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BrBRHUHu0102-69092009000100005

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variedadeBr
ano2009
fonteScielo

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Do barraco à casa: tempo, espaço e valor(es) em uma favela consolidada

Os homens não produzem habitação ou abrigo. Poduzem moradias de tipos definidos, como a cabana de um camponês ou o castelo de um nobre. Essa determinação de valores de uso, de uma casa particular como uma moradia particular, representa um processo contínuo da vida social, em que os homens reciprocamente definem objetos em relação a si mesmos e a si mesmos com relação a objetos.

SAHLINS (1976, p. 169)

Introdução Maio de 2005. Cheguei à favela de Bela Vista1 mais tarde do que o usual; eram cerca de duas horas da tarde. Após estacionar no do morro, contemplei a possibilidade de subir de Kombi. Mas, além de ter perdido a hora do rush das crianças voltando do turno matutino da escola - o que implicaria uma longa espera para a Kombi encher - gostava mesmo de subir a . Tomei o caminho do principal beco de acesso à Bela Vista. Este conduz o pedestre por um caminho tortuoso que desemboca na única rua da favela. Nessa junção, lancei (como sempre fazia) um olhar discreto para a "boca". Como era de se esperar a essa hora do dia, os seis ou sete enormes fuzis (além de algumas pistolas) ostensivamente à vista contrastavam com o semblante entediado dos jovens que os seguravam. Aglomerados em torno de um banco de concreto à sombra de uma amendoeira, jogavam conversa fora; relaxados, fumavam um enorme baseado.

Algo parecia fora do lugar, mas eu não identificava de imediato a fonte do meu estranhamento. Um segundo olhar, agora menos discreto, revelou o que me inquietava: cerca de três metros dos jovens com suas armas, havia uma caminhonete da Light - a empresa provedora de eletricidade do Rio de Janeiro.

Pouco acima da "boca", um técnico da empresa, amarrado ao poste, distraidamente consertava os estragos do tiroteio da noite anterior. Ele parecia tão indiferente aos jovens armados quanto estes à sua presença.

A cena é, sem dúvida, banal. E é esta banalidade que a torna um bom ponto de partida para pensar sua novidade histórica: a imagem torna visível uma série de transformações ocorridas no mundo social, que abrem a possibilidade de reconstituirmos suas trajetórias históricas, de esboçar uma genealogia do presente. apenas trinta anos, a cena seria uma impossibilidade: talvez houvesse "bandidos"2 na "boca", mas suas armas seriam menores e certamente não usadas de modo ostensivo. A "boca" não exigiria tanta vigilância, pois a maconha, que seria então sua principal mercadoria, não mobilizava tantos recursos ou lucros. De todo modo, a "boca" estaria em outro lugar, pois o platô de concreto onde se encontra, assim como o banco em torno do qual os jovens se sentam, foi erguido como parte do programa "Favela-Bairro", projeto de urbanização de favelas iniciado na segunda metade dos anos de 1990, orçado em cerca de 600 milhões de reais, parcialmente financiados pelo Banco Mundial.

Aliás, trinta anos o concreto seria escasso por toda a favela; no lugar das casas de alvenaria de vários andares, barracos de estuque e madeira constituiriam a forma construída dominante. A presença do técnico da Light constitui outra novidade. Ainda que redes de eletricidade - clandestinas ou "de cabine" - existam algumas décadas em muitas favelas cariocas, a instalação de relógios de luz e de contas individuais (que hoje cumprem o papel de comprovantes da propriedade no mercado imobiliário de favelas) também constituiriam uma impossibilidade nesse recuo imaginário a meados dos anos de 1970.

O presente artigo visa a constituir uma genealogia histórica dessa cena, tendo como fio condutor a produção social, os usos e as apropriações do espaço construído das favelas cariocas. Seu objetivo principal é elaborar, a partir de uma perspectiva etnográfica, um termo que, ao longo dos últimos dez ou quinze anos vem ganhando espaço no léxico de urbanistas, arquitetos, engenheiros e técnicos da administração pública que trabalham com e nas favelas cariocas: a "favela consolidada".

Termo de uso corrente na literatura especializada (tanto técnica como acadêmica), a "favela consolidada" é raramente definida. A própria naturalização do termo (que parece duplicar a indiferença recíproca entre o técnico da Light e os jovens armados na "boca") aponta para o fato de que, em seu uso corrente, não chega a constituir conceito, mas deve-se à necessidade prática de distinguir, do ponto de vista do planejamento e da governança urbanos, favelas estabelecidas e bem equipadas em termos de infra-estrutura de favelas mais recentes e outros modos de produção de moradia de baixa renda.3 Afinal, como diversos estudos vêm demonstrando, as características que tradicionalmente definiram as favelas cariocas - ilegalidade do solo, precariedade de infra-estrutura, concentração da pobreza extrema da cidade - não dão conta seja da diversidade de realidades que o termo favela nomeia (do ponto de vista legal ou urbanístico), seja do tipo ideal cristalizado no imaginário social da cidade que ele evoca, a saber, a favela dos grandes contrastes socioespaciais, tipicamente localizada em encostas de morros (Valladares, 2005). A comparação entre os indicadores sociais e econômicos referentes a áreas de favelas e outras regiões habitadas por populações de baixa renda revela que não é mais possível afirmar que os níveis mais extremos de pobreza, de precariedade na infra-estrutura urbana, ou no acesso a serviços públicos se concentrem nas favelas cariocas (Preterceille e Valladares, 2000). Isto não significa que não pobreza extrema nas favelas, mas que a segregação socioespacial na cidade vem se complexificando ao longo das últimas décadas (Lago, 2000).

