Produção de Biobaterias a partir de Membranas obtidas pela Técnica de
Electrofiação
1. Introdução
Na tentativa de criar sistemas tecnológicos autónomos, auto-suficientes e menos
dispendiosos, o actual interesse por MEMS (micro-electro-mechanical systems) e
bioMEMS tem vindo a crescer sucessivamente. Com a integração dos MEMS em
circuitos electrónicos, a necessidade de desenvolver sistemas de alimentação
eléctrica em microsistemas tornou-se um grande desafio a ser ultrapassado [1].
A evolução na miniaturização dos dispositivos tem possibilitado um decréscimo
dos requisitos eléctricos dos mesmos. Tal facto permite que sejam alimentados
com fontes de alimentação de menor potência, abrindo um campo de aplicabilidade
para as baterias de filme fino. Estas têm como principal vantagem a de poderem
ser produzidas por processos similares aos dispositivos electrónicos,
possibilitando a sua integração no próprio dispositivo [2,3]. Por outro lado,
também a necessidade de criar dispositivos electroquímicos capazes de gerar
energia eléctrica a partir de substâncias presentes no meio ambiente, tem vindo
a despertar o interesse da comunidade científica. Com o objectivo de
transformar a energia presente nas actividades diárias em energia eléctrica,
muitas soluções têm vindo a ser encontradas, de modo a satisfazer as
necessidades relativas à miniaturização e flexibilidade de dispositivos
portáteis [4].
1.1 Contextualização
1.1.1 Miniaturização e Flexibilidade dos dispositivos
A preocupação ambiental no desenvolvimento de sistemas de conversão de energia
é sentida cada vez mais na actual sociedade. Torna-se, portanto, essencial a
criação de dispositivos de baixo custo e mais ecológicos para fazer face a
estas necessidades [2]. Um filme fino é definido pela sua reduzida dimensão,
cuja espessura não ultrapassa a dezena dos micrómetros. A aplicação de
materiais na forma de filme fino permite uma miniaturização do dispositivo
final, reduzindo a quantidade de material utilizado, a energia consumida
durante o processo de fabrico e, consequentemente, a redução dos custos de
produção [5].
O desempenho dos dispositivos é dependente das propriedades dos materiais que
são utilizados. Os nanomateriais, na forma de filme fino, possuem propriedades
eléctricas e ópticas interessantes sendo largamente aplicados na área da
microelectrónica [2]. A produção de dispositivos electroquímicos mais pequenos
mas, simultaneamente, com boa capacidade de produção de energia eléctrica é uma
das metas de investigação nesta área. Em consequência, a aplicação de materiais
na forma de filmes finos, nos eléctrodos de dispositivos geradores de energia,
foi adquirindo uma relevância cada vez maior. A concepção de dispositivos
electroquímicos de filme fino tem outras vantagens, para além da produção de
dispositivos auto-alimentados, estes podem ainda ser flexíveis, quando
produzidos sobre um substrato que o permita. Tal facto, abre um novo campo de
aplicabilidade aos dispositivos electrónicos flexíveis e descartáveis [6].
1.1.2 A evolução das Biobaterias
O interesse por dispositivos geradores de energia que utilizem compostos
presentes no corpo humano não é recente. Muitos são os estudos efectuados, com
o intuito de desenvolver células de combustível que possam utilizar a glucose
ou outros compostos provenientes do metabolismo humano, para gerar energia
eléctrica suficiente para alimentar determinados implantes médicos [7, 8]. De
um modo geral, as células de combustível são semelhantes a baterias, na medida
em que estas produzem corrente directamente a partir de processos
electroquímicos sem a combustão directa de um combustível. No entanto, ao
contrário das baterias que requerem o armazenamento de uma quantidade de
energia, as células de combustível conseguem operar de indefinidamente desde
que a sua fonte de combustível esteja disponível [9].
As células de combustível que utilizam enzimas como eléctrodos (denominadas por
biofuel cells) são normalmente utilizadas em condições de temperatura e pH
restritos, para não provocar a sua desnaturação. O maior desafio destes
dispositivos é a sua aplicação na alimentação prolongada ou até mesmo
permanente de aparelhos como pacemakers e biossensores de diagnóstico médico,
utilizando o sangue como fonte de glucose [10].
No entanto, a estabilidade limitada e a compatibilidade desconhecida da maioria
dos biocatalisadores, leva à utilização de metais nobres como eléctrodos
(catalisadores abióticos ou não biológicos). A opção de utilizar eléctrodos
abióticos surge como uma alternativa mais favorável e aconselhável na aplicação
em implantes médicos, como por exemplo a platina e o carbono activado. Estes
catalisadores exibem, geralmente, menores velocidades reaccionais que os
enzimáticos mas a sua maior estabilidade torna-os preferíveis quando se
pretendem aplicações prolongadas [7].
Um sistema de alimentação para um biossensor de diagnóstico, descartável, na
área da saúde, foi desenvolvido por Ki Bang Lee [1]. Utilizando uma tecnologia
pouco dispendiosa, foi possível produzir uma bateria em papel, activada pela
presença de urina. A urina é composta maioritariamente por água, resíduos
metabólicos (como a ureia e o ácido úrico), sais (como o cloreto de sódio) e
outros compostos orgânicos. A maioria destes compostos pode ser utilizada para
diagnóstico de determinadas doenças. A bateria de papel desenvolvida é composta
por uma camada de cobre, papel de filtro dopado com cloreto de cobre e uma
camada de magnésio. Posteriormente, foi adicionada a ambas as faces uma camada
de plástico e a montagem foi laminada a 120ºC. O Mg e o CuCl funcionam como
ânodo e cátodo, respectivamente, e a camada de Cu actua simplesmente como
colector de corrente. Ao adicionar um pouco de urina, os seus compostos
dissolvem-se e reagem produzindo energia eléctrica. Para este estudo
experimental, a bateria apresenta uma tensão de 1,47 V e uma potência máxima de
105 mW, utilizando uma resistência de 1kΩ [1].
