Os Materiais na História da Escrita (das placas de argila da Suméria às
pastilhas de silício dos processadores actuais)
3 º Parte- Novas formas, instrumentos, técnicas e materiais de escrita, nos
tempos modernos
Introdução
Com este artigo inicia-se a 3ª parte de um conjunto de quatro artigos
intitulado genericamente Os Materiais na História da Escrita ' Das Placas de
Argila da Suméria às Pastilhas de Silício dos Processadores Actuais.
A primeira parte, versando o nascimento da escrita e a sua evolução nas
diversas civilizações até à invenção da Imprensa, foi publicada no Vol. 17 - Nº
3/4 de 2005; a segunda, já versando esse último facto, e as enormes
repercussões culturais, sociais e mesmo políticas que daí advieram, foi
incluída no Vol. 19 ' Nº 3/4 de 2007; esta 3ª parte versa as formas,
instrumentos e materiais que participam modernamente na escrita, incluindo a
sua mecanização. Por várias razões, teve que ser subdividida; logo que possível
será publicada a sua conclusão.
3.1- A Pena é destronada depois de dois mil anos de existência
A pena foi durante mais de dois milénios praticamente o único instrumento de
escrita das sociedades civilizadas. Como anteriormente referido, a sua
utilização é já citada por S. Isidoro de Sevilha no seu tratado enciclopédico
Etimologias, cerca de 600 a.C. As penas preferidas eram as de ganso, de cisne
ou de pato, devido à sua cânula larga e oca que se tornava um bom depósito para
a tinta. Depois de convenientemente limpas e secas, a ponta era afiada em bisel
e levemente fendida para que a tinta escoasse com regularidade. Naturalmente
com o uso essa ponta desgastava-se pelo que voltava-se a afiá-la. No sec. XVII
inventaram-se uns afiadores próprios.
O uso da pena estendeu-se até quase aos nossos dias, sendo portanto um dos
materiais de escrita cuja utilização mais perdurou. Tornou-se assim o símbolo,
o ex-libris da escrita e da literatura, como Camões invoca no verso que se
colocou como epígrafe da primeira parte deste artigo Numa mão sempre a espada
e noutra a pena.
Com a pena na mão se retratavam as figuras dos literatos para assinalar essa
condição. Camões, Padre António Vieira (fig 1), Bocage e tantos outros,
aparecem frequentemente retratados com uma pena na mão. E não só ' a pena
tornou-se símbolo de cultura e erudição, mesmo quando essa cultura não era
estritamente literária. Cientistas, políticos, homens de leis, militares e
mesmo burgueses, faziam questão de serem retratados ostentando esse símbolo.
Talvez com isso se pretendesse dar, com alguma presunção, um ar de
intelectualidade.
Fig. 1 ' De Vieira se poderá dizer, parafraseando o épico: Numa mão sempre a
cruz e noutra a pena
Um conhecido retrato do Marquês de Pombal mostra-o segurando uma pena, o que
não se estranha dado as suas funções. Mas se folharmos o Dicionário
Enciclopédico da História de Portugal[1], vemos por exemplo os retratos dos
diversos membros do Sinédrio[2] que figuram nas respectivas entradas, todos
ostentando uma pena, pelo que concluimos que, qualquer que fosse a sua
profissão, de literatos a burgueses, todos fizeram questão de serem assim
retratados. Efectivamente dois deles sendo militares preferiram ser
representados segurando a pena em detrimento das respectivas espadas
Mas não se pense que tal facto se refere somente a personagens portugueses.
Percorrendo ao acaso as páginas de um volume (correspondente à época do
Iluminismo) de La Storia de Máximo Salvatóri, encontra-se uma plêiade de
orgulhosos ostentadores desse singelo objecto: Kant, D'Alambert, Diderot, o
naturalista George Buffon, o escritor Samuel Johnson, o político W. Hastings,
governador-geral da Cª. Inglesa das Índias Orientais, etc., e mesmo um tal
Antoine Permentier, agrónomo francês, impulsionador do cultivo e consumo da
batata em França, que deverá ter achado mais elegante ser retratado com uma
pena do que com uma batata na mão.
No célebre quadroMarat Assassinado, obra-prima de Jacques-Louis David, datado
de 1793, o pintor mostra o revolucionário radical jacobino, já morto[3],
tombado na banheira, mas segurando ainda uma pena na mão pendente (fig 2).
Igualmente em Lavoisier e sua Esposa, de 1788, o mesmo artista retrata o
desditoso químico segurando não uma retorta, mas igualmente uma pena.
Fig.2 ' Mesmo morto, Marat conserva na mão a sua arma preferida.
No tecto da Basílica dos Mártires, no Chiado em Lisboa, pintado por Pedro
Alexandre de Carvalho (1730-1810), e felizmente recentemente restaurado,
podemos admirar medalhões onde figuram quatro evangelistas e quatro doutores da
Igreja, três deles ostentando penas
Uma interessante referência à utilização da pena encontra-se na História da
Literatura Portuguesade Mendes dos Remédios[4]. Garcia de Resende que foi
cronista de D. João II e o compilador do Cancioneiro Geral[5], entrou aos 20
anos ao serviço daquele monarca como moço da escrivaninha sendo depois
secretário particular, cargos que desempenhou de tal modo que granjeou a estima
e afeição do rei. Segundo relata então Mendes dos Remédios ao moço da
escrivaninha competia ter sempre na mão, enquanto D. João II escrevia, uma pena
molhada de tinta, pronta para substituir aquela de que o rei se estava
servindo
No século XVIII apareceram novos instrumentos de escrita (o lápis e a caneta)
que rapidamente destronaram a duplamente milenar pena. Mas ela está associada
de tal maneira à literatura e dum modo geral à erudição, que depois de
desaparecer como instrumento material da escrita, permanece e permanecerá como
seu símbolo. Recordemos as frases .homem da pena referindo-se a um escritor,
pela pena de significando a autoria dum escrito, ao correr da pena, etc.
Os próprios instrumentos que a substituíram apropriaram-se do seu nome: em
português chama-se também pena à caneta de aparo, talvez por, tal como ela, ter
de ser mergulhada com frequência no tinteiro; em inglês o termo latino
substitui o anglo-saxónico feather usando-se pen e fauntain-pen; em francês
caneta diz-se porte-plume, sendo plume o aparo.
