensino fundamental. Isto é , com o "mensalão", o partido perde apoio na alta
escolaridade, guardando, no entanto, a preferência conquistada entre os menos
escolarizados.
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Pela primeira vez, a diferença na identificação com o PT por anos de frequência
à escola reduz-se à margem de erro.
A partir de março de 2007, com a perda entre os de maior escolaridade, o
partido, que sempre fora mais potente entre os que tinham ensino superior, fica
mais forte entre os que têm passagem pelo ensino médio. Uma advertência de
Venturi a respeito das novidades no perfil da escolarização da população talvez
explique o porquê dos apoiadores no ensino médio serem em número elevado: com a
expansão do ensino, o nível médio tem se estendido para os de baixa renda,
justificando a força do partido no estrato educacional intermediário simultânea
ao crescimento entre os de menor rendimento familiar29.
Ao traduzir algumas porcentagens em números absolutos, Venturi torna patente o
tamanho da transição pela qual passa o PT. Em 1997, o partido tinha cerca de 3,
1 milhões de simpatizantes de baixíssima renda e 5, 5 milhões de alta renda. Já
em 2006, os de baixíssima renda pularam para 17, 6 milhões e os de alta renda
haviam diminuído para 3, 3 milhões30. Venturi evidencia, igualmente, a perda do
partido nas regiões mais ricas, enquanto preservava a conquista nas mais
pobres. No Sudeste, a preferência pelo PT cai de 26% para 19% depois de 2005,
enquanto no Nordeste ela se mantém, oscilando dentro da margem de erro, de 32%
para 30%. "Ao se recuperarem da crise, um ano depois, o desbalanço na
distribuição dos petistas reapareceria, só que agora com o SE abaixo de sua
proporção no eleitorado (apenas 37%) e o NE acima (34%)"31, diz Venturi. Vale
lembrar que o Sudeste contém cerca de 44% do eleitorado brasileiro, enquanto o
Nordeste tem em torno de 28%. A queda da participação de São Paulo no conjunto
dos que gostavam do PT, de mais de 50% para apenas 20% entre 1989 e 2007,
conforme indica Samuels32, vai em rumo semelhante.
Se olharmos para a composição da bancada federal do PT eleita em 2006 fica
claro que, embora ela continue a ser majoritariamente composta de parlamentares
eleitos no Sul e no Sudeste, corroborando a percepção de Hunter e Power, a
proporção de parlamentares dos Estados mais ricos é menor do que em 2002. Pela
primeira vez em sua história, o partido perdeassentos na Câmara dos Deputados
no Sul, no Sudeste e no Centro-oeste, crescendo apenas no Nordeste e mantendo o
número de cadeiras provindas do Norte (Tabela_5)33. Quando cotejada com a
votação de Lula, que no primeiro turno de 2006 foi derrotadono Sul e no
Sudeste, ganhando no Norte e no Nordeste, o partido diferencia-se por
aindaeleger a maioria dos seus representantes nas regiões mais ricas. No
entanto, a participação relativadestas apresenta uma redução, passando o Sul/
Sudeste de 62% para 53%, enquanto a do Nordeste/Norte sobe de 30% para 40%.
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Lula obteve rapidamente uma torrente de votos de baixíssima renda, a qual
compensou o abandono da classe média, resultando em um desempenho até um pouco
superior no primeiro turno de 2006 (48, 6% dos votos válidos) em relação ao de
2002 (46, 6% dos votos válidos). Já o PT sofreu uma subtração, para a Câmara
dos Deputados, de 18, 3% dos votos válidos em 2002 para 14, 9% em 200634. Ou
seja, enquanto a candidatura de Lula à reeleição, dotada da enorme visibilidade
que dá o exercício da presidência, avançou para o interior, para os pequenos
municípios e para os eleitores mais pobres - produzindo "a virada a favor de
Lula de uma eleição a outra nos estados que registram menores índices de IDH"35
-, o PT se ressentia das perdas ocasionadas pelo afastamento da classe média
nos Estados mais ricos, compensando-as apenas parcialmente com uma penetração
moderada nas regiões mais pobres. Lula aumentou em cerca de 50% a quantidade de
votos que recebera, por exemplo, em Pernambuco, enquanto o PT experimentava um
acréscimo em torno de apenas 10% na votação para a Câmara dos Deputados naquele
estado36. Não obstante, os melhores números do PT para os governos estaduais
deram-se no Nordeste e no Norte, com vitórias em disputas importantes, como as
da Bahia e do Pará , sem equivalentes nas áreas de maior desenvolvimento.
Consideradas as eleições municipais de 2008, verifica-se que se os estados do
Sul/Sudeste ainda respondem pela maioria dos municípios administrados pelo PT
(53%), essa proporção vem caindo: era de 70% em 2000, enquanto a do Nordeste/
Norte subiu de 21% para 33% entre 2000 e 2008. O aumento de cidades governadas
em apenas quatro estados do Nordeste e do Norte entre 2004 e 2008 - Bahia (de
21 para 67), Piauí (de 7 para 18), Pará (de 18 para 27) e Sergipe (de 4 para 8)
-, constituiu quase metade das novas prefeituras conquistadas pelo PT na última
eleição municipal.
Uma análise do desempenho por grau de urbanização também revela modificações no
que era predominante até 2000, quando o PT era o "partido das capitais".
Naquele ano, o partido elegeu prefeitos nos centros ricos, com vitórias
expressivas no Sudeste e no Sul, vencendo em São Paulo e Porto Alegre. Já em
2008, o PMDB iguala o PT em número de capitais governadas, sendo que as do PT
se concentram nas regiões menos desenvolvidas (Nordeste/Norte). A sua força
parece deslocar-se para o que Reis, seguindo Bolívar Lamounier, chamou de
"metrópoles periféricas"37.
Nas capitais das zonas desenvolvidas, onde há um importante eleitorado de
classe média, o partido foi empurrado para a extrema periferia e até mesmo para
fora dos limites municipais, obtendo expressiva votação nos populosos
municípios das respectivas regiões metropolitanas, mas perdendo nas cidades
principais38. Em São Paulo, por exemplo, segundo Fernando Limongi e Lara
Mesquita, o PT perde votos dos eleitores com maior escolarização para o PSDB,
"enquanto acentua-se a penetração do partido entre as camadas menos educadas",
situação que parece se estabelecer com clareza já em 2004 e ficar mais aguda em
200839.
Há uma nítida percepção do sentido da transformação do PT na afirmação do então
presidente do partido, Ricardo Berzoini, em março de 2008: "Hoje o PT tem uma
força no Nordeste que há quinze anos nem sonhava ter. Em regiões onde o impacto
das políticas do governo foi menor, muitas vezes o questionamento ético supera
a força das realizações. Depende muito da região e do estrato social"40. Não
por acaso, o próprio Berzoini foi sucedido em 2010, na presidência partidária,
por um político do Nordeste (José Eduardo Dutra), região que pela primeira vez
designa o principal dirigente do partido.