Em 2007, Pushparaj [6] e a sua equipa de investigadores desenvolveram
dispositivos flexíveis em papel, para armazenamento de energia. Este estudo
baseou-se no desenvolvimento de um nanocompósito, com cerca de 10 µm de
espessura, que integra eléctrodo e separador numa única estrutura. A combinação
de celulose como separador, e nanotubos de carbono (CNTs) como cátodo,
proporciona a flexibilidade e porosidade necessárias aos dispositivos. Ao longo
deste estudo, é sugerido o desenvolvimento de uma biobateria, que tira partido
dos electrólitos naturais encontrados nos biofluidos, como a transpiração,
sangue ou urina, para activar o dispositivo. Como colectores de corrente, Au e
Ti são depositados na forma de filme fino. A utilização do suor como
electrólito, por exemplo, permite obter uma tensão de operação de 2.4V e uma
capacidade de 12F/g.
Uma outra alternativa, apresentada por este grupo de investigadores, é a
utilização de um líquido iónico (RTIL ' Room Temperature Ionic Liquid) como
electrólito, devido à sua natureza iónica. A celulose é dissolvida no RTIL e
posteriormente, é vertida sobre os CNTs. Após solidificação, o nanocompósito
formado é imerso em etanol, de forma a extrair o excesso de RTIL. Este artigo
sugere a aplicação destes dispositivos quer em condensadores (combinação de
dois nanocompósitos), quer em baterias (com a incorporação de um filme de
lítio). Para um condensador, foi obtida uma potência de 1.5 kW.kg-1 e uma
tensão de operação de 2.3 V [6].
Recentemente, em 2009, um grupo de cientistas da Universidade de Uppsala,
apresentou uma bateria flexível de base celulósica, que pretende alimentar
dispositivos médicos de baixo consumo, na presença de uma solução salina. Neste
estudo, foi desenvolvido um compósito, que consiste numa matriz de fibras
celulósicas revestida por uma camada de polipirrol (um polímero condutor), que
funciona como eléctrodo. Uma folha de papel é utilizada como separador e
impregnada com uma solução de NaCl, de 2M. Este separador encontra-se entre os
dois nanocompósitos desenvolvidos como eléctrodos. Como contactos utilizaram-se
duas folhas de platina. Este grupo de investigadores continua o estudo no
sentido de optimizar este dispositivo [11].
1.1.3 O desenvolvimento de novos separadores
Nos últimos anos, muitos são os avanços verificados no âmbito da tecnologia de
novas baterias. No sentido de melhorar estes sistemas electroquímicos,
desenvolveram-se estudos de modo a criar tipos de separadores mais funcionais.
Um separador consiste numa membrana, localizada entre o ânodo e o cátodo, que
previne o contacto eléctrico entre eles (curto-circuito)[12]. Para possuir uma
condutividade mais elevada, o separador deverá ser bastante permeável aos iões.
Desta forma, uma membrana porosa, homogénea e com elevada estabilidade
electroquímica, será um forte candidato a separador numa bateria ou célula de
combustível [13,14].
Assim sendo, é de todo o interesse encontrar soluções mais eficientes para o
uso de separadores. Uma alternativa, mais económica, é a produção de
separadores pela técnica de electrofiação. Actualmente, a técnica de
electrofiação é um dos métodos de produção de nanofibras mais comum e
utilizado. Esta técnica permite produzir fibras com diâmetro controlado, desde
nanómetros a micrómetros. Para além disso, esta técnica é simples, não
necessita de equipamento sofisticado, e é bastante fácil de utilizar [15, 16].
As fibras produzidas por esta técnica são tipicamente denominadas por
nonwovens. Ao contrário dos separadores comuns, os nonwovens apresentam uma
grande porosidade e, consequentemente, uma elevada permeabilidade, permitindo
aumentar a capacidade de uma bateria [17,18].
O estudo de matrizes de nanofibras poliméricas de troca iónica tornou-se numa
opção bastante vantajosa para aplicação em separadores para baterias. As
membranas de troca iónica são normalmente derivadas de materiais poliméricos e
possuem uma elevada porosidade. O transporte dos iões, através das membranas, é
caracterizado pela existência de interacções fortes entre as espécies
permeáveis e a estrutura molecular do polímero. Esta interacção deve-se,
sobretudo, à existência de grupos propícios à troca iónica na estrutura
polimérica, o que permite a permeabilidade ou migração dos iões de acordo com a
sua carga específica [12].
1.2 Inovação e aplicabilidade do estudo efectuado
A celulose é o polímero natural mais abundante na natureza, apresentando-se
insolúvel à maioria dos solventes orgânicos. A existência de grupos hidróxilo,
na sua estrutura, permite a obtenção de diferentes derivados celulósicos,
devido à sua elevada reactividade química [19]. É de longa data o interesse da
indústria farmacêutica na celulose e em alguns dos seus ésteres, como o acetato
de celulose, para aplicação em sistemas de libertação controlada de fármacos
[20].
Assim sendo, a biocompatibilidade do acetato de celulose e a sua fraca
solubilidade na maioria dos solventes aquosos, tornaram-no na escolha indicada
para constituir a matriz de nanofibras poliméricas pretendida para o presente
trabalho.
A matriz de nanofibras, produzida pela técnica de electrofiação a partir de uma
solução de acetato de celulose, para além de suporte físico (substrato), é
utilizada como separador e meio para conduzir os iões, sendo, os eléctrodos, na
forma de filme fino, depositados em ambas as faces da membrana.