A perspectiva ampla que embasa tais trabalhos é a consolidação de favelas como um fato social consumado e bem documentado.4 Como dizia Michel de Certeau, a perspectiva "do alto" dos urbanistas (ou da sociologia quantitativa) "transforma o mundo enfeitiçante pelo qual foi outrora 'possuído' em um texto que repousa diante dos olhos, oferecendo-se à leitura, permitindo ao leitor tornar-se um Olho Solar, olhando para baixo como um Deus" (1984, p. 92). No entanto, essa mesma perspectiva também silencia os efeitos das estruturas territoriais do tráfico sobre a experiência fenomenológica, cotidiana e discursiva do espaço da favela. Em suma, a visão "do alto" produz suas próprias categorias analíticas e descritivas - tais como a noção de favela consolidada - que impõem indagações sociológicas acerca de transformações recentes que podem ser exauridas se complementadas pela perspectiva míope, "do chão" à qual tem acesso no campo.

Assim, de um ponto de vista antropológico ou, mais precisamente, etnográfico, pensar a favela consolidada implica levar em consideração a historicidade da favela como forma social e espacial, ou melhor, pensar a consolidação de favelas como processo espaço-temporal, atravessado por relações de poder que se (re)produzem em diversas escalas.

A hipótese aqui desenvolvida é a de que essa conjuntura é marcada pelos efeitos sociais de dois processos sócio-históricos, que vêm paulatinamente se interconectando. De um lado, a substituição de programas de remoção por projetos e programas de urbanização, o que possibilitou um boom de construção civil nas favelas ao longo das últimas décadas e no incremento do mercado imobiliário das mesmas, e a conseqüente mercantilização de seus espaços. De outro lado, a apropriação do espaço da favela pelo tráfico de drogas, por meio da imposição de novos usos e rotinas sociais que produzem e reforçam as fronteiras sociais e simbólicas entre a favela e o dito "asfalto". Em suma, pensar a consolidação de favelas traz à tona a questão de como as espacialidades da consolidação urbanística e da "melhoria" - para usar uma expressão cara aos agentes nela envolvidos - se choca, intersecta ou justapõe ao que é sabido ser o aspecto mais crucial da vida cotidiana em estruturas que conectam a favela - agora como território do tráfico - a uma economia política no bojo do que se convém chamar de "criminalidade violenta" (cf. Machado da Silva, 2004).

Da perspectiva das práticas, dos usos e das apropriações que produzem o espaço da favela, portanto, sua apropriação pelo tráfico impõe-se como uma entre várias espacialidades que constituem a favela, atuando inclusive como elemento potencializador de novas intervenções urbanísticas, dada a centralidade da questão da segurança pública na política - não carioca, mas nas grandes cidades em geral, no Brasil e no mundo. Aqui, projetos de urbanização e programas sociais figuram como estratégias de contenção do "risco social" representado pelas desigualdades que constituem o espaço urbano. Tal paradigma é surpreendentemente consensual: de políticos mais conservadores a movimentos sociais endógenos, as três esferas do governo, bem como no discurso do urbanismo e do social, um consenso emerge de que é por intermédio de mais investimentos que será possível conter a "violência urbana". ONGs, ativistas e moradores encampam esses mesmos discursos na disputa por investimentos (Pandolfi e Grynszpan, 2003).

Assim, o que parece à primeira vista uma contradição transmuta-se em uma interconexão: do ponto de vista da consolidação de favelas, a territorialização do tráfico figura como elemento potencializador de novas melhorias urbanísticas, reproduzindo também a crescente desigualdade entre os pobres (Preterceille e Valladares, 2000). Reconfiguram-se, assim, as relações historicamente constituídas entre pobreza, (i)legalidade e espaço urbano no Rio de Janeiro contemporâneo. Enquanto vigoravam as políticas de remoção, era a (i)legalidade urbanística que possibilitava o desenvolvimento de outras ilegalidades, tais como as redes de contravenção sobre as quais a territorialização do tráfico iria reestruturar (Misse, 2006). Hoje, as condições para a visibilidade e relevância política inéditas da favela residem em sua constituição, no nível dos discursos e das práticas, como uma ameaça à cidade. Essa imagem, paradoxalmente, traduz-se em melhorias e investimentos no espaço físico da favela que, por sua vez, se revestem de sentidos e valores particulares para os atores assim beneficiados.

É a partir desse campo problemático que o presente artigo pretende explorar o fenômeno histórico da consolidação de favelas no Rio de Janeiro contemporâneo.

