Plataforma FlexQuest®: Uma estratégia didática para a promoção de flexibilidade
cognitiva e interdisciplinaridade com recursos Web 2.0
1. Introdução
Apresentamos o jogo Konnecting: o Homem ser comunicante, sobre a evolução da
comunicação humana, que teve subjacente um estudo sobre as preferências de jogo
mobile dos estudantes universitários portugueses. O jogo foi desenvolvido para
o sistema Android, dado ser o sistema operativo mais popular em Portugal (APDC,
2013), pretendendo envolver os estudantes na aprendizagem através de pequenas
tarefas temporizadas.
O aumento da procura pela formação no ensino superior, trouxe estudantes com
preparação e interesses diversificados, habituados a um acesso constante à
informação online e frequentemente conectados à rede e aos amigos. Estes
estudantes, designados por uns como nativos digitais (Prensky, 2010) e por
outros como superficiais (Carr, 2012), são inseparáveis dos seus dispositivos
móveis, como se fossem uma extensão da sua pessoa.
Rentabilizar os dispositivos móveis dos estudantes nas aulas pode contribuir
para que o professor consiga ter alunos mais envolvidos e ativos na
aprendizagem, como é o caso de respostas eletrónicas (Student Response System),
de quizzes ou de sondagens durante a dinâmica da aula (Carvalho, 2012;
Oliveira, 2014).
Se, por um lado, temos que identificar os conhecimentos prévios dos estudantes
(Laurillard, 2002), por outro, temos que nos adaptar ao seu perfil interativo e
conectado, para os motivarmos para a aprendizagem no ensino superior. Para a
geração atual os jogos fazem parte da sua vida desde que nascem, estes são um
espaço muito mais cativante que a realidade, onde podem ser um herói
invencível, um guerreiro destemido, solucionar problemas sem fim… Os jogadores
sentem-se invencíveis, competentes, motivados e a sua auto-estima eleva-se, é
por isso que investem o tempo que podem nesta atividade abdicando da realidade
que não os estimula (McGonigal, 2011). A integração de jogos mobile pode ser,
assim, uma forma de os cativarmos. Tal como defendem Hamari & Nousiainen
(2015) "[t]he aim of these developments in educational context is to
promote student engagement and consequently positively influence learning
outcomes" (p.1)
O presente artigo aborda as aportações dos jogos na aprendizagem, passando
depois a centrar-se no estudo realizado com estudantes do ensino superior,
sobre as suas preferências de jogo, os jogos mais jogados e a análise feita com
base nos 36 princípios de aprendizagem propostos por Gee (2003). Por fim,
sintetizam-se os componentes que os jogos para o ensino superior podem ter,
fruto das preferências recolhidas, e que implementamos no jogo Konnecting.
2. Jogar e Aprender
O ser humano possui na sua essência a necessidade de aprender e assim conseguir
superar os desafios da sobrevivência. A cada conquista o ser humano experiencia
a sensação de superação, de conquista, o que lhe dá prazer. Aprender é assim
uma fonte de prazer, sendo que é através desta que o jogo proporciona a
sensação de fun (Koster, 2005). Como salienta Huizinga (2000), jogar e o
brincar são uma atividade intrinsecamente humana, que permite o seu
desenvolvimento cultural e cognitivo.
Os jogos ganharam um novo impacto com o desenvolvimento tecnológico, captando
cada vez mais a atenção das novas gerações (Malliet & Meyer, 2005). Hoje em
dia quase a totalidade dos jovens que entram no ensino superior jogam ou
experienciaram um qualquer videojogo, estão habituados a uma tecnologia que
lhes proporciona vivências e experiências muito mais aliciantes que a realidade
que os circunda (McGonigal, 2011). Como poderá o ensino acompanhar as
exigências de uma geração cada vez mais estimulada pelas tecnologias digitais?
São aspetos que urge investigar.
Os jogos são constituídos por regras, rotinas, ações, feedback, objetivos,
conflito e interação social (Gee, 2007; Klopfer, 2008; Prensky, 2010; Squire,
2011). Exigem do jogador ações como a resolução de problemas, a tomada de
decisão, a capacidade de saber lidar com o fracasso e o sucesso. Proporcionam
ao jogador o desenvolvimento de capacidades como a persistência, bem como de
destrezas cognitivas e motoras necessárias para obterem sucesso no jogo e na
vida.