A elevada flexibilidade adquirida pelo dispositivo, a pequena espessura obtida
(<150µm) e a biocompatibilidade proporcionada pelos materiais escolhidos,
permitiu o desenvolvimento de um dispositivo inovador e bastante versátil. A
possibilidade de utilizar biofluidos como a transpiração e o sangue, na
produção de energia eléctrica, através de biobaterias, constituiu o grande
enfoque deste trabalho.
2. Procedimento experimental
2.1 Produção de uma membrana de acetato de celulose por electrofiação
Uma solução de 15-21% (p/p) de acetato de celulose (Mw ~ 61,000 ' 40% em grupos
acetil - distribuído por Fluka) em acetona/etanol (0-30% em etanol) foi
introduzida numa seringa de 5 ml e colocada na montagem de electrofiação '
figura 1. Foi seleccionado um caudal que variou entre os 0,1 e os 1,5 ml.h-1.
O caudal aplicado é proporcional à velocidade a que o êmbolo da seringa é
empurrado, forçando a saída da solução polimérica e a formação de uma gota na
ponta da agulha. Posteriormente, foi aplicada uma tensão, entre os 5 e os 30 kV
na ponta da agulha de modo a carregar as partículas poliméricas. Deste modo, é
gerado um campo eléctrico entre a ponta da agulha e o colector rotatório
(ligado à terra), que se encontra entre 10 e 25 cm de distância. A partir de
uma determinada tensão aplicada, as forças electrostáticas repulsivas que
actuam sobre a superfície da gota superam a tensão superficial da solução
formando-se um jacto. O jacto, carregado electricamente, é acelerado para a
superfície com menor potencial isto é, em direcção ao colector. O solvente é
evaporado ao longo do trajecto, ficando uma matriz de nanofibras poliméricas
depositada no colector.
Fig.1 ' Esquema de uma montagem de electrofiação (adaptado de [21]).
A duração do processo depende da espessura da membrana pretendida. Esta
membrana constituirá o separador e o meio condutor de iões nos dispositivos
desenvolvidos ao longo deste estudo. De modo a averiguar os diâmetros e a
uniformidade das fibras produzidas, as amostras foram analisadas por SEM
(Scanning Electronic Microscopy) ' modelo Zeiss DSM-96.
2.2 Deposição de filmes finos para formação dos eléctrodos
Sobre ambas as faces da membrana foram depositados filmes finos de modo a
formar os eléctrodos (ânodo e cátodo) do dispositivo.
A evaporação térmica resistiva foi utilizada para depositar metais e óxidos
metálicos. Numa câmara de vácuo, o material a evaporar foi colocado num cadinho
em posição frontal ao porta-amostras (figura 2). O sistema é mantido em vácuo
secundário (inferior a 1x10-5 mbar) durante o processo de deposição. Faz-se
passar uma corrente eléctrica pelo cadinho que induz a fusão do material, por
efeito de Joule. Quando o material atinge o ponto de ebulição é evaporado e,
dependendo do livre percurso médio, atinge a superfície do substrato, onde
condensa formando um filme fino no estado sólido. A espessura do filme obtido
varia entre 500 Å e 500 nm.
Fig. 2 - Esquema do interior da câmara de vácuo de um sistema de Evaporação
Térmica Resistiva (adaptado de [22]).
A pulverização catódica (sputtering) foi utilizada para depositar TCOs
(Transparent Conductive Oxides). Estes óxidos, para além de serem condutores,
são transparentes, o que permitirá uma aplicação mais abrangente na área da
microelectrónica, não visando exclusivamente as aplicações biotecnológicas. Na
produção dos filmes de GZO (óxido de zinco dopado com gálio) foi utilizado um
alvo de ZnO/Ga2O3 num sistema de sputtering de radiofrequência assistida por
magnetrão. O alvo a depositar e o substrato contendo as amostras em estudo são
colocados, dentro da câmara de vácuo, em posição frontal e a uma distância
entre 5 a 15 cm (figura 3). Dentro da câmara, que se encontra em vácuo (da
ordem de 7x10-6 mbar), introduz-se um gás de processo (inerte), neste caso o
árgon. Aplica-se um sinal eléctrico (pulsado) capaz de ionízar o gás
introduzido na câmara. O princípio físico deste processo baseia-se no
bombardeamento de partículas ionizadas (de alta energia) sobre o alvo,
removendo o material à sua superfície que, por acção de um campo eléctrico, se
vai depositar no substrato.
Fig. 3 - Esquema do interior da câmara de vácuo de um sistema de sputtering
(adaptado de [23]).
Para cada deposição efectuada, e a acompanhar o substrato polimérico, um
substrato de vidro foi adicionado ao porta-substratos. Este último, por
apresentar uma superfície regular, torna-se preferível para determinar a
espessura do filme depositado. As espessuras dos filmes foram determinadas
recorrendo ao uso de um perfilómetro (Veeco Dektak3).
2.6 Ensaios electroquímicos
A amostra a analisar (membrana ou o dispositivo), com cerca de 1 cm2 de área,
foi colocada entre os dois contactos de ouro e o conjunto introduzido numa
célula electroquímica do estado sólido. A adição de solução é efectuada em
pequenas quantidades, cerca de 0,1 ml, sobre a amostra, antes da colocação dos
contactos de ouro. Para proceder aos ensaios, foi adoptada uma configuração de
dois eléctrodos. Isto é, o eléctrodo de referência e o contra-eléctrodo são
conectados de modo a formar um único eléctrodo, sendo o potencial medido e
controlado entre o eléctrodo de trabalho e o de referência (que também é o
contra-eléctrodo). O comportamento electroquímico da membrana, ou dispositivo,
foi caracterizado através da técnica de voltametria cíclica. Estes ensaios
foram realizados num potenciostato (600TM - Gamry Instruments).
Em diferentes etapas deste trabalho, as membranas foram analisadas por FTIR
(Fourier Transform Infrared Spectroscopy), com o intuito de identificar as
ligações químicas nelas presentes e possíveis alterações após contacto com a
solução electrolítica utilizada. Estas medições foram realizadas num
espectrofotómetro FT-IR 6700-Thermo Electron Corporation.