Desde esta perspectiva, a história da mudança de paradigma das políticas governamentais calcadas na remoção para programas que visam à "integração" da favela à cidade dita "formal" pode ser lida como a história da passagem do "barraco" de estuque para a "casa" de alvenaria.

Do barraco à casa Benedito mora em uma casa de três andares na favela de Bela Vista. Ou melhor, em um dos três andares de uma casa que é uma espécie de condomínio familiar, pois abriga o que são, na realidade, quatro residências distintas que dividem uma área interna. A fachada que para a rua é revestida de azulejos em tons de azul, que combinam com as grades das duas janelas que dão para a rua, bem como uma terceira, que protege a porta de vidro. Esta última, através de uma escada um tanto íngreme, acesso a três residências: a de Benedito, matriz original do edifício, localizada no primeiro andar onde ele viveu durante mais de meio século com sua esposa que faleceu alguns anos; a de sua filha, casada e mãe de uma filha, e a de seu filho, que permanece solteiro. Essas duas casas possuem, ainda, entradas separadas, acessíveis por um beco. Vistas dessa perspectiva não parecem sequer parte da mesma construção, pois possuem fachadas inteiramente distintas: a do filho é pintada em um tom róseo, com janelas e uma porta de madeira, pintadas em azul; a da filha é revestida de tijolinhos rústicos, e conta com uma grande varanda repleta de plantas, no segundo andar da construção. Na ocasião de minha visita, Benedito concluía a última residência, que ocupa o espaço térreo voltado para a rua principal de Bela Vista. Sua intenção era alugar o quarto e sala (com cozinha e banheiros próprios) de modo a complementar sua aposentadoria. O valor do aluguel seria de R$250, segundo Benedito me disse ao indicar a obra quase pronta.

Depois de me mostrar as casas separadas, e de contar um pouco da história da construção que ocupa cada centímetro do espaço marcado oficialmente como pertencente à família de Benedito na ocasião do programa pioneiro de regularização fundiária "Cada Família, um Lote", ele me convidou para tomar um suco na sala de estar. Sinceramente impressionada com as dimensões e o acabamento da construção, perguntei quando a casa havia sido concluída. Ele sorriu, um tanto condescendente, e disse: "casa na favela nunca fica pronta, minha filha".

De fato, uma das coisas que mais chama atenção em Bela Vista - ou em parte considerável das cerca de setecentas favelas cariocas - são as visões e os sons de trabalho de construção civil em andamento. Diversas fotografias que tirei ao longo do trabalho de campo apresentavam múltiplas obras em andamento, sem que fosse minha intenção retratá-las.5 No entanto, o interesse acadêmico pelo tema parece ter se dissipado nas últimas décadas, depois de alguns trabalhos seminais que exploraram a autoconstrução como modo privilegiado de produção de moradia em comunidades de baixa renda (Valladares, 1983; Maricato, 1979; Durham, 1973). O hiato em estudos sobre o tema corresponde, justamente, ao período em que a consolidação das favelas deu-se de fato. Assim, faz-se necessário um breve recuo histórico para reconstruir os sentidos sociais e valores atribuídos à prática da autoconstrução.

A história dos grandes projetos, planos e intervenções governamentais nas favelas cariocas é bastante conhecida. Faço, portanto, apenas um histórico impressionista, de modo a contextualizar a etnografia que segue. Ainda que haja indícios de construções nas encostas de morros do centro da cidade desde os anos de 1870, foi apenas no Estado Novo que as favelas foram, pela primeira vez, objeto de legislação: categorizadas como uma "aberração", foram proibidas pelo código de obras de 1937 (Burgos, 1998). Quatro anos depois, Vargas lança o projeto dos "Parques Proletários Temporários",6 primeiro programa de remoção pelo Estado, cuja importância reside não tanto em sua escala ou efeitos concretos, mas no fato de ter estabelecido dois precedentes: o da remoção e, diante da proibição, o de possíveis incursões policiais (Burgos, 1998; Lima, 1989; Valla, 1992; Zaluar e Alvito, 2008). Desde então, o espectro da remoção passou a constituir o cotidiano das favelas, coexistindo com pequenas obras de melhoria, como parte de um esforço mais amplo de moralização dos pobres, processo em que a Igreja Católica foi a grande protagonista, por intermédio da Fundação Leão XIII, criada em 1947, e da Cruzada São Sebastião, fundada em 1955 por Dom Hélder Câmara.

Como vários autores assinalaram, ambas as instituições objetivavam desconectar as demandas dos moradores de questões políticas mais amplas, de modo a diluir os possíveis efeitos da mobilização política esboçada como resistência a ameaças de remoção (Rios, 1992, p. 47; Burgos, 1998, p. 30; Lima, 1989, p. 100). Em 1954 é fundada a Fafeg, associação de nível estadual, reunindo as associações de moradores e lideranças dos movimentos contra a remoção. O período de mobilização política, no entanto, esbarrou em uma conjuntura que justapôs os primeiros programas de remoção ao regime militar.