Em resumo, os indicadores empíricos corroboram a avaliação de que, entre 2002 e
2006, o partido perdeu parcialmente o apoio da classe média, dos eleitores de
alta escolaridade, no Sul/Sudeste e nas capitais centrais que o caracterizava
desde a fundação. Por outro lado, ampliou em escala significativa o suporte
entre os eleitores de baixa renda, de baixa escolaridade, no Nordeste e no
Norte do país, e no entorno das metrópoles41.
O realinhamento ocorrido com o PT vai na mesma direção que o lulismo: afluxo de
um público pobre e perda de apoio na classe média. Na sua versão atual, a
composição do grupo de apoiadores do partido ficou parecida com a da sociedade.
Segundo a amostra usada pelo Datafolha em março de 2010, 52% dos eleitores do
Brasil, e 47% dos simpatizantes do PT, estavam na faixa de até dois salários
mínimos de renda familiar mensal; 33% dos eleitores, e 38% dos apoiadores do
PT, na faixa de dois a cinco salário mínimos; 5 e 8%, respectivamente, na
camada de cinco a dez salários mínimos; e 4%, para ambos, na faixa superior a
dez salários mínimos. Pode-se dizer que, depois de 2006, o partido ficou muito
mais próximo do Brasil do que era até meados dos anos de 1990, mostrando que
estava certa a intuição de Juarez Guimarães ao escrever que "o PT tornou-se nos
últimos anos mais nacional, mais brasileiro, mais sertão, mais samba, mais
negro, mais nordestino e mais amazônico, mais agrário"42. O PT tem hoje cerca
de dez vezes mais simpatizantes que vivem no piso da pirâmide econômica
brasileira do que entre os que estão no topo, diferença que não existia em
meados da década de 1990. É por ter entrado no coração do subproletariado que o
PT adquiriu a feição de "partido dos pobres", lugar vago na política brasileira
desde 1989, quando PMDB perdeu essa condição.
DO ESPÍRITO DO SION AO ESPÍRITO DE PORTO ALEGRE
O realinhamento descrito não teria como deixar de ter impacto no espírito do
PT, como teria no de qualquer partido. Esse realinhamento incidiu de maneira
especial, no entanto, pois, embora nascido (com êxito) para representar camadas
subalternas da sociedade, o PT foi, durante vinte anos, o recipiente de uma
série de movimentos de classe média - se aceitarmos o paradoxo de que, no
Brasil, o proletariado é de classe média, pela simples razão de que sob ele
existe uma vasta parcela da população que está aquém da possibilidade de
participação na luta de classes, o subproletariado43. A passagem de partido de
classe média para partido dos pobres implicou um choque, cujos ecos seguem
presentes.
Vindo à luz em um ambiente extensamente influenciado por uma espécie de
"revolução democrática" que sacudiu o Brasil nos anos de 1980, o PT foi
embalado pela aspiração, que se desenvolveu sob a ditadura militar, de que a
volta ao Estado de direito ofereceria ao país a oportunidade de um "reinício".
Como se fosse possível recomeçar de um novo marco zero - a proclamação de uma
verdadeira República -, o PT nasce sob o signo de uma "nova sociabilidade"44,
simultaneamente democrática esocialista. A proposta de fundação, aprovada em um
Congresso dos Metalúrgicos, em janeiro de 1979, falava em criar um partido "sem
patrões", que não fosse "eleitoreiro" e que organizasse e mobilizasse "os
trabalhadores na luta por suas reivindicações e pela construção de uma
sociedade justa, sem explorados e exploradores"45.
O caráter radicaldo partido, que fazia desse traço elemento distintivo em uma
cultura política tingida pela ambiguidade e pela conciliação desde o alto,
tinha o sentido de negar as limitações dos períodos anteriores. Desconfio que
tal radicalismo esteja vinculado a uma tradição que Antonio Candido afirmou ser
"essencialmente um fenômeno ligado às classe médias"46. Em todo caso, minha
hipótese é de que não é possível entender o efeito do realinhamento de 2002-
2006 sem levar em conta a origem radicaldo PT. Conforme afirmou Angelo
Panebianco, "poucos aspectos da fisionomia atual e das tensões que se
desenvolvem diante dos nossos olhos em tantas organizações parecem
compreensíveis se não se retroceder à sua fase constitutiva"47.
O golpe de 1964 abriu uma fase de radicalização na história brasileira. Na área
cultural, em particular, como mostra Roberto Schwarz48, a derrubada do governo
João Goulart ensejou um inesperado crescimento da esquerda, o qual durou pelo
menos até a edição do AI-5, em dezembro de 1968. Entre as teses em voga na
época estava a de que, na República de 1946, uma tentativa de aliança entre o
povo e a burguesia nacional teria predominado às expensas da nitidez de um
projeto de classe. A concepção etapista, defendida pelo PCB, teria resultado em
prejuízo das classes dominadas, que ficaram desorganizadas para fazer frente à
ofensiva militar que, em 31 de março de 1964, jogou por terra os projetos de
emancipação acalentados à sombra do populismo.
Nas palavras do cientista político Francisco Weffort, que defendeu tese de
doutorado na USP sobre o período populista em 1968,
[...] na adesão das massas ao populismo tende necessariamente a
obscurecer-se a divisão real da sociedade em classes com interesses
sociais conflitivos e a estabelecer-se a ideia do povo[ou da Nação]
entendido como uma comunidade de interesses solidários49.
A crítica ao populismo e ao "partidão" (como era conhecido o PCB) que passou a
predominar na intelectualidade de esquerda foi levada aos foros de fundação do
PT, quando a abertura trouxe de volta algo da efervescência reprimida em 1964 e
1968.
A radicalização atingiu também o meio católico, o qual, influenciado pela
Teologia da Libertação, desenvolveu, nos interstícios da repressão, uma extensa
rede de organismos populares, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Iniciada
a transição para a democracia, as CEBs, imbuídas de uma perspectiva
transformadora, tiveram papel destacado na conformação do PT. Deve-se ao
catolicismo boa parte do sentimento radical que caracterizou o espírito que,
não por acaso, estamos aqui chamando "do Sion".
Os sindicatos de trabalhadores que cresceram nos recessos da ditadura,
representando em parte uma camada operária recente, advinda do "milagre"
econômico, propunham igualmente uma ruptura com o velho sindicalismo do período
populista. Com o vigor típico dos gestos inaugurais, pregavam a liberdade
sindical e a revogação da legislação que, segundo se dizia, inspirada no
fascismo italiano, atrelava o movimento sindical ao Estado.