E para terminar esta merecida apologia da pena, cita-se o facto de uma
associação internacional criada em 1922 na capital inglesa com a finalidade de
fomentar o intercâmbio e o mutuo relacionamento entre os homens da pena de
todo o mundo, chamar-se precisamente Pen-Club [6].
3.2 ' O Lápis e a Lapiseira
O lápis é um instrumento de escrita que consiste num estilete à base de grafite
revestido por uma bainha de madeira. Poder-se-á considerá-lo um descendente de
instrumentos de escrita anteriores: os romanos utilizaram para escrita sobre
papiro o stilus geralmente de chumbo; ao longo da Idade Média utilizaram-se
tipos de lápis feitos com misturas de chumbo e prata, chumbo e estanho e mais
tarde de chumbo, enxofre e antimónio.
Em 1554 foi descoberta, em Cumbria no Reino Unido, uma importante mina de um
material que os habitantes da região verificaram ter extrema facilidade em ser
cortado em barras ou varetas e em deixar um traço negro onde fosse passado.
Usaram-no assim para marcar os seus rebanhos, envolvendo essas barras em pele
de ovelha ou fixando-as numa haste de madeira com cordel.
Deu-se ao material o nome de plumbagina, considerando-o uma variedade de
chumbo. Posteriormente o material foi usado pulverizado e misturado com gomas,
resinas e colas.
A primeira menção ao referido material deve-se ao médico, humanista e
naturalista suíço-alemão, de Zurique, Konrad von Gesner (1516-1565), referindo
à sua utilização sob a forma de lápis. Gesner descreveu um novo instrumento de
escrita, no qual a grafite seria inserta num invólucro de madeira. Aliás é
fácil de se ver que ao darem nome ao material relacionaram-no imediatamente com
escrita. Guesner foi também o primeiro a considerá-lo como um mineral
diferente do chumbo, mas só muito mais tarde, em 1775, esse facto foi
confirmado cientificamente pelo químico sueco Carl Wilhem Scheele (1742-1786),
demonstrando que a grafite é na realidade uma forma alotrópica de carbono. O
termo plumbagina, sendo então inapropriado, foi caindo em desuso.
A grafite tem cor negra, é opaca, de brilho metálico, muito frágil,
apresentando dureza e densidade baixas. Tem baixo coeficiente de atrito, toque
untuoso e risca o papel. A sua estrutura cristalina é constituída por camadas
sobrepostas de átomos de carbono formando uma rede hexagonal. A ligação entre
os átomos de cada camada é covalente, mas a ligação entre camadas é fraca '
ligações de Van der Waals. Essa disposição faz com que as camadas deslizem
facilmente umas sobre as outras, proporcionando as conhecidas propriedades da
grafite, entre as quais a designada untuosidade[7], que determina as suas
principais aplicações, como o emprego na escrita através das minas de lápis.
A grafite descoberta no Reino Unido era de extrema pureza, pelo que esse país
dificultou toda a exportação do produto. A proveniente de outras jazidas
entretanto descobertas na Europa continental não possuía o mesmo grau de
pureza, obrigando a uma operação de trituração para eliminar essas impurezas.
Além disso o bloqueio económico estabelecido pela Inglaterra durante as
campanhas napoleónicas levou os químicos franceses a procurarem substitutos
para alguns materiais que importavam, entre os quais a grafite.
O francês Nicolas-Jacques Conté (1755-1805), comandante do corpo de aeróstatos
do exército napoleónico, dotado de um incansável espírito inventivo, aliás
muito apreciado pelo próprio Napoleão, criou então a plumbagina
artificial,constituída por uma mistura de grafite e argila. A grafite era
reduzida a pó e misturada com argila dissolvida em água. Com o material obtido
por essa técnica, Conté modelou, em 1795, pequenos bastões que eram
solidificados a alta temperatura, passando a constituir a mina Para proteger
essa mina, muito frágil como se disse, e tornar mais cómoda a sua utilização,
revestiu-a de madeira de cedro. Nasceram assim os famosos lápis Conté.
Por volta da mesma época, Josef Hardtmuth (1758-1816), arquitecto e inventor
austríaco, teve a mesma ideia, pelo que a criação deste instrumento de escrita
é atribuída a ambos os inventores. Este último montou uma fábrica em 1792.
Verificou-se depois que fazendo variar as percentagens dos dois componentes da
mistura ' a grafite e a argila ' podia-se obter lápis de diversos graus de
dureza, que se designaram do nº 1, o mais macio, ao nº 4, duríssimo.
Formulou-se também uma outra escala própria composta de cerca de 20 graus de
dureza. Convencionou-se designar esses graus pela combinação das letras H
(hard) e B (black ou brand), conseguindo graus crescente de dureza desde os
mais macios, os assinalados por B, até os mais duros, assinalados por H. Tem-se
assim a sequência:
9B, 8B . 3B, 2B, B, HB, H, 2H, 3H, ..8H
Os lápis de valores mais altos de B, muito negros, usam-se sobretudo em
desenho. Os lápis de alto índice H usam-se principalmente em litografia,
processo tipográfico que adiante será referido.
A industrialização do fabrico de lápis deve-se ao alemão Kaspar Faber, que em
1760 fundou em Nuremberga, Alemanha, uma fábrica a qual, a partir de 1898,
passou a designar-se Faber-Castel hoje famosa marca de inegável qualidade.
Aliás também são famosas as marcas Staedtler (fundada em 1835, também em
Nuremberga), a austríacaKoh-I-Noor (fundada por Josef Hardtmuch, atrás
referido) e a suiça Caran d'Ache.
Em Portugal foi fundada em 1936 a Fábrica Viarco, actualmente localizada em
S. João da Madeira. É a única no país. Graças a oportunas inovações, a marca
goza de merecido prestígio, mesmo no estrangeiro. Produtos seus (fig. 3) estão
representados na colecção de design do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque,
com venda na respectiva loja, estando para breve a sua presença também no Museu
de Arte Moderna de Tóquio.