O jogo envolve o jogador, como referem Salen & Zimmerman (2004): "a
game is a system in which players engage in an artificial conflict, defined by
rules, that results in a quantifiable outcome"(p. 80).
Tal como o brincar, a que todos os seres vivos recorrem para experimentar o
mundo e aprender (Huizinga, 2000), também o jogo possibilita recriar num
ambiente seguro e o mais variado tipo de experiências humanas ou de fantasia
(Kapp, 2012).
Ao contrário da vida real, no jogo é possível repetir as vezes que forem
necessárias, aprendendo com cada uma e evoluindo até alcançar o objetivo
proposto. Tal como salienta Gee (2003), o jogo proporciona um significado para
que se aplique tempo e esforço na execução de uma atividade, sempre num
ambiente seguro, onde as consequências não são reais e onde é possível testar
hipóteses, sem receios.
Mas os jogos não são sistemas fechados em si mesmos, acompanham cada jogador
para a própria realidade, através da interação de diferentes jogadores que
possuem o mesmo jogo como alvo dos seus interesses. Com as atuais
possibilidades de interação social que as novas tecnologias proporcionam é
fácil encontrar comunidades de centenas, senão milhares de jogadores onde, de
modo informal, se partilham conquistas, questões e experiências. "James
Paul Gee, who coined the term "affinity spaces", noted how they
form through voluntary associations (i.e., we all are there by choice) and
sharing of knowledge and expertise. Some, but not all, of these affinity spaces
can be described as communities" (Squire, 2011, p. 64).
Para Gee (2003) todas estas características conferem aos jogos um exemplo de
aprendizagem, tendo identificado princípios de aprendizagem que no seu entender
a escola deveria assimilar para possibilitar uma aprendizagem efetiva.
Connolly, Boyle, MacArthur, Hainey & Boyle (2012) ao realizarem uma revisão
da literatura sobre os jogos verificaram que "playing computer games is
linked to a range of perceptual, cognitive, behavioral, affective and
motivational impacts and outcomes. The most frequently occurring outcomes and
impacts were knowledge acquisition/content understanding and affective and
motivational outcomes" (p. 661). É de salientar que o efeito principal nos
jogadores incide principalmente na aquisição de competências e na compreensão
de conteúdo, objetivos semelhantes ao ensino formal.
Tal como para Gee (2003), também para Hamari et al. (2016): os jogadores
sentem-se motivados para aprender, em parte, porque a aprendizagem é situada e
ocorre através de um processo de colocar hipóteses, experimentar e refletir
sobre o mundo do jogo. Além disso, os objetivos são claros e a informação é
apresentada à medida que é necessária para se atingir cada objetivo. Ao
contrário de muitas tarefas escolares, os jogos criam um contexto com objetivos
claros, onde o esforço tem significado.
Ao utilizar jogos para fomentar a aprendizagem, estamos a envolver os alunos na
resolução de problemas e num trabalho de projeto, o que permite que os
estudantes "see more connections, becoming more intrinsically interested,
and thus also pay better attention" (Hamari et al., 2016, p. 171). Ao dar
significado às tarefas, o esforço que o aluno está disposto a realizar é muito
maior, pois o aluno sabe que o que está a fazer irá ser útil para algo.
Ao analisar o impacto de fatores como o envolvimento (engagement), imersão
(immersion), desafio (challenge) e capacidades percebidas (perceived skill) na
aprendizagem, Hamari et al. (2016) concluíram que o envolvimento no jogo tem um
efeito positivo na aprendizagem Por outro lado, verificaram que a imersão no
jogo não tem um efeito significativo. "The perceived challenge of the
game affected learning, both directly and via the increased engagement.
Challenge was an especially strong predictor of learning outcomes. Perceived
skill did not affect learning directly, but it also impacted learning via a
significant mediation effect through engagement" (idem, p. 175). É de
salientar que o envolvimento do jogador no jogo, o desafio do jogo e o que é
percebido pelo jogador são importantes como preditores de aprendizagem. Se para
atingir o nível de flow - ou experiência ótima, "estado de concentração
profunda" (Csikszentmihalyi, 2002, p. 69) - é necessário que seja
suficientemente desafiante, mas sem ser demasiado fácil. Importa, então, criar
um jogo que mantenha um equilíbrio constante entre o desafio que proporciona e
a capacidade do jogador em realizá-lo.