3. Resultados e Discussão
3.1 Produção de uma membrana de nanofibras de acetato de celulose
Para a produção da membrana de nanofibras, foi utilizada uma solução de 15-21%
de acetato de celulose em etanol/acetona.
Os parâmetros relativos ao processo de electrofiação, como a variação do caudal
de saída da solução, a distância entre a agulha e o colector e a tensão
aplicada podem afectar quer a uniformidade das fibras, quer os seus diâmetros.
Deste modo, realizou-se um estudo prévio destes parâmetros de forma a conduzir
à produção de fibras de diâmetro uniforme e livres de defeitos. As membranas de
acetato de celulose foram produzidas a uma temperatura próxima dos 25ºC e a uma
percentagem de humidade entre 40% e 46%. O tempo de electrofiação reflecte-se
na espessura das membranas produzidas. Assim, foram considerados 3 tempos
diferentes de deposição ' 30, 60 e 120 minutos (tabela 1). A medição da
espessura das membranas foi efectuada com o auxílio de um medidor digital de
espessuras, considerando a média de 10 valores recolhidos em diferentes zonas
da membrana. A partir destas 3 diferentes espessuras, e da possível combinação
entre elas, foi efectuado o estudo da sua influência no comportamento
electroquímico da membrana (secção 3.3.2).
Tabela 1 ' Espessura média das membranas produzidas por electrofiação em função
do tempo de deposição.
3.2 Caracterização das fibras produzidas por electrofiação
3.2.1 Caracterização morfológica das fibras
A avaliação da morfologia das membranas, nomeadamente quanto à existência de
imperfeições, uniformidade e diâmetro das fibras, foi efectuada por microscopia
electrónica de varrimento de alta resolução.
A figura 4 apresenta a imagem de SEM da membrana seleccionada para utilizar nos
dispositivos electroquímicos a estudar. A imagem mostra que as nanofibras de
acetato de celulose produzidas por electrofiação apresentam uma forma regular e
homogénea, assim como uma superfície lisa. As fibras produzidas, com diâmetros
médios que rondam os 600 nm, apresentam uma baixa dispersão de diâmetros. De
realçar ainda que a porosidade é elevada, pelo que a razão área superficial/
volume é também elevada o que se torna vantajoso para a ocorrência de reacções
electroquímicas.
Fig.4 ' Imagem de SEM de uma amostra de nanofibras de acetato de celulose
produzida por electrofiação.
3.2.2 Análise de FTIR da membrana de nanofibras
O espectro de infravermelho das membranas de acetato de celulose produzidas é
apresentado na figura 5. Atendendo a que na estrutura química do acetato de
celulose existem ligações glicosídicas, grupos acetil e grupos hidróxilo é
espectável que o espectro de infravermelho confirme a presença destas ligações
e revele as respectivas frequências de vibração.
Fig.5 ' Espectro de infravermelho obtido para as membranas de acetato de
celulose
Neste espectro é possível identificar a banda característica atribuída às
vibrações de distensão das ligações O-H. A banda referente às vibrações de
distensão das ligações O-H aparece, normalmente, entre os 3600 e os 3700 cm-1
[24]. No entanto, a banda identificada neste espectro encontra-se por volta dos
3470 cm-1, o que indica que estes grupos fazem parte duma ligação de
hidrogénio, encontrando-se desviada para comprimentos de onda menores.
A 2940 cm-1, identificam-se as bandas características das vibrações de
distensão das ligações C-H alifáticas. O grupo carbonilo surge a 1747 cm-1,
caracterizado pela banda referente às vibrações de distensão da ligação C=O. A
1370 cm-1 revela-se a banda relativa às deformações 'CH3, e a 1235 cm-1 a banda
característica da distensão assimétrica da ligação C-O-C, típica dos ésteres.
Por fim, a 1039 cm-1 é identificada a vibração de distensão da ligação C-OH,
característica dos álcoois primários presentes na estrutura da celulose.
3.3 Análise electroquímica da membrana de nanofibras
Para estudar o seu comportamento electroquímico, a membrana de nanofibras foi
sujeita a ensaios de voltametria cíclica (VC). A influência sobre a corrente de
parâmetros como a espessura da membrana e a velocidade de varrimento do
potencial foi também estudada.
3.3.1 Estudo do comportamento electroquímico da membrana
De modo a avaliar o comportamento electroquímico da membrana, foram realizados
ensaios de VC com esta seca (virgem) e com a adição de uma solução aquosa de
NaCl a 0,9% (p/p). Para este estudo, a membrana com cerca de 25 µm de espessura
foi colocada entre dois eléctrodos de ouro. Com esta montagem foram realizados
ensaios de corrente versus tensão, num equipamento de voltametria cíclica. Este
ensaio teve por finalidade observar o comportamento da membrana na ausência e
na presença de uma solução salina similar à composição do soro fisiológico. A
solução salina referida, de baixa concentração, permite simular alguns dos
compostos quer do suor, quer do plasma sanguíneo e assim avaliar quando à
viabilidade de aplicação destas membranas em dispositivos electroquímicos de
produção de energia a partir de fluidos orgânicos. No momento da preparação da
montagem da célula electroquímica, foi adicionada 0,1 ml da solução sobre a
membrana.
Os voltamogramas obtidos estão representados na figura 6. Uma alteração do
comportamento electrónico é verificada devido à incorporação de iões e de
moléculas de solvente na estrutura da membrana. Para a membrana seca verifica-
se uma densidade de corrente bastante baixa, na ordem 20 nA.cm-2. Porém, com a
adição de uma pequena porção de NaCl a densidade de corrente aumenta, surgindo
inflexões na curva, em gamas simétricas de valores de tensão (aproximadamente ±
0,1 V e ± 0,6 V) que sugerem a existência de reacções de oxidação-redução.