Fig . 3 'Lápis da marca nacional Viarco
Para a produção de lápis cortam-se tábuas delgadas (de dimensões 180x80 mm) de
madeira, previamente submetida a um tratamento que inclui secagem, nas quais se
abrem sulcos paralelos em meia-cana. Nesses sulcos dispõem-se varetas da mina
entretanto preparadas, a partir da mistura adequada dos dois componentes, como
acima descrito. Justapõe-se e cola-se então outra tábua, igualmente com sulcos,
encerrando as varetas em sanduiche. O conjunto é prensado durante algumas
horas, cortando de seguida as tábuas em tiras que constituirão os lápis, que
depois serão lixados e pintados ou envernizados, gravando-se a marca do
fabricante e as referências do tipo do produto. A figura 4 esquematiza essa
sucessão de operações. As tintas devem ser rigorosamente atóxicas, sobretudo
por causa da tendência dos utilizadores de porem a extremidade oposta à ponta
na boca e até de roê-la.
Fig. 4 ' Esquema das fases da fabricação de lápis
As madeiras empregues nesta indústria podem ser diversas: cedro, a madeira
utilizada pela fábrica nacional, pinheiro, eucalipto, tília, etc. Grande parte
das fábricas de lápis faz questão de criar as suas próprias áreas florestais
para não afectarem as plantações nativas.
A secção transversal dos lápis é geralmente hexagonal, para evitar que rolem
sobre a superfície onde são pousados, mas também fabricam-se redondos,
oitavados ou ovais. O comprimento do lápis é de 175 mm e o seu peso médio é de
5g.
As grandes vantagens do lápis são o facto de se poderem ser afiados conforme se
vão consumindo, e sobretudo a sua escrita poder ser apagada. Consequentemente
surgiram dois novos apetrechos relacionados com a escrita: o afia-lápis e a
borracha de apagar, que adiante serão descritos. Em 1858 foi patenteada a ideia
de fixar uma borracha numa extremidade do próprio lápis.
Além dos lápis de grafite existem outras variedades, para fins específicos: de
carvão de lenha, lápis grasso (que escreve em qualquer superfície como vidro,
etc.), lápis de cor (obtidos com a junção de caulino, goma, cera e pigmentos
corantes), lápis de cor aguareláveis, etc.
Os lápis de cor são geralmente comercializados em caixas de 6, 12 ou mais. A
propósito de lápis de cor cite-se, como curiosidade, o facto de durante o
regime que vigorou de 1926 a 1974 em Portugal, ter existido uma censura que
utilizava na sua lamentável actividade lápis de cor azul pelo que a expressão
lápis azul ficou associada àquela ignóbil função.
A produção mundial de lápis é de cerca de 20 mil milhões por ano, o que
demonstra ser ainda um produto de elevado consumo. A maior produção cabe à
marca Faber. A marca nacional Viarco produz anualmente cerca de 6,5 milhões
de lápis.
Se, como se disse acima, a possibilidade de poder ser afiado constitui uma
vantagem do lápis, melhor será nem precisar dessa operação. Nasceu assim a
ideia da lapiseira, também designada porta-minas, que foi inventada em 1822
por John Isaac Hawkins e Sampson Mordan . É na realidade um instrumento
simples, constituído por um corpo tubular, de metal ou de material polimérico
no interior do qual se coloca uma mina, que movida por um mecanismo especial de
alimentação, por rotação ou por mola, vai aflorando à ponta do instrumento,
permitindo escrever.
As minas usadas poderão ter vários diâmetros: 0.3, 0.5, 0.7, 0.9, 1.1, 1.3, e
1.6 mm.
3.3 ' A Caneta e o Aparo
A penafoi igualmente substituída pela caneta constituída por uma haste de
madeira ou de metal (aço, cobre, latão). Naturalmente, para os utilizadores
mais requintados, ou mais endinheirados, poderia ser de ouro, de prata, de
marfim, etc. Mais modernamente fabricaram-se também de plástico. Essa haste
era provida de uma peça metálica, alojada na extremidade, o porta-aparo , à
qual se fixava um aparo substituível (fig.5).
Fig 5 - Canetas de madeira com o dispositivo porta-aparo (da colecção do autor)
Este é uma pequena peça com o formato que é melhor descrito pela fig. 6. Há uma
grande variedade de aparos diferindo essencialmente pela ponta de escrita,
permitindo diferentes tipos e espessuras de letras. Alguns tipos de aparo
dispõem eles próprios um pequeno reservatório, diminuindo a frequência do
abastecimento.
Fig. 6 ' Aparos de diversos tipos e funções (da colecção do autor)
Os aparos de aço foram usados pela primeira vez na Inglaterra cerca de 1780.
As canetas, como as penas, têm que ser mergulhadas frequentemente num
recipiente contendo tinta ' o tinteiro. Por essa semelhança com as penas
animais, acima descritas, à caneta também é aplicada a designação de pena.As
canetas mais leves garantem uma maior sensibilidade sobre o papel. Devido à
necessidade de abastecer continuamente a caneta com tinta, o tinteiro tornou-se
portanto, a par da caneta, um objecto imprescindível à escrita, havendo
igualmente de diversos materiais, vidro, louça, ou metal (fig. 7 e 8). Os
tinteiros de escritório foram por vezes peças ricas, de prata ou mesmo de ouro,
figurando actualmente como peças de museu, ou de colecções particulares.
Fig. 7 ' Frascos de tinta de escrever e o célebre tinteiro das antigas
carteiras escolares (da colecção do autor).
Fig. 8 ' Tinteiro de secretária em vidro com compartimentos para duas cores de
tinta (da colecção do autor)
Quem frequentou a escola primária anteriormente às décadas de cinquenta e
sessenta terá na caneta a imagem saudosa desse tempo, devendo lembrar-se também
de um pequeno objecto de louça, semelhante a um copo tronco-cónico, alojado num
furo da carteira escolar, e contendo tinta, onde os estudantes mergulhavam as
suas penas durante a
escrita.
Deverá lembra-se igualmente de uma recomendação que se fazia ao aluno quando ia
utilizar um aparo novo: molhá-lo com saliva antes de o mergulhar no tinteiro.
Se bem que o autor destas linhas não tivesse então compreendido a razão de tal
acto, soube-a mais tarde ' a saliva removia a eventual gordura presente no
aparo novo, que impediria a tinta de se agarrar ao mesmo Do constante
mergulhar da pena no tinteiro resultava muitas vezes os dedos ou a bata
borrados de tinta. Não poucas vezes também o aluno mais atrevido esperava que o
professor estivesse de costas para salpicá-lo com a tinta da caneta; era uma
alegria
A tinta de escrever remonta à Antiguidade como já foi referido. No Egipto, na
China e na Índia. produziam-na a partir de negro-de-fumo, obtido de várias
proveniências, diluído geralmente em água, mas também em substâncias gomosas.