Os jogos, com a designação de serious game ou de game-based learning, têm vindo
a ser utilizados no ensino superior (Fitz-Walter, Tjondronegoro, & Wyeth,
2012; Poy-Castro, Mendaña-Cuervo, & González, 2015; Whitton, 2009, 2010;
Zolotov, 2014). Whitton (2010) ao reconhecer os jogos como uma excelente
ferramenta de aprendizagem para adultos, salienta que deveremos, no momento de
os aplicar, ter o cuidado de esclarecer o contexto e os objetivos de sua
aplicação, sendo estes mais eficazes quando estão diretamente ligados à
prática.
É neste contexto que importa caracterizar os destinatários de jogosmobile
quando se pretende desenvolver jogos. Só conhecendo as preferências e hábitos
dos jogadores se podem desenhar jogos mais envolventes e que possam criar o
estado de flow necessário.
3. Preferências de Jogo Mobile no Ensino Superior
Para concebermos o jogo Konnecting, e no âmbito do projeto "Dos Jogos às
Atividades Interativas para Mobile-Learning", consideramos necessário
conhecer as preferências de jogo mobile dos estudantes universitários, tendo
subjacente a seguinte questão de investigação: Que tipos de jogos preferem os
estudantes?
Desenvolvemos um questionário com quatro dimensões, nomeadamente: 1)
Caracterização do estudante, 2) Caracterização dos hábitos de jogo, 3)
Preferências sobre os jogos e 4) Aprendizagem de conteúdos curriculares através
de jogos. O instrumento foi avaliado por três peritos em jogos e em metodologia
da investigação.
O survey (Babbie, 1997) foi realizado online no ensino superior de 21 de maio a
16 de setembro de 2013, em Portugal. Responderam 1101 estudantes, 693 sujeitos
do género feminino e 408 do género masculino, sendo que destes apenas 626 são
jogadores, isto é, 56,9% (tabela_1).
A maioria dos sujeitos da amostra é do género feminino (58%), tal como a
maioria dos estudantes no ensino superior em Portugal (cf. PORDATA1 de 2013).
Relativamente aos ciclos de estudos, verifica-se que a maioria é do 1º Ciclo de
estudos (65,3%), tal como ocorre com o número de estudantes matriculados no
país por ciclos (231.468 no 1º Ciclo e 117.265 no 2º Ciclo de estudos). A
maioria dos alunos tem menos de 23 anos (70,8%) o que se enquadra na idade
média de frequência dos 1º e 2º Ciclos.
3.1. Resultados do Survey no Ensino Superior
O número de horas, em média, gasto por semana a jogar é no total de 4,2h, mas
são eles que jogam mais tempo (5,4h), elas ficam pelas 3,4h.
A maioria dos respondentes (71,6%) prefere jogar só, embora se distribuam do
seguinte modo: 82,1% para o género feminino e 57,0% para o género masculino
(tabela_2). Os que preferem jogar com outros online (28,4%) fazem-no sobretudo
em equipas (18,2%) e são sobretudo jogadores do género masculino (43,3%).
Os respondentes referiram um total de 177 jogos, mas os cinco jogos mais
jogados são Candy Crash, Angry Birds, The Sims, Bubbles, e na 5ª posição surgem
em ex-aequo: Flow, Fruit Ninja e Paciência (tabela_3).
Na altura em que este estudo foi realizado, o Candy Crash Saga era o jogo mais
popular entre os estudantes universitários em Portugal (Carvalho et al., 2014),
mas também refletia uma tendência generalizada. Foi o jogo que obteve mais
downloads em 2013 na iOS App Store e no Google Play (App Annie, 2014). Também
se constatou que quatro dos jogos mais jogados pelos estudantes portugueses
pertencem ao ranking mundial: Candy Crash Saga, Angry Birds, Fruit Ninja e Hill
Climb Racing.
