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EuPTCEEn0870-83122009000200004

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variedadeEu
ano2009
fonteScielo

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Análise numérica de um provete para a caracterização do comportamento à fractura da madeira sob solicitações de modo misto I/III

1. Introdução

A aplicação estrutural da madeira tem vindo a aumentar, sendo por isso fundamental o estudo aprofundado do comportamento mecânico do material garantindo uma maior segurança para aumentar a confiança dos projectistas. Neste contexto adquire especial relevância o estudo do comportamento da madeira à fractura. A madeira é um material ortotrópico cuja estrutura anatómica evidencia três planos de simetria: a direcção longitudinal (L) das fibras, a direcção radial (R) dos anéis de crescimento e a direcção tangencial (T) aos anéis de crescimento. Devido às aplicações típicas da madeira os sistemas de propagação RL e TL são os mais propensos à propagação de fendas. A sua caracterização à fractura requer a determinação das taxas críticas de libertação de energia em modo I (GI), modo II (GII) e modo III (GIII). Existem inúmeros estudos na bibliografia sobre o comportamento da madeira sob solicitações em modo I [1-4] e em modo II [5-7]. De um modo geral pode-se afirmar que o ensaio Double Cantilever Beam (DCB) para o modo I e os ensaios End-Notched Flexure (ENF) e End-Loaded Split (ELS) para o modo II são os mais utilizados e propiciam medições rigorosas das respectivas taxas críticas de libertação de energia. Todavia o estudo de materiais não homogéneos sob solicitações em modo III é escasso, devido às enormes dificuldades inerentes à obtenção de uma solicitação de modo III puro. Donaldson (1988) [8], Ling (1998) [9] e Martin (1989) [10] estudaram o provete Split Cantilever Beam (SCB) em materiais compósitos, com o objectivo de prever o seu comportamento à fractura em puro modo III. Todos concluíram que havia uma grande componente de modo II nos bordos do provete, o que impossibilitava a propagação da fenda em puro modo III. O provete SCB não era, portanto, o indicado para este tipo de análise. Alternativamente, o provete Edge Crack Torsion (ECT) idealizado por Lee (1993) [11] tem sido utilizado para o estudo da fractura interlaminar de compósitos sob solicitações de modo III. Li et al. (1997) [12] estudaram este ensaio usando vários provetes com diferentes comprimentos de fenda (a) para calibrar a flexibilidade, tendo verificado que no centro do provete existe apenas modo III, como se pretende. Ratcliffe (2004) [13] estudou provetes de compósitos pré-impregnados unidirecionais para determinar a viabilidade do teste ECT para o cálculo da taxa de libertação de energia em modo III. Os resultados indicaram que o crescimento da delaminagem em modo III se inicia no centro do provete e os valores medidos da taxa crítica de libertação de energia em modo III dependem em grande parte do comprimento da delaminagem. De Morais et al. (2009) [14] usaram o ensaio ECT para a caracterização à fractura de compósitos de carbono/epóxido. Os autores procuraram identificar a geometria ideal do provete e o respectivo método de tratamento de resultados. Os resultados demonstraram uma não-linearidade considerável antes do ponto de carga máxima o que impede uma definição rigorosa do ponto de iniciação. No entanto, as análises feitas às zonas de não-lineariedade mostram dois prováveis pontos de iniciação correspondendo a valores de GIIIc entre 850 and 1100 J/m2 para todas as geometrias testadas. de Moura et al. (2009) [15] realizaram uma análise numérica do ensaio ECT para caracterizar a tenacidade de compósitos laminados. Para colmatar algumas incoerências inerentes à aplicação da Teoria das Placas, foi desenvolvido um novo método de tratamento de resultados. Concluiu-se que o teste ECT pode ser útil na caracterização à fractura dos compósitos laminados especialmente para comprimentos de fenda de 18 mm que corresponde a 41% do comprimento de fenda normalizado, estando estes valores sempre dependentes da geometria e do material do provete.

