Erosão de dunas com os modelos XBeach e Litprof
1. Introdução
O presente estudo enquadra-se na área da dinâmica costeira e visa melhorar a
avaliação e previsão da vulnerabilidade/resiliência de sistemas dunares à acção
das ondas em condições de tempestade marítima caracterizadas por fortes ventos,
baixas pressões atmosféricas e curta duração (horas a dias). A motivação do
estudo é o facto destes sistemas constituírem a mais importante defesa natural
costeira na interface terra-mar e a sua erosão, galgamento, rotura e inundação
durante estes eventos extremos constituir um elevado risco no que respeita a
perda de território, degradação ambiental, destruição de património e até perda
de vidas humanas.
Dada a complexidade dos processos costeiros que governam a dinâmica sedimentar
na interface mar-terra, desde o limite da zona de rebentação das ondas até ao
topo de praia ou duna que fica ao alcance da acção das ondas em condições
extremas de agitação marítima e nível do mar, a simulação com modelos
matemáticos, precisos e robustos para problemas de engenharia, da morfodinâmica
de todas as subzonas (zona de rebentação, zona de espraiamento, topo de praia e
sistema dunar) deste domínio espacial de forma contínua é bastante exigente,
quer em termos de conhecimento dos processos físicos envolvidos quer em termos
de recursos computacionais. O modelo XBeach (eXtreme Beach behaviour) (Roelvink
et al., 2009), actualmente em fase de desenvolvimento e disponível à comunidade
científica (em https://publicwiki.deltares.nl/display/XBEACH/Home), é um dos
modelos mais promissores porque se trata de um modelo determinístico, com
formulação matemática bastante robusta e inclusiva dos principais processos, e
está aberto a futuro desenvolvimento. O modelo Litprof (DHI, 2008) do sistema
de modelação Litpack (vastamente aplicado a nível mundial em projectos de
investigação e consultoria) é um dos modelos mais eficazes nesta área, que,
tendo a vantagem de ser um modelo determinístico, tal como o modelo XBeach, tem
o inconveniente de não estar aberto a desenvolvimentos por parte da comunidade
científica. O objectivo deste estudo foi avaliar o desempenho de cada um dos
modelos, XBeach e Litprof, na simulação numérica da erosão de dunas, e compará-
los entre si. A aplicação de um modelo mais eficaz na análise e previsão da
vulnerabilidade de sistemas dunares à erosão permitirá quantificar com maior
rigor os riscos associados.
Os modelos numéricos de erosão de dunas são geralmente verificados numa
primeira fase com experiências laboratoriais, em canais de grande escala, uma
vez que estas permitem um maior controlo dos processos envolvidos, quer nas
condições iniciais e de forçamento quer na monitorização da evolução, e
consequentemente garantem maior confiança nos resultados. As condições em canal
equivalem a uma praia uniforme ao longo da componente longitudinal. Só
posteriormente, após uma satisfatória simulação numérica da componente
transversal, faz sentido desenvolver estes modelos na dimensão longitudinal e,
nesta fase, aplicá-los em casos de campo. O modelo XBeach já se encontra
desenvolvido na componente longitudinal, no entanto, a complexidade dos
processos na faixa costeira onde se aplica é particularmente tão elevada, que
continua a ser necessário melhorar a sua abordagem transversal. A importância
do investimento científico no desenvolvimento da componente transversal deste
tipo de modelos é tão grande, que na Holanda, onde os modelos de verificação da
segurança dos sistemas dunares são de extrema importância para a gestão
costeira, aplica-se o modelo empírico DUROS (Brandenburg, 2010), um modelo
transversal desenvolvido para zonas costeiras uniformes com base em resultados
de testes laboratoriais (Vellinga, 1986). O estudo aqui apresentado enquadra-se
na primeira fase, em que o modelo é testado com experiências laboratoriais, em
canais de grande escala. Pretendeu-se simular um caso de erosão de uma duna
experimental (escala 1:6) previamente realizado em laboratório no âmbito de um
projecto de investigação.
A aplicação de ambos os modelos, mas principalmente do modelo XBeach, requer a
introdução de um elevado número de parâmetros relativos aos processos físicos
costeiros. Em projectos de engenharia, onde é de grande utilidade a aplicação
deste tipo de modelos, acontece muitas vezes ser inviável a medição de alguns
destes parâmetros. Para ultrapassar esta dificuldade, os autores de ambos os
modelos recomendam a utilização de alguns valores por defeito (standard set of
parameter settings). Neste artigo, apresentam-se os resultados dos modelos para
o conjunto dos parâmetros por defeito recomendados e sugerem-se, no caso do
modelo XBeach, e testam-se parâmetros de calibração. É com base na comparação
dos dois conjuntos de resultados numéricos (que resultam da aplicação dos
modelos com os parâmetros por defeito e dos modelos calibrados) com os
resultados observados que se faz a avaliação do desempenho dos modelos XBeach e
Litprof.
2. Abordagem metodológica
A erosão da zona costeira praia-duna resulta de uma acção de duas forças, a
resistência da praia-duna decorrente das propriedades da mecânica de solos e a
acção hidráulica decorrente da capacidade de transporte das ondas e correntes.
A simulação matemática do fenómeno é bastante complexa pois exige a resolução
precisa dos processos de hidrodinâmica, transporte sedimentar e morfodinâmica,
em simultâneo ao longo das zonas de rebentação, espraiamento, topo de praia e
duna (Figura_1).