Não cabe, aqui, uma análise mais detalhada dos programas de remoção, que constituíram objeto de estudos clássicos (Lima, 1989; Valladares, 1978; Zaluar, 1985; Burgos, 1998). O fato é que em meados dos anos de 1970, quase 140 mil moradores haviam sido removidos de cerca de noventa favelas, sendo realocados para áreas distantes das favelas de origem.7 De um modo geral, portanto, ao longo do século XX esboçou-se um padrão nas políticas públicas direcionadas às favelas: durante períodos de governo autoritário, iniciativas de remoção ganhavam força e eram efetivamente implementadas. Em períodos de democracia, a urbanização - parcial, no mais das vezes - caminhava a passos lentos por meio de arranjos clientelistas, a dita "política da bica d'água", que garantia certa tolerância em relação às favelas, traduzindo-se em melhorias de infra-estrutura, sem, no entanto, constituir uma política sistemática.

É esse panorama que se transforma nos anos de 1980, especificamente no primeiro governo Brizola (1983-1986).8 No período, mais de 245 mil moradores de favelas passaram a ter acesso a inéditas redes de esgoto, cerca de cem comunidades receberam eletrificação pública, por intermédio do programa de "Eletrificação de Favelas" da Light, a coleta de lixo passou a ser organizada, no âmbito do programa "Gari Comunitário", por uma série de iniciativas que articularam diversas secretarias de governo em níveis estadual e municipal. Apesar do fracasso do ponto de vista institucional, o programa "Cada Família, um Lote"9 efetivamente acabou com o espectro da remoção ao trazer a regularização fundiária para o horizonte normativo de intervenções urbanísticas em favelas (cf. Burgos, 1998; Fiori, Riley e Ramirez, 2000). Assim, a implantação do programa "Favela-Bairro", a partir de meados dos anos de 1990, constituiu menos uma ruptura do que uma consolidação e ampliação da escala - tanto das obras como do financiamento - das políticas iniciadas no primeiro governo Brizola.

Mas se essa história é pensada como narrativa das condições de possibilidade da produção de moradia nas favelas cariocas - isto é, da produção social do espaço da favela desde a perspectiva de seus moradores - e como fio condutor para uma possível análise do espaço como construção social, deparamo-nos com outros sentidos atribuídos aos mesmos fatos e dinâmicas sociais. A história da mudança de paradigma das políticas governamentais calcadas na remoção para programas que visam à "integração" da favela à cidade dita "formal" torna-se a história da passagem do "barraco" de estuque para a "casa" de alvenaria.

Nessa narrativa, no lugar do relativo "vazio" narrativo que precede os anos de 1930, proliferam-se relatos da chegada ao Rio de Janeiro de famílias de migrantes que, quase sem exceção, se espantam com o "mato", a "selva", o "ermo" nas cercanias de seus barracos. Ainda que os primeiros relatos de jornalistas10 das favelas da zona central do Rio de Janeiro dessem a entender que elas "brotassem" quase que espontaneamente, como se os migrantes construíssem barracos de modo aleatório em qualquer encosta de morro disponível, as narrativas de moradores concatenam uma outra história: a maioria relata ter alugado seu primeiro barraco de grileiros sobretudo no caso de moradores mais antigos.11 Com a relativa estabilização dos núcleos das comunidades, a partir dos anos de 1950, tais relatos passam a privilegiar a figura do presidente da Associação de Moradores, que "marcava" lotes e auxiliava na organização de mutirões para a construção do barraco de estuque - mediante inscrição dos interessados em construir seus barracos na Associação. No mais das vezes, a construção dos barracos era realizada à noite, de forma clandestina, como modo de evitar a vigilância seja da polícia, seja dos capangas dos grileiros.

A superação de tantas dificuldades tende a ser expressa em função da "luta" - individual e coletiva - dos moradores. A expressão "as lutas" nomeia tanto um período específico na memória coletiva de Bela Vista (isto é, as "lutas contra a remoção") que constitui "a comunidade" como sujeito da "luta", quanto um recurso narrativo para expressar uma atitude diante do mundo, marcada pela resiliência diante de dificuldades cotidianas que marcam a trajetória individual de cada morador. Nesse último caso, encontra correlatos nos termos "ralar" ou "batalhar". Alba Zaluar discutiu como esses termos também expressam uma distância e diferenciação deliberada com relação ao modo de vida dos "bandidos", cuja vida é fácil, pois "não trabalham" (Zaluar, 1985, pp. 132- 172). Meu objetivo, aqui, é ampliar essa teorização de modo a levar em conta o modo como a idéia de "luta" é produtiva de noções de valor atreladas ao espaço da favela.