Embora a caracterização à fractura em modos puros seja útil, as aplicações estruturais da madeira estão, de um modo geral, sob solicitações de modo misto. De facto, tendo em consideração a ortotropia do material e a diferença de rigidez e resistência nas diferentes direcções, a fractura raramente ocorre por rotura das fibras da madeira, uma vez que a sua resistência é muito superior à existente nas direcções radial e tangencial. Consequentemente, a fenda tende a propagar-se paralelamente à direcção das fibras, independentemente da sua orientação inicial induzindo assim condições de fractura em modo misto. É assim fundamental a caracterização do material sob solicitações de modo misto. As solicitações de modo misto (I/II) foram objecto de estudo por alguns autores. Jernkvist (2001) [16] recorreu aos ensaios DCB com braços assimétricos e Single Edge-Notched Tensile, cujos provetes foram entalhados com uma fenda inclinada relativamente à aplicação da carga. Tchegg et al. (1994) [17] utilizaram o ensaio Wedge Splitting (WS) assimétrico que permite a alteração do rácio de modo misto I/II por modificação do ângulo das cunhas assimétricas. Oliveira et al. (2007) [18] realizaram um estudo numérico sobre o ensaio Mixed-Mode Bending (MMB) aplicado à fractura da madeira em modo misto I/II. Os mesmos autores concluíram que este ensaio é aplicável e apresenta a vantagem de propiciar uma fácil variação do rácio de modo misto. Estes mesmos autores realizaram ensaios experimentais e análises numéricas sobre os provetes Single Leg Bending (SLB) e End Loaded Split (ELS) e concluíram que estes ensaios, embora providenciem um valor constante do rácio de modo misto I/II, apresentam uma vantagem importante relacionada com a simplicidade da sua execução.

Apenas existe um estudo de Ehart et al. (1998) [19] sobre solicitações de modo misto (I/III). Os seus autores realizaram testes de solicitações de modo misto (I/III) em materiais derivados da madeira, utilizando uma máquina bi-axial. Foi usado um provete designado por CT (Compact Tension), o qual se baseia numa geometria com dois entalhes laterais que diminuem a presença do modo II espúrio. Contudo, este ensaio, além de requerer uma máquina bi-axial, é de difícil execução e não elimina completamente a presença de modo II espúrio.

Neste trabalho foi idealizado e estudado numericamente um novo ensaio designado por Modified Edge Crack Torsion (MECT) que, como o próprio nome indica, se baseia no ensaio ECT. Recorrendo ao método Virtual Crack Closure Technique (VCCT) obtiveram-se os perfis de distribuição das três componentes da taxa de libertação de energia (GI, GII, GIII) na extremidade da fenda. Verificou-se que a solução proposta permite a variação do rácio de modo misto com facilidade, bastando para tal alterar a posição dos actuadores de carregamento. Procedeu-se ainda à simulação numérica por elementos finitos da iniciação e propagação de dano usando modelos coesivos.

2. Ensaio MECT

A concepção inicial do provete Edge Crack Torsion (ECT) proposta por Lee (1993) [11] consiste numa placa, com uma fenda no seu plano médio, submetida a torção que origina uma solicitação predominante de modo III. Para isso, este provete está sujeito a uma solicitação combinada com três pinos fixos e um actuador, originando assim um carregamento de corte em modo III. Para além do modo III na zona central do provete existe modo II espúrio desde os pinos até aos bordos exteriores.

Figura 1 - Geometria do provete ECT usado por Silva et al. (2006).

Baseado neste ensaio (ECT), idealizou-se um novo ensaio MECT (Modified Edge Crack Torsion) em que os dois pinos posteriores se mantêm fixos tal como no ECT, substituindo os dois pinos anteriores por dois actuadores paralelepipédicos que induzem uma solicitação de abertura da pré-fenda (ver Figura 2). A alteração da combinação de modo misto I/III consegue-se pela alteração da distância entre os elementos actuadores () e das suas dimensões.

Figura 2 - Provete MECT.

3. Combinação de modos I/III

O objectivo deste estudo consistia na definição de geometrias que permitissem a obtenção de diferentes combinações de modos, particularmente em três situações distintas: predominância de modo I, predominância de modo III e um rácio unitário, ou seja presença equitativa de modo I e modo III na frente de fenda. Neste contexto, foram feitas inúmeras simulações variando a distância entre os elementos actuadores () com o objectivo de calcular as componentes da taxa crítica de libertação de energia em modo I e em modo III que propiciassem as combinações pretendidas. As restantes dimensões (Tabela 1) foram mantidas constantes. As simulações foram realizadas recorrendo ao software Abaqus® usando elementos sólidos tridimensionais de oito nós e a elementos finitos de interface de oito nós previamente desenvolvidos por de Moura et al. (1997) e Gonçalves et al. (2000). A malha de elementos finitos usada neste trabalho tem 39236 elementos sólidos contínuos e 5580 elementos de interface, sendo particularmente refinada nas regiões da extremidade da fenda, dos punções actuadores e dos suportes. Na Figura 3 apresenta-se uma imagem da deformada obtida durante a solicitação.