Analisando as preferências por género, verifica-se que os sujeitos do género
masculino preferem jogos de desporto, nomeadamente futebol (PES e FM). São
jogos longos onde são necessários objetivos bem definidos e alcançáveis através
de esforço (LoL, PES e FM). Eles gostam de interagir com sistemas, ou seja, um
conjunto definido de estruturas, comportamentos e interações com limites
específicos de tempo e de espaço (Flow e Hill Climb Racing). Já os sujeitos do
género feminino preferem jogos com partidas curtas e sistemas de recompensa
elevados. O objetivo não é atingir o fim, mas ser reconhecido entre os pares,
recebendo elogios do sistema, partilháveis com os pares, enquanto se joga
(Candy Crush, Angry Birds, Bubbles e Fruit Ninja) (Carvalho, Araújo &
Zagalo, 2014).
4. Análise dos Jogos Mais Jogados
4.1. Características do Jogo consideradas mais importantes
Inquirimos os estudantes sobre quais são as características de um jogo que eles
consideram mais importantes para continuarem a jogar, tendo presente o nosso
objetivo de criar um jogo.
Na Figura_1, verifica-se que se destaca, como a característica mais pontuada do
jogo o gameplay, seguindo-se os cenários, os efeitos gráficos e as animações, a
história, as personagens, ser um jogo com muitos níveis e ser um jogo longo. Os
sons e a música são os menos considerados. Squire (2011) também considera que
não é de admirar dada a familiaridade dos jogadores com essas características.
No instrumento de recolha de dados, também se perguntava porque gostavam de
jogar esses jogos. Para a análise das respostas, baseamo-nos nas seis dimensões
identificadas por Sherry, Lucas, Greenberg, & Lachlan (2006): Excitação,
Desafio, Competição, Desvio, Fantasia e Interação social. Mas rapidamente nos
apercebemos que não eram suficientes para classificar as respostas, tendo
incluído mais duas dimensões: Características específicas do jogo (nomeadamente
as características do game design: música, cenários, gráficos, ações, história,
recompensas, tipo de jogo, etc.) e a Aprendizagem (se o respondente destaca que
aprende alguma coisa). Na Figura_2, destacam-se como motivos para jogar os
jogos as Características específicas do Jogo (45,5%), o Desafio (31,3%) e a
Fantasia (20,0%). Como características específicas mais mencionadas
identificámos o tipo de jogo, os efeitos gráficos e os cenários. Já
relativamente ao desafio o que é mais mencionado são capacidades específicas
que o jogo exige, em termos de fantasia mencionam a temática do jogo
(principalmente futebol) e ações que podem realizar (e.g., ser treinador, criar
histórias).
É importante recordar, como já foi mencionado, que no estudo realizado por
Hamari et al. (2016), o desafio que o jogo proporciona é um bom preditor da
aprendizagem. Pelos dados que recolhemos, o desafio sentido é um dos
componentes que mais cativam os estudantes do Ensino Superior em Portugal.
4.2. Aprender através de Jogos no Ensino Superior
Por fim, sondamos os estudantes sobre se gostariam de jogar jogos como
complemento às suas atividades de aprendizagem. A maioria respondeu
favoravelmente (78,12%), verificando-se uma semelhança entre os géneros, elas
manifestando a sua concordância com 78,5% e eles com 77,6%. Aos que responderam
afirmativamente solicitamos que nos indicassem o tipo de jogo que gostariam de
jogar para aprender os conteúdos curriculares, tendo por base a lista
apresentada por Connolly et al. (2012): Ação, Aventura, Desporto, Estratégia,
First Person Shooter, Casual games, Jogos de Corridas, Board Game, Luta,
Plataforma, Puzzle, Role-Playing e Simulação.
Na tabela_4, apresentam-se os respondentes (n=489) que são favoráveis à
utilização de jogos para aprender os conteúdos curriculares. Os tipos de jogos
mais listados são de estratégia (72,8%), seguidos por simulação (58,7%) e
depois por ação (41,9%). Esta preferência geral também se reflete na mesma
ordem em ambos os géneros.
No entanto, os tipos de jogo indicados pelas jogadoras para aprender não
correspondem aos tipos de jogo que elas jogam. Verifica-se um contraste
sobretudo nas preferências das jogadoras entre o jogar por lazer versus o jogar
para aprender.
4.3. Princípios de Aprendizagem Subjacentes aos Jogos
Depois de ter jogado vários videojogos, Gee (2003) identificou 36 princípios de
aprendizagem. Os jogos mobile que os estudantes universitários jogam, na
generalidade, são simples e com partidas curtas, tendo-se identificado sete
princípios de aprendizagem (tabela_5).