Esta era naturalmente tinta negra, de que perdurou a designação tinta-da-
China. Também foram produzidas tintas de cores a partir de corantes animais,
vegetais e minerais. Na Idade Média generalizaram-se vários processos de
produção de tinta de variadíssimas cores, de que as belas iluminuras e a vasta
literatura especializada da época dão testemunho. Foram sendo descobertos
inúmeros produtos químicos capazes de produzir tinta colorida: sais de cobre e
de crómio, óxidos de ferro, ácido pícrico, etc. Em 1834 o inglês Henry
Stephens deu origem à produção industrial de tinta para escrita [8].
Desenvolveram-se a partir de1860, na Inglaterra e na Alemanha,
corantessintéticos para essas tintas que podem assim serem produzidas
actualmente de várias cores, geralmente preta, azul e vermelha, mas também
verde, roxa, sépia, etc. São comercializados em frascos a partir dos quais se
abastecem os tinteiros dos escritórios ou das escolas.(fig. 7).
3.4 ' A caneta de tinta permanente
A necessidade de constante abastecimento da caneta, terá levado naturalmente os
espíritos mais inventivos a procurar uma solução que obviasse essa incómoda
operação. No início do séc XVIII apareceu no Reino Unido uma caneta que foi
designada por pen wihout end, porque não necessitava de ser constantemente
mergulhada num tinteiro, pois tinha um reservatório próprio de tinta, que
abastecia continuamente o aparo. Um escrito inglês publicado em 1723 descreve
ao pormenor esse notável avanço, acompanhado de ilustrações.
Mas as primeiras canetas desse tipo não funcionavam muito bem, sobretudo devido
ao facto de as tintas da época perderem facilmente a fluidez, ou o pigmento
estar mal dissolvido, entupindo o canal de abastecimento.
Contudo em 1884, Lewis Edson Waterman, um angariador de seguros de Nova Iorque,
produziu naquela cidade a primeira caneta de tinta permanente que se mostrou
realmente funcional. O nome desse senhor veio a ser perpetuado numa famosa
marca de canetas desse tipo.
No entanto o uso desse instrumento só se tornou generalizado no século XX. O
seu material era em princípio de ebonite, e depois também apareceram as
metálicas, de aço inoxidável. Produziram-se também (e continuam-se a produzir)
canetas de luxo, de alto preço, com a tampa ou mesmo todo o corpo em ouro,
prata ouligas de titânio,etc. O luxo e o requinte levam ainda certos designers
a decorar as canetas com diamantes ou outras pedras preciosas, transformando-as
mais em objectos de culto do que em instrumentos de escrita. Recentemente uma
marca quis apresentar alguma sofisticação produzindo uma série limitada a
partir de materiais provenientes de meteoritos!
O aparo metálico é a parte mais sensível do instrumento, pois dele depende a
grossura da letra a suavidade da escrita (fig 9). Os aparos são de aço,
revestidos de ouro ou totalmente desse metal. As suas pontas são por sua vez
revestidas de uma liga resistente ao desgaste como de ósmio, de irídioou mesmo
deplatina (fig.9).
Fig. 9 - Aparos de canetas de tinta permanente com pontas de ósmio
O ósmio (Os),descoberto em 1803 por Smitson Tennant, na Inglaterra, é um metal
do grupo da platina, com a qual se encontra geralmente associado. É muito duro
e frágil, de alto ponto de fusão e alta densidade, usado por isso na formação
de ligas duras (como o osmíndio, liga natural com índio, extremamente dura),
aplicáveis em pequenos rolamentos de instrumentos de precisão, nas pontas dos
aparos de canetas de tinta permanente, etc. A platina (Pt) tem igualmente
elevada densidade e alto ponto de fusão, embora muito inferior ao do metal
anterior. Era conhecida na América do Sul pré-colombiana e em algumas outras
partes do mundo desde os tempos pré históricos, mas não na Europa. As primeiras
referências ao metal são devidas ao italiano Júlio César Scaliger em 1557. A
introdução na Europa deu-se em 1748 pelo espanhol Antonio de Ulloa. O primeiro
espécime de metal puro foi obtido por William Hyde Wollaston, inglês, em 1804
por separação dos metais que acompanham a platina mineral. Por sua vezos
químicos ingleses Browning e Watson fizeram a descrição detalhada do metal
perante a Royal Society de Londres.
A caneta possui uma tampa que protege o aparo, e que pode ser fixada por rosca
ou por pressão. O sistema de enchimento que primeiro se vulgarizou foi o de
alavanca lateral, que comprimia um depósito interior de borracha flexível e que
ao aliviar provocava a sucção de tinta contida num frasco tinteiro. A actuação
sobre o saco de borracha podia ser também a partir de um botão no topo do
corpo. Apareceram depois outros sistemas de enchimento: por êmbolo, por
capilaridade e finalmente o de cartucho descartável em plástico, cheio de
tinta, que hoje se tornou generalizado.
Diversas marcas consagradas foram surgindo como a alemã Pelikan (fundada em
1832 pelo químico Carl Hornemann), a igualmente alemã Mont-Blanc,as
americanasScheaffer,Parker,Roteringa francesaWaterman,a inglesaOnoto;a
italianaAurora,etc.
A marca Parker fundada em 1880 designava os diversos modelos das suas canetas
por números como a 21, a 45, a 51, a 61, etc. A mais famosa, a Parker
51, criada em 1941, foi considerada a caneta mais vendida e mais copiada de
sempre (fig.10)
Fig. 10 ' Diversos modelos de canetas Parker incluindo a famosa 51 (da
colecção do autor)
O que identificava muitas das canetas, como imagem de marca, era sobretudo o
grampo ou clip fixado à tampa que permitia prender a caneta ao bolso do
possuidor. Inconfundível se tornou o grampo em forma de seta, da Parker. Por
sua vez a Mont Blanc tirou o nome do pico Monte-Branco, o mais alto da Europa
Ocidental e o seu símbolo é uma estrela de seis pontas arredondadas,
representando o pico e os seus seis vales. A caneta Sheaffer destacou-se por
ter o aparo no seguimento do corpo. Tem modelos com o clip banhado em paládio.