Deu-se, então, um caso raro de associação de pensamento radical com amplas
camadas de trabalhadores, como havia ocorrido na Europa um século antes50. A
singularidade foi notada por Perry Anderson, para quem o PT foi o único partido
de trabalhadores de grande proporção criado no planeta depois da Segunda Guerra
Mundial51.
Na atmosfera otimista da redemocratização, sobretudo a partir dos
acontecimentos que eclodiram entre 1978 e 1980 no ABC, o PT despertou a atenção
do mundo. Afinal, quando em outras partes do planeta a reação neoliberal
desmontava o que fora construído no pós-guerra, no Brasil greves de massa
pareciam civilizar as "formas bárbaras de exploração capitalista"52. O PT soube
cultivar o terreno aberto pelos avanços conquistados pela classe trabalhadora
no período. Da cultura participativa ao caráter progressista da Constituição de
1988, cumpriu o papel histórico desempenhado pelos partidos operários na
Europa, a saber, o de generalizar "dimensões fundamentais da igualdade"53.
O discurso voltado "à organização de classe num sentido estrito"54 obteve êxito
entre os trabalhadores industriais, entre as categorias em expansão do setor de
serviços, como bancários e professores, e junto aos funcionários públicos. A
militância entusiasmada e a autenticidade das propostas fizeram do PT um
partido aberto à participação. Fraco do ponto de vista eleitoral, embora em
crescimento permanente, o PT ganhava robustez por ser a representação de forças
vivas das classes subalternas, enquanto estas tiveram vigor para avançar.
Valendo-se dessas forças, o partido se propôs a combater, mesmo que isolado, os
vícios e os arcaísmos do patrimonialismo nacional. Recusou-se a votar em
Tancredo Neves em 1985, arcando com o ônus de fragmentar a frente
antiditatorial; decidiu não assinar a Constituição de 1988, apesar de seus
aspectos altamente progressistas, em nome de um projeto ainda mais avançado; e
por fim recusou o apoio do PMDB no segundo turno de 1989, o qual poderia ter
significado a vitória de Lula. Mas à medida que expressava um impulso social
florescente, o radicalismo do PT acabou por influenciar a democracia
brasileira, deixando vestígios importantes na Carta constitucional. O
reconhecimento de direitos fundamentais para a classe trabalhadora e de
institutos de participação direta na Constituição deve-se em boa medida à
década das greves (1978-1988). O PT, nos anos de 1980, contribuiu para que o
Brasil vivesse uma experiência típica de períodos de descompressão em que, como
na Espanha e Portugal, aspirações sociais longamente represadas emergem com
potência capaz de deslocar o pêndulo da história.
Com a derrota da Frente Brasil Popular, em 1989, inicia-se, no entanto, uma
espécie de "restauração". Os governos seguintes buscaram reformar a
Constituição recém-promulgada, retirar os direitos obtidos na década anterior e
dar um conteúdo liberal à democracia reconquistada. A recessão, o desemprego e
a quebra das cadeias produtivas durante o governo Collor demoliram as bases da
"revolução democrática": um segmento da classe trabalhadora virou suco (leia-
se, exército industrial de reserva) e os sindicatos tiveram que recuar. Com
isso, o número de greves nos anos de 1990 despencou. Apesar do impedimento de
Collor em 1992, o avanço neoliberal prosseguiu por meio dos dois governos de
Fernando Henrique Cardoso. Vencedor das eleições no primeiro turno em 1994 e
1998, e sustentado por ampla coali-zão, FHC realizaria de modo sólido e
organizado o programa vitorioso em 1989: ajustar o país ao neoliberalismo,
anulando as conquistas do período anterior. Nesse processo, dois pontos devem
ser destacados. A derrota da greve dos petroleiros em 1995, que quebrou a
espinha do combalido movimento sindical, e as privatizações, que realizaram, em
alguma medida, a promessa de desmontar o Estado varguista.
No plano ideológico, a queda do muro de Berlim, ainda que libertadora para a
esquerda democrática, somou-se à reação interna, fazendo dos anos de 1990 um
momento de avanço dos valores capitalistas. Reconhecendo que o quadro havia se
transformado, o Primeiro Congresso do PT, em 1991, elabora uma estratégia que
busca ampliar o espaço para a luta institucional, uma vez que o movimento
social se retraíra. "O PT situa-se, hoje, num terreno mais vasto e complexo da
luta de classes. Questões como a combinação da luta de massas com ação de
governo [...] apresentam-se como tarefas imediatas"55, afirma o texto aprovado
na ocasião.
Mas o problema de fundo não podia ser resolvido por meio de resoluções
congressuais. Como enfrentar a maré montante da contra-ofensiva burguesa,
quando as condições objetivas eram tão desfavoráveis? As dificuldades práticas
da tarefa podem ser capturadas na análise de Jorge Almeida das campanhas
presidenciais de 1994 e 199856. No primeiro caso, diz Almeida: "O enfrentamento
da questão do Plano Real foi marcado por uma sucessão de indecisões que
acabavam sendo percebidas pela população". No segundo, afirma: transmitia-se
"insegurança e incerteza, sobretudo em relação ao programa de FHC".
Privado da força motriz que o energizava nos anos de 1980, o PT procura
afiançar-se como sigla institucional, o que implicava buscar as alianças
recusadas no período inicial. O interessante é que o caráter crescentemente
eleitoral do partido, que aparece em 1998 sob a forma de uma associação com o
PDT, o que custou a quase extinção do PT no Rio de Janeiro, não é acompanhado
por revisão programática fundamental. O encontro nacional de 1998, por exemplo,
propunha a "implementação de um programa radical de reformas" que contribuirá
"para a refundação de uma perspectiva socialista no país"57. É possível dizer
que os anos de 1990 representaram a passagem de um partido de tipo
"ideológico", cujo anseio por votos se subordina ao caráter doutrinário da
campanha, para um partido, "responsável", que busca maximizar votos, mas não
altera o seu programa para isso58.
Assim, apesar de fazer concessões eleitorais, o PT continuou a ser uma força
polarizadora. As diretrizes aprovadas em dezembro de 2001 afirmavam:
A implementação do nosso programa de governo para o Brasil, de
caráter democrático e popular, representaráa ruptura com o atual
modelo econômico, fundado na abertura e desregulação radicais da
economia nacional e na consequente subordinação de sua dinâmica aos
interesses e humores do capital financeiro globalizado [grifo meu].
Nessas circunstâncias, o partido esteve próximo ao Fórum Social Mundial, a
principal iniciativa anticapitalista do início do século XXI, não por acaso
inaugurado no ano 2000 em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o estado mais
importante governado pelo PT. Entre o espírito de Porto Alegre59 e o do Sion
havia continuidade: ambos expressavam insatisfação com o mundo organizado e
moldado pelo capital.