Os princípios de aprendizagem Psychosocial Moratoriume Amplification of Input,
geralmente, estão presentes em qualquer jogo. Há a expectativa que se corram
riscos sem consequências, por outro lado, tudo acontece mais rapidamente do que
na vida real. Por exemplo, num jogo de futebol real uma partida dura 90 minutos
enquanto que num jogo como o PES pode durar de 4 a 12 minutos.
Os seguintes três princípios Achievement, Regime of Competencee Intuitive
Knowledgereportam-se ao conhecimento do jogador sobre as suas capacidades.
Perante cada etapa superada, o jogador sente prazer, uma recompensa intrínseca,
e sabe que está a dominar uma capacidade. O jogo gere o equilíbrio entre
desafio e as capacidades (skills) do jogador que, com prática, vão sendo
melhoradas. É esta prática que lhe dá um "intuitive knowledge" para
resolver algumas tarefas, mesmo sem saber explicar como o realizou. Estes
princípios levam os jogadores a sentir que são capazes de fazer qualquer coisa,
que têm controlo, bastando esforço e empenhamento para o atingir.
No Concentrated Sampleas regras do jogo e as possíveis ações são apresentadas
no início do mesmo. Assim, elas são aprendidas rapidamente e numa fase inicial,
fazendo com que o resto do jogo seja mais fácil e mais simples.
Por fim, o Affinity Groupcentra-se nos jogadores como elementos de um grupo que
partilha um mesmo interesse, neste caso um determinado jogo. Sendo que estes
grupos se podem reunir de forma presencial, embora o mais comum nos dias de
hoje sejam as redes sociais e os fóruns online, onde partilham conquistas,
trocam ideias sobre o próprio jogo, pedem ajuda ou ensinam os que se iniciam no
jogo.
4.4. Mecânicas de Jogo e Game Design
Adams & Dormans (2012) identificam nos jogos cinco tipos de mecânicas:
física, economia interna, progressão, manobra tática e interação social. Os
autores identificaram para cada tipo de jogo os tipos de mecânicas que lhes
estão afetas. Tendo presente essa classificação e os tipos de jogos a que
correspondem os jogos mais jogados sintetizamos as mecânicas que lhes estão
subjacentes.
Os jogos mais jogados pelos estudantes correspondem aos seguintes tipos: puzzle
(Candy Crash, Angry Birds, Flow e Paciência), simulação (The Sims) e arcada
(Bubbles e Fruit Ninja). Os jogos puzzle integram as mecânicas de física
(movimentos, disparos e salto) e de progressão (níveis pré-definidos com
tarefas com dificuldade crescente, storyline para definir os objetivos dos
jogadores). Os jogos de simulação comportam mecânicas de física, economia
interna (power-ups, coletáveis, pontos, vidas e gestão de itens) e de
progressão e os jogos de arcada, embora não apareçam na lista de Adams &
Dormans (2012), consideramos que utilizam as mecânicas de física e de
progressão.
Do ponto de vista do game design, verificamos que nos jogos mais jogados, de
uma maneira geral, os cenários não são reais, assemelham-se a cartoons. Os
efeitos gráficos e as animações dão um feedback positivo ao jogador, dando-lhe
a sensação de mestria no jogo e incentivando-o a continuar. As histórias são
simples e têm como finalidade introduzir o jogador no jogo e motivá-lo a jogar
(e.g., Candy Crush, Fruit Ninja e Angry Birds) ou a história vai sendo revelada
ao longo do jogo, como ocorre em Bubbles. Exceção é o The Sims cuja história é
mais complexa e vai sendo decidida pelo jogador, enquanto que os jogos
Paciência e Flow não têm história.
As personagens são simples, de tipo cartoon, e fazem movimentos engraçados
quando o jogador realiza uma jogada. Estas manifestações afetivas tendem a
aumentar o envolvimento e empenho do jogador, pois acaba sempre por sentir
alguma empatia por aquela personagem.
5. Componentes a Incluir em Jogos Mobile para o Ensino Superior
Tendo presente as preferências dos estudantes do ensino superior, os princípios
de aprendizagem de Paul Gee (2003) identificados, as mecânicas de jogo
propostas por Adams & Dormans (2012) e o game design, consideramos
pertinente os seguintes componentes na criação de jogomobilepara o ensino
superior: o contexto, as tarefas, os níveis, o feedback, o leaderboard e o
princípio do grupo de afinidade (Carvalho, Araújo & Zagalo, 2014).