A frase tem efeito teleológico, que produz os moradores como sujeitos de sua própria história, e é constitutiva de uma ética que valoriza o trabalho duro e a perseverança: nada vem facilmente. Mas apesar das lutas cotidianas, pequenas vitórias sucedem-se, melhorias são implementadas e o futuro será melhor do que o passado. A glorificação (muitas vezes nostálgica) dos sujeitos da "luta", da "luta" em si e das relações sociais e comunitárias por estas engendradas convertem-se em evidência de força moral em diálogos intergeracionais. Perdi a conta de quantas vezes testemunhei situações em que pais repreendiam seus filhos por ter a vida "fácil". Como disse uma de minhas informantes sobre seus filhos de oito e dez anos: "Não dão valor a nada! Abrem a torneira e sai água! Destrocei minhas costas carregando lata d'água! Água em casa e eles ainda reclamam!".

Nesses testemunhos podemos discernir uma narrativa subjacente que, na maioria das vezes, elabora a percepção de - progressivas, porém inegáveis - melhorias materiais do lugar. É certo que essa imaginação de um progresso ao longo do tempo coexiste com expressões de desespero e desalento no que concerne ao futuro imediato, marcado por um contexto de grande desemprego e subemprego, de poucas perspectivas e de um acesso precário à educação, à saúde etc. Como os moradores do "asfalto", a preocupação com a segurança dos filhos figura como elemento central da vida cotidiana - não em casa, na favela, onde "o tráfico está na porta", mas também na "rua", pois o medo ligado à possibilidade de vitimização pela "violência" aleatória, constitutivo da experiência do espaço da cidade é um fenômeno agravado pelas próprias temporalidades engendradas pela territorialização da favela, sobretudo em momentos de escalada de conflitos.

Todo esse contexto engendra narrativas de declínio social ou moral, e de um futuro pior do que o presente. A narrativa de progresso oferece um contraponto à criminalidade violenta, que produz suas próprias temporalidades, entre as quais, de modo geral, a mais corrente e constitutiva do ritmo cotidiano é aquela instaurada pela onipresente possibilidade de eclosão de um tiroteio (cf.

Cavalcanti, 2008). Não resta dúvida de que a territorialização da favela pelo tráfico também produz narrativas de declínio social, de esgarçamento das relações comunitárias, da decadência e da falta de respeito.

Nesse contexto, a imaginação da melhoria gradativa é necessariamente reflexiva.

Ela requer uma abstração das vicissitudes e das "lutas" da vida cotidiana (ontem e hoje) para que os processos de longo prazo - todos esses componentes da "melhoria" (outro termo nativo) - concatenem uma narrativa mais coesa de progresso, cujas evidências são visíveis, irrefutáveis e expressas justamente nessa passagem do "barraco" à "casa". O fato é que o impacto do primeiro governo Brizola em muito excedeu as intervenções e as obras em si. Uma vez sepultado o espectro da remoção, transforma-se a própria relação dos moradores com o espaço da favela; a promessa da permanência permitiu-lhes investir em suas casas. O barraco de estuque sem valor de mercado foi substituído por casas de alvenaria que podem chegar a valer o equivalente a um apartamento próximo da favela, em alguns casos extremos, produzindo, assim, casos (mais emblemáticos do que exemplares) de ascensão social. A construção da casa e as melhorias coletivas dos espaços comunitários emergem, então, como atividades que constroem futuro e constituem os moradores como sujeitos de sua própria história, de sua própria melhoria.

Assim, essas múltiplas temporalidades - da memória, mas também da imaginação do futuro - produzem uma tensão que é constitutiva do processo de consolidação de favelas. A "favela", nas narrativas dos moradores, oscila entre uma realização - como evidenciam as melhorias efetuadas pelo próprio trabalho - e um estigma, a forma de categorização externa e a priori de seus moradores que tem efeitos concretos sobre suas vidas. A própria consolidação das favelas reforça essa tensão ao reproduzir, no nível dos discursos e de práticas das políticas públicas e sociais, a dicotomia favela-asfalto: o que legitima muitas das iniciativas sociais e urbanísticas recentes é o consenso de que são concebidos como medidas de inclusão social justificadas pelo discurso da segurança pública - que também afeta diretamente a própria construção da casa na favela.

A fortaleza de Helena Helena e Pedro se conheceram em 1981 em Bela Vista, onde ambos haviam sido criados (Helena viera do Espírito Santo com apenas 1 ano, mas se considera nativa de Bela Vista). Pedro vivia em um barraco de estuque, com sua mãe, duas irmãs, um cunhado, e os três filhos de sua irmã mais velha. Havia acabado de conseguir um emprego no (hoje extinto) Banco Econômico e guardava dinheiro todo mês para realizar melhorias na casa de sua família. As obras começaram em 1984, com a demolição de parte do barraco de estuque e sua substituição por um quarto de alvenaria. Foi mais ou menos nessa época que técnicos do governo visitaram a vila e demarcaram seis lotes, um dos quais foi registrado no nome de Pedro, por ser o "chefe" da família, uma vez que seu cunhado havia abandonado a irmã mais velha. Aproveitando o espaço demarcado, deu-se início a transformação completa do barraco de estuque em casa de alvenaria: Pedro utilizou todo o espaço disponível, a casa ganhou uma sala de estar, além de dois quartos. Mas a maior realização, para Pedro, foi a execução de uma laje, sobre a qual planejava construir sua própria casa onde iria morar com Helena.