O ESPÍRITO DO ANHEMBI
Se existe um momento específico que corresponde à irrupção da segunda alma do
PT, talvez seja o da divulgação da "Carta ao Povo Brasileiro", em junho de
2002. Houve, certamente, uma longa gestação anterior, cujos fios podem ser
rastreados no mínimo à derrota de 1989, mas fogem ao escopo deste artigo. No
entanto, a silenciosa criatura só veio à luz quando já estavam dadas as
condições para que, surgindo aparentemente do nada, se fizesse imediatamente
dominante dentro do Partido dos Trabalhadores. Não sucedeu o vagaroso confronto
que por anos opôs, por exemplo, as alas esquerda e direita da social-democracia
alemã , até que, na data fatal de 4 de agosto de 1914, o espírito nacionalista
tomou conta da organização fundada sob os auspícios de Marx e Engels,
sepultando o radicalismo das origens.
Quando a campanha de Lula decidiu fazer as concessões exigidas pelo capital,
cujo pavor de um suposto prejuízo a seus interesses com a previsível vitória da
esquerda levava à instabilidade nos mercados financeiros, deu-se o sinal de que
o velho radicalismo petista havia sido arquivado. Foi, a princípio, uma decisão
de campanha, mas cerca de um mês depois o Diretório Nacional, reunido no centro
de convenções do Anhembi, em São Paulo, aprovou as propostas antecipadas pela
carta, transformando-as em orientações partidárias.
No programa divulgado no final de julho de 2002 pelos partidos que integravam a
Coligação Lula Presidente, há um perceptível câmbio de tom em relação ao
capital. Em lugar do confronto com os "humores do capital financeiro
globalizado"60, que havia sido aprovado em dezembro de 2001, o documento de
campanha afirmava que "o Brasil não deve prescindir das empresas, da tecnologia
e do capital estrangeiro". Para dar garantias aos empresários, o texto assegura
que o futuro governo iria "preservar o superávit primário o quanto for
necessário, de maneira a não permitir que ocorra um aumento da dívida interna
em relação ao PIB, o que poderia destruir a confiança na capacidade de o
governo cumprir os seus compromissos", seguindo pari passuo que havia sido
divulgado na Carta61. Nessa linha, compromete-se com a "responsabilidade
fiscal", com a "estabilidade das contas públicas" e com "sólidos fundamentos
macroeconômicos". Por fim, assegura que não vai "romper contratos nem revogar
regras estabelecidas". Afinal, "governos, empresários e trabalhadores terão de
levar adiante uma grande mobilização nacional"62.
Como se vê , a alma do Anhembi, expressa no programa Lula 2002, assume um
compromisso com a estabilidade, o qual conforme indicamos, em outro lugar,
condiz com o sentimento do subproletariado63, que começava a se aproximar do
partido, e acalmava a burguesia. Enquanto a alma do Sion, poucos meses antes,
insistia na necessidade de "operar uma efetiva ruptura global com o modelo
existente"64, a do Anhembi toma como suas as "conquistas" do período
neoliberal: "a estabilidade e o controle das contas públicas e da inflação são,
como sempre foram, aspiração de todos os brasileiros"65.
Por certo tempo considerada uma "tática" para facilitar a transição, o ideário
ali exposto compunha, na realidade, um segundo sistema de crenças, que passaria
a residir definitivamente dentro do peito partido, lado a lado com o que o
havia precedido. O compromisso com a "estabilidade monetária e responsabilidade
fiscal" volta a comparecer no programa presidencial quatro anos depois e "a
preservação da estabilidade econômica" continua como diretriz para o governo
Dilma Roussef, oito anos mais tarde66. A defesa da ordem viera para ficar.
Mudança análoga ocorre no campo da política de alianças. Enquanto a alma do
Sion primava pela ênfase ideológica, não aceitando juntar-se sequer a partidos
de centro, a do Anhembi aprovou uma chapa formada por Lula e um empresário
filiado ao Partido Liberal (PL), agremiação que levava no próprio nome a adesão
ao credo oposto ao do PT. Surgido por ocasião da Constituinte para defender
argumentos liberais, o PL foi considerado pertencente ao bloco da direita "com
base em seu posicionamento relativo nas votações nominais ocorridas durante a
vigência do atual regime constitucional"67 por cientistas políticos que
estudaram o assunto. Embora a justificativa para a aliança com o PL fosse a
presença de Alencar, nota-se, lateralmente, que a presença evangélica no PL
abria canais com setores populares que sempre haviam sido hostis ao radicalismo
petista.
O fato de que o empresário José Alencar tenha mais tarde se revelado um homem
notável sob diversos aspectos, além de crítico (muitas vezes à esquerda da alma
do Anhembi), da política econômica, em particular dos altos juros, não altera
que a escolha do PL como parceiro em 2002 mostrava que a intransigência
ideológica tinha sido enviada para as calendas gregas. Sinal dos tempos:
diferentemente do que ocorrera em 1998, quando a aliança com um partido de
centro-esquerda (PDT) obrigou o Diretório Nacional a intervir na seção carioca
do PT, a ligação com a direita em 2002 passou ilesa. É que também a opção por
uma aliança com segmentos de direita foi tomada, de início, como recurso
tático, em um engano que obscureceu a verdadeira natureza do espírito que viria
a ser hegemônico. À medida que o governo Lula expandiu o raio de acordos a
outros partidos de direita, como o PTB e o PP, deixou de haver quaisquer
restrições aos acordos eleitorais. Na eleição municipal de 2008, a decisão do
Diretório Nacional de coibir alianças com o PSDB foi, na prática, ignorada em
Belo Horizonte, sem maiores consequências. Em 2010, a oposição ao acordo com a
seção maranhense do PMDB, dominada pela família Sarney, em nome dos velhos
princípios, foi derrotada na direção do partido.
Ao estabelecer pontes com a direita sem levar em consideração as razões
ideológicas, a alma do Anhembi demonstrou uma disposição pragmática que estava
no extremo oposto do antigo purismo petista. Não era uma flexibilização e sim
um verdadeiro mergulho no pragmatismo tradicional brasileiro, cuja recusa fora
antes bandeira do partido. Sob a aparência de ajustes voltados para o momento
eleitoral de 2002, uma verdadeira revolução estava em vigência, deixando
atônita boa parte da esquerda sintonizada com o espírito do Sion. Em dezembro
de 2003, quando foram expulsos os parlamentares que haviam se rebelado contra
as diretrizes "renovadas", a maior parte da esquerda permaneceu no PT. Os
rebeldes haviam se oposto, em particular, à proposta de reforma da Previdência
Social encaminhada pelo governo Lula ao Congresso Nacional. Ao encampar
propostas antes sustentadas pelo PSDB, o projeto atendia a reclamos do capital,
que via no excesso de gastos previdenciários ameaças à estabilidade das contas
públicas. A decisão de excluir do partido os opositores do projeto reformista
evidenciava que o espírito do Anhembi não aceitaria desobediência às diretrizes
agora mandantes.