Fig.6 - Voltamograma da membrana de nanofibras de AC seca e após adição de
NaCl. Representação dos 3 primeiros ciclos de cada ensaio a uma velocidade de
varrimento de potencial de 40 mV/s.
Muitos fenómenos devem ser considerados com a introdução da solução iónica.
Dependo da natureza destes fenómenos, diferentes reacções podem ocorrer. Esta
solução ao penetrar na membrana, para além da migração dos iões que favorece o
transporte electrónico, proporciona a ocorrência de interacções específicas
entre estes e as cadeias poliméricas. Realizando uma breve análise sobre a
forma dos voltamogramas e a localização dos picos, é possível inferir sobre a
natureza das reacções que se identificam. As reacções detectadas a valores de
tensão mais elevados (- 0,6V e +0,6V) são típicas de um processo quasi-
reversível, devido à separação significativa dos picos, e à ligeira diminuição
destes após vários ciclos. Normalmente, este tipo de sistemas é controlado pela
transferência de carga [25]. Estas reacções devem-se, provavelmente, a
interacções entre a membrana e os eléctrodos (na presença da solução), ou mesmo
entre os iões presentes na solução e o próprio eléctrodo. Quanto às inflexões
que surgem a -0,1V e 0,1V, sugerem um processo reversível, envolvendo,
provavelmente, reacções que ocorrem no seio da estrutura polimérica devido à
presença dos iões. Estes picos merecem um estudo um pouco mais aprofundado. De
modo a averiguar a ocorrência de possíveis fenómenos relacionados com a reacção
da superfície dos eléctrodos de ouro e os iões adicionados, foi realizado um
ensaio de voltametria cíclica, em que estes eléctrodos se encontravam
mergulhados numa solução de NaCl a 0,9%.
Fig. 7 ' Voltamograma obtido para os eléctrodos de ouro mergulhados numa
solução de NaCl a 0,9%. O ensaio foi realizado a uma velocidade de varrimento
de potencial de 80 mV/s.
Este ensaio mostra o aparecimento de dois picos simétricos por volta dos -0,6V
e +0,6V (figura 7). A acompanhar estas reacções, um filme escuro depositou-se à
superfície dos eléctrodos. Este facto leva a considerar a formação dos sais
aurícos, possivelmente o AuCl3, um dos óxidos mais estáveis do ouro (estado de
oxidação 3+), originados pelo ataque dos cloretos.
Embora a figura 6 sugira a ocorrência destas mesmas reacções na superfície dos
eléctrodos, identificadas a valores de tensão de -0,6V e +0,6V, a sua
contribuição não parece ser tão significativa como a apresentada na figura 7.
Independentemente deste factor, é expectável existir um efeito da resistência
de contacto entre a membrana e os eléctrodos.
A figura 6 evidencia uma total sobreposição dos voltamogramas, incluindo as
inflexões nas curvas a ±0,1 V, dos sucessivos ciclos. Este tipo de
comportamento verifica-se, provavelmente, porque a transferência electrónica é
acompanhada por uma compensação de transferência iónica, permitindo a
preservação da estrutura do polímero [26]. Esta característica poderá ser
vantajosa para a aplicação pretendida, uma vez que sugere estabilidade
electroquímica, assim como a preservação da estrutura do separador.
Após submetida a 10 ciclos de voltametria, nas mesmas condições, a membrana foi
analisada por FTIR. A figura 8 compara o espectro obtido com o da membrana
virgem. Os espectros evidenciam uma total sobreposição dos picos de absorção
entre a membrana virgem e a que foi impregnada com uma solução de NaCl e
sujeita 10 ciclos de voltametria. Porém, a banda a 3470 cm-1 e a 1635 cm-1,
características das ligações 'OH, apresentam um acréscimo na intensidade o que
pode estar relacionado com a absorção de água da solução introduzida. Os
resultados demonstram que há preservação dos grupos funcionais presentes na
membrana de acetato de celulose após a realização dos testes referidos
anteriormente, indicando a ausência de reacções irreversíveis.
Fig. 8 - Espectro de infravermelho obtido para a membrana de acetato de
celulose no seu estado virgem (a cinzento) e após 10 ciclos de voltametria
cíclica com adição de uma solução de 0,9% de NaCl (a preto).
Os estudos subsequentes consistem numa análise mais aprofundada sobre o
comportamento electroquímico da membrana na presença desta solução. Porém, é de
realçar que uma compreensão exaustiva dos fenómenos electroquímicos não é
fundamental, nem essencial, para o objectivo principal deste trabalho.
Considerando que as reacções redox são a fonte mais provável de electrões e que
estes ocorrem no interior da membrana, em especial na superfície das fibras, é
expectável que quanto maior for a quantidade de fibras maior será a corrente
obtida. Assim, torna-se fundamental estudar a influência da espessura da
membrana.
3.3.2 Estudo da influência da espessura da membrana
Com o intuito de avaliar a influência da espessura da membrana no comportamento
electroquímico da mesma, foram realizados ensaios de voltametria cíclica, em
que se conjugaram membranas de AC com diferentes espessuras, conforme o
indicado na tabela 2.
Tabela 2 ' Diagrama dos ensaios efectuados para o estudo electroquímico da
influência da espessura da membrana. Estes ensaios consistiram na conjugação de
membranas com diferentes tempos de deposição durante o processo de
electrofiação.
Os voltamogramas resultantes apresentaram um andamento semelhante ao
apresentado na figura_6, na presença de uma solução electrolítica. De um modo
geral, foi possível verificar um aumento da densidade de corrente com o aumento
da espessura da membrana. A tabela 3 apresenta os valores de densidade de
corrente curto-circuito, Jsc, verificado para as diferentes membranas.
Tabela 3 ' Valores de densidade de corrente curto-circuito, Jsc, obtidos para
as membranas de diferentes espessuras.