À semelhança do que acontece com outros processos físicos, a modelação numérica
da erosão praia-duna pode caracterizar-se em três tipos de modelos conceptuais:
empíricos, semi-empíricos e determinísticos ou baseados em processos. Do
primeiro tipo, modelos empíricos, são os modelos onde existe uma relação
explícita entre a erosão da praia-duna e importantes parâmetros físicos, que
não são quantificados de forma individual mas sim através das consequências, ou
seja, volume erodido e recuo da duna. O modelo DUROS (Brandenburg, 2010;
Vellinga, 1986) aplicado na Holanda para verificação da segurança dos sistemas
dunares é um exemplo deste tipo. Do segundo tipo, modelos semi-empíricos, são
os modelos em que os principais processos físicos são individualmente descritos
através de formulações matemáticas. O modelo SBeach (Larson & Kraus, 1989)
é um exemplo deste tipo. Finalmente os modelos determinísticos, também
vulgarmente designados por modelos baseados em processos, são os modelos em que
os processos físicos são modelados individualmente. Os modelos numéricos
aplicados neste estudo, o modelo XBeach e o modelo Litprof, são ambos deste
tipo.
O modelo XBeach trata-se de um modelo bi-dimensional-horizontal constituído por
vários sub-modelos dos processos costeiros de propagação de ondas
infragravíticas e grupos de ondas gravíticas, espraiamento, erosão e galgamento
de dunas, avalanche, transporte sedimentar e evolução do fundo (Roelvink et
al., 2010). O objectivo do XBeach é modelar estes processos nos quatro regimes
de impacto de tempestade marítima definidos por Sallanger (2000): regime de
espraiamento, regime de colisão, regime de galgamento e regime de inundação.
Neste estudo em particular, apenas ocorrem os regimes de espraiamento e
colisão, cuja abordagem metodológica se descreve abaixo.
Para além da contribuição das ondas curtas ou gravíticas, o escoamento da zona
de espraiamento é em grande parte devido a ondas infragravíticas (que resultam
de interacções harmónicas não lineares de grupos de ondas curtas) (Tucker,
1954). Guza e Thornton (1982) mostraram que a altura de onda da banda espectral
correspondente às ondas infragravíticas aumenta linearmente com a altura
significativa de onda ao largo, enquanto a energia correspondente às ondas
curtas da banda espectral atinge um limite devido à dissipação ao longo da zona
de rebentação. Com base nesta constatação, Raubenheimer e Guza (1996) mostraram
que em condições de tempestade a componente devida às ondas infragravíticas é
dominante no espraiamento. No modelo XBeach a dinâmica da zona de espraiamento
é resolvida com base na acção bi-dimensional-horizontal de ondas de grupo e
resultantes ondas infragravíticas sobre a batimetria. O forçamento das ondas de
grupo resulta da variação no tempo da acção da onda (Phillips, 1977) combinada
com um modelo de dissipação para grupos de onda (Roelvink, 1993). É usado um
modelo de turbulência (Svendsen, 1984; Nairn et al., 1990; Stive & Vriend,
1994) para representar o momento associado à turbulência superficial gerada
pela rebentação que se desloca em direcção à costa.
As interacções harmónicas não lineares de grupos de ondas gravíticas geram
ondas infragravíticas e correntes longitudinais e transversais à costa. A
interacção onda-corrente na camada limite gera um aumento das tensões de atrito
que afectam as ondas infragravíticas e correntes (Soulsby et al., 1993). A
aleatoriedade das ondas incidentes é considerada com base na descrição de
Feddersen et al. (2000), cuja aplicação (Ruessink et al., 2001) evidenciou uma
boa estimativa das correntes longitudinais para um coeficiente de inércia
constante.
Durante o regime de espraiamento e colisão o fluxo de massa transportado pelas
ondas e pela turbulência superficial gerada pela rebentação retorna em direcção
ao mar como escoamento de retorno. Este escoamento é responsável pelo processo
de erosão, uma vez que é sob a sua acção que a areia é removida da face da duna
em desmoronamento. Apesar de existirem várias propostas para o perfil vertical
da corrente neste escoamento (Reniers et al., 2004b) a variação vertical da
corrente em condições de tempestade não é muito grande, e por esse motivo ainda
não foi introduzida no modelo XBeach.
Os processos de transporte de areia nas zonas de rebentação e espraiamento são
bastante complexos pois resultam da combinação do movimento orbital de ondas
curtas e longas, de correntes e da turbulência superficial gerada pela
rebentação. O transporte sedimentar induzido pela assimetria vertical e
horizontal das ondas, que se estima inferior à contribuição dada pelas ondas
longas e corrente média (de Vries et al., 2008), é considerado através da
formulação proposta por Soulsby (1997) num modelo que resolve os processos na
zona de rebentação para ondas curtas propagadas em grupo. Esta formulação foi
aplicada com sucesso na geração de correntes de retorno (Damgard et al., 2002;
Reniers et al., 2004a) e rotura de ilhas barreira (Roelvink et al., 2003).
O modelo Litprof trata-se de um modelo bi-dimensional-vertical constituído por
vários sub-modelos dos processos costeiros: um modelo de hidrodinâmica, um
modelo quasi-tri-dimensional de transporte de sedimentos e um modelo
morfológico (de evolução do fundo). A abordagem metodológica utilizada é
descrita em Oliveira (2001) e DHI (2008). Este modelo não inclui os processos
costeiros da zona de espraiamento. Neste estudo o modelo foi testado
considerando duas teorias de onda, uma clássica e outra semi-empírica. A teoria
de onda clássica considerada foi a teoria de 5ª ordem de Stokes (Fenton, 1985)
e a teoria semi-empírica considerada foi a teoria de Doering & Bowen
(1995), na qual são consideradas parametrizações da onda para incluir as
assimetrias horizontal e vertical.
Neste estudo utilizaram-se dois tipos de indicadores para avaliar o desempenho
dos modelos: indicadores de impacto e de erro. Os indicadores de impacto foram
o volume de erosão (por metro de comprimento longitudinal de praia) e o recuo
(da duna e do topo da duna), definidos por
e
sendo z1 e z2 a profundidade do ponto inicial do perfil e a cota do topo da
duna, respectivamente; e x0 e x1 as coordenadas horizontais, a um determinado
nível de referência (nível da água ou topo da duna) da duna frontal, no perfil
inicial e no perfil pós-tempestade, respectivamente.