Em 1985 os recém-casados Pedro e Helena foram morar em uma casa - que na verdade não passava de um quarto que fazia as vezes de sala, cozinha, sala de estar e quarto de dormir. Era o que foi possível realizar naquele momento.

Pedro e Helena continuaram juntando dinheiro e, na ocasião do nascimento de sua primeira filha, em 1986, haviam anexado um segundo quarto à estrutura inicial. Os anos seguintes foram de muita economia e dificuldades financeiras.

Helena voltou à escola, concluiu o segundo grau, inscreveu-se em um curso de enfermagem. Ficou grávida. Os nove meses de gravidez foram marcados por uma obra de vulto, em 1993, possibilitada pela indenização que Pedro recebera ao perder o emprego e à sorte de ter arrumado trabalho logo em seguida, agora como corretor de seguros. A obra foi além da expansão usual. Os tiroteios constantes com a favela vizinha deixavam marcas em uma das paredes da casa - justo o lado da construção onde estavam localizados os quartos. A nova obra visava a ampliar a segurança interna da casa: a janela do que havia sido, desde sempre, o quarto do casal foi fechada, e o cômodo convertido em cozinha. Pedro e Helena ficaram com o segundo quarto, ainda na linha de tiro, mas um pouco mais protegido. Os quartos das crianças foram construídos com as janelas voltadas para o pátio interno da vila.

A segunda etapa da obra - concluída na mesma época do nascimento do segundo filho do casal - constituiu na construção de uma varanda, onde foi colocada a máquina de lavar, e de uma escada que dava para a laje, onde as roupas eram penduradas para secar. A família prosperava. Helena passou em concurso público.

Após uma breve crise conjugal, o casal se reconciliou, e logo depois se converteu a uma Igreja neo-pentecostal, pouco antes do nascimento da caçula, em 1996.

Enquanto ela ainda mamava, realizaram nova obra: fecharam por completo a varanda, instalando um segundo portão, que permanecia trancado, e também gradearam a janela da sala, para dificultar o acesso da casa do vizinho (que também havia expandido consideravelmente no período, como as de tantos outros moradores da favela).

Toda essa trajetória me foi relatada por Helena, em meados de 2004, enquanto me mostrava fotos de família. As melhorias da casa encontravam-se amplamente documentadas, junto com imagens de aniversários, festas familiares e outras datas memoráveis. Helena demonstrava um enorme orgulho de suas realizações, de suas "lutas". Ela se tornou uma das maiores entusiastas de meu projeto, apresentando-me a novos informantes, e ela própria refletindo sobre as transformações do espaço da favela ao longo dos anos, reflexões essas que dividia sempre comigo. Ela falava que planejava, ainda, cobrir parcialmente a laje, para ter um espaço de lazer, onde poderia colocar a churrasqueira (que ficava na varanda) e, no verão, uma piscina de plástico para as crianças se divertirem.

Em fevereiro de 2005, uma pilha de tijolos apareceu no centro da vila. Dois dias depois, sacos de concreto apareceram na laje da casa de Pedro e Helena.

Helena nada me contou. Achei estranho, pois assim que eu havia começado o trabalho de campo, a irmã mais nova de Pedro estava concluindo a construção de sua casa, aproveitando a laje expandida da casa de Pedro e Helena como teto para o seu pequeno quarto-e-sala. Naquela época, não se falava em outra coisa na vila, tamanha a empolgação com a expansão. Dessa vez, as pilhas de materiais de construção não despertavam nada além de silêncio.

Como Helena não estava em casa, perguntei à sua cunhada sobre os planos do material. Seus olhos encheram-se de lágrimas: um jovem que havia praticamente crescido na vila, por morar em uma casa logo abaixo, cujo acesso principal era precisamente através de uma porta da vila, havia entrado para o tráfico. Sua avó - que havia encontrado uma pistola e munição escondidas em seu jardim - dera a notícia para os moradores da vila na semana anterior. Em outras palavras, a vila tornara-se, potencialmente, um atalho que a polícia poderia vir a usar caso tentasse prender (ou matar, pegar, que eram as expressões utilizadas) o jovem. O atalho passava pela laje de Helena, fato que todos conhecíamos por ser o caminho que crianças faziam para pegar pipas caídas.

No dia seguinte, encontrei uma Helena desolada. Ela, que era das poucas informantes que jamais havia mencionado a possibilidade de sair da favela, dizia que dali para frente todas as suas economias seriam investidas em uma caderneta de poupança para que um dia pudessem dar entrada em um apartamento "na rua". "Mas", dizia, "para onde eu vou, Mariana? Onde eu vou achar um lugar que não tenha esse problema? Quem vai comprar minha casa? Investi tudo que eu tinha nessa casa!" Helena suspirou, resignada: "enquanto eu não posso me mudar, vou construir a minha fortaleza aqui mesmo".