Com o aumento da espessura verifica-se um aumento gradual no valor da densidade
de corrente curto-circuito. Os picos, associados a possíveis reacções redox,
tornam-se mais evidentes com o aumento da espessura da membrana. Estes surgem a
potenciais no intervalo de -0,2 e 0,2 V e estão relacionados com as interacções
entre os iões e a estrutura do polímero. Os valores da densidade de corrente
aumentam com o aumento da espessura da membrana. Este facto pode explicar-se
com o aumento da área superficial para a ocorrência das reacções redox o que,
consequentemente, melhora o transporte e a transferência de cargas.
A figura 9 mostra a variação da densidade de corrente associada aos picos
anódico (oxidação) e catódico (redução) para as diferentes espessuras de
membrana. Observa-se uma dependência linear entre os valores de corrente
obtidos e a espessura. Estes resultados permitem definir as seguintes relações
empíricas, válidas para os intervalos de espessura analisados:
|jpc|= 1,517 x espessura + 1,674 em que R2= 0,949 Equação 1
|jpc|= 1,475 x espessura + 24,55 em que R2= 0,962 Equação 2
Com |jp| em µA.cm-2 e a espessura em µm. Sendo R2 o coeficiente de correlação
entre as variáveis.
Fig. 9' Variação dos valores absolutos de densidade de corrente do pico anódico
(|jpa|) e catódico (|jpc|) em função da espessura da membrana.
3.3.3 Estudo da influência da velocidade de varrimento do potencial
Nos ensaios de voltametria cíclica, um dos factores com maior influência é a
velocidade de varrimento do potencial aplicado, esta pode ser demasiado elevada
ou demasiado lenta não permitindo, por razões diferentes, detectar todas as
reacções electroquímicas. Pretendeu-se averiguar a influência deste parâmetro
no comportamento electroquímico de uma membrana de nanofibras de acetato de
celulose. Para estes ensaios, foi escolhida uma membrana de 133,5 µm de
espessura, à qual se adicionou 0,1 ml de uma solução aquosa de NaCl.
Os voltamogramas resultantes apresentaram um andamento semelhante ao
apresentado na figura_6, na presença de uma solução electrolítica. A tabela 4
apresenta os valores de densidade de corrente curto-circuito, Jsc, obtidos para
os ensaios realizados a diferentes velocidades de varrimento de potencial (25,
40, 100 e 150 mV/s.).
Tabela 4 ' Valores de densidade de corrente curto-circuito, Jsc, obtidos para
ensaios realizados a diferentes velocidades de varrimento de potencial.
Da análise da tabela 4, verifica-se um aumento gradual do valor da densidade de
corrente curto-circuito à medida que a velocidade de varrimento de potencial
aumenta. Uma análise dos voltamogramas resultantes, permite constatar um
aumento evidente dos valores de densidade de corrente com o aumento da
velocidade de varrimento. Este facto pode explicar-se com o aumento do número
de electrões transferidos durante o processo electroquímico. É importante
referir que, no intervalo de tensões de -0,2V a 0,2V, os picos anódico e
catódico que surgem apresentam um comportamento distinto com o aumento da
velocidade de varrimento. O valor absoluto da densidade de corrente dos picos,
catódico e anódico, em função da raiz quadrada da velocidade de varrimento do
potencial, está representado na figura 10. Relativamente ao valor absoluto da
densidade de corrente do pico catódico, verifica-se a existência de uma relação
linear. Este comportamento é concordante com os sistemas reversíveis, devido a
uma maior velocidade de transferência electrónica, sendo o processo controlado
por difusão das cargas.
Fig. 10 ' Gráfico de Randles-Secvik representando a variação do valor absoluto
da densidade de corrente do pico catódico (jpc) e anódico (jpa) em função da
raiz quadrada das diferentes velocidades de varrimento de potencial.
Estes resultados permitem definir a seguinte relação empírica, válida para os
intervalos de velocidades analisados:
|jpc|= 43,019 x ν ½— 76,590 em que R2= 0,949 Equação 3
Com |jp| em µA.cm-2 e a v em mV/s. Sendo R2 o coeficiente de correlação entre
as variáveis.
Porém, o mesmo comportamento não se constata para os valores absolutos da
densidade de corrente do pico anódico. É possível verificar-se uma variação
linear para velocidades mais baixas e um decréscimo nos valores da densidade de
corrente (|jpa|) para 150 mV/s. A possibilidade da velocidade ser demasiado
rápida pode levar a outro tipo de fenómenos reaccionais, desviando-se da
reversibilidade. No entanto, seria de todo o interesse continuar o estudo para
outras velocidades de varrimento, de modo a obter mais resultados que nos
permitissem tirar conclusões acerca desse fenómeno. De modo a confirmar a
reversibilidade do processo electroquímico, foi determinado o rácio das
densidades de corrente dos picos catódico e anódico (jpc/jpa). A tabela 5
apresenta a relação destes valores com o aumento da velocidade de varrimento do
potencial.
Tabela 5 ' Variação do rácio das densidades de corrente dos picos anódico e
catódico (jpc/jpa) em função da velocidade de varrimento do potencial.
Para reacções reversíveis, o rácio jpc/jpa deve ser próximo do valor unitário.
Analisando os valores obtidos, verifica-se um afastamento do seu valor unitário
com o aumento da velocidade de varrimento de potencial, sobretudo para as
velocidades mais elevadas, de 100 e 150 mV/s. Este facto indica que, ou as
reacções redox são demasiado lentas, ou existem reacções químicas secundárias a
elas acopladas [26]. Assim, para velocidades superiores a 100 mV/s é possível
prever a existência de reacções secundárias, as quais envolvem as espécies
reduzidas. Este facto é corroborado pela ausência de correlação linear entre o
valor absoluto da densidade de corrente do pico anódico com a velocidade.