Algumas marcas fabricam modelos em fibra de carbono, tornando-as extremamente
leves.
Ostentar uma caneta de tinta permanente, por vezes várias canetas e lapizeiras,
no bolso do casaco correspondia, no tempo áureo da utilização comum desses
objectos, ao que anteriormente se fazia segurando uma pena. Quando estava mais
divulgado a caneta de tinta permanente os homens geralmente usavam-na no bolso
superior esquerdo do casaco, exibindo o tal grampo, como ironicamente o nosso
Aquilino descreve no seu livro Volfrâmio, referindo-se a um novo-rico:
gravata de malha, lenço à espreita do bolso de encontro à carrapeta da caneta
de tinta permanente
3.5- A mecanização da escrita pessoal ' A máquina de escrever
Não está bem documentada a história da invenção da máquina de escrever ou
máquina dactilográfica. Como acontece frequentemente, muitos países reivindicam
para seus cidadãos essa glória.
Em 1714 o engenheiro inglês Henry Mill, depois de passar vários anos a estudar
a possibilidade de criar um sistema de escrita mecânico, mais rápido e
sobretudo mais facilmente legível que a manuscrita, tirou a patente de uma
pretensa máquina capaz de escrever, imprimindo sobre o papel, por meio de um
jogo de alavancas. Julga-se não existir qualquer testemunho, nem real nem em
desenho, deste invento.
Uma máquina de escrever que parece ter sido eficaz foi construída em 1808, pelo
italiano Pellegrine Turri, de Castelnuovo. A sua finalidade era permitir a uma
amiga invisual escrever sem ajuda, embora depois reconhecesse que tal máquina
serviria também qualquer pessoa. Ainda que exista um texto dactilografado por
essa máquina, a mesma não chegou à actualidade, desconhecendo-se assim o
princípio do seu funcionamento.
Surgiram depois novos aperfeiçoamentos e respectivas patentes: a máquina
designada Typograph, do norte-americano William Austin Burth, em 1810, a do
francês Progrin, na qual a escrita era produzida pela percussão de martelos
sobre uma superfície cilíndrica, e a do italiano Giuseppe Ravisa com um teclado
fixo e a movimentação de um carro com a folha de papel . Ele inventou
igualmente a fita ou banda têxtil impregnada de tinta.
A história das máquinas de escrever relata também um tipo de máquina criada
pelo padre brasileiro Francisco João Azevedo, que a designou por Mecanógrafo, e
que foi apresentada numa exposição industrial no Rio de Janeiro, merecendo uma
medalha de ouro concedida pelo imperador Pedro II. Os brasileiros afirmam que o
desenho desse modelo foi roubado por C. Sholes, que adiante será referido.
Em 1864 foi criada pelo austríaco Peter Mitterhofer a primeira máquina que se
mostrou ser realmente funcional, embora grande parte do seu mecanismo fosse
constituída por madeirae arames metálicos Esse inventor morreu em 1893, e no
centenário da sua morte, a cidade de Partschins no Tirol austríaco, inaugurou
aí um museu da máquina de escrever.
Também a Dinamarca reivindica para um seu cidadão a criação, em 1867, do que
afirma ser a primeira máquina de escrever tecnicamente correcta, designada
Maillin-Hansen Writing Ball.
A primeira máquina de escrever de teclado, produzida comercialmente, é
contemporânea do linotype (ver adiante). Foi inventada em 1866 pelo tipógrafo
Christopher Latham Sholes (1819-1890), ex-impressor e editor de Wisconsin, nos
E.U., para o que se associou ao inventor amador Carlos Glidden. Como acima
referido, no Brasil acusa-se Sholes de se ter apossado da invenção do
brasileiro Francisco Azevedo.
Mais tarde, Sholes e Glidden venderam a patente a Philo Remington proprietário
da Remington Small Arms Company, fabricante de armas ligeiras no Estado de Nova
Iorque, que em 1874 lançou no mercado a máquina Sholes-Gliden denominação que
depois mudou para Remington. Embora de enormes dimensões, ela assemelhava-se
bastante às que hoje conhecemos, mas dispunha unicamente de letras maiúsculas.
Os sucessivos modelos das máquinas Remington levavam as designações 1, 2, 3,
etc. A Remington 2, que surgiu cinco anos depois do modelo inicial,
comportava a importante inovação que era a de dispor de letras maiúsculas e
minúsculas. O modelo 7, surgido em 1897 dispunha de letras do alfabeto alemão e
do escandinavo, facilitando a sua comercialização nos respectivos países. A
partir do modelo 10 outra importante inovação foi introduzida ' a possibilidade
do operador ir lendo o texto conforme o ia produzindo, pois até aí as linhas
escritas não eram acessíveis aos olhos do operador. A importância desta
inovação era tal que os anúncios comerciais dos respectivos modelos insistiam
em frisar there is no mistake when you see what you write you can do so all
the time
Apareceram também versões de novos fabricantes como da Hammond em 1884 e da
Underwood em 1897, etc. (fig. 11)
Fig. 11- Alguns dos primeiros modelos de máquinas de escrever
Estas máquinas dispõem de um teclado e cada letra e outros sinais de escrita,
estão montados numa haste accionada pela tecla correspondente do teclado. A
impressão faz-se graças a uma fita impregnada de tinta sobre a qual percute a
letra montada na haste, contra o papel. Este é colocado sobre um rolo revestido
de borracha. Mas tinham um pequeno inconveniente ' as letras eram mono-
espaçadas, ou seja, não se tinha em conta a largura da letra.
Por razões de normalização a disposição de letras no teclado dependia
basicamente da frequência com que essa letra aparece em cada língua e assim
foram criados os teclados apropriados a certas línguas: por exemplo, o AZERT
e o HCEZAR, assim designados pela disposição das primeiras letras dos mesmos no
teclado. Em Portugal o teclado oficial era o segundo.
A máquina de escrever tornou-se imediatamente um instrumento imprescindível em
todos os escritórios, contribuindo largamente para a entrada das mulheres no
mercado do trabalho ' as dactilógrafas, libertando-as (?) das lides domésticas.
As mulheres eram tidas como mais aptas que os homens para esses trabalhos, mas
o que realmente acontecia era elas serem pagas por salários mais baixos Nas
primeiras décadas do séc. XX, (cerca de 1915) surgiram modelos silenciosos.