Mais tarde, em 2005, o pragmatismo venceu outra batalha significativa. A crise
do chamado "mensalão" reabrira o tema do financiamento partidário e, embora por
uma diferença de poucos votos, a proposta de "refundação" do partido, que tinha
o propósito de resgatar as tradições perdidas, perdeu o PED daquele ano para a
corrente que se opunha a uma volta atrás. Estudos posteriores mostraram que as
atividades partidárias já não eram financiadas pela contribuição voluntárias
dos militantes, como era da praxe inicial, desde meados dos anos de 1990. "A
grande guinada na estrutura de financiamento do PT ocorre em 1996: de um ano a
outro, a participação do fundo partidário no total de receitas petistas passa
de 12, 3% para mais de 72%", escreve Pedro Floriano Ribeiro68. A partir de
2000, teria aumentado também a contribuição das empresas: "Em termos reais
(corrigido pela inflação), as doações de empresas ao DN [diretório nacional]
quadruplicaram entre 2000 e 2004", chegando a 27% do total arrecadado, contra
apenas 1% em 1999, segundo o mesmo autor69. Em contraste, a participação dos
filiados no financiamento do partido, que fora de 30% em 1989, caíra para menos
de 1% em 200470.
Em meio ao torvelinho das novidades, convém perceber que as pesquisas
examinadas na primeira parte deste artigo deixam claro que a alma do Anhembi
tem raízes sociais; não é apenas um espírito que flutua. A comparação das
pesquisas Eseb 2002 e 2006 levou Luciana Veiga a apontar que "em 2006, o PT, na
média, representou um eleitorado mais de centro do que em 2002"71. Igualmente,
levantamentos da Criterium e da Fundação Perseu Abramo indicam que, de 2002 a
2006, a proporção de eleitores situados à esquerda entre os apoiadores do PT
caiu de 50% para 42%, ao passo que a dos situados à direita subiu de 20% para
30%. De acordo com Samuels, que utilizou dados de uma quarta pesquisa (Lapop,
2007), "a ideologia esquerda-direita não prediz mais o petismo"72. Segundo o
Instituto Datafolha, em2010, a proporção de apoiadores do PT situados à
esquerda teria se reduzido para 32%, ao passo que à direita ela teria subido
para 35% (Quadro_1). A base do PT, que era predominantemente de esquerda,
passou a abrigar um contingente análogo de eleitores situados à direita.
[/img/revistas/nec/n88/a06qdr01.jpg]
A principal consequência ideológica da configuração recente é que as idéias
anticapitalistas, que o PT herdara do período pós-64 e carregara até as
vésperas da campanha de 2002, resvalam para um segundo plano, fechando longo
ciclo cultural aberto com a derrota do populismo. Embora seja um grave equívoco
desconhecer que o governo Lula cumpriu parte do programa histórico do partido
ao estimular um mercado interno de massa, é verdade que, desconectados de uma
postura anticapitalista, os ganhos materiais conquistados levam água para o
moinho de um estilo individualista de ascensão social, embutindo valores de
competição e sucesso. O espírito do Anhembi, com sua profunda valorização da
ordem, é alimentado e alimenta o PT enquanto "partido dos pobres". O êxito
eleitoral lhe augura uma dominação prolongada.
DUAS ALMAS E UMA SÍNTESE. (PROVISÓRIA?)
Aspecto peculiar do atual modo petista de vida é que o espírito do Anhembi,
embora dominante, não suprimiu o anterior: eles convivem lado a lado, como se
um quisesse desconhecer a existência do outro. O PT nunca reviu suas posições
históricas. Não houve um Bad Godesberg73 para retirar do programa os itens
radicais. Não ocorreu a exclusão da famosa cláusula 4, momento em que o Partido
Trabalhista britânico, conduzido por Tony Blair, abdicou da socialização dos
meios de produção. Ao contrário, o Terceiro Congresso do PT, em 2007, reafirmou
que "as riquezas da humanidade são uma criação coletiva, histórica e social" e
que "o socialismo que almejamos só existirá com efetiva democracia econômica.
Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de
produção"74.
Além de disperso em milhares de militantes formados nos anos anteriores ao
espírito do Anhembi, o espírito do Sion está nos cadernos destinados à formação
dos ingressantes, editados pela direção partidária em 2009. "O Partido dos
Trabalhadores define-se, programaticamente, como um partido que tem por
objetivo acabar com a relação de exploração do homem pelo homem", diz um dos
textos destinado aos recém-filiados75. Ao descrever a evolução do partido,
alude de modo elegante às eventuais incongruências entre teoria e prática: "O
PT é um partido de massas e, como tal, permeável às contradições de nossa
sociedade e de nossa época". Porém, reafirma o compromisso absoluto com a
superação das "desigualdades sociais".
A velha alma é encontrada, também, nas atividades da Fundação Perseu Abramo
(FPA), instituída pelo Diretório Nacional em 1996, com o objetivo de "promover
a reflexão política, disseminar os conhecimentos produzidos, formar quadros
políticos, preservar a memória do partido e da esquerdabrasileira"76. Lá , o
pensamento que presidiu a criação do PT segue vivo. Na apresentação da coleção
de livros que faz o balanço dos mandatos de Lula, Elói Pietá , vice-presidente
da FPA, dá ênfase ao fato de ser "inédito ter no governo toda uma geração de
lideranças sindicais e populares de esquerda"77.
Pietá está certo, pois o ethosde origem encontra-se presente no poder executivo
federal, onde militantes do PT se destacam por transformar em políticas
públicas o compromisso firmado no Sion. A criação do Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS), por exemplo, que entre muitas incumbências tem a
de administrar a Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC),
colocou no centro do Estado brasileiro a visão de que é preciso avançar de modo
consistente no combate à pobreza. Acima de tudo, somadas aos Territórios da
Cidadania, sob coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e aos
projetos cooperativos apoiados pela Secretaria de Economia Solidária, as
iniciativas do MDS procuram dar um caráter emancipatório ao trabalho de resgate
dos excluídos.
Pode-se dizer que, de modo amplo, a presença do PT no governo federal
organizou-se ao redor de dar materialidade aos preceitos da Constituição de
1988, não por acaso expressão da "revolução democrática" vivida de 1978 a 1988.
Em última análise, o partido tem sido o instrumento de construção do Estado de
bem-estar social, com aumento do emprego, transferência de renda para os mais
pobres e progresso na construção de sistemas públicos de saúde e de educação.
O sentido de democratização radical, característico das origens, influenciou
ainda na realização, durante o governo Lula, de dezenas de Conferências
Nacionais, inspiradas nas que originalmente se organizaram no campo da saúde e
foram decisivas para a criação do Serviço Único de Saúde (SUS). Nas
Conferências, milhares de cidadãos mobilizaram-se em torno dos temas mais
diversos - desde o meio ambiente aos direitos dos homossexuais -, dando
continuidade ao processo de participação aberto pela "revolução democrática" e
do qual o próprio PT foi um dos frutos.