A medição de erro para avaliar o desempenho dos modelos foi feita com base em
três critérios, o erro sistemático ou tendenciosidade (bias), a precisão e a
capacidade (skill) do modelo. O método aplicado foi o Brier Skill Score (BSS)
de van Rijn et al. (2003), que compara previsões (zb, c) e medições de perfil
(zb, m) com o perfil inicial (zb, 0) e tem em conta o erro de medição δ (que
aqui se assumiu nulo). Define-se por
onde os parêntesis angulares denotam a média.
Apresenta-se na Tabela_1 a classificação do desempenho de modelos
morfodinâmicos proposta por van Rijn et al. (2003).
Na secção seguinte descreve-se apenas a formulação do modelo XBeach uma vez que
a formulação do modelo Litprof se pode encontrar, descrita pela autora, em
Oliveira (2001).
3. Formulação do modelo XBeach
O modelo resolve de forma acoplada as equações bi-dimensionais-horizontais de
propagação de ondas, de escoamento, de transporte de sedimentos e de
actualização do fundo (da continuidade), para condições de fronteira de
espectro de ondas e escoamento não estacionárias. É utilizada uma malha
estruturada alternada (staggered grid), rectilínea e não equidistante,
implementada num sistema de coordenadas no qual o eixo-x está orientado em
direcção à costa, i.e., perpendicular à linha de costa, e o eixo-y está
orientado ao longo da costa.
Uma vez que as escalas de comprimento são pequenas, frequentemente ocorre
escoamento super-crítico (Fr >1, sendo Fr o número de Froude) e se dá
prioridade à estabilidade numérica, os esquemas de discretização numérica
predominantes são de primeira ordem a montante (first order upwind), por forma
a resolver os elevados gradientes da hidrodinâmica e morfodinâmica na zona de
rebentação e espraiamento minimizando oscilações numéricas. São utilizados
esquemas explícitos com passo de cálculo automático baseado no critério de
Courant. Estes esquemas implementados numa malha estruturada alternada
(staggered grid) garantem a robustez do modelo. Seguidamente descrevem-se de as
principais equações governantes do modelo XBeach.
A equação da acção da onda é dada por
onde
sendo θ o ângulo de incidência relativamente ao eixo-x, A(x, y, t, θ) a acção
da onda, Sw a densidade de energia da onda em cada componente direccional, σ a
frequência intrínseca da onda obtida pela relação de dispersão linear, cx(x, y,
t, θ) e cy(x, y, t, θ) as velocidades de propagação da acção da onda nas
direcções x e y, respectivamente, cg a velocidade de grupo obtida pela teoria
linear da onda, uL e vL as velocidades Lagrangianas médias em profundidade nas
direcções transversal e longitudinal, respectivamente, cθ(x, y, t, θ) a
velocidade de propagação no espaço-θ, k o número de onda obtido pelas equações
eikonel, ω a frequência obsoluta da onda, e Dw a energia dissipada devido à
rebentação, que se descreve abaixo.
A equação de dissipação da energia total, integrada no espectro direccional,
devida à rebentação, é dada por
onde
sendo α=O(1),
Hrms a altura de onda quadrática média,
ρ a densidade da água, γ o índice de rebentação (parâmetro empírico) e
a energia total. No modelo assume-se que a energia total dissipada,
é distribuída proporcionalmente pelas componentes direccionais, sendo por isso
Estimada a distribuição espacial da acção da onda e energia da onda, são
calculadas as tensões de radiação, com base na teoria linear, da seguinte
forma:
A equação da energia de turbulência superficial gerada pela rebentação é
acoplada à equação da acção/energia da onda na qual o termo de dissipação de
energia da onda na rebentação é usado como fonte para turbulência superficial.
Tal como para a acção da onda, é considerada a distribuição direccional da
turbulência superficial mas o espectro de frequência é representado por uma
única frequência média. A equação da turbulência superficial é dada por
onde
sendo Sr(x, y, t, θ) a componente direccional da energia de turbulência
superficial, cx(x, y, t, θ) e cy(x, y, t, θ) as velocidades de propagação da
energia de turbulência superficial nas direcções x e y, respectivamente, e a
velocidade de propagação no espaço-θ, cθ(x, y, t, θ), semelhante à expressão
(8), assumindo assim que as ondas e a turbulência superficial se propagam na
mesma direcção. A velocidade de fase, c = s/k, é obtida através da teoria
linear da onda. A dissipação da turbulência superficial por componente
direccional da onda, Dθ(x, y, t, θ), resulta da distribuição da dissipação
total da turbulência superficial proporcionalmente pelas componentes
direccionais da onda, sendo por isso
onde
A contribuição da turbulência superficial para as tensões de radiação é dada
por
Esta contribuição é adicionada às tensões calculadas em (12), (13) e (14). O
resultante tensor das tensões de radiação é
O sistema de equações para o escoamento para águas pouco profundas é dado por
onde as equações do momento e continuidade são formuladas em termos de
velocidade Lagrangiana (definida como a distância a que uma partícula de água
se desloca num período de onda, dividida por esse período). Esta velocidade
relaciona-se com a velocidade Euleriana (a velocidade média da onda curta num
ponto fixo) da seguinte forma
sendo uS e vS as velocidades de Stokes nas direcções x e y, respectivamente,
dadas por
Os parâmetros tsx e tsy são as tensões devidas ao vento,
são as tensões de atrito no fundo (calculadas com velocidades Eulerianas), η é
o nível da água, h é a profundidade, vh é a viscosidade horizontal, ƒ é o
coeficiente de Coriolis e Fx e Fy são as tensões induzidas pelas ondas.