As marcas Remington e Underwood tornaram-se famosas, continuando a produzir
sucessivos modelos de máquinas de escrever adaptadas a vários fins: portáteis
(fig. 12), para uso comercial, de rolo de grande comprimento para execução de
quadros e tabelas largas, etc. Outras marcas que se distinguiram foram a
italiana Olivetti, e a Smith-Corona.
Fig.12 ' Máquina de escrever portátil (colecção do autor)
Em 1902 surgiu a máquina de escrever eléctrica produzida pela empresa
Blickensderfer de Connecticut. A utilização da electricidade eliminou muitas
das funções mecânicas, sobretudo a fricção, possibilitando um mais leve e mais
rápido manejo do teclado, e consequentemente maior velocidade de escrita e
menor esforço do operador.
Todos esses modelos tinham porém uma limitação ' um único tipo de letra,
maiúscula e minúscula, e algarismos. Em 1961 a IBM (International Bureau
Machines) introduziu na máquina uma cabeça esférica rotativa, contendo nela
todas as letras, em vez do sistema anteriormente descrito. Essa esfera era
permutável, mudando-se o tipo de letra, ou incluindo diversos sinais gráficos,
tornando-a muito versátil. Ao percutir numa letra do teclado a esfera rodava
rapidamente posicionando-se para a letra correspondente bater na fita e
consequentemente ser escrita.
Em Portugal fundou-se uma fábrica de máquinas de escrever ' a Messa, que
depois de alcançar algum prestígio, mesmo no estrangeiro, entrou em decadência
e não teve infelizmente continuidade.
Na década de sessenta do séc. XX o aspecto estético das máquinas, sobretudo das
portáteis, começou a ser motivo de preocupação por parte dos fabricantes,
aparecendo designs de grande elegância como o modelo Valentine da marca
Olivetti, em 1969, no qual o design Ettore Scottsass introduziu o
plásticocolorido (vermelho vivo), tornando-o uma das referências do design do
séc. XX[9]
Mas a electrónica estava a desenvolver-se rapidamente e o último passo na
escrita à máquina dever-se-á a essa ciência com o aparecimento do processador
de texto (de que se falará na 4ª parte desta série de artigos), e
consequentemente com o abandono quase total das máquinas acima descritas.
A máquina de escrever tornou-se quase a imagem emblemática de muitos escritores
que acabaram por criar uma intensa relação de afeição com o objecto que lhes
ajudou a concretizar as suas obras. O escritor norte-americano Paulo Auster,
por exemplo, autor de vários best-sellers recentes, escreveu A História da
Minha Máquina de Escrever onde faz o saudoso elogio da sua velha Olympia que
o acompanhou durante 30 anos. Na Casa de Fernando Pessoa, em Lisboa no Campo de
Ourique, pode-se contemplar a máquina com que esse génio escreveu grande parte
da sua obra. Também estão conservadas em museus locais as máquinas que
pertenceram a Aquilino Ribeiro e a Miguel Torga. Esta última percorreu
recentemente o país integrada numa exposição bibliográfica sobre aquele autor.
Relacionados com a escrita na máquina de escrever estão vários produtos entre
os quais a fita da máquina, o papel-químico, o stencil , etc. que adiante
serão descritos.
3.6 ' A evolução e a diversificação das técnicas de impressão até ao sec. XX
A invenção da imprensa, em meados do séc. XV, não foi só uma realização técnica
engenhosa, simples e útil. Ao longo dos séculos veio a demonstrar constituir um
dos mais poderosos instrumentos de que a Humanidade pode dispor para
concentrar, transmitir, difundir e sobretudo para perpetuar o seu pensamento e
as suas ideias. Não se deve esquecer que, à data dessa invenção, ainda dominava
uma sociedade aristocrática e prepotente e a instrução e a cultura estavam
restringidas a escassas categorias sociais. Na 2ª parte deste artigo fez-se
referência a estes factos com alguma profundidade.
Mas durante os dois séculos que seguiram à sua criação, a imprensa não sofreu
avanços dignos de registo, a não ser num ou noutro caso, como o que teve lugar
em 1620, levada a efeito por Willem Janszoon Blaeu, matemático, cartógrafo e
impressor holandês. Esse aperfeiçoamento consistiu na aplicação à prensa de um
mecanismo que levantava automaticamente a platina após cada impressão. A
platina é o quadro metálico revestido da almofada que nas impressoras planas
pressiona a forma. Essa inovação permitia reduzir consideravelmente o esforço
físico do operador da prensa elevando a produção para valores da ordem de cento
e cinquenta exemplares por hora.
Em 1719 o gravador alemão Jacob Christo Le Blon patenteia um processo de
impressão a cores baseado na descoberta da decomposição da luz por Newton.
Na sequência de alterações mais relevantes surge a substituição do fuso de
madeira da prensa pelo de ferro em virtude dos grandes esforços suportados. A
ideia dessa alteração foi devida em 1763 ao livreiro e impressor francês
Francois-Ambroise Didot (1720-1804), membro da prestigiada dinastia de eruditos
impressores, gravadores, papeleiros, editores e livreiros Didot (a que já se
fez larga referência na citada 2ª parte deste artigo). Igualmente se lhe deve a
concepção de um prelo permitindo imprimir uma folha inteira de uma só vez
(1787). Outras realizações do mesmo notável artista foram a criação do ponto
tipográfico e a introdução em França do fabrico de papel velino, tema que
adiante será abordado.
Ponto tipográfico é um conceito nascido da necessidade de uniformização das
medidas de altura e corpo dos tipos. Duas tentativas dessa uniformização foram
devidas pelos tipógrafos franceses Martin-Dominique Fertel, cerca de 1730, e
Pierre Simon Fournier, um pouco mais tarde. Este estabeleceu o ponto
tipográfico como a unidade de medida que serve para determinar as dimensões do
corpo dos caracteres. François- Ambroise Didot estabeleceu o ponto equivalente
a 0,376 mm e o seu múltiplo, o cícero correspondente a 12 pontos.