3.4 Caracterização dos filmes finos depositados
Após verificar que as membranas de AC promovem a ocorrência de reacções
electroquímicas, na presença de uma solução electrolítica, quando se encontram
entre dois eléctrodos de ouro, torna-se importante verificar qual o seu
comportamento utilizando eléctrodos com potencias redox diferentes. Esses
eléctrodos foram depositados na forma de filmes finos, em ambas as faces das
membranas. Numa etapa inicial, optou-se por utilizar dois dos materiais mais
baratos e abundantes, o cobre como cátodo e o alumínio como ânodo. A grande
vantagem da combinação dos filmes finos com as nanofibras poliméricas é a
obtenção de uma elevada área catalítica, combinada com uma grande
flexibilidade, facilitando a produção de dispositivos muito finos e flexíveis,
tornando a sua aplicação bastante versátil (figura 11).
Fig. 11 -Fotografia de uma estrutura desenvolvida. Uma das faces da membrana de
nanofibras de acetato de celulose (com 26,7 µm de espessura) é revestida por um
filme fino de Cobre, e a face oposta por um filme fino de Alumínio.
3.4.1 Caracterização morfológica das fibras revestidas
Um dos aspectos importantes na utilização de filmes finos como eléctrodos é a
formação de filmes contínuos que permitam obter um bom contacto eléctrico. Esse
aspecto poderia ser problemático uma vez que as fibras não formam uma
superfície lisa, como se pode constatar pela imagem de SEM da figura 12. Assim,
após deposição dos filmes sobre as membranas, verificou-se a baixa
resistividade do contacto (<100Ω) formado, usando um multímetro. De modo a
entender o funcionamento do metal sobre as fibras, houve necessidade de se
proceder à sua análise morfológica através da técnica de SEM.
Fig. 12 - Imagens de SEM de uma amostra de nanofibras de acetato de celulose
revestidas por uma camada de cobre.
A figura 12 apresenta um revestimento uniforme e homogéneo das fibras. De um
modo geral, a porosidade e a flexibilidade da membrana foram preservadas,
revelando um ligeiro aumento nos diâmetros das fibras. É importante notar o
facto de que apenas as fibras mais à superfície da membrana são revestidas.
Prova disso, é que quando revestidas as duas faces opostas da membrana, não se
observa o fenómeno de curto-circuito entre os dois materiais que compõem os
eléctrodos. Este aspecto é muito importante porque só assim é possível utilizar
as membranas na produção de dispositivos electroquímicos flexíveis.
3.4.2 Análise electroquímica dos dispositivos em estudo
De forma a estudar a influência dos materiais que compõem o ânodo e o cátodo,
foram testadas diferentes combinações de eléctrodos. A biocompatibilidade dos
materiais utilizados deve ser previamente estudada para a selecção dos metais a
utilizar como eléctrodos. No entanto, dificilmente se prevê os efeitos da sua
aplicação a longo prazo. Como se trata de um estudo em fase inicial, foram
feitas determinadas restrições quanto à utilização de alguns materiais.
Numa etapa inicial, optou-se por utilizar dois dos materiais mais baratos e
abundantes, o cobre como cátodo e o alumínio como ânodo. Metais como o ouro, o
titânio e a platina, embora possuam elevada biocompatibilidade, nesta etapa não
são uma escolha viável, por se tratar de uma opção dispendiosa. Porém, foram
testadas estruturas com prata para formar um dos eléctrodos. Este metal já é
utilizado em diversas aplicações cirúrgicas e revela uma elevada
compatibilidade com o organismo [27]. A prata e outros óxidos metálicos, como
WO3 e V2O5, foram estudados devido à sua elevada estabilidade e
biocompatibilidade. Os óxidos referidos são, actualmente, conjugados com outros
metais formando ligas utilizadas em diversos implantes [27, 28]. É importante
referir que, a maioria destes metais nobres sofrem, facilmente, fenómenos de
corrosão, não considerados ao longo deste estudo. Como se trata de uma fase
bastante primitiva, não se considerou relevante, porém é um fenómeno que,
futuramente, será considerado [28].
Deste modo, foram testadas diferentes combinações, de metais e de óxidos
metálicos, de modo a formar os eléctrodos de um dispositivo flexível. Para o
efeito, realizaram-se ensaios de voltametria cíclica. Adicionou-se ao
dispositivo em estudo, 0,1 ml da solução de NaCl a 0,9% (p/p). A membrana, que
compõe os dispositivos em análise, possui uma espessura de 53,4 µm e é
revestida por filmes finos que formam os eléctrodos.
Como alternativa aos filmes finos, para a formação dos eléctrodos também se
utilizaram redes metálicas ultrafinas e flexíveis, que combinam metais como
níquel e cobalto ou ouro, níquel e cobre. Estas redes foram colocadas sobre uma
das faces da membrana, sendo a face oposta revestida por um filme fino de
cobre. Tal como nos ensaios anteriores, foi adicionado 0,1 ml de uma solução
0,9% de NaCl (p/p), e colocou-se a estrutura entre dois eléctrodos de ouro.
A tabela 6 resume os valores de densidade de corrente curto-circuito e de
tensão em circuito aberto obtidos para diferentes combinações de eléctrodos.
Estes valores foram retirados dos voltamogramas obtidos. As estruturas
estudadas revelaram um comportamento electroquímico distinto entre si,
demonstrando bastante estabilidade e reprodutibilidade, na maioria dos casos.
Tabela 6 ' Valores de densidade de corrente curto-circuito (Jsc) e de tensão em
circuito aberto (Voc) para as diferentes combinações de eléctrodos estudadas.
Os eléctrodos marcados com (*) referem-se a redes ultrafinas e flexíveis, os
restantes tratam-se de filmes finos.