A equação de advecção difusão para transporte de sedimentos é dada por
onde
sendo C a concentração de sedimentos média em profundidade, que varia na escala
temporal do grupo de onda, Dh o coeficiente de difusão de sedimentos, Ts o
tempo de mobilização dos sedimentos definido como,
ws a velocidade de queda, Ceq a concentração de equilíbrio de sedimentos, ucr a
velocidade crítica, Ccr o coeficiente de inércia apenas devido ao escoamento
(sem considerar o efeito das ondas curtas), ab o parâmetro de calibração e Asb
e Ass os coeficientes de transporte de fundo e em suspensão, respectivamente,
que são dependentes do tamanho e densidade do sedimento e da profundidade.
A equação de avalanche utilizada é dada pela expressão
onde mcr é o declive crítico. O processo de avalanche é accionado quando o
declive entre as duas últimas células molhadas por uma elevada altura de onda
infragravítica é superior ao declive crítico. Nessa altura, dá-se a passagem de
um volume de sedimentos de uma célula para a outra de forma a satisfazer a
condição de declive crítico entre essas duas células.
A equação da actualização do fundo (da continuidade) é dada por
onde
Sendo p a porosidade, ƒmor um factor de aceleração morfológica de O(1-10), e qx
e qy as taxas de transporte sedimentar nas direcções x e y, respectivamente.
4. Resultados
4.1. Caso de verificação
Este caso de teste do modelo, descrito em WL | Delft Hydraulics (2006) como
teste T01, diz respeito a um perfil de referência com uma duna bastante
robusta. A escolha deste caso de verificação deve-se ao facto dele ser ideal
para testar o desempenho dos modelos XBeach e Litprof na erosão de dunas, pois
para além de incluir uma duna bastante robusta na sua configuração geométrica,
conforme salientado, foi realizado em canal de grande escala (factor de escala
de profundidade nd igual a 6). Trata-se de um perfil com declive 1:20 desde o
fundo, ao nível -4,5 m, até aproximadamente ao nível -2,7 m, seguido de um
declive 1:70 até aproximadamente ao nível -0,8 m, por sua vez seguido de um
declive 1:20 até aproximadamente ao nível -0,3 m, e finalmente de um declive de
1:3 até ao topo da duna (Figura_2). O sedimento utilizado caracteriza-se por
ter D50=0,2 mm, D90=0,3 mm e densidade 2,65. O teste foi realizado à
temperatura aproximada de 9°C em modelo reduzido à escala 1:6. As condições de
onda incidente foram um espectro de Pierson-Moskowitz com altura significativa
Hs=1,5 m, período de pico Tp=4,9 s e duração 6 horas. O teste foi
temporariamente interrompido para realizar medições do fundo a 0,1, 0,3, 1,
2,04 e 6 horas a contar a partir do início da experiência laboratorial. Os
intervalos no início do teste foram mais curtos porque no início de um teste as
taxas de erosão são mais elevadas. Da acção das ondas resultou um perfil de
erosão caracterizado por um forte recuo da duna: aproximadamente 9 m3.m-1 foram
extraídos da duna frontal, correspondendo este volume a um recuo de
aproximadamente 2 m ao nível da água e de aproximadamente 4,8 m ao nível do
topo da duna (conforme eq. (2) de definição de recuo). A erosão da duna não se
deu gradualmente mas sim por etapas, i.e., em determinados instantes ocorreu o
deslizamento de blocos de duna com volume razoável. Este processo de avalanche
ocorreu quando o declive da duna era quase vertical ou mesmo ligeiramente
negativo (quando o topo de duna estava já pendurado). Observou-se ainda que o
instante de avalanche (de deslizamento dos blocos de duna) nem sempre coincidiu
com o instante de impacto da onda. Relativamente à morfologia do perfil de
erosão, observou-se que nos primeiros instantes, em que a taxa de erosão é mais
elevada, o volume de areia erodido da duna foi depositado na zona do perfil
submerso imediatamente adjacente formando um declive de praia mais suave.
Posteriormente, com o decorrer do processo erosivo, formou-se uma barra
submersa não muito pronunciada na zona de deposição de areia mais afastada da
face de praia e duna (Figura_2).
A avaliação do desempenho dos dois modelos, XBeach e Litprof, para este caso de
verificação foi realizada em duas fases. Numa primeira fase testaram-se os
modelos com os parâmetros por defeito. Numa segunda fase calibraram-se os
modelos, ajustando os parâmetros de forma a melhorar o seu desempenho, i.e., a
similaridade com os resultados observados. Em cada uma das fases compararam-se
os resultados de ambos, sempre com base nos resultados observados durante a
evolução do perfil experimental.
4.2. Avaliação com parâmetros por defeito
A aplicação de modelos de morfodinâmica requer a introdução de um elevado
número de parâmetros relativos aos processos físicos costeiros. Em projectos de
engenharia, onde é de grande utilidade a aplicação deste tipo de modelos,
acontece muitas vezes ser inviável a medição de alguns destes parâmetros. Para
ultrapassar esta dificuldade, os autores dos modelos recomendam a utilização de
alguns valores por defeito, encontrados com base na execução de um elevado
número de testes submetidos à mais vasta gama de condições possível. Contudo,
no modelo XBeach existe um elevado número de possíveis parâmetros de
calibração, o que faz com que o modelo tenha um elevado potencial para
reproduzir correctamente os processos envolvidos mas também seja bastante
exaustivo o procedimento de teste que conduz à sua correcta aplicação.
Seguidamente descrevem-se as aplicações dos modelos XBeach e Litprof com os
parâmetros por defeito e faz-se a sua comparação.