Pela mesma altura, em1780, o conde Charles Stanhope (1753-1816), político e
filantropo inglês muito dado a invenções, substituiu todos os restantes órgãos
de madeirada prensa tornando-a totalmente metálica, conseguindo assim prensar
com muito maior força e consequentemente aumentar o ritmo da produção,
atingindo a ordem de cerca de duzentas e cinquenta folhas por hora, ou seja
duas a três mil por dia. O accionamento continuava porém sendo manual.
Também se deve a Stanhope um processo de estereotipia com matriz de gesso, em
1802. na sequência de anteriores desenvolvimentos nesse campo, no sentido de
multiplicar a reprodução de uma página através da execução prévia de um molde.
Nos finais do séc. XVIII e inícios do seguinte estava-se em plena Revolução
Industrial e a máquina a vapor era um êxito. Como em muitas outras actividades
humanas, a tipografia procurava alternativas ao esforço muscular. Assim em 1791
o inglês Nicholson concebe o princípio do prelo cilíndrico a vapor e o do rolo
de tintagem.
Entre 1803 e 1814 Friedrich Koening (1774-1833), tipógrafo alemão, inventor e
construtor de máquinas de impressão, aperfeiçoa os processos de impressão com a
introdução da energia de vapor e o movimento rotativo, criando sucessivamente
três tipos de máquinas que marcam o início de uma fase moderna da tipografia; o
prelo de platina, o prelo de interrupção e finalmente o prelo de dupla rotação.
Koenig propôs o accionamento por aquela fonte de energia, alterando
completamente o sistema de alimentação de papel e de actuação da composição num
movimento alternativo. Com essa substancial inovação pode-se alcançar uma
produção de mil provas por hora. O jornal inglês Times,não perdeu tempo
inaugurou o sistema em 1814.
Graças aos progressos da indústria metalúrgica, os aços durospermitiram a
fabricação de engrenagens de precisão, podendo assim substituir o movimento
alternativo por movimento rotativo contínuo de alta velocidade. Processaram-se
depois sucessivas tentativas e avanços que seria fastidioso aqui enumerar a não
ser a referência a uma prensa de cilindros com um tambor vertical de ferro
fundido com mais de um metro e meio de diâmetro sobre o qual a composição era
fixada. Essa máquina elevava a produção para oito mil tiragens por hora.
Outro espectacular avanço foi devido à rotativa projectada e construida por
Hippolyte Marinoni em Paris. A composição tipográfica era colocada num
dispositivo adaptado a um cilindro horizontal e o papel era enrolado numa
bobine. Um segundo cilindro exercia pressão sobre o primeiro permitindo
movimento de rotação contínuo a velocidades inesperadas do que resultava uma
produção que atingia dezenas e depois centenas de milhares de folhas por hora.
Novos aperfeiçoamentos foram a impressão a cores, 1899, e a complementarização
da impressão pela dobragem e embrulho do jornal pela própria máquina.
Em 1886 surgiu novo avanço, este no domínio da composição que desde Gutemberg
era feita (como se descreveu) colocando e alinhando manualmente, um a um, os
caracteres nos componedores, o que correspondia a um dispêndio de tempo que não
se coadunava com a extraordinária velocidade, atrás referida, da posterior
impressão, sobretudo no caso dos jornais diários.
A solução ansiosamente esperada desse problema consistiu na invenção da
linotipia (linotype), graças a um relojoeiro de origem alemã, Ottmar
Mergenthaler (1854-1899), residente em Baltimore, nos Estados Unidos. O
processo baseava-se numa máquina dispondo de uma caldeira contendo a liga em
estado de fusão e um teclado em que cada tecla comandava a descida da matriz de
cobre da letra correspondente. Essas matrizes encontravam-se alojadas numa
série de tubos verticais e por actuação de ar comprimido eram empurradas para o
componedor. Uma vez justapostas, umas ao lado das outras, as matrizes das
letras pretendidas de modo a formar uma linha, abria-se a comunicação com a
caldeira ou crisol e o metal fundido espalhava-se sobre a fila de matrizes,
solidificando-se numa peça única, linha-bloco. Fazia-se então a composição
linha a linha e não letra a letra, o que quadruplicava a sua rapidez. Este
processo reúne então três funções essenciais: composição, fundição e
distribuição. O jornal New York Tribune não hesitou em subsidiar a
concretização do projecto, inaugurando o primeiro modelo que se denominou
Blower, em 1886. Graças a esse impulso tornou-se possível o jornal moderno,
sendo de realçar que, contrariamente ao receado, não houve desemprego, mas
ainda maior grau de emprego.
Fig. 13 ' Máquina de linotipia
Uma variante dessa máquina, o monotype,foi patenteada por Tolbert Lanston,
Ohio, E.U. em 1887, ou seja logo a seguir à anterior. Consta de dois órgãos
separados: o primeiro é o teclado que accionado por ar comprimido picota numa
tira de papel uma série de orifícios que registam as sucessivas letras das
teclas percutidas. O segundo órgão é um fundidor que igualmente por ar
comprimido soprado através dos referidos orifícios provoca a fundição das
letras tipo a tipo.
Posteriormente surgiu um terceiro sistema, designado ludlow, no qual as
matrizes são dispostas e espacejadas manualmente num componedor especial,
fundindo-se seguidamente a linha em forma linotípica.
Como se verifica qualquer dos três processos mecânicos descritos usa matrizes
em vez de tipos, tornando o processo extremamente vantajoso relegando a
composição manual para casos raros.
Surgiram depois os prelos cilíndricos também chamados prelos de leitos planos
de duas rotações. A forma de tipo é colocado num leito de movimento
alternativo. A distribuição da tinta é feita a partir de um recipiente por uma
série de rolos para uma placa de tinta que anda com o mesmo movimento que a
forma do tipo, provendo o olho do tipo com uma camada de tinta. Por outro lado
dispõe-se de um cilindro cuja periferia rola à mesma velocidade que o movimento
rectilínio horizontal do leito. Quando este se desloca em direcção ao
reservatório de tinta, o eixo do cilindro levanta-se ligeiramente impedindo o
contacto da sua superfífie com o tipo, não havendo então impressão nessa
rotação. A folha de papel é entretanto colocada nas guias do cimo do cilindro e
após meia rotação a borda do papel é apanhada por garras existentes no
cilindro, iniciando a sua passagem horizontalmente pela sua superfície. Quando
a extremidade frontal da folha de papel chega ao fundo do cilindro, que
entretanto voltou a estar em contacto com a superfício do tipo, o leito começa
a deslocar-se em direcção oposta, provocando o encontro do papel com o tipo
provido de tinta. Completando o cilindro a sua rotação, as garras libertam a
folha impressa que é levada por varas, posando-a numa mesa e dispondo-a em
pilha horizontal.