O resultado é que os dois mandatos de Lula à frente do Executivo formaram a
síntese contraditória possível das duas almas que hoje habitam o PT. Foi o fato
de ter implementado, simultaneamente, políticas que beneficiam o capital e
promovem a inclusão dos mais pobres, com uma melhora relativa na situação dos
trabalhadores, que permitiu a convivência dos espíritos do Sion e do Anhembi. A
unidade dos contrários está expressa nas diretrizes para o período de 2011 a
2014, aprovadas em fevereiro de 2010. Delas estão excluídos os itens mais
característicos de uma e outra fração. Não há menções ao socialismo, mas também
não está posto o compromisso de preservar superávits primários altos. Se a
"estabilidade econômica" foi incorporada como um valor, ela figura, lado a
lado, com a defesa da distribuição da renda como núcleo do próximo governo.
Em consequência, a proposta de programa aprovada pelo Quarto Congresso pode ser
lida como o difícil ponto de equilíbrio entre corações que batem em ritmos
desencontrados. Não por acaso, o aspecto nacional - que permite a unidade de
diferentes classes - ganha relevo. Enquanto, na compreensão antiga, o PT queria
não a "adoção de uma política 'desenvolvimentista' que agrega o 'social' como
acessório, mas sim uma verdadeira transformação inspirada nos ideais éticos da
radicalização da democracia e do aprofundamento da justiça social"78, a solução
unitária destaca que "o Governo Lula criou as condições para um Projeto de
Desenvolvimento Nacional Democrático Popular, sustentável e de longo prazo para
o país"79. Todavia, em lugar de propor a elaboração de leis "para modernizar a
atual Consolidação das Leis do Trabalho"80, como chegou a ser incluído no
programa de Lula em 2002, assume um "compromisso com a defesa da jornada de
trabalho de 40 horas semanais, sem redução de salários"81.
É claro que a luta de classes perdeu o lugar central na cena em que fora
colocado pelo espírito do Sion. Ela foi substituída, como se vê , por um
projeto nacional-popular, que não é incompatível com os interesses do capital.
Segundo o programa aprovado em 2010, o Estado deverá promover o "crescimento da
renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes
políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento",
mas, concomitantemente, aprofundar "as políticas creditícias para o setor
produtivo por parte do BNDES" e apoiar a "internacionalização das empresas
brasileiras"82. Trata-se de um capitalismo com forte presença estatal, de
distribuição da renda sem confronto, que lembra o ideário varguista.
Para executar tal programa, as alianças necessárias serão feitas, sem atenção
para os aspectos ideológicos. Contudo, se equivoca quem pensa estarmos em face
de pura maximização. A convivência das duas almas do PT leva a paradoxos. O
partido defende, simultaneamente, reformas estruturais profundas e a
estabilidade econômica; a propriedade social dos meios de produção e o respeito
aos contratos que garantem os direitos do capital; um postulado genérico
anticapitalista e o apoio às grandes empresas capitalista; "a formação de uma
cultura socialista de massas"83 e a aliança com partidos de direita. As
diferentes descrições da mudança do PT, que apontam ora no sentido da opção
maximizadora, ora da manutenção do sentido ideológico original, perdem de vista
que o característico da fase que se abre em 2002 é a coexistência de dois
vetores opostos em um mesmo corpo partidário. A síntese disponível é ,
curiosamente, a retomada de uma trajetória sustentada sobre uma aliança de
classe, que parecia revogada das possibilidades históricas pelo golpe de
196484. Para quem esteve no Sion, é irônico. Para quem assistiu ao nascimento
da segunda alma no Anhembi, avançado. As condições objetivas para a
ressurreição de tal projeto deverá ser objeto de um esforço de pesquisa. Mas aí
já se trata de outro capítulo.
ANDRÉ SINGER é professor do departamento de Ciência Política da Universidade de
São Paulo.
[1] Citado em Schorske, Carl. German Social Democracy (1905-1917): the
development of the great schism. Cambridge (Mass.) , Harvard University Press,
1983, p. 290 (trad. livre).
[2] Para os que acompanharam a trajetória de Gildo Marçal Brandão, saudoso
colega do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, não
escapará que o título deste artigo alude também ao seu livro A esquerda
positiva, as duas almas do Partido Comunista, 1920/1964. São Paulo, Hucitec,
1997.
[3] Ver Amaral. Oswaldo E. do. A estrela não é mais vermelha.São Paulo,
Garçoni, 2003; Samuels, David. "From socialism to social
democracy". Comparative Political Studies, vol. 37, nº 9, 2004, pp. 999-1024; Silva, Antonio Ozaí da. "Nem reforma nem revolução: a estrela
é branca". In: Angelo, V. A. de e Villa, M. A. (orgs.) . O Partido dos
Trabalhadores e a política brasileira (1980-2006). São Carlos, EdUFSCar, 2009.
[4] Ver Hunter, Wendy. "The normalization of an anomaly, the worker's party in
Brazil". World Politics, vol. 59, abr. 2007, 440-75; Ibidem. "The Partido dos
Trabalhadores: still a party of the left?". In: Kingstone, P. R. e Power, T. J.
(orgs.) . Democratic Brazil revisited. Pittsburgh, University of Pittsburgh
Press, 2008.
[5] Ver Ribeiro, Pedro Floriano. "O PT, o Estado e a sociedade". In: Angelo e
Villa, op. cit. ; Samuels. "A democracia brasileira sob o governo de Lula e do
PT". In: Ibidem.
[6] Ver Veiga, Luciana Fernandes. "Os partidos brasileiros na perspectiva dos
eleitores: mudanças e continuidades na identificação partidária e na avaliação
das principais legenda após 2002". Opinião Pública, vol. 13, nº 2, 2007, 340-
65; Venturi, Gustavo. "PT 30 anos: crescimento e mudanças na
preferência partidária, impacto nas eleições de 2010". Perseu, nº 5, 2010, 197-
214.
[7] Ver Oliveira, Francisco de. "Política numa era de indeterminação: opacidade
e reencantamento" e "O momento Lênin". In: Oliveira e Rizek, C. S. (orgs.) . A
era da indeterminação. São Paulo, Boitempo, 2007; Guimarães,
Juarez. A esperança crítica. Belo Horizonte, Scriptum, 2007;
Árabe, Carlos Henrique Goulart. Desenvolvimento nacional e poder político, o
projeto do Partido dos Trabalhadores em um período de crise. Campinas:
dissertação de mestrado, Unicamp, 1998.
[8] Cariello, Rafael. "PT e PSDB fazem polarização de pobres e ricos, diz
analista". Folha de S. Paulo, 8/10/2004.