O Contexto para o desenvolvimento do jogo deve estar relacionado com a unidade
curricular ou o módulo e deve refletir-se no tema da história do jogo. Os
jogadores têm que resolver várias Tarefas ou missões, preferencialmente de
curta duração. Essas tarefas estão relacionadas com Níveis de dificuldade ou
com os diferentes temas do módulo.
Cada Tarefa tem um limite de tempo para submeter ou para completar, também pode
ter um temporizador para desafiar os jogadores. O grau de dificuldade deve ser
moderado mas suficientemente desafiante para manter os estudantes envolvidos,
mantendo o seu interesse (Csikszentmihalyi, 2002). Pode haver mecanismos de
ajuda para apoiar o jogador em dificuldade, podendo mesmo remeter para o grupo
de afinidade.
As Tarefas ou missões devem ter em atenção os seguintes princípios de
aprendizagem já descritos em cima: Psychosocial Moratorium, Amplification of
Input, Regime of Competence, Intuitive Knowledge, Concentrated Sample e
Achievement. Em síntese, permitir repetir as vezes necessárias, transmitir um
sentimento de competência que, com esforço e empenho, o desafio pode ser
superado e também proporcionar o sentimento de conquista a cada etapa
concluída.
O Feedback é extraordinariamente importante para aprender, porque orienta de
imediato o jogador. O Feedback positivo deve ser divertido, dispondo bem o
jogador. O efeito gráfico deve enaltecer o feito do jogador. Se as tarefas ou
missões não são bem-sucedidas, o jogador recebe punições.
A execução do jogo pelo jogador bem como a sua posição relativa no mesmo face
aos outros, é algo que aguça a concorrência. À medida que as tarefas vão sendo
executadas podem ser visíveis no Heads-Up Display. Além disso, no Leaderboard
aparece a ordenação dos jogadores, sendo visíveis apenas os cinco melhores. Se
o jogador não se encontra entre estes, pode ver a sua posição. Isto permite
focar a atenção dos jogadores nos primeiros lugares, sem que se sintam
intimidados por atingirem lugares inferiores. Para cada Tarefa deve haver um
Leaderboard diferente. Recompensas e punições são obtidas através de feedback,
pontuações ou leaderboard.
Um outro aspeto que consideramos importante é o Grupo de Afinidade (Gee, 2003),
que se relaciona com os aspetos sociais do grupo, permitindo a interação entre
jogadores em contexto informais.
O som e a música não são muito relevantes para este nível de educação dos
jogadores. Os cenários podem ser simples mas relacionados com a temática. Um
tutorial e mecanismos de ajuda devem estar disponíveis.
6. O Jogo Konnecting
O jogo Konnecting: o Homem ser comunicante foi desenvolvido para sistema
Android tendo como destinatários estudantes do ensino superior do 1º Ciclo de
estudos. A descrição que se apresenta respeita os componentes identificados
para criar jogos mobile.
6.1. Contexto
O jogo foi desenvolvido no âmbito da unidade curricular Processos de
Comunicação e Educação da Licenciatura em Ciências da Educação da Universidade
de Coimbra. Como o título do jogo sugere, centra-se na evolução da comunicação
humana desde a Pré-História até aos nossos dias. Como storytelling deparamo-nos
com um extraterrestre - Komuniket - que é incumbido de reportar o modo como os
seres terrestres comunicam (Figura_3). Na Terra, viajou no tempo e tirou várias
fotografias que estão organizadas cronologicamente, mas precisa de ajuda para
as compreender.
6.2. Tarefas e níveis
O jogo tem dois níveis: Kronos (Figuras_4 e 5), cronologia sobre a comunicação
humana, dividida em sete etapas que incluem um total de 82 tarefas e Zapping
temático(Figuras_6 e 7), que apresenta cinco travessias temáticas, e só é
desbloqueado depois do jogador terminar o Kronos.
No Kronos, o jogador tem que identificar três palavras ou expressões que ajudem
a caracterizar a imagem que lhe é apresentada (Figura_4). Para isso pode optar
por ler um pequeno texto explicativo, intercetando a apresentação das três
áreas de resposta. Depois deparará com seis palavras ou expressões, onde é
necessário selecionar três. Dispõe de um minuto para completar a tarefa.