3.5 Demonstração do conceito
Na tentativa de consolidar o trabalho desenvolvido, foi simulada uma aplicação
de um dispositivo sobre a pele. A tabela 7 apresenta os valores de corrente
curto-circuito e tensão em circuito aberto, obtidos para duas estruturas em
estudo.
Tabela 7 ' Valores de corrente curto-circuito (Isc) e de tensão em circuito
aberto (Voc) para duas estruturas em estudo. O eléctrodo marcado com (*)
refere-se a uma rede ultrafina e flexível, os restantes tratam-se de filmes
finos.
Os dispositivos em teste tiveram como base uma membrana de nanofibras de
acetato de celulose, com cerca de 1 cm2 e 47,6 μm de espessura. A primeira
estrutura em estudo foi Ag/membrana/Al, e ambos os eléctrodos metálicos foram
depositados sobre a forma de filme fino. Na segunda estrutura, AuNiCu/membrana/
Al, foi utilizada uma rede ultrafina e flexível como eléctrodo (AuNiCu), sendo
o alumínio depositado na forma de filme fino. Em ambos os casos, o dispositivo
em estudo foi colocado sobre a pela suada, realizando-se a medição do valor da
corrente curto-circuito e da tensão em circuito aberto, com o auxílio de um
multímetro. Cada terminal do multímetro estabeleceu contacto com os eléctrodos
do dispositivo.
A figura 13 apresenta uma fotografia de uma medição. O dispositivo foi aplicado
sobre a pele suada, utilizando a pele como contacto. O dispositivo em teste
apresentou um valor de tensão constante de 0,57V.
Fig. 13 ' Fotografia da medição do valor de tensão de um dispositivo,
utilizando a pele como contacto.
4. Conclusões e perspectivas futuras
Este trabalho culminou com o desenvolvimento de um dispositivo electroquímico a
partir de uma membrana de acetato de celulose produzida por electrofiação. As
fibras, produzidas por esta técnica, de forma regular e uniforme, apresentam
diâmetros médios de 600 nm. A elevada porosidade desta membrana que,
consequentemente, lhe confere uma elevada permeabilidade, permite aumentar a
sua área catalítica, tornando-a vantajosa para aplicações em baterias. A
membrana celulósica produzida facilita o transporte dos iões pelo interior da
sua estrutura, promovendo interacções entre estes e grupos hidróxilos presentes
na estrutura do acetato de celulose. O comportamento electroquímico da membrana
produzida foi analisado por voltametria cíclica, o que permitiu identificar
possíveis reacções electroquímicas. Após adição de uma pequena porção de NaCl a
0,9% (p/p), os voltamogramas obtidos revelaram que a membrana produzida
apresenta um comportamento electroquímico estável e reprodutível em ciclos
subsequentes. A solução salina, de baixa concentração, utilizada ao longo deste
trabalho, pretendeu simular alguns dos compostos quer do suor, quer do plasma
sanguíneo e assim avaliar quando à viabilidade de aplicação destas membranas em
dispositivos electroquímicos de produção de energia a partir de fluidos
orgânicos.
A partir da análise electroquímica efectuada foi possível identificar dois
picos, por volta de -0,1 V e 0,1 V, correspondentes a processos de oxidação-
redução, provavelmente, relacionadas com a interacção entre os iões
introduzidos e a estrutura polimérica. Os resultados de corrente obtidos para
as estruturas analisadas variam desde 10 nA até 0,6 mA, para uma área de 1cm2.
A influência da espessura da membrana e da velocidade de varrimento de
potencial na densidade de corrente foi igualmente estudada. Este estudo
permitiu retirar informações quanto à reversibilidade do processo, levando a
prever a existência de reacções químicas acopladas ao processo redox.
Numa etapa posterior, em faces opostas da membrana, foram depositados os
eléctrodos na forma de filmes finos. Diferentes combinações foram testadas,
apresentado comportamentos electroquímicos distintos entre si. A estrutura que
comporta prata e alumínio como eléctrodos prevê-se que seja a mais promissora,
apresentando um Jsc de 52,21 µA.cm-2 e um Voc de 0,28 V, para uma área de 1
cm2. De um modo geral, verifica-se que a produção de energia depende não só dos
materiais que formam o ânodo e o cátodo, como também da espessura da membrana.
Com o intuito de demonstrar as potencialidades destes dispositivos, alguns
deles foram testados sobre a pele suada, apresentado valores de tensão e
corrente bastante promissores.
Este trabalho demonstrou ser inovador quanto ao conceito e aplicabilidade. Uma
estrutura única de nanofibras, para além se suporte físico (substrato), é
utilizada como separador e meio para conduzir os iões sendo, numa fase
posterior, depositados os eléctrodos sob a forma de filme fino, o que lhe
confere uma elevada flexibilidade e permite a redução da dimensão do
dispositivo. Estes dispositivos electroquímicos visam uma vasta gama de
aplicações na área da microelectrónica, proporcionando a alimentação de
dispositivos de baixo consumo. De um modo geral, a sua aplicação e integração
em microsistemas surge, em respostas às actuais necessidades, sentidas no campo
da electrónica flexível e descartável.
Embora se trate de um estudo inicial, este trabalho sugere uma grande
potencialidade e versatilidade em termos de aplicação. No entanto, ainda é
necessário aprofundar o estudo dos eléctrodos, os fenómenos de corrosão e
degradação do dispositivo, assim como realizar testes de biocompatibilidade, de
forma a optimizar o funcionamento dos dispositivos.
Considerando o aproveitamento de biofluidos, como o sangue, este conceito,
poderá providenciar a alimentação de pequenos implantes médicos, como
pacemakers, sondas de imagiologia, dispositivos auditivos, assim como
proporcionar energia necessária para activação de músculos atrofiados. Também
na indústria alimentar, este tipo de dispositivos pode ser utilizado na
alimentação de sensores responsáveis pela detecção de actividade biológica ou a
presença de determinadas substâncias nos alimentos.