Tabela 1- Dimensões em milímetros do provete MECT.

B

L

a0

t

m

n

h

Wd

S

WS

8

90

4

4,68

2

4

2,5

28

3,5

7

76

Figura 3 Deformada do provete MECT com L´=12 mm.

Os perfis das taxas de libertação de energia na frente de fenda do provete MECT foram obtidos recorrendo ao método do fecho virtual de fenda (Virtual Crack Closure Technique (VCCT)). Nesta técnica, as tensões e os deslocamentos relativos dos nós dos elementos finitos de interface são utilizados para obter as componentes das taxas de libertação de energia (Gi, i=I, II e III)

Nestas equações s j3, t j31 e t j32 representam as tensões na frente de fenda (Figura 4). Por sua vez, ukt, vkt and wkt são os deslocamentos dos nós localizados na face superior imediatamente antes da extremidade da fenda (nós kt na Figura 4), enquanto que ukb, vkb e wkb são os deslocamentos dos nós homólogos da face inferior (nós kb, na Figura 4). A principal vantagem desta técnica reside no facto das distribuições de Gi poderem ser obtidas numa única análise por elementos finitos.

Figura 4 - Esquema de localização dos nós locais, utilizado para aplicação do método VCCT.

Os valores das propriedades mecânicas da madeira de Pinus pinaster Ait. introduzidos nas simulações numéricas encontram-se nas Tabelas 2 e 3 (Silva et al. (2006)).

Tabela 2 - Propriedades elásticas da madeira de Pinus pinaster Ait. (Silva et al. (2006)).

EL

(GPa)

ER

(GPa)

ET

(GPa)

υLR

υTL

υRT

GLR

(GPa)

GTL

(GPa)

GRT

(GPa)

15,13

1,91

1,01

0,47

0,51

0,59

1,12

1,04

0,17

Tabela 3 - Propriedades de resistência e fractura da madeira de Pinus pinaster Ait. (Silva et al. (2006)).

σLult

(MPa)

σRult

(MPa)

σTult

(MPa)

τLRult

(MPa)

τLTult

(MPa)

GIc(RL)

(N/mm)

GIIc(RL)

(N/mm)

GIIIc(RL)

(N/mm)

97,46

7,93

4,20

16,0

16,0

0,24

0,63

0,90

Calcularam-se então as áreas circunscritas pelas curvas respeitantes a GI e a GIII de modo a avaliar-se a relação de modo misto (ver Figura 5). Os valores dessas áreas divididas pela energia total (GT=GI+GII+GIII) correspondem à percentagem de GI e GIII face a GT. A Tabela 4 contém as diferentes percentagens em função das distâncias entre os elementos actuadores na fase inicial do carregamento, ou seja sem qualquer dano.

Figura 5 Perfis de distribuição das taxas de libertação de energia na frente de fenda para L´=28 mm.

Tabela 4 - Diferentes percentagens de GI, GII e GIII para diferentes valores de .

(mm)

GI /GT (%)

GII /GT (%)

GIII/GT (%)

12

66,2

1,6

32,2

28

48,4

1,1

50,5

36

34,7

1,0

64,3

Conclui-se que, qualquer que seja a distância entre os elementos actuadores, o efeito do modo II é praticamente nulo e portanto a simulação ocorre em modo misto (I/III), como se pretende. Note-se que os valores de escolhidos propiciam combinações de modos que contemplam os requisitos iniciais, isto é, GI>GIII, GI≈GIII e GIII>GI.

4. Modelo coesivo

Com o objectivo de simular a iniciação e a propagação da fenda no provete MECT recorreu-se a um modelo coesivo de modo misto previamente desenvolvido [20]. O modelo de modo puro (Figura 6) baseia-se numa relação constitutiva linear entre as tensões (s) e os deslocamentos relativos (dr). O modelo de modo misto baseia-se no mesmo princípio mas contempla a existência dos três modos de solicitação. A iniciação do dano é simulada recorrendo a um critério quadrático de tensões

onde si e su,i (i = I, II, III) representam, respectivamente, as tensões e as resistências locais nos três modos. A propagação do dano é simulada pelo critério energético linear

sendo Gi e Gic (i = I, II, III) as taxas de libertação de energia e os respectivos valores críticos, respectivamente. A área do triângulo mais pequeno da Figura 6 representa a energia libertada em cada modo, enquanto que a área do triângulo maior corresponde à respectiva energia crítica de fractura. A descrição detalhada do método pode ser encontrada na referência [21].