O Kronos está organizado em sete etapas (Figura_5), representadas por oito
imagens que correspondem aos momentos de viragem na história da comunicação,
que se vão desbloqueando à medida que o jogador as executa.
No Zapping temático o jogador tem acesso a cinco travessias temáticas, como por
exemplo: "Escrita e alfabetos" ou "A Galáxia Marconi e a Aldeia
Global" (Figura_6). O jogador tem acesso a um pequeno texto de
contextualização da temática, de seguida, perante uma expressão ou termo
apresentado deve selecionar a imagem adequada, de quatro disponíveis (Figura
7).
6.3. Feedback
O feedback é apresentado através de efeitos gráficos e sempre que o jogador
executa uma tarefa. No Kronos, perante cada imagem são validadas as três
palavras selecionadas e vão sendo somados pontos; no Zapping temático é
validada a imagem destacada, somando também pontos. Terminado o jogo, o jogador
recebe do Komuniket um certificado, cujo texto depende das pontuações obtidas.
6.4. Leaderboard
O jogo tem vários Leaderboards: total, só Kronos, só Zapping temático e de cada
uma das etapas do Kronos e de cada travessia temática no Zapping. Deste modo,
os jogadores, na turma onde estão registados, sabem a posição dos cinco
melhores em cada tipo de leaderboard, bem como a posição relativa do próprio
jogador, caso não integre os cinco primeiros. Esta informação pretende ser
estimulante para o jogador; levando-o a melhorar as suas pontuações.
6.5. Princípio do Grupo de Afinidade
Os jogadores têm que se registar no jogo, selecionando a turma. Só podem jogar
depois de aceite o seu registo pelo professor. Assim, no leaderboard sabem quem
são os colegas que estão melhor posicionados.
Cria um tema de discussão que é partilhado por todos, permitindo troca de
ideias, dicas, seguir as conquistas dos melhores.
6.6. Implementação
O jogo foi criado na linguagem de programação Java com a ajuda de uma
biblioteca de desenvolvimento de jogos denominada de "libGDX". Para
as animações foi também usada uma biblioteca chamada "Universal Tween
Engine".
Para diminuir ao tamanho do espaço ocupado pelas imagens foram gerados atlas de
imagens com a aplicação "GDX Texture Packer". Como a biblioteca
"libGDX" aceita apenas fontes como imagem, foi usado o programa
"BitMap Font Creator" para criar também atlas das várias fontes de
texto.
O jogo tem uma componente "online", sendo os servidores utilizados os
da instituição. O jogo comunica com um servidor segundo uma arquitetura
"REST", enviando a informação em formato JSON.
7. Conclusões
O percurso feito até à criação do jogo permitiu compreender os interesses dos
estudantes do ensino superior relativamente aos jogos mobile, as suas
preferências de jogo, bem como a sua recetividade a aprenderem conteúdos
curriculares através de jogos.
Os 36 princípios de aprendizagem propostos por Paul Gee (2003) permitiram-nos
analisar os jogos mais jogados numa perspetiva pedagógica. Perante os jogos
selecionados, também nos apercebemos que os estudantes têm preferência por
jogos com vários níveis e partidas rápidas.
O jogo Konnecting: o Homem ser comunicante que concebemos, reflete os
princípios de aprendizagem identificados, bem como as preferências de jogo dos
estudantes. Apresenta dois níveis, mas tem muitas tarefas para serem
executadas. O jogador recebe feedback frequentemente perante as suas seleções e
tem um papel constantemente interventivo. Por exemplo, embora haja informação
disponível, para uma mais rápida resolução da tarefa, esta não é de leitura
obrigatória, devendo o jogador assinalar que a quer ler. Finalizámos os testes
de usabilidade, tendo numa primeira fase sido realizados testes com um sujeito
e um observador e numa segunda fase utilizou-se a técnica do inquérito por
questionário (Martins, Queirós, Rocha, & Santos, 2013). Na próxima etapa
desta investigação, vamos aplicar o jogo em contexto de ensino e aquilatar a
aprendizagem alcançada e a reação dos estudantes ao jogo. Esperamos, assim,
atingir, conforme defendem Hamari & Nousiainen (2015), o envolvimento dos
alunos e consequentemente um efeito positivo na aprendizagem dos alunos.