Em menos de três semanas estava concluída a fortaleza: um enorme muro cercou a laje, dificultando a passagem para a casa do jovem "bandido". Qualquer observador externo pensaria que a obra de emergência era apenas mais uma "melhoria". Mas, na realidade, a fortaleza de Helena estava sendo paulatinamente erguida desde o início da década de 1990. De melhoria em melhoria, Helena viu-se presa em sua prosperidade relativa.

O fato é que as obras de melhoria cada vez mais levam em consideração os efeitos da territorialização da favela pelo tráfico. O que parece à primeira vista como uma expansão, como a construção de uma cobertura ou área de lazer revela-se uma questão de segurança. A fortificação, , como aqui no dito asfalto, passa a constituir o imaginário da construção de moradias. A adição de muros, barras em janelas (para manter as crianças dentro e a polícia fora), tem sua contrapartida em investimento em televisões, DVDs, computadores e videogames, como modo de manter as crianças em casa, em um ambiente seguro. O medo é assim incorporado à atividade de construção (e ao imaginário de melhorias que a constitui), gerando novas formas sociais e novos espaços construídos.

Conclusão: um fato social total Em meu estudo de caso, a casa, constituída como processo que envolve investimentos cotidianos e de longo prazo, subjetivos e econômicos, fornece uma perspectiva privilegiada para o estudo da experiência fenomenológica da favela - e de sua consolidação - desde a perspectiva de seu entrelaçamento na trajetória de sujeitos sociais: barracos, casas e fortalezas correspondem a modos distintos de se estar no mundo - e de se habitar uma favela. Para a antropóloga, ofecerem uma janela através da qual é possível vislumbrar e construir a consolidação de favelas como um processo histórico, como história do presente.

A fortaleza de Helena oferece uma perspectiva por meio da qual podemos vislumbrar a - por vezes paradoxal, por vezes perversa - simbiose de mercantilização e territorialização do tráfico que constitui essa (nova) forma urbana e social, a favela consolidada. Na cena com a qual abri o artigo, a justaposição da provisão de um serviço urbano básico com os armamentos ilegais da "boca" mostra como diferentes espacialidades podem habitar um mesmo espaço.

O relato da fortaleza de Helena aborda as mesmas dinâmicas da perspectiva do espaço privado, a casa, levando-nos a constatar como Helena se encontra presa em sua própria prosperidade relativa e nos investimentos materiais e subjetivos que fez em sua casa ao longo dos anos.

Em suma, a fortaleza de Helena fornece uma daquelas raras oportunidades interpretativas, onde "tudo se mistura", um fato social total, tal como concebido pelo texto clássico de Marcel Mauss: Exprimem-se, de uma vez, as mais diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais - sendo estas políticas e familiares ao mesmo tempo - ; econômicas - estas supondo formas particulares da produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição - ; sem contar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam (Mauss, 2003, p. 187).

Assim o é com a fortaleza de Helena - para compreender os sentidos de um mero muro construído em uma de quase setecentas favelas na cidade do Rio de Janeiro é necessário reconstruir todo um trajeto de transformações sociais e históricas que transcendem a favela em si; é preciso atentar para um contexto social, histórico e econômico muito mais amplo, de um lado, bem como para as narrativas e memórias locais de outro.

Conceber a casa como um fato social total não é, nem de longe, um movimento original. A moradia muito vem capturando a atenção de antropólogos por seu potencial hermenêutico. Estamos de fato diante de um objeto clássico da antropologia. Lewis H. Morgan (1965) realizou uma compilação detalhada de diferentes tipos de moradia para fins comparativos; Griaule e Diertelen (1965) decifraram a planta da casa dos Dogon como "o mundo em miniatura" por sua representação do Deus Nommo deitado de lado e procriando-se; Turner (1955) encontrou na distribuição espacial de moradias através de princípios de geração a chave para a compreensão de relações de parentesco e afinidade; no noroeste da Tailândia, Tambiah (1969) vislumbrou a configuração espacial das moradias como homóloga a classificações relativas a regras de casamento e a classificações de diferentes tipos de animais. Lévi-Strauss (1982, 1987) abstraiu a materialidade da casa para desenvolver o conceito da casa como uma "pessoa moral", isto é, uma instituição resultante de agrupamentos de pessoas reunidas por "princípios antagonísticos" - aliança, descendência, endogamia, exogamia - em sociedades em que se operava a transição de uma ordem social baseada em regras de parentesco para uma em que interesses econômicos e políticos começavam a estruturar o mundo social. Bourdieu (1979) responde com uma leitura estruturalista da casa Berber, teorizada como o meio privilegiado para a incorporação das disposições sociais que produzem e são produzidas pelo habitus. Mais tarde, elaborou o próprio mercado imobiliário como lugar para se pensar a construção social do valor (Bourdieu, 2001). E esses são apenas alguns exemplos clássicos de como a antropologia buscou na casa uma chave de interpretação e apreensão das regras e dos valores sociais de diversas sociedades.

No entanto, essas abordagens tendem a se aplicar a sociedades ditas primitivas - ou então distantes no tempo, como a literatura sobre as cidades medievais.