Figura 6 Modelo coesivo em modo puro e em modo misto.

5. Resultados

Numa primeira análise recorreu-se ao método do VCCT como método de tratamento de resultados para obtenção da taxa critica de libertação de energia em modo misto, usando o critério energético linear (equação (3)). Assim, utilizando a equação (3) e os resultados da Tabela 4 calcula-se uma estimativa de GT em função da distância entre os elementos actuadores, considerando os respectivos valores das taxas críticas de libertação de energia (Tabela 3). Considerando, por exemplo uma distância entre os elementos actuadores de 12 mm e recorrendo à equação (3), desprezando a componente de modo II, e à Tabela 4 tem-se que

de onde se obtém GT = 0,321 N/mm. Aplicando o mesmo procedimentos aos restantes casos obtêm-se os valores apresentados na Tabela 5.

Tabela 5 - Valores de GT usando o método VCCT.

(mm)

GT

(N/mm)

12

0,321

28

0,388

36

0,463

Este procedimento apresenta como principal vantagem a sua simplicidade de aplicação. Todavia, apresenta também uma desvantagem que pode adulterar os resultados. De facto, nada garante que o perfil de distribuição de energias na frente de fenda se mantenha constante para valores de carregamento próximos da propagação. O desenvolvimento de uma zona de processo de fractura pode eventualmente alterar o rácio entre modos, ou seja os valores da Tabela 4 podem não ser exactamente os mesmos aquando da iniciação. Neste contexto, usou-se um método alternativo baseado na equação de Irwin-Kies

Este método requer a calibração da flexibilidade em função de diferentes comprimentos de fenda iniciais (a0), ou seja, é necessário o estabelecimento da relação C0=f(a0), o que experimentalmente requer o fabrico de vários provetes com diferentes a0. Numericamente procedeu-se à simulação de provetes com cinco comprimentos de fenda inicial. Verificou-se que a relação C0=f(a0) é bem reproduzida através de uma aproximação linear (Figura 7).

Figura 7 - Aproximação linear à curva representativa da calibração da flexibilidade.

De seguida procedeu-se a uma análise de propagação de dano usando o modelo coesivo de modo misto descrito. A figura 8 apresenta a curva força-deslocamento típica destas simulações. Verificou-se que a propagação ocorre no início da não linearidade da curva força-deslocamento com um valor de força próximo da força máxima. Um dos problemas intrínsecos a este provete relaciona-se com o facto de não ser evidente a definição da dimensão da frente de fenda onde ocorre dissipação de energia (parâmetro B na equação (5)). Este parâmetro foi estimado através dos perfis de distribuição de energia na frente de fenda (Figura 5), onde se verifica que a dissipação de energia na frente de fenda está confinada a uma zona restrita.

Figura 8 Curva P-d obtida para = 22 mm.

A Tabela 6 contém os valores de GT para as três distâncias entre os elementos actuadores () analisados pelo VCCT. Comparando com os resultados da Tabela 5 verifica-se que existem diferenças não desprezáveis, o que se atribui ao menor rigor do VCCT como foi discutido.

Tabela 6 - Valores calculados pela equação de Irwin-Kies.

(mm)

GT (N/mm)

12

0,385

28

0,367

36

0,512

Conclusões

Neste trabalho realizou-se um estudo numérico sobre o provete MECT aplicado ao estudo do comportamento da madeira sob solicitações de modo misto I/III. Este provete permite uma fácil variação das combinações de modos, bastando para tal alterar a distância entre os actuadores. A presença de modo II espúrio é desprezável, o que constitui uma importante vantagem tendo em consideração o fim em vista. Aplicaram-se dois métodos diferentes de tratamento de resultados tendo-se constatado que o VCCT, embora de simples aplicação não propicia resultados satisfatórios. É assim necessário recorrer ao método baseado na calibração da flexibilidade que implica a realização de vários provetes com diferentes comprimentos de fenda inicial. É também necessária uma análise prévia por elementos finitos para a determinação da extensão da frente de fenda onde ocorre dissipação de energia (parâmetro B da equação de Irwin-Kies), recorrendo ao método VCCT. De qualquer modo, conclui-se que o ensaio proposto satisfaz os requisitos necessários para a caracterização da madeira à fractura sob solicitações de modo misto I+III.


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