[9] Agradeço ao Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp a
cessão de dados do Instituto Datafolha, e a Silvia Elena Alegre, pela
imprescindível ajuda no tratamento do material.
[10] Veiga, op. cit., p. 362.
[11] Samuels. "A evolução do petismo". Opinião Pública, vol. 14, nº 2, 2008,
pp. 302-18, p. 315.
[12] Hunter, Wendy e Power, Thimoty. "Recompensando Lula: poder Executivo,
política social e as eleições brasileiras em 2006". In: Melo, C. R. e Sáez, M.
A. (orgs.) . A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21.
Belo Horizonte, Editora UFMG, 2007, p. 338.
[13] Ibidem, pp. 338-9.
[14] Para o dado de 2001, ver Singer, André . O PT. São Paulo: Publifolha,
2001, p. 87. Agradeço a Roseli Coelho ter-me chamado a atenção para o fato de
haver crescido de maneira expressiva a filiação ao PT depois do início do
governo Lula.
[15] Os petistas ainda perdem nesse quesito para os peemedebistas, os quais
somavam 1, 9 milhão de inscritos, quantidade, porém, que vêm caindo com o
passar do tempo, ao contrário do que acontece com o PT. Ver <http//
g1.globo.com>, acessado em 18/5/2010.
[16] Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE) do PT, 2008.
[17] Machado, Uirá e Puls, Mauricio. "Aprovação mais alta do PT projeta bancada
recorde". Folha de S. Paulo, 2/8/2010, p. A12.
[18] Ibidem. Utilizamos tais projeções, pois o presente artigo foi concluído em
setembro de 2010, antes, portanto, do pleito previsto para 3 de outubro de
2010.
[19] Meneguello, Rachel. PT, a formação de um partido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1989, p. 173.
[20] Keck, Margareth. PT, a lógica da diferença.São Paulo: Ática, 1991, p. 275.
[21] Mainwaring, Scott, Meneguello, Rachel e Power, Timothy. Partidos,
conservadores no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Paze Terra, 2000, p. 66.
[22] Samuels, "A Evolução do petismo, op. cit., p. 313.
[23] Carreirão, Yan de Souza e Kinzo, Maria D'Alva. "Partidos políticos,
preferência partidária e decisão eleitoral (1989/2002)". Dados, vol. 47, nº 1,
2004, pp. 131-68, p. 150.
[24] Hunter e Power, op. cit., p. 334.
[25] Samuels. "Sources of mass partisanship in Brazil". Latin American Politics
and Society, vol. 48, nº 2, 2006, pp. 1-27, p. 5; Venturi.
"PT 30 anos: mudanças na distribuição regional". Teoria e Debate, nº 87, 2010,
pp. 1-27, p. 15.
[26] Venturi. "PT 30 anos: mudanças na base social". Teoria e Debate, nº 88,
2010, p. 9.
[27] Venturi. "PT 30 anos: crescimento e mudanças na preferência partidária".
Perseu, nº 5, 2010, p. 207. Convém notar que os dados da Criterium, utilizados
na análise de Venturi, indicavam um índice de identificação com o PT de 23%, em
março de 2006, enquanto o Datafolha, em maio daquele ano, ainda apontava um
patamar de 17%. No entanto, no que se refere à mudança da distribuição da
preferência pelo PT por faixa de renda, os dois institutos revelam a mesma
tendência.
[28] Convém notar que os dados apurados pela Criterium para junho e outubro de
2002, assim como pela Fundação Perseu Abramo em abril de 2005, diferem dos
apresentados pelo Datafolha em setembro de 2002. Embora a diferença não altere
o sentido geral da interpretação aqui apresentada, ela permitiria afirmar que a
mudança de fundo ocorreu em 2002, quando a proporção de eleitores de baixíssima
renda, entre os que apoiam o PT, teria dobrado, indo de aproximadamente 25%
para cerca de 50%, não voltando aos patamares anteriores nos oito anos
seguintes. Com isso, o papel da perda de apoio de eleitores de classe média,
embora verificado em todos os levantamentos, seria relativamente menor. Ver
Venturi, "PT 30 anos: crescimento e mudanças... ", op. cit.
[29] "O processo relativamente acentuado de escolarização da população ao longo
da última década e meia, com aumento considerável do acesso aos ensinos médio
(governo FHC) e superior (governo Lula), fazem do grau de escolaridadeum
indicador ruim para a observação do fenômeno aqui em foco". Venturi. "PT 30
anos: crescimento e mudanças na preferência partidária", op. cit., p. 204.
[30] Idem ibidem, p. 211.
[31] Gustavo Venturi, Idem ibidem, p. 207.
[32] Samuels, "Sources of mass... ", op. cit., p. 312.
[33] Agradeço a Brandon Van Dyck, doutorando da Universidade Harvard, haver-me
chamado a atenção para os dados referentes à Câmara dos Deputados.
[34] Ver <www.tse.gov.br>, acessado em 5/7/2010.
[35] Hunter e Power, op. cit. p. 335.
[36] De acordo com o TSE, Lula passou de 46, 4% dos votos válidos em Pernambuco
no primeiro turno de 2002 para 70, 9% no primeiro turno de 2006, ao passo que a
votação nos candidatos do PT para a Câmara dos Deputados subiu de 13% para 16,
1%. É isso que leva a percepções como a do jornalista Melchíades Filho, que
afirma: "O PT não cresceu como o previsto na era Lula. No Nordeste, por
exemplo, foi o aliado PSB que mais posições conquistou" (Folha de S. Paulo, 8/
6/2010, p. A2). Na verdade, a ascensão do PT demorou mais para acontecer.
[37] Ver Fábio Wanderley Reis. "Regiões, classe e ideologia". In: Mercado e
utopia. São Paulo, Edusp, 2000.
[38] Agradeço a Camila Rocha a imagem da transposição dos limites municipais.
[39] O caso do PT em São Paulo apresenta a peculiaridade de antecipar, em 2004,
o movimento que se tornará geral depois de 2005. De acordo com levantamentos
preliminares de Diogo Frizzo, tal movimento se acentua em 2008.
[40] Ver <www1.folha.uol.com.br>, 17/3/2008, acessado em 8/7/2009. op. cit., p.
118. 2006, TSE, via <www.tse.gov.br>, acessado em 05/7/2010.
[41] É possível que isso explique o fato de, no Encontro Nacional de 2006,
Rachel Meneguello e Oswaldo E. do Amaral terem encontrado um aumento de
delegados de menor renda. Ver Meneguello e Amaral. "Ainda uma novidade: uma
revisão das transformações do Partido dos Trabalhadores no Brasil". Occasional
PaperNumber BSP-02-08, Brazilian Studies Programme, Oxford, 2008. Os autores
anotam uma queda no número de delegados aos encontros do partido com renda
superior a vinte salários mínimos, de 28% em 1997 para 13, 4% em 2006, enquanto
o número de delegados com renda de cinco a dez salários mínimos foi 19% para
33% no mesmo período (Tabela_5).