4.2.1. Modelo XBeach
Após análise dos dois conjuntos de valores dos parâmetros por defeito sugeridos
pelos autores em Roelvink et al. (2009) e Roelvink et al. (2010), optou-se para
este caso de estudo por atribuir um novo conjunto de valores aos parâmetros por
defeito, o mesmo conjunto utilizado pela autora para o teste do modelo XBeach
no caso do desenvolvimento de uma barra submersa sem erosão do topo de praia
(Oliveira, 2011). Fez-se constituir esse conjunto por: para os parâmetros com
valor igual em ambos os conjuntos, por esse valor; e para os restantes
parâmetros, pelo valor atribuído para os casos teste Lip11d-2E,
Deltaflume_2005_T04, Zelt, Delilah e Zwin (Roelvink et al., 2009), sendo os
dois primeiros testes laboratoriais e os restantes três testes de campo (Zelt e
Delilah nos USA, Zwin na Europa). Apresentam-se na Tabela_2 os valores de
alguns dos parâmetros por defeito atribuídos neste estudo onde se usou uma
malha de espaçamento horizontal de 1 m.
Os resultados da evolução morfológica (Figura_3) mostram que o modelo XBeach
com os parâmetros por defeito simula de forma razoável a acção erosiva das
ondas na quase totalidade do perfil. As maiores diferenças relativamente aos
resultados experimentais encontram-se no declive da duna, que se observou quase
vertical durante a experiência laboratorial e o modelo reproduz mais suave, e
na barra submersa formada na extremidade da zona activa do perfil (para valores
de x entre 185 e 192 m), que o modelo não reproduz.
4.2.2. Modelo Litprof
Aplicou-se o modelo Litprof com os parâmetros por defeito recomendados pelos
autores. Descrevem-se na Tabela_3 os parâmetros por defeito atribuídos.
Testaram-se duas teorias de onda, a teoria de Doering e Bowen (1995) (B&D)
e a teoria de 5ª ordem de Stokes (Fenton, 1985) (Stokes5).
Comparando os resultados de evolução morfológica do modelo Litprof com os
parâmetros por defeito para ambas as teorias de onda consideradas com os
resultados experimentais, constata-se que o modelo Litprof não simula o perfil
de erosão caracterizado por um forte recuo da duna observado experimentalmente
(Figura_4a-b).
4.2.3. Comparação
Compararam-se os modelos XBeach e Litprof, ambos com os parâmetros por defeito,
com base nos resultados laboratoriais. As Figuras_5a-e, 6a-c e 7 mostram,
respectivamente, os perfis após 0,1, 0,3, 1, 2,04 e 6 horas de simulação (à
escala laboratorial), os indicadores de impacto para avaliação do desempenho
dos modelos, volume de erosão, recuo da duna (ao nível da água) e recuo do topo
da duna, e o indicador de erro para avaliação do desempenho dos modelos, BSS.
Os resultados de evolução do perfil (Figuras_5a-e) indicam que o modelo XBeach
sobrestima o recuo do topo da duna numa fase inicial do processo erosivo, até
aproximadamente ao final do quarto intervalo de medição do perfil experimental
(após 2,04 horas), e posteriormente passa a subestimar este parâmetro até à
conclusão da experiência (após 6 horas). O modelo XBeach simula o declive da
face da duna significativamente mais suave do que o declive observado, que é
praticamente vertical durante a experiência. Durante o processo erosivo a base
da duna não só recua como sobe na vertical. No entanto, o modelo XBeach não
reproduz com exactidão o deslocamento vertical da base da duna. Observa-se que
o modelo não reproduz subida da base da duna a partir do nível da água (z igual
a zero), o que evidencia falta de realismo na formulação matemática do processo
de avalanche. Relativamente à evolução da parte submersa do perfil observa-se
que o modelo XBeach tende a aproximar o declive do perfil submerso do declive
observado durante a experiência. Contudo, observa-se que o modelo não reproduz
a barra submersa que se observa para valores de x entre 185 e 192 m. Observa-se
ainda que o modelo subestima a extensão da zona de acumulação da areia
transportada da face da duna, no entanto, tal dever-se-á ao facto do volume de
erosão ser ligeiramente subestimado pelo modelo.
Ao primeiro intervalo de medição do perfil experimental (após 0,1 hora) o
indicador de impacto volume de erosão simulado com o modelo XBeach e observado
é praticamente igual. Com o decorrer da experiência, o modelo passa a
subestimar o volume de erosão e a diferença entre o valor observado e numérico
cresce (Figura_6a). No final da experiência o volume de erosão simulado é
aproximadamente 75% do volume observado. Os indicadores de impacto recuo da
duna (ao nível da água) e recuo do topo da duna evidenciam que a taxa de recuo
(da base) da duna é semelhante à taxa de recuo do topo da duna e que tal não se
verifica nos resultados numéricos (Figura_6b). A falta de concordância entre os
resultados numéricos e experimentais do indicador recuo da duna, que é
significativamente maior do que a falta de concordância entre os resultados
numéricos e experimentais do indicador recuo do topo da duna, deve-se ao facto
do modelo não reproduzir correctamente o processo de avalanche, conforme já
referido. A evolução do indicador de erro BSS mostra que o desempenho do modelo
XBeach é mau no início da experiência mas torna-se bom no segundo intervalo do
teste e assim permanece ao longo da experiência Figura_7).
A comparação da evolução do perfil experimental com a evolução dos perfis
numéricos obtidos com o modelo Litprof para ambas as teorias de onda demonstra
que o modelo com os parâmetros por defeito não simula o processo de erosão da
duna. Considera-se por isso que dos modelos Xbeach e Litprof aquele com melhor
desempenho com os parâmetros por defeito é o modelo XBeach.
4.3. Calibração
Testaram-se os parâmetros de calibração para cada um dos modelos, tendo como
base os parâmetros por defeito. Neste processo, fez-se variar um parâmetro de
cada vez mantendo os outros constantes. Apresentam-se os resultados dos testes
efectuados. Posteriormente faz-se a avaliação do desempenho dos modelos XBeach
e Litprof com base na comparação dos dois modelos para os melhores resultados
obtidos após calibração.