A rotativa e o linotype abriram o caminho para a criação de grandes jornais
modernos na Europa e na América, com todas as consequências que daí resultaram
no campo da informação, da economia e da política. Algumas variantes vieram a
aparecer já no séc. XX.
Todos os inventos relatados neste capítulo são em última análise máquinas e
como estamos tratando de materiais, fácil será concluir que nelas predominam
na estrutura e nos orgãos mecânicos, o aço, o ferro fundido, o bronze, ocobre,
materiais que desde há muito vem colaborando no desenvolvimento das técnicas de
escrita.
A impressão de gravuras foi, como referido na 2º parte desta série de artigos,
inicialmente feito a partir de gravuras em pranchas de madeira, primeiro com
variedades macias de pereira ou macieira e depois com madeiras duras de buxo.
Esta arte manteve-se até ao final século XVIII, surgindo em 1798 inovação
resultante da descoberta de um processo de reproduzir figuras, devido ao checo-
alemão Aloys Senefelder (1771-1834). Esse processo tem por base o fenómeno
físico-químico da repulsão pela água dos óleos e gorduras com que as tintas são
confeccionadas. Senefelder era escritor mas tendo tido sempre dificuldade em
encontrar editor para as suas obras, resolveu imprimi-las por sua conta. Fez
várias tentativas de gravação em chapas de cobre, de zinco e de pedra
verificando no entanto que daí não resultavam processos eficientes. Entretanto
havia constatado que próximo de Munique, onde vivia, havia determinado tipo de
calcáreo (calcáreo solenholfer) que tinha grande afinidade para óleo ou
gordura, mas só se impregnava de tinta gordurosa após a secagem de eventual
humidade. Empregou de início uma tinta feita de cera, sabão e negro-de-fumo.
Experimentou então o processo que consistia em escrever ou desenhar (em sentido
invertido), com um lápis gorduroso (lápis litográfico, composto daqueles três
ingredientes e goma-laca) sobre a superfície da pedra, previamente polida e
granida, para melhor retenção da tinta fazendo de seguida corroer a pedra com
ácido nítrico e finalmente pondo tinta nas partes escritas que, não tendo sido
atacadas pelo ácido, ficavam em relêvo. O calcáreo litográfico tem um grão fino
e homogéneo e um teor em carbonato de cálcio de cerca de 98%.
Fig. 14' Pedra litográfica
Estava inventada a litografia(lito = pedra), que aliás de início foi designada
impressão química. Fez-se o registo de patente na Inglaterra em 1899 e depois
noutros países. A técnica difundiu-se rapidamente e o seu jovem criador tornou-
se rico e famoso. Conheceu novo desenvolvimento com a evolução da fotografia e
dos processos fotomecânicos, passando a utilizar-se chapas metálicas, tendo
enorme aceitação nos meios artísticos.
O invento de Senefelder foi sendo sucessivamente aperfeiçoado, quer através da
construção de prelos mais perfeitos e eficazes, quer experimentando outros
suportes que se adequassem ao processo. Um desses materiais foi o zinco '
zinco.No próximo capítulo dar-se-á continuidade ao tema da constante evolução
dos processos tipográficos, a partir do séc. XX, ou seja com o advento do off-
set.
NOTA FINAL
Como referido na Introdução, esta 3ª parte teve que ser subdividida; logo que
possível será publicada a sua conclusão.
Com a quarta parte, na qual logicamente se integrará o advento da electrónica e
da informática e os seus decisivos efeitos na escrita actual, ficará concluído
este já longo estudo, que até agora tem merecido o interesse dos leitores,
directamente na revista mas sobretudo através da sua presença na internet.
Razões diversas, entre as quais o enorme esforço de pesquisa bibliográfica,
obtenção de imagens, etc., impediram uma maior aproximação entre a publicação
dessas quatro partes. O leitor decerto compreenderá e desculpará.
Frise-se igualmente que, embora o artigo verse fundamentalmente sobre os
materiais usados nas sucessivas etapas do desenvolvimento da escrita, esta não
constitui um mero produto industrial, pelo que a descrição da sua evolução, nos
mais de cinco mil anos de existência, deverá ser naturalmente enquadrada nos
contextos históricos, culturais e sociais, com ela relacionados em maior ou
menor grau, o que também obrigou a este alargamento da série no tempo e no
espaço.
A extensa lista bibliográfica bem como uma errata ressalvando pequenos erros
que foram aparecendo ao longo da série, serão incluídas na última parte.
Notas
[1] Edição das Selecções do Reader's e Publicações Alfa, 1985.
[2] Associação secreta fundada no Porto em 1818 e que promoveu a revolução
liberal de 1820. Entre os seus membros contavam-se juristas, militares,
negociantes, etc.
[3] Marat, como se sabe, foi assassinado por Carlota Corday, quando se
encontrava escrevendo, mergulhado na banheira, situação quase permanente a que
o obrigava uma incómoda dermatose pustulenta; esse revolucionário, cursado em
medicina, teve anteriormente pretensões de cientista; espírito mesquinho,
intriguista e despeitado, invejava o génio de Lavoisier, sendo um dos
responsáveis pela condenação à guilhotina do malogrado criador da Química. Por
ironia ambos foram retratados por David, um no fulgor do seu génio, outro já
morto. O quadro acima representado encontra-se num Museu de Bruxelas.
[4] ver Bibliografia.
[5] O Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, que foi publicado em 1516, tem um
valor incalculável pela compilação da poesia medieval portuguesa que corria o
risco de se perder, e também pela abundante fonte de conhecimento que fornece
sobre a sociedade portuguesa do séc. XV
[6] Pen neste caso é igualmente a sigla de poets, playwrights, editors,
essayists and novelists.
[7] É à untuosidade que se deve, com se sabe, a importante aplicação da grafite
como lubrificante.
[8] O leitor mais interessado poderá encontrar na Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira, na entrada Tinta uma extensa descrição da evolução
das tintas de escrita.
[9] O nome é devido ao facto de ter sido apresentada no dia de S.Valentim.