[42] Guimarães, op. cit., pp. 52-3.
[43] O conceito de subproletariado remete à formulação original de Singer,
Paul. Dominação e desigualdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, p. 22.
[44] Oliveira, op. cit., p. 20.
[45] Diretório Nacional do PT. Resoluções de Encontros e Congressos. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 48.
[46] Candido, Antonio. Vários escritos. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/
Ouro sobre Azul, 2004, p. 196.
[47] Panebianco, Angelo. Modelos de partido. São Paulo: Martins Fontes, 2005,
p. XVII.
[48] Schwarz, Roberto. "Cultura e política, 1964-1969". In: O pai de família e
outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
[49] Weffort, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1978, p. 159.
[50] Embora Antonio Candido (op. cit.) advirta para não se misturar pensamento
revolucionário e radical, não possoaqui elaborar a necessáriadistinção, a ser
feita em outra oportunidade.
[51] Perry Anderson (2007). "Jottings on the conjuncture". New Left Review, nº
48, 2007, pp. 5-37, p. 23. Conviria, também, comparar a
trajetória do PT com a do PSOE espanhol, "refundado" em 1976, um pouco antes de
o partido brasileiro ter sido criado. Ver Camiller, Patrick. "Espanha:
sobrevivência do socialismo". In: Anderson, P. e Camiller, P. (orgs.) . Um mapa
da esquerda na Europa ocidental. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. Camiller
mostra que o programa espanhol falava em "partido de classe com caráter de
massas, marxista e democrático", rejeitava "qualquer caminho de acomodação ao
capitalismo" e visava "a assunção do poder econômico e político, e a
socialização dos meios de produção, distribuição e troca pela classe
trabalhadora" (p. 116).
[52] Luxemburgo, Rosa. "Greves de massa, partido e sindicatos". In: Loureiro,
I. Rosa Luxemburgo, textos escolhidos. São Paulo: Expressão Popular, 2009, p.
65.
[53] Souza, Jessé . A construção social da sub-cidadania. Belo Horizonte/Rio de
Janeiro, UFMG/Iuperj, 2006, p. 166.
[54] Oliveira. Collor, a falsificação da ira. São Paulo: Imago, 1992, p. 24.
[55] Diretório Nacional do PT, op. cit., p. 517.
[56] Ver Almeida, Jorge. Como vota o brasileiro. São Paulo: Casa Amarela, 1996,
p. 144; Ibidem. Marketing político, hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo:
Fundação Perseu Abramo/Xamã , 2002, p. 188.
[57] Diretório Nacional do PT, op. cit., p. 675.
[58] A tipologia aqui utilizada é a de Giovanni Sartori. De acordo com o autor
italiano, haveria cinco tipos de partido: "(i) partidos de testemunho, que não
estão interessados em maximizar votos; (ii) partidos ideológicos, interessados
em votos principalmente pela doutrinação; (iii) partidos responsáveis, que não
submetem suas políticas e seus programas à obtenção de mais votos; (iv)
partidos sensíveis, para os quais ganhar eleições ou maximizar os votos tem
prioridade; e, finalmente, (v) partidos puramente demagógicos, irresponsáveis,
que são apenas maximizadores de votos". Sartori, Giovanni. Partidos e sistemas
partidários. Brasília: Editora da UnB, 1982, p. 357.
[59] Referência ao título do volume editado por Loureiro, Isabel, Leite, José
Corrêa e Cevasco, Maria Elisa (orgs). O espírito de Porto Alegre. São Paulo:
Paz e Terra, 2002.
[60] "Concepção e diretrizes do programa de Governo do PT para o Brasil, Lula
2002". São Paulo, Diretório Nacional do PT, 2002, p. 15.
[61] Coligação Lula Presidente. "Programa de Governo 2002". Brasília, julho de
2002, pp. 8 e 17.
[62] Ibidem, pp. 17 e 18.
[63] Ver Singer, André . "Raízes sociais e ideológicas do lulismo". Novos
Estudos, nº 85, 2009, pp. 83-102.
[64] Diretório Nacional do PT, Concepção e diretrizes, op. cit., p. 27.
[65] Coligação Lula Presidente, op. cit., p. 18.
[66] Para 2006, ver Coligação A Força do Povo. "Lula presidente: programa de
governo 2007-2010", p. 6. Para 2010, ver Quarto Congresso do
Partido dos Trabalhadores. "Resoluções sobre as diretrizes do programa de
governo, 2011-2014", item 19a, em <www.pt.org.br>, acessado em 22/2/2010.
[67] Schmitt, Rogério. Partidos políticos no Brasil (1945-2000).Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2000, p. 84.
[68] Ver Ribeiro, op. cit., p. 195.
[69] Ibidem, p. 197.
[70] Ibidem, p. 194, Tabela_1.
[71] Veiga, op. cit., p. 349.
[72] Samuels. "A evolução do petismo (2002-2008)", op. cit., p. 310.
[73] No programa de 1959, aprovado pelo SPD alemão na cidade de Bad Godesberg,
pela primeira vez o partido deixa de fora qualquer menção a Marx e à idéia de
socialização das indústrias de base. Ver a esse respeito, Sassoon, Donaldo. One
hundred years of socialism. Nova York: New Press, 1996, p. 251.
[74] Terceiro Congresso Nacional do PT. Resoluções do 3º Congresso do Partido
dos Trabalhadores, 30 de agosto a 2 de setembro de 2007. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2007, p. 16.
[75] Secretaria Nacional de Formação Política/Fundação Perseu Abramo. "Caderno
de Formação", Módulo 1, São Paulo, 2009, p. 25, em <www.pt.org.br>, acessado em
23/8/2010.
[76] Pietá , Elói (org.) . A nova política econômica, a sustentabilidade
ambien-tal. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2010, p. 8, (grifo meu).
[77] Ibidem (grifo meu).
[78] Diretório Nacional do PT. Concepção e diretrizes..., op. cit., p. 27.
[79] Quarto Congresso do Partido dos Trabalhadores, op. cit., item 16, em
<www.pt.org.br>, acessado em 22/2/2010.
[80] Coligação Lula Presidente, op. cit., p. 30.
[81] Quarto Congresso do Partido dos Trabalhadores, op. cit., item 19p, em
<www.pt.org.br>, acessado em 22/2/2010.
[82] Ibidem, itens 19e, 21a e b.
[83] Terceiro Congresso Nacional do PT, op. cit., p. 24.
[84] Marcelo Ridenti antecipa algo dessa discussão, remetendo para mudanças que
já estariam em curso no PT no fim dos anos de 1990 ("Vinte anos após a queda do
muro: a reencarnação do desenvolvimentismo no Brasil". Revista USP, nº 84,
2009-2010, pp. 50-7.