4.3.1. Modelo XBeach
A identificação dos parâmetros de calibração no modelo XBeach é um tema
bastante importante, do qual depende o desempenho do modelo. No entanto,
verifica-se que ainda não existe suficiente experiência sobre a aplicação do
modelo de forma a apontar com clareza quais os parâmetros, de entre um grande
número, a testar. Também por isso, a realização deste estudo é de grande
importância.
Para identificar os parâmetros de calibração procurou-se numa primeira fase
seleccionar os parâmetros considerados em casos anteriores de aplicação do
modelo. Roelvink et al. (2009) relatam o maior número de casos de aplicação do
modelo conhecidos, no entanto, não esclarecem sobre o processo de calibração.
Das aplicações do modelo publicadas, a que descreve uma análise sobre alguns
dos parâmetros de calibração utilizados é a de Vousdoukas et al. (2011), para
um caso real de praia reflectiva. Os autores salientam que os parâmetros com
maior resposta morfológica foram lws, facua e wetslp. Numa outra aplicação,
Branderburg (2010), sem detalhar sobre o processo de calibração, recomenda
parâmetros de calibração do modelo XBeach quando aplicado em modelos
experimentais de pequena escala. O autor recomenda o teste aos parâmetros hmin,
eps, turb, morfac, wetslp, hswitch, dzmax e Tsmin.Num outro caso de erosão
dunar (testado pela autora, mas não publicado), o modelo mostrou-se sensível
aos parâmetros dryslp, lws e hswitch.
Neste estudo, tendo em conta os trabalhos acima mencionados e após analisada
pormenorizadamente a formulação do modelo e respectivos parâmetros (recomenda-
se a análise de Roelvink et al., 2010), testaram-se os parâmetros: beta, break,
facsl, facua, gammax, hmin, hswitch, lws, turb, wetsl, dryslp e order. Testou-
se o modelo para os valores: 0,2 debeta, 1, 2 e 4 debreak, 0,8 de facsl, 1
defacua, 0,5 de gammax, 0,001 de hmin, 0,01 e 1 de hswitch, 1 de lws, 0 e 1 de
turb, 0,15 e 0,6 de wetslp, 2 de dryslp e 2 de order. Fez-se variar cada um
destes parâmetros de cada vez relativamente à situação default (com os
parâmetros por defeito).
Os resultados numéricos ao final de 6 horas Figura_8a-l) mostram que os
parâmetros mais influentes na evolução morfológica para este caso de estudo
sãobeta, break, facua, gammax, hswitch, lws e wetslp. Os parâmetrosfacsl, hmin,
turb, dryslp e order influenciaram muito pouco os resultados obtidos com os
parâmetros por defeito. Dos parâmetros mais influentes na evolução da geometria
do perfil, os parâmetros lws e wetslp foram aqueles que conferiram ao perfil
final uma geometria mais próxima da configuração observada (Figuras_8h_e_8j,
respectivamente). Os resultados obtidos para o indicador de erro BSS (Figura_9)
evidenciam que o melhor desempenho, classificado como excelente (de acordo com
a (Tabela_1), foi obtido com alteração do parâmetro lws de 0 (por defeito) para
1 e que o segundo melhor desempenho foi obtido com a alteração do parâmetro
wetslp de 0,3 (por defeito) para 0,15. Uma vez que a alteração morfológica
alcançada com a modificação do parâmetro lws permitiu melhorar a previsão de
duas características fundamentais sob o ponto de vista da engenharia que são o
recuo do topo da duna e o limite da extensão da zona activa (onde se observou a
formação da barra submersa durante a experiência), considera-se que este
parâmetro é de grande relevância na simulação da evolução da erosão de dunas
com o modelo XBeach.
4.3.2. Modelo Litprof
Neste modelo, os principais parâmetros de calibração são os parâmetros de
rebentação da onda e o parâmetro de escala. Da comparação dos parâmetros por
defeito comuns aos dois modelos, verificou-se que o modelo XBeach é menos
tolerante no que respeita ao máximo declive de fundo para cálculo da avalanche
submersa. XBeach considera o declive crítico de avalanche submersa (wetslp)
igual 0,3 (Tabela_2) e o modelo Litprof considera o máximo ângulo de fundo
submerso igual a 30° (Tabela_3), que corresponde ao valor 0,6 do parâmetro
wetslpdo modelo XBeach. Assim, testaram-se: os parâmetros de rebentação γ1 e
γ2, o parâmetro de escala a αscale e o máximo ângulo de fundo submerso estável
(Maximum Angle of Bed Slope). Os parâmetros γ1 e γ2 são considerados na
estimativa da máxima altura de onda, Hmax , que por sua vez é necessária para
estimar a energia dissipada segundo Battjes e Janssen (1978). Eles são
considerados na formulação seguinte
onde k é o número de onda e h a profundidade. O parâmetro de rebentação γ1
descreve a máxima declividade da onda, H/L. O parâmetro de rebentação γ2 é,
segundo Battjes e Stive (1984), calculado da seguinte forma
onde S0 é o declive de onda ao largo, H/L0, e L0 é o comprimento de onda ao
largo. O parâmetro ascale é um coeficiente de difusão horizontal que afecta a
forma de desenvolvimento das barras (DHI, 2008). Fez-se variar cada um destes
parâmetros de cada vez relativamente à situação default (com os parâmetros por
defeito). Testou-se o modelo para os valores: 0,75 e 0,95 de γ1, 0,8, 0,9 e 1,5
de γ2, 0,8 e 1,2 de αscale , e 10 e 20 de Maximum Angle of Bed Slope.