Será que a moradia perde seu potencial interpretativo em sociedades complexas, capitalistas? Certamente não; as condições habitacionais constituem uma importante fonte de conhecimento sobre a sociedade, sobretudo conhecimento estatístico, na forma de estatísticas. Mercados imobiliários e condições habitacionais fornecem mapas concretos da desigualdade e da segregação nas grandes cidades. A gentrificação e a suburbanização constituem campos estabelecidos de pesquisa acadêmica, sobretudo no campo da sociologia (particularmente na vertente norte-americana).

Como a própria produção acadêmica sobre a autoconstrução no Brasil urbano demonstrou nos anos de 1960 e 1970, a moradia oferece um rico ponto de partida para análises das mais diversas facetas da vida social. De fato, a própria centralidade da casa própria em sociedades capitalistas permite uma teorização da casa ou da moradia, bem como sua produção e experiência vivida como um processo, como um fato social total.

Assim, minha análise etnográfica da consolidação de favelas mostra que a metamorfose de um barraco de estuque em uma casa de alvenaria ao longo dos anos - quiçá décadas - não apenas transforma a forma e a qualidade da moradia. A transformação produz uma temporalidade particular - uma que abre a promessa de um futuro melhor - em parte devido à própria experiência de acúmulo de capital na forma de uma casa que participa de um mercado imobiliário dinâmico e cuja tendência é a valorização, ainda que com os limites impostos pelas estruturas territoriais do tráfico. Essas estruturas, por sua vez, não podem ser reduzidas à mera obediência de leis não escritas, mas amplamente compartilhadas; elas são incorporadas à vida dos moradores, na forma de rotinas que visam a diminuir os riscos cotidianos e produzem uma sensação de alerta constante. Além disso, a mera presença do tráfico torna os moradores vulneráveis à violência e ao desrespeito típico da polícia dentro da favela. A presença - e a co-existência - com o tráfico também reforça estereótipos que associam os moradores a traficantes e bandidos, tornando a vida cotidiana difícil dentro e fora da favela. Mas, paradoxalmente, pelo fato de o tráfico trazer a favela para o centro do debate político no Rio de Janeiro contemporâneo também vem trazendo mais investimentos e programas de urbanização.

Notas 1 Bela Vista é um pseudônimo para uma das 29 favelas distribuídas por sete bairros da cidade dita "formal" que compõem a região conhecida como "Grande Tijuca", na zona norte do Rio de Janeiro.

2 Mantenho aqui e em outros trechos do texto um dos termos "nativos" para nomeá-los.

3 Por exemplo, a "favela-loteamento", proposta por Lago (2003).

4 Sobre fluxos migratórios internos na cidade, cf. Abramo (2003), Abramo e Faria (1998) e Lago (2000); sobre o acesso da população de baixa renda à infra- estrutura pública e aos equipamentos urbanos, ver IETS (1998), IPP (2002), Cunha (2000), Ribeiro e Lago (2001) e Torres et al. (2006); sobre transformações na produção de moradia e impactos de programas de urbanização de favelas, ver Compans (2003) e Fiori et al. (2000); sobre o mercado imobiliário de favelas, ver Abramo (2004), Abramo e Faria (1998).

5 O tema vem, inclusive, sendo abordado com bastante freqüência pela mídia carioca, em particular o jornal O Globo, por exemplo na campanha "Ilegal, e daí?", iniciada em outubro de 2006 e esporadicamente reeditada, e da série premiada de reportagens "Favela S/A", publicada em agosto de 2008.

6 Foram removidos cerca de oito mil moradores para os Parques Proletários, de três favelas, duas das quais localizadas em valiosos terrenos de uma zona sul que constituía objeto de políticas urbanísticas mais rigorosas, por seu potencial para a moradia das classes mais abastadas.

7 Como Valladares (1978) demonstrou, o pagamento das prestações, o aumento nos custos de transporte, a distância de oferta de emprego e o esgarçamento das redes sociais que facilitavam a vida na favela fizeram com que muitos "passassem" suas casas e retornassem para favelas localizadas nas zonas mais centrais da cidade.

8 De um ponto de vista legal, esta transformação foi possibilitada pelos artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 e, principalmente, pela aprovação do Estatuto das Cidades em 2001, depois de mais de uma década de debates, discussões e negociações envolvendo políticos, ativistas e militantes de movimentos sociais. A ênfase do Estatuto na "função social da cidade" e, sobretudo, a criação de Zonas de Especial Interesse Social, cuja regulamentação visa a lançar as bases para a regularização fundiária em um futuro próximo. No entanto, na ocasião da promulgação da Constituição de 1988, a consolidação das favelas cariocas constituía um processo em franco andamento.

9 O objetivo original desse programa era conceder títulos de propriedade a cerca de um milhão de famílias residentes em favelas e em loteamentos irregulares. Menos de 35 mil títulos foram efetivamente concedidos.

10 Para esses primeiros relatos que evocam narrativas de viagem, ver Costallat ([1924] 1990), Edmundo (1938) e Rio (1911).

11 Para uma análise dos mercados imobiliários de favelas neste primeiro momento, cf. Fischer (2008).


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