Os resultados numéricos ao final de 6 horas mostram que a variação dos
parâmetros γ1, γ2 e αscale não causa qualquer alteração relevante na evolução
morfológica do perfil, à semelhança dos resultados obtidos com os parâmetros
por defeito, para ambas as teorias de onda aplicadas (Figura_10a-c). O
indicador de erro BSS para os testes de calibração do modelo Litprof para as
duas teorias de onda pode ser visto na Figura_12a-c. A diminuição do máximo
ângulo de fundo antes de avalanche submersa (Maximum Angle of Bed Slope) causa
erosão da face da duna (Figura_10d), pois limitando o máximo declive de fundo é
acelerado o processo de instabilidade e consequente erosão na zona da base da
duna. Contudo, a geometria da duna não é correctamente reproduzida. Apesar do
recuo do topo da duna estimado ser muito próximo do observado, o declive da
face é bastante mais suave do que o declive observado o que faz com que o
modelo Litprof reproduza avanço da duna ao nível da água (para z igual a zero)
enquanto no perfil experimental se observa recuo. O indicador de erro BSS para
os testes de calibração do modelo Litprof com este parâmetro, para as duas
teorias de onda, pode ser visto na Figura_12d. Concluiu-se que a falta de
similaridade entre os resultados numéricos obtidos com o modelo Litprof e os
resultados experimentais deve-se ao facto do modelo não abordar correctamente o
processo de avalanche em zona seca nem considerar a acção de ondas longas.
Figura_11
Dados os resultados obtidos nos testes de calibração, testou–se ainda o modelo
à variação dos parâmetros γ2 e Maximum Angle of Bed Slope combinados, na
expectativa de que a alteração do perfil alcançada através da deposição da
areia erodida da face da duna (à custa da redução do Maximum Angle of Bed Slope
para 10°) causasse um aumento do transporte para maiores profundidades no caso
de se fazer variar o parâmetro γ2 (máxima razão entre a altura de onda e a
profundidade, H/h). Por isso, realizaram-se mais dois testes do modelo Litprof,
considerando o valor de Maximum Angle of Bed Slope igual a 10° e os valores de
γ2 iguais a 0,9 e 1,5. Para γ2 igual a 0,9 não se verifica melhoria do
resultado (Figura_11), provavelmente porque a extensão da zona de acumulação do
volume extraído da face da duna é insuficiente para causar alteração da posição
de rebentação das ondas e aumentar o transporte para maiores profundidades por
acção da corrente de retorno. No entanto, para γ2 igual a 1,5 verifica-se que
aumenta ligeiramente o volume de areia extraído da face da duna e que a
acumulação deste na parte submersa do perfil estende-se até maiores
profundidades com tendência para formação de uma barra pouco pronunciada. O
indicador de erro BSS para estes testes é apresentado na Figura_13.
Concluiu-se que o parâmetro Maximum Angle of Bed Slope foi o mais eficaz na
calibração do modelo Litprof e que a teoria de onda não é relevante na evolução
do perfil para este caso de estudo. O melhor desempenho do modelo Litprof foi
alcançado para a alteração dos parâmetros por defeito resultante da combinação
do parâmetro Maximum Angle of Bed Slope igual a 10° com o parâmetro γ2 igual a
1,5.
4.3.3. Comparação
Compararam-se as simulações do modelo XBeach e Litprof (para a teoria de onda
Stokes5, uma vez que a teoria de onda não se mostrou influente nos resultados)
após calibração (e também de ambos os modelos com os parâmetros por defeito).
Para cada um dos modelos considerou-se a aplicação com a qual se obteve o
melhor desempenho do modelo, i.e., o modelo XBeach com o parâmetrolws igual a 1
e o modelo Litprof com os parâmetros Maximum Angle of Bed Slope igual a 10° e
γ2 igual a 1,5.
Os resultados numéricos obtidos ao final de 6 horas (à escala laboratorial)
mostram que ambos os modelos calibrados foram capazes de reproduzir erosão da
duna, sendo o modelo XBeach que melhor reproduziu a configuração do perfil
experimental (Figura_14). O modelo Litprof, apesar de ter reproduzido o recuo
do topo da duna correctamente (Figuras_14 e Figura_15c) e ter simulado a
formação de uma barra submersa na posição observada experimentalmente (Figura
14), simulou incorrectamente o volume de erosão (cerca de metade do observado)
e o declive da duna. Consequentemente, o modelo gerou um avanço da duna ao
nível do mar em vez de recuo (Figura_15b). Assim, em problemas de engenharia,
em que para além de se pretender estimar com precisão o volume de areia
extraído da face da duna também se pretende estar do lado da segurança,
recomenda-se a aplicação do modelo XBeach calibrado.
O desempenho do modelo XBeach melhorou consideravelmente após calibração: não
só a configuração do perfil é mais concordante com a configuração experimental,
quer na face da duna quer na parte submersa do perfil (Figura_14), como também
os indicadores de impacto e de erro assim o demonstram (Figuras_15a-c e Figura
16). Salienta-se o resultado do indicador de erro BSS para o modelo XBeach
calibrado que classifica o desempenho do modelo como excelente, conforme
classificação da Tabela_1.
5. Conclusões e recomendações
Testaram-se os modelos morfodinâmicos XBeach e Litprof na erosão de dunas
durante tempestades marítimas. O caso de verificação tratou-se de um perfil de
praia arenoso com uma duna bastante robusta testado em canal de grande escala
(1:6) de laboratório. Numa primeira fase testaram-se os modelos com os
parâmetros por defeito (standard set of parameter settings). Numa segunda fase
calibraram-se os modelos, ajustando os parâmetros de forma a melhorar o seu
desempenho, i.e., a similaridade com os resultados observados. Em cada uma das
fases compararam-se os resultados de ambos, sempre com base nos resultados
observados durante a evolução do perfil experimental. Avaliou-se o desempenho
dos modelos na previsão da evolução do perfil com base em indicadores de
impacto (volume de erosão, recuo da duna e recuo do topo da duna) e no
indicador de erro, BSS.
A aplicação do modelo XBeach com os parâmetros por defeito mostrou que o modelo
simulou de forma razoável a acção erosiva das ondas na quase totalidade do
perfil, sendo as maiores diferenças relativamente aos resultados experimentais
verificadas no declive da duna, que se observou quase vertical durante a
experiência laboratorial e o modelo reproduziu mais suave, e na barra submersa
formada na extremidade da zona activa do perfil, que o modelo não reproduziu. O
modelo reproduziu correctamente o recuo do topo da duna mas não o recuo
observado ao nível da água. Consequentemente, o volume de erosão simulado foi
de 75% do valor observado. Tal facto evidencia falta de realismo na formulação
matemática do processo de avalanche. Relativamente à parte submersa do perfil,
admite-se que o facto do modelo subestimar a extensão da zona de acumulação da
areia transportada da face da duna se deve em grande parte ao facto do volume
de erosão ser subestimado pelo modelo e não necessariamente a falta de realismo
da formulação de transporte. Assim, numa aplicação de engenharia, em que
importa não só a precisão como também estar do lado da segurança, recomenda-se
precaução na aplicação do modelo XBeach com os parâmetros por defeito para
previsão da erosão de dunas.
A aplicação do modelo Litprof com os parâmetros por defeito mostrou que o
modelo não reproduz o processo de erosão da duna. Considera-se por isso que dos
modelos Xbeach e Litprof aquele com melhor desempenho com os parâmetros por
defeito é o modelo XBeach.
Discutiram-se, sugeriram-se e testaram-se doze parâmetros de calibração do
modelo XBeach, que foram: beta, break, facsl, facua, gammax, hmin, hswitch,
lws, turb, wetslp, dryslp e order. Fez-se variar cada um destes parâmetros de
cada vez relativamente à situação default (com os parâmetros por defeito) e
concluiu-se que os parâmetros mais influentes na evolução morfológica para este
caso de estudo foram beta, break, facua, gammax, hswitch, lws e wetslp. Destes,
os parâmetros lws e wetslp foram aqueles que conferiram ao perfil final uma
geometria mais próxima da configuração observada. Os resultados obtidos para o
indicador de erro BSS evidenciam que o melhor desempenho foi obtido com
alteração do parâmetro lws de 0 (por defeito) para 1 e que o segundo melhor
desempenho foi obtido com a alteração do parâmetro wetslp de 0,3 (por defeito)
para 0,15, sendo a ambos atribuída a classificação de excelente. Uma vez que a
alteração morfológica alcançada com a modificação do parâmetro lws permitiu
melhorar a previsão das duas características fundamentais sob o ponto de vista
da engenharia que são o recuo do topo da duna e o limite da extensão da zona
activa (onde se observou a formação da barra submersa durante a experiência),
considera-se que este parâmetro é de grande relevância na simulação da evolução
da erosão de dunas com o modelo XBeach.
Testaram-se quatro parâmetros de calibração do modelo Litprof para cada teoria
de onda. Eles foram: os parâmetro de rebentação γ1 e γ2 , o parâmetro de escala
αscale e o máximo ângulo de fundo submerso (Maximum Angle of Bed Slope). Fez-se
variar cada um destes parâmetros de cada vez relativamente à situação default
(com os parâmetros por defeito) e concluiu-se que os três primeiros parâmetros
não afectam a evolução do perfil mas apenas o parâmetro Maximum Angle of Bed
Slope é eficaz na calibração do modelo, pois causa erosão da duna. Concluiu-se
que a falta de similaridade entre os resultados numéricos obtidos com o modelo
Litprof e os resultados experimentais deve-se ao facto do modelo não abordar
correctamente o processo de avalanche em zona seca nem considerar a acção de
ondas longas. Concluiu-se que apenas limitando o máximo declive de fundo, e
desta forma acelerando o processo de instabilidade do fundo, é possível causar
erosão na base da duna com o modelo Litprof. Com base nesta conclusão, testou-
se o modelo à variação dos parâmetros γ2 e Maximum Angle of Bed Slope
combinados, na expectativa de que a alteração do perfil alcançada através da
deposição da areia erodida da face da duna (à custa da redução do Maximum Angle
of Bed Slope) causasse um aumento do transporte para maiores profundidades no
caso de se fazer variar o parâmetro γ2 (máxima razão entre a altura de onda e a
profundidade, H/h). Foi com esta combinação de parâmetros de calibração que se
obteve o melhor desempenho do modelo Litprof. No seu melhor desempenho,
classificado como razoável através do indicador de erro BSS, o modelo Litprof
reproduziu o recuo do topo da duna correctamente, simulou a formação de uma
barra submersa na posição observada experimentalmente, simulou incorrectamente
o volume de erosão (cerca de metade do observado) e o declive da duna, e
consequentemente gerou um avanço da duna ao nível do mar em vez de recuo. Por
este motivo, recomenda-se muita precaução na aplicação do modelo Litprof para
previsão da erosão de dunas. Verificou-se também que a teoria de onda não foi
relevante na evolução do perfil neste caso de estudo.
Da comparação dos modelos morfodinâmicos XBeach e Litprof nas duas fases, i.e.,
na fase de teste com os parâmetros por defeito e na fase de calibração,
concluiu-se que foi o modelo Xbeach que apresentou o melhor desempenho neste
caso de estudo. A execução deste estudo permitiu testar e ficar a conhecer a
elevada capacidade do modelo XBeach e a razoável capacidade do modelo Litprof
na previsão da erosão de dunas. Concluiu-se que o modelo XBeach tem um elevado
potencial na avaliação e previsão da vulnerabilidade de dunas pois não só
apresentou um excelente desempenho neste caso de estudo, como também, sendo um
modelo aberto a futuro desenvolvimento por parte da comunidade científica,
possibilita a alteração (introdução e/ou melhoria) do tratamento matemático dos
processos físicos envolvidos na morfodinâmica costeira. Relativamente a este
último potencial, acrescenta-se que este estudo permitiu deste já identificar o
processo de avalanche como um processo cujo tratamento matemático deve ser
melhorado para tornar as simulações do modelo